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A Vida e o Trabalho de Max Stirner: A Revelação de um Novo Deus, Notas de aula de Direito

A extensa obra de max stirner intitulada 'eu', que causou uma recepção avassaladora durante a época em que foi publicada. Stirner, um autor radical, escreveu a obra com a intenção de enganar o estado e libertar-se da opressão. A obra explora a questão da liberdade de imprensa e apresenta a vida de um homem, transferindo-a para a história dos 'primeiros pais'. O documento oferece uma visão de como stirner investigou a vida de um homem, a história dos 'primeiros pais', e a vitória da moralidade sobre o homem. Além disso, ele discute a importância da luta contra o estado e a necessidade de se tornar mestre de si mesmo.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

VictorCosta
VictorCosta 🇧🇷

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O único e a sua propriedade
* John Henry Mackay (1864-1833), filho de uma alemã e um escocês, viveu na
Alemanha com sua mãe após a morte precoce de seu pai. Sua longa trajetória
literária inclui escritos de diversos gêneros, mas ficou conhecido como poeta
lírico e anarquista. Seus escritos gay-amorosos foram publicados sob o pseudô-
nimo de Sagitta. A redescoberta de Max Stirner é atribuída a Mackay.
o único e a sua propriedade1
john henry mackay*
No círculo dos “Livres” havia se espalhado um rumor
que Stirner estava trabalhando em uma extensa obra
na qual “já havia empilhado página sobre página” e con-
tinuava a crescer, “marcando-a com o tecido caracte-
rístico de seu pensamento”.
Mas ninguém saberia detalhadamente o que dizer
sobre esta obra. Stirner nunca a debateu ou permitiu
que alguém visse ou lesse uma única página. Ele mes-
mo traiu o “segredo de sua vida” apenas na medida em
que, ocasionalmente, apontava para sua mesa onde seu
“Eu” esteve escondido.
A própria existência da obra “poderia também ser
uma fábula”, e assim era vista por alguns, quando su-
bitamente nos últimos dias de outubro de 1844 veio a
público sob o nome de Der Einzige und sein Eigentum [O
único e a sua propriedade].
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O único e a sua propriedade

  • John Henry Mackay (1864-1833), filho de uma alemã e um escocês, viveu na Alemanha com sua mãe após a morte precoce de seu pai. Sua longa trajetória literária inclui escritos de diversos gêneros, mas ficou conhecido como poeta lírico e anarquista. Seus escritos gay -amorosos foram publicados sob o pseudô- nimo de Sagitta. A redescoberta de Max Stirner é atribuída a Mackay.

o único e a sua propriedade^1

john henry mackay*

No círculo dos “Livres” havia se espalhado um rumor que Stirner estava trabalhando em uma extensa obra na qual “já havia empilhado página sobre página” e con- tinuava a crescer, “marcando-a com o tecido caracte- rístico de seu pensamento”.

Mas ninguém saberia detalhadamente o que dizer sobre esta obra. Stirner nunca a debateu ou permitiu que alguém visse ou lesse uma única página. Ele mes- mo traiu o “segredo de sua vida” apenas na medida em que, ocasionalmente, apontava para sua mesa onde seu “Eu” esteve escondido.

A própria existência da obra “poderia também ser uma fábula”, e assim era vista por alguns, quando su- bitamente nos últimos dias de outubro de 1844 veio a público sob o nome de Der Einzige und sein Eigentum [ O único e a sua propriedade ].

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O título teria sido originalmente “Eu” — e o comen- tário de Stirner acima se refere a isso. Foi abandonado para vir a nomear a segunda parte de sua obra.

Como autor, Stirner utilizou o nome sob o qual tinha escrito suas primeiras obras e que usava no seu círculo de conhecidos; na página do título constava o nome de uma das mais respeitadas editoras da Alemanha, Otto Wigand, de Leipzig, o corajoso e amplamente conhecido editor das mais importantes publicações radicais da época. Responsável, também, pelos projetos de Ruge e de Feuerbach, engajado de corpo e alma nos embates daquela época. O ano que aparecia no livro era 1845. Uma ligação de amizade unia Stirner e Wigand; este último estimava seu novo autor e a ele se referia com grande respeito. Casualmente, Stirner estava em Leipzig em 1844, provavelmente para discutir os detalhes da obra da sua vida com Wigand.

