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Este artigo discute os conceitos e manifestações da chamada contracultura dos anos 60 e 70, relacionando-os à juventude da época e suas leituras culturais e midiáticas. O texto aborda as rupturas e inovações radicais em arte, ciência, espiritualidade, filosofia e estilo de vida, a diversidade, a comunicação verdadeira e o exílio e fuga. Além disso, discute as características quase universais da contracultura, como a desvalorização do racionalismo, o recuso ao estilo de vida americano, o pacifismo e o hedonismo.
Tipologia: Notas de estudo
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Orivaldo Leme Biagi^1
Resumo O presente artigo procura discutir os vários conceitos da cha- mada Contracultura das décadas de 60 e 70 do século XX, procuran- do relacionar tais conceitos com a juventude da época e suas leituras culturais e midiáticas. Novas práticas políticas e comportamentais, uma geração autônoma e distante da geração mais velha, um inimigo em co- mum para praticamente todos os grupos (Guerra do Vietnã) e um meio de comunicação deixando tudo mais próximo e, assim, aumentando a ideia de unidade (televisão) – eis a caracterização mais geral da Contra- cultura. O artigo irá discutir essas linhas mais gerais.
Palavras-chave Contracultura; Nova esquerda; Juventude.
Abstract This article tries to discuss the several concepts of the so called Counterculture of the 1960s and 1970
s, by relating such concepts to the youth of that time and their cultural and media readings. New political and behavioral practices, an autonomous and more distant generation from the older one, a common enemy for practically all groups (Vietnam war) and a means of communication making everything closer, and, the- refore, increasing the idea of unity (television) – that is the most general characterization of Counterculture. This article will discuss these more general lines.
(^1) Mestre e Doutor em História pela UNICAMP, Pós-Doutor pela USP, Professor e Coordenador do Curso de Direito das Faculdades Atibaia – FAAT.
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Key Words Counterculture; New leftists; Youth.
O jornalista Mark Kurlansky afirmou que nunca existiu um ano como 1968, pois, apesar das culturas ainda serem separadas, “ocorreu uma combustão espontânea de espíritos rebeldes no mundo inteiro” (2005, p. 13). O autor também destacou quatro fatores para explicar o que aconteceu: 1 - o exemplo do movimen- to dos direitos civis, na época uma prática nova e original; 2 - uma geração que se sentia diferente e alienada para rejeitar todas as formas de autoridade; 3 - a Guerra do Vietnã, “uma guerra uni- versalmente odiada, no mundo inteiro, a ponto de fornecer uma causa para todos os rebeldes que buscavam uma”; 4 – tudo isso acontecendo “num momento que a televisão amadurecia mas ain- da era suficientemente nova para não ter sido ainda controlada, destilada e embalada do jeito que é hoje” (2005, p. 14).
Marcos Alexandre Capellari apresentou quatro manifesta- ções mais visíveis da Contracultura: 1 – a desvalorização do racio- nalismo, na qual “temos as rebeliões, nas universidades, contra o sistema de ensino, e a construção de novos paradigmas, ou visões de mundo, baseadas em correntes contraculturais subterrâneas do Ocidente, em filosofias e religiões orientais e em certas vertentes da psicanálise e do marxismo”; 2 – a recusa ao american way of life, destacando “um estilo de vida descompromissado e errante”; 3
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A Nova Esquerda era uma resposta a uma corrente de pen- samento que se formou na segunda metade da década de 50 que defendia o “fim da ideologia”. Tal pensamento foi desenvolvido pelos intelectuais norte-americanos H. Stuart Hughes, Judith N. Shklar, Seymour Martin Lipset e Daniel Bell, entre outros, e de- fendia que as velhas ideologias do século XIX estariam esgota- das (minadas tanto pelo aspecto mais sangrento do comunismo soviético quanto pelo sucesso do capitalismo liberal do mundo ocidental). Assim, existiria um consenso de que as questões po- líticas não tinham mais o seu caráter crítico (o trabalhador, por exemplo, estava recebendo os bons frutos do capitalismo, inclu- sive apoio previdenciário, o que o anularia como força revolucio- nária). Em outras palavras: o radicalismo e a utopia não tinham mais espaços na vida política (JACOBY, 2001).