A confiança que o editor tinha na obra era demons- trada pela alta qualidade da publicação. A primeira edi- ção de Der Einzige é uma das melhores impressões de sua editora: um magnífico volume de quase quinhentas páginas, no melhor papel, com generosas margens e impressão grande e clara, quase impecavelmente reali- zada por J. B. Hirschfeld em Leipzig. Essa edição, que se tornou uma raridade hoje em dia, foi comercializada no valor de dois talers e meio por cópia costurada com capa cor de areia. Ela ultrapassou as duas edições se- guintes em todos os aspectos.

O livro trazia a dedicatória “para minha querida Marie Dähnhardt”, que havia sido a esposa de Stirner por um ano.

Nós não estaríamos equivocados se considerássemos que o livro havia sido concebido em 1842, na época em que Stirner estava elaborando muitas de suas idéias

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Alguns dias depois o confisco havia sido suspenso pelo Ministro do Interior, por haver considerado o livro “muito absurdo” para ser perigoso. O fundamento con- siderado “muito interessante” para a decisão, que o Bockhaus’sche Allgemeine Presszeitung [Jornal de Bo- ckhaus] de 8 de novembro de 1844 havia prometido re- portar, nunca chegou a ser publicado, fazendo com que a sabedoria das digníssimas autoridades nunca pudes- se ser compreendida em sua dimensão total. Basta di- zer que, para Stirner, que se ocupou profundamente da questão da liberdade de imprensa e que escreveu sua obra com total circunspecção com o objetivo de “enga- nar” o Estado, sua intenção foi admiravelmente realiza- da. “ Deixe meu povo, se assim quiserem, sem a liberda- de de imprensa. Eu darei um jeito de imprimir pela força ou artimanha. Eu obtenho permissão para imprimir ape- nas de mim mesmo e de minha própria força .” Ele foi realmente bem sucedido. Enquanto os mais inofensi- vos escritos eram proibidos, o livro mais radical e “mais perigoso” daquele e de todos os tempos era permitido, passando de mão em mão sem nenhuma obstrução — naquele tempo e até hoje.

Terá alguém, algum dia, se deliciado com esse fato mais do que ele, que contrabandeou seu precioso obje- to, ao mesmo tempo intrépida e astuciosamente, atra- vés da fronteira desenhada pelo despotismo sobre o pensamento livre?

Na Prússia, por acaso, Der Einzige foi banido antes do Natal, como ocorreu também em Kurhessen e Mack- lenburg-Schwerin. O banimento, até onde se sabe, nun- ca foi revogado. Isso não impediu, evidentemente, que a nova publicação fosse ansiosamente lida por todos os lados, especialmente entre os jovens estudantes, que a passavam de mão em mão. Nesse caso o protesto de Savigny, o Ministro da Justiça, ao rei foi confirmado:

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que os escritos proibidos eram aqueles mais dissemi- nados e lidos, e que o banimento e o confisco geravam o exato efeito oposto ao pretendido.

Pode-se afirmar que Stirner nunca entrou em con- fronto com a polícia. Esta não mantinha sequer um ar- quivo sobre ele, como havia sobre a maioria dos inte- grantes do círculo [dos Livres]. E quando havia qual- quer menção a ele, como, por exemplo, nos arquivos sobre [Ludwig] Buhl, estes eram imprecisos; escreviam o nome apenas por rumores, pronunciados em legítimo dialeto de Berlin, como “Styrna”. Quando foi feita uma investigação, durante o episódio de Gegenwort^2 , não o encontraram, mas em decorrência de uma confusão com os nomes acharam um professor do ensino médio cha- mado Schmidt, que para a vergonha das autoridades protestou com indignação em favor de sua completa inocência. Sobre Stirner, esse “cavalheiro de idade ma- dura”, a polícia tinha apenas “boas referências”. Obvia- mente ele foi também desacreditado por isso. Como se não tivesse nada melhor para fazer, e como se isso de- mandasse coragem para lutar uma batalha com os ór- gãos subordinados do poder, ao mesmo tempo em que se preparava para a mais mortal investida contra o âma- go desse próprio poder!

A recepção obtida pela obra foi avassaladora; hoje seria chamada de “sensacional”.

As pessoas foram imediatamente tomadas pela nova publicação, que saiu do completo anonimato para o amplo domínio público. Até o Natal de 1844 o livro já havia alcançado todos aqueles que possuíam algum in- teresse no progresso radical da época. Os jovens, em

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do” é “ordem” e negar a sua necessidade? Os socialis- tas grunhiram: ser chamado de “ lumpen ” os tinha ofen- dido profundamente. Os humanistas estavam profun- damente incomodados: eles haviam construído a hu- manidade para eles de forma tão bela, nova e esplêndida, tão divina, e agora sua obra de arte estava completa- mente destruída em pedaços! Esses, mais do que os outros, procuraram resgatar e defender seu último ide- al. Haviam sido em todos esses anos o orgulho da “crí- tica”, do “crítico”, a crítica “absoluta”, para superar num incansável progresso uma oposição atrás da outra. Eles não admitiam que fosse dito a respeito deles que esta- vam ainda tão atrás. Portanto, revoltaram-se. Mas a “crí- tica” já havia entrado naquela época em um estágio de auto-decomposição. Suas forças estavam exauridas e seu trabalho, o trabalho preparatório, fôra realizado: morreu em decorrência dos sopros de Stirner.