O sociólogo Charles Wright Mills contestou tal pensamen- to. Ele defendeu que o radicalismo e a utopia são elementos pre- sentes para a mudança social e que nem sempre o trabalhador era o melhor instrumento para a revolução – “não devemos tratá-lo como a Alavanca Necessária – como os trabalhistas ingleses, e ou- tros, tenderam a fazer” (1978, p. 133). Para Mills, o “fim da ideo- logia” era uma maneira conservadora, tanto no mundo capitalista quanto no socialista, para esconder os problemas da sociedade dando um verniz de aceitação ao errado sem contestá-lo por, em tese, não ter nada a se fazer.
E quem seria, então, o agente dessa contestação? A inte- lectualidade jovem, os únicos dispostos a fugir da apatia e que “temos de estudar essas novas gerações de intelectuais em todo o mundo, como instrumentos vivos e reais da transformação histórica” (MILLS, 1978, pp. 134-6). Assim, a Nova Esquerda norte-americana iria procurar novas questões para criticar o ca- pitalismo, concentrando-se nas questões dos direitos civis e, no decorrer dos anos seguintes, na contestação à Guerra do Vietnã (SOUSA, 2009).
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Práticas políticas que caracterizariam o estilo da “nova es- querda” não se limitaram aos Estados Unidos. Em Londres, em 1963, o Comitê dos 100 (grupo pioneiro de utilização de práticas públicas antinucleares, que contava com figuras como o filóso- fo Bertrand Russel) promovia passeatas com milhares de pessoas contra a corrida armamentista, utilizando das técnicas de sit-ins, ou seja, as pessoas sentavam no asfalto e impediam o trânsito, sendo presas pela polícia num ato de provocação política delibe- rada. O sinal militar que significava “parem as bombas” foi trans- formado em ícone pelo Comitê dos 100 – e, mais tarde, seria um dos símbolos utilizados por hippies do mundo todo (MUGGIA- TI, 1997).
Nota: a grande maioria das pessoas que participavam de tais manifestações era composta por jovens.
A inclusão da Nova Esquerda como movimento contracul- tural sempre será discutível, mas sua “união” com o movimento Hippie acabou ajudando a formar o conceito de Contracultura. E também contribuiu para deixar difícil a sua contextualização.
Já a Internacional Situacionista era formada por um peque- no grupo de pensamento anarquista procurando criar situações (razão do nome do movimento) para denunciar a forma mais alienadora do capitalismo, ou seja, sua condição de espetáculo. Nas palavras de um de seus grandes organizadores e pensadores, Guy Debord, o grupo procurava denunciar a chamada sociedade do espetáculo, na qual o caráter espetacular do produto escondia as reais relações de exploração da sociedade capitalista (HOME, 2004).
Os situacionistas tornaram-se internacionalmente famosos no chamado Escândalo de Strasbourg.
Um grupo de estudantes montou uma chapa para disputar a eleição do diretório acadêmico da universidade de Strasbourg com um objetivo: destruir o próprio diretório. Para surpresa ge- ral, o grupo foi eleito e, ao assumir, não sabia como realizar seu
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Tais noções podem explicar a diferença de um movimen- to contracultural de uma simples revolta, mas não explicam por que a Contracultura do período do presente artigo, ou seja, da segunda metade do século XX, atingiu, essencialmente, um nú- mero grande de jovens manifestando-se contra as regras das ge- rações mais velhas, naquilo que ficou conhecido como “conflito de gerações” ou “choque de gerações”. A explicação mais clássica do “choque de gerações” foi dada por Theodore Roszak, um dos criadores do termo Contracultura.
De acordo com Roszak, os movimentos contestatórios fo- ram feitos por uma minoria de jovens das décadas de 60 e 70, fi- lhos do chamado “baby boom”, expressão que define os aproxima- damente 86 milhões de nascimentos ocorridos entre 1946 e 1964, apenas nos Estados Unidos, criados na prosperidade econômica que os países desenvolvidos atingiram depois da Segunda Guerra Mundial. De acordo com Hobsbawm, a economia mundial
crescia a uma taxa explosiva. Na década de 1960, era claro que jamais houvera algo assim. A produção mundial de manufaturas quadruplicou entre o início da década de 1950 e o início da década de 1970, e, o que é ainda impressionante, o comércio mundial de produtos manufaturados aumentou dez vezes (1995, p. 257).
Esses jovens - diferentemente de seus pais, que precisa- ram sujeitar-se ao trabalho, quer pela depressão econômica, ou quer pela guerra - desejavam ficar jovens eternamente. Para esses “jovens mimados” e criados na abundância, não acostumados às
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convenções sociais (muito mais suaves nas suas casas, nas esco- las e nas universidades), a sociedade tinha de ser mudada para a busca do prazer que tais convenções sociais impediam (ROSZAK, 1972). Assim, procurou-se criar uma nova cultura, ou seja, uma Contracultura.