Era esperado que as opiniões, mesmo entre “Os Li- vres”, fossem expressas de forma tão diversa. A surpre- sa em ouvir o mais calado deles falar repentinamente tão alto e claro foi universal, e mesmo aqueles mais pró- ximos, que já acompanhavam os primeiros trabalhos de Stirner, sabiam que se tratava de uma matéria im- portante. Outros que se encontravam mais distantes ficaram ainda mais impactados em ver naquele homem simples, a quem eles até o momento nunca haviam dado muita atenção, o grande e afiado intelecto, que se fazia ouvir a partir de seu livro. Stirner e suas idéias passa- ram a ser o foco do círculo e de suas conversas. Stirner, naturalmente, permaneceu completamente indiferen- te. A fama exterior não fazia dele mais orgulhoso do que ele estava internamente. De qualquer forma ele agora fazia parte das “curiosidades” do círculo, e desse mo- mento em diante passava a figurar ao lado dos Bauer [Bruno, Edgar e Egbert] e outros. As pessoas passaram

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a freqüentar o Hippel para ver “o único” e para se con- vencer de que “pessoalmente ele não era de forma algu- ma tão mal como ele se fazia parecer a partir de seu livro”.

Bruno Bauer, que já havia se “desentendido” com Stirner em 1843, quando trabalhavam em uma prová- vel edição planejada conjuntamente, percebeu que Stirner “estava acima dele e o havia ultrapassado”, tri- lhando caminhos que ele não poderia seguir. Para cer- tificar-se, ele conteve seus ressentimentos internos e nunca os explicitou publicamente, na justa medida em que buscou combater a crítica de Stirner. A relação en- tre eles se manteve superficialmente amigável, ainda que algum estranhamento fosse percebido por muitos, e que veio à tona depois que ela encontrou tal expres- são intelectualmente afiada. No entanto, nunca chegou a haver uma separação entre os dois.

A filosofia de Stirner não é um “sistema” que poderia fundar uma “escola”, e por meio dela ser elaborado e melhor fundamentado. Apesar de Stirner ser um profes- sor, nenhuma palavra em seu livro é desleal ao filosófi- co professor escolar. Cada um deve aprender com ele o que irá e o que pode aprender; sem nunca ser seu “dis- cípulo” num sentido estrito. E se o quisesse ser, seria rejeitado pelo seu professor em seu próprio ato de pen- sar. Os jovens serão certamente — e espera-se que para sempre — estimulados e encorajados ao pensamento independente por Stirner. Porém, a completa contribui- ção de Der Einzige será apenas concedida àquele que houver substituído as ilusões da juventude pelas ver- dades da vida.

Curiosamente, no entanto, Stirner não teve, dentre seus admiradores, reais seguidores [ Anhänger ]. Não havia basicamente ninguém que pudesse captar a real

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próximo dessa resposta. Nada substitui esse esforço — nem tampouco o benefício dele decorrente.

A inesgotável riqueza do livro torna ridícula qualquer descrição. Uma listagem de seus conteúdos de forma sistemática é impossível, pois Stirner, apesar de reali- zar um plano da obra como um todo, rompe reiterada- mente com o curso da exposição, alcançando elemen- tos à frente ou atrás de maneira inventiva e situando seus objetos de análise sob novas luzes.

Ele sentia e sabia disso. Chega até a mencionar em uma passagem logo no início que ele não pensa em “ se propor a trabalhar por linha e nível ”.

Assim como ele se destaca diante do leitor impres- sionado já na breve introdução com a forte proposição — “aqui estou eu!” — após algumas páginas, quando ele ainda está completamente ocupado em decifrar os homens dos tempos antigos, o egoísta aparece com toda a sua grandeza. E enquanto o “homem” não está ainda resolvido em seu completo vazio como o fantasma do passado, o egoísta já demanda o seu poder, sua propri- edade, e já se ergue ali, mesmo que ainda em uma for- ma incerta, em sua singularidade.