Luís Carlos Maciel, um dos expoentes da divulgação da Contracultura no Brasil, explicou que o
termo ‘contracultura’ foi inventado pela imprensa norte-ameri- cana, nos anos 60 para designar um conjunto de manifestações culturais novas que floresceram, não só nos Estados Unidos, como em vários outros países, especialmente na Europa e, embora com menor intensidade e repercussão, na América Latina. Na verdade, é um termo adequado porque uma das características básicas do fenômeno é o fato de se opor, de diferentes maneiras, à cultura vi- gente e oficializada pelas instituições das sociedades do Ocidente. Contracultura é a cultura marginal, independente do reconheci- mento oficial. No sentido universitário do termo é uma anticul- tura. Obedece a instintos desclassificados nos quadros acadêmicos (MACIEL apud PEREIRA, 1984, p. 13).
Uma forma “de se opor, de diferentes maneiras, à cultura vigente e oficializada pelas instituições das sociedades do Oci- dente” através de uma “cultura marginal, independente do reco- nhecimento oficial” – eis duas das imagens mais tradicionais da Contracultura. Tais imagens alimentaram as ideias de contestação social e da criação de novas formas de ver e agir no mundo sem as limitações da vida social como era conhecida, ou seja, procurava- -se viver com liberdade e sem autoritarismo.
Mas tal conceito também é contestável, pois nem todos os grupos da Contracultura necessariamente entendiam “procurar viver com liberdade e sem autoritarismo” da mesma forma. Mes- mo sendo um dos pioneiros da Contracultura norte-americana, os motoqueiros conhecidos como Hell´s Angels, grupo surgido em 1948, estavam longe de ser “libertários”, pois praticavam atos
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Vamos discutir mais a questão.
Juventude: o Motor da Sociedade
A “questão jovem” (a presença social da juventude nas so- ciedades e seu caráter contestador) não nasceu nas décadas de 50 e 60 no cinema e na música. Desde o final do século XIX, que a preocupação com o jovem, em particular com a sua provável ligação com a delinquência e a desordem social, era intensamen- te discutida, sendo que várias políticas públicas foram aplicadas tentando tirar os rapazes do universo do crime e as garotas do exercício ilícito da sexualidade – prostituição, em outras palavras (SAVAGE, 2009).
E paralelo a esse processo de luta contra a delinquência, encontramos inúmeras políticas de valorização do jovem como elemento vital para a sociedade, como a força do futuro da mes- ma - e, como tal, deveria ser tratado como um grupo especial. O movimento conhecido como Juventude Hitlerista, por exemplo, procurou valorizar as representações típicas de “beleza, força e futuro” que a juventude deveria carregar (SAVAGE, 2009).
Assim, a juventude sempre recebeu uma especial atenção da sociedade adulta. E, mesmo assim, sempre procurou mostrar suas diferenças. Muitos pais ficaram imensamente preocupados com a dança “libidinosa” que seus filhos executavam ao som das Big Bands de Jazz dos anos 30 e 40 (SAVAGE, 2009). E já existiam as chamadas subculturas jovens antes dos anos 60, como já ob- servamos anteriormente: o incidente que deu origem ao filme “O Selvagem” (“The Wild One”), ou seja, a invasão de um grupo de motoqueiros numa pequena cidade americana ocorreu em 1948 (THOMPSON, 2004); os “Existencialistas”, ou “Exis” como eram chamados, já eram um grupo forte na juventude francesa e alemã (o famoso corte de cabelos dos Beatles era baseado nesta subcul- tura) (SPITZ, 2007); e, na Inglaterra, várias subculturas se forma- ram durante os anos 40 e 50 (os Ted Boys, os Mods, os Rockers, entre outros), localizadas inicialmente nos subúrbios proletários
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de Londres e, depois, espalhando-se nas cidades mais distantes (GOULD, 2009).
Não sendo a juventude uma novidade e nem a sua rebeldia, o que a fez brilhar tão intensamente depois de 1945? E por que ela, ou uma parte dela, se rebelaria contra o mundo adulto?
Uma parte da resposta foi a maneira como a juventude foi canalizada imageticamente a partir do final da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos tornaram-se a grande super- potência do mundo ocidental.
Nos Estados Unidos, e depois irradiado para o resto do mundo, ser jovem, depois de 1945, tornou-se um ideal absoluto dos novos tempos e um marco a ser alcançado. Foi criada uma nova estratégia de publicidade (comercial, mas, principalmente, política) valorizando a juventude, ou o teenage, como imagem de modernidade – uma modernidade especificamente norte-ameri- cana a princípio, e, depois, mundial. De acordo com Jon Savage, os
aliados venceram a guerra exatamente no momento em que o mais recente produto da América estava saindo da linha de produção. Definida durante 1944 e 1945, a teenage fora pesquisada e desen- volvida por uns bons cinqüenta anos, o período que marcou a as- censão da América ao poder global. A divulgação pós-guerra de valores americanos teria como ponta de lança a idéia do teenager. Este novo tipo era a combinação psíquica perfeita para a época: vivendo no agora, buscando prazer, faminto por produtos, personi- ficador da nova sociedade global onde a inclusão social seria con- cedida pelo poder de compra. O futuro seria teenage (2009, p. 498).
Assim entendemos a formação da Contracultura nos anos 50, 60 e 70. Roszak não estava totalmente errado nas suas palavras, ou seja, ele explicou muito bem a formação da juventude como uma entidade própria, com o conceito de um fim em si mesmo, condições que levariam à revolta de gerações. Roszak conseguiu explicar as revoltas, mas não tinha percebido que a juventude era mais do que uma condição, mas sim o valor absoluto da sociedade.
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e o mais profundo dos filmes sobre o tema, Juventude Transvia- da (Rebel Without a Cause), embora isolasse o mundo jovem do mundo adulto, acaba, no final, conciliando as duas esferas.
Não importava a denúncia ou a conciliação: os três filmes acabariam sendo as fontes visuais e sonoras dos novos tempos da iniciante cultura teen. Os corpos, atos e roupas de Marlon Bran- do (O Selvagem) e James Dean (Juventude Transviada), além do surgimento de um “hino de guerra”, uma música que nascia da junção de duas culturas submissas em relação à “alta” cultura (re- sumidamente, o r´n´b dos negros e o country do caipira branco), que seria chamada de Rock´n´Roll (“Rock Around the Clock”, in- terpretada por Bill Halley and his Comets, era a música que abria e fechava o filme “Sementes da Violência”), ajudaria a intensificar a construção de um mundo jovem, de regras, comportamento, música, etc. de jovens para jovens. E, consequentemente, ajudaria a formar uma imensa estrutura publicitária que anunciaria inú- meros e novos produtos para explorar a nova “moda”, ou seja, a juventude, tendo a rebeldia como combustível.
A nova cultura da rebeldia também chegou ao Brasil, mas de uma maneira bem inusitada: a primeira gravação nacional de um rock foi feita pela cantora de boleros Nora Ney (uma versão de “Rock Around the Clock”, “No Balanço das Horas”) e um casal de irmãos com imagem bastante “suave”, que foram os primeiros teen idols, Cely e Tony Campelo.
Mas o lado marginal e desajustado também acompanhou a nova cultura no Brasil. Não apenas os casacos de couro, motos e topetes com brilhantina assustaram o conservadorismo cultu- ral local, mas um crime famoso: o assassinato de Aída Curi por um grupo de jovens de classe alta relacionados à rebeldia sem causa marcou profundamente o imaginário brasileiro sobre o rock´n´roll.
As imagens criadas na época não poderiam ser mais con- tundentes: Curi, 23 anos, virgem, recém-saída de um colégio de
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freiras, que lutou na defesa da sua honra contra um ataque sexual (a chamada “curra”, conforme o termo da época) e, por consequên- cia, sendo jogada do alto de um edifício pelos “playboys” ao som de rock´n´roll... nada mais imageticamente poderoso para ligar um estilo musical (e de vida) à delinquência. Nas palavras de Joa- quim Ferreira dos Santos:
O crime do Edifício Rio Nobre colocava sob os holofotes a Juventu- de Transviada. Era a primeira vez que se pregava um rótulo num grupo de jovens com gostos mais ou menos afins: no caso, rock and roll, camisa vermelha nos rapazes e calça jeans nas garotas, tudo jogado em cima de uma lambreta. Uma palavra estava aparecendo e ainda não tinha virado jingle de refrigerante: rebeldia (1998, pp. 139-40).
Tanto para o consenso quanto para a rebeldia, a publicida- de e a presença cada vez mais abrangente da imagem seriam os grandes elementos da nossa sociedade e foram vitais na forma- ção da Contracultura, o que mostra a importância não apenas do consumo, mas da moda, da roupa e da música. Nesses aspectos, a figura dos Beatles foi essencial.
De acordo com Jonathan Gould, “os Beatles eram uma fi- gura central na criação do mito da contracultura.” (2009, p. 402). Para o autor, a
transformação que haviam empreendido na música popular desde a chegada nos Estados Unidos em 1964 era amplamente reconhe- cida como a expressão primordial do poder cultural da juventude, uma influência tão notável que a progressão de seus álbuns marca- va a passagem do tempo na vida dos ouvintes (...) (2009, p. 402).
A moda começava a ter um papel mais expressivo na vida social e a influência dos Beatles é determinante neste ponto pois
foi a transformação que causaram na moda masculina america- na, a começar pela afronta ao ‘princípio indiscutível de que cabelo curto equivale ao sexo masculino e cabelo comprido ao feminino’.
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particular) não passou despercebida. Uma obra publicada na dé- cada de 70 e lançada no Brasil com boa publicidade pelo grupo Abril (na verdade, foi a primeira obra da chamada Coleção Veja) procurou analisar a “revolução” do momento dentro de uma pers- pectiva bastante peculiar. Nem Marx Nem Jesus, de Jean-François Revel, apresentava o que o título sugere: a revolução mundial não estaria vinda do universo socialista (representado por Marx) e nem do universo tradicional (representado por Jesus), mas sim pela expansão capitalista (e, consequentemente, cultural) promo- vida pelos Estados Unidos.
De acordo com o autor, se a “segunda revolução mundial vier a acontecer” (a primeira foi a Revolução Francesa), “só nos Estados Unidos poderá ela ter sua origem” (REVEL, 1973, p. 41). Ele afirmou categoricamente que
só pode haver revolução, servindo de modelo para o mundo, numa sociedade em que o debate contraditório das partes em luta se si- tua no nível mais elevado, isto é, arrola – no domínio econômico, político, científico, administrativo, na tecnologia e na cultura, na produção e na informação, na moral e na literatura – as forças que representam o mais alto grau de evolução no momento. É preciso que o ‘diálogo’ coloque os revolucionários mais inteligentes do mo- mento às voltas com os reacionários mais inteligentes, a fim de que esse ‘diálogo’ se transforme em dialética, gere uma revolução, isto é, um novo protótipo de civilização e não apenas um golpe de estado local, ainda que com apoio popular (1973, p. 41).
O local era os Estados Unidos, e seus debates e práticas iriam se propagar pelo mundo, criando, portanto, a situação des- sa segunda revolução. E a publicidade mundial seria o meio de propagação dessa revolução em grande escala.
Considerações Finais
Com a intensificação da publicidade em todos os aspectos da vida cultural da humanidade, em particular na insistência da
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valorização da ideia de juventude e do uso expressivo de imagens, várias estruturas sociais e culturais relativamente estáveis ou de pouca mobilidade começaram a apresentar significativas mudan- ças e perda de foco (VIEIRA FERREIRA, 1997).
A Contracultura impulsionou bastante a fragmentação dos tempos atuais, pois foi a partir dela que inúmeros movimentos sociais e políticos formaram-se fora das estruturas sociais e polí- ticas tradicionais (como, por exemplo, os movimentos ecológicos, feministas e de homossexuais), intensificando a formação do cha- mado Terceiro Setor (BIAGI, 2006). Logo, a própria estrutural es- tatal (o conceito de estado-nação) seria contestada, abrindo cami- nho para inúmeros debates com a temática de Globalização, em particular após a queda do império soviético e com a expansão, aparentemente ilimitada, das relações capitalistas (THUROW, 1997).
De acordo com Michael Hardt e Antonio Negri:
Muita gente sustenta que a globalização da produção e da permu- ta capitalistas é prova de que as relações econômicas tornaram-se mais independentes de controles políticos, e, consequentemente, que a soberania política está em declínio. (...) É fato que, em sinto- nia com o processo de globalização, a soberania de Estados-nação, apesar de ainda eficaz, tem gradualmente diminuído. (...) O declí- nio da soberania dos Estados-nação, entretanto, não quer dizer que a soberania como tal esteja em declínio. Através das transforma- ções contemporâneas, os controles políticos, as funções do Estado, e os mecanismos reguladores continuaram a determinar o reino da produção e da permuta econômica e social. Nossa hipótese básica é que a soberania tomou nova forma, composta de uma série de organismos nacionais e supranacionais, unidos por uma lógica ou regra única. Essa nova forma global de economia é o que chama- mos de Império (2006, pp. 11-2).
A noção de Império de Hardt e Negri tem como caracterís- tica uma fragmentação cada vez maior dos tempos atuais, em par-
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