Novamente, ao passo em que nós acreditamos que o “homem” já conquistou, e o “eu” se desenvolve diante de nós em sua força e esplendor, Stirner, como Aquiles, arrasta o corpo do conquistado pelo campo de sua vitó- ria, e só ao final de seu objetivo o vitorioso corporificado liberta o inimigo sem vida e sem corpo.

Stirner não se repetiu. Inesgotável como a natureza, que a cada invenção se satisfaz com aparentes repeti- ções e cujas criações nunca são exatamente as mes- mas, seu campo é tão grande e amplo como o dela e encontra sua fronteira apenas nele mesmo.

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O único e a sua propriedade Ainda assim, nós não podemos abandonar a tentati- va de compreender, pelo menos em um amplo e incom- pleto esboço, os principais pensamentos da obra e, portanto, antes de tentar entrar na significação de Der Einzige , sua linguagem e seu estilo e de avaliar suas conquistas, gostaríamos de ler o livro juntos, lentamente, página por página, e permitir que nossos olhos repou- sem brevemente nas altitudes, antes de nos atirarmos novamente nos vales e profundezas de sua extensão.

É desnecessário mencionar que deixaremos Stirner falar com suas próprias palavras o máximo possível.

Tudo me diz respeito. Apenas a minha causa nunca me dirá respeito. “ Culpa dos egoístas ”.

Mas de Deus, da humanidade e do sultão, que base- aram sua causa neles mesmos, desses grandes egoísta eu irei aprender: nada concerne mais a mim do que eu mesmo.

Como eles, eu fundei a minha obra sobre o nada!

A obra está dividida em duas grandes seções: a pri- meira é intitulada “Homem”, e a segunda, “Eu”.

A inquieta, agitada crítica da época promoveu o “ho- mem” dos entulhos do passado para o ideal mais alto e final. Para Feuerbach, ele tornou-se o mais alto dos homens; para Bruno Bauer, algo encontrado agora. Vol- temos-nos aos dois, o mais alto dos homens e à nova

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entendeu ele mesmo como espírito. E, com o mundo do espírito, o Cristianismo começou e o novo homem en- trou em cena.

Separados originalmente pelo mais profundo preci- pício, os próprios antigos construíram uma ponte para o novo sobre o abismo das diferenças internas, e da verdade que eles buscavam e encontraram fizeram de- les mesmos uma mentira. Mesmo assim, eles, os pa- gãos, ainda prevenidos, firmaram-se em oposição ao mundo das coisas, e procuraram retirar o homem cada vez mais dessa ordem do mundo para eles próprios. Eles foram enganados pelos novos homens, pela sua maior vitória de conquista do mundo. Para eles, os novos ho- mens, o mundo não é mais, porém o espírito — Deus, o conquistador do mundo — é tudo. Ir além dele, como os antigos foram além do mundo, é o combate dos próxi- mos dois séculos: a batalha da teologia.

Sua luta assumiu um caminho parecido com o dos antigos: após um longo aprisionamento, a razão se er- gueu no século da pré-Reforma, e permitiu que o jogo continuasse até que finalmente começasse com o pró- prio coração na Reforma, e desde então — sempre se tornando menos Cristão — não é mais capaz de amar o homem, apenas o espírito.

Mas o que é o espírito? É o criador de um mundo espiritual! ” Vindo do nada, ele é sua primeira criação, assim como o homem pensante cria a si mesmo com seu primeiro pensamento — e você o coloca no centro —, do outro lado, o egoísta o faz com ele mesmo. “ Você não vive para si, mas para o seu espírito e para o que é do espírito, ou seja, idéias. ” O espírito é seu deus.

Mas eu e o espírito vivemos em um eterno conflito. Ele vive no além; eu vivo na Terra. Em vão forçar o ce- lestial a descer para este lado! “ Eu não sou nem Deus

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nem Homem, nem a essência suprema, nem a minha es- sência.”

Após essa digressão sobre a fundação do espírito, a apresentação vai do novo homem até a detalhada con- sideração daqueles possuídos por ele.

O espírito é como aquele fantasma que ninguém viu, mas que é atestado inúmeras vezes por confiáveis tes- temunhas (“as avós”). Todo o mundo que o circunda é povoado por fantasmas imaginários. A santidade da ver- dade, que o santifica, é basicamente algo estranho, não lhe é próprio. “ A estranheza é uma marca do sagrado. ” Para ele, que não acredita em qualquer ser supremo — nem em Deus, nem no Homem — o admirador ateu do homem e adorador cristão de Deus são igualmente de- votos.

Provar a realidade do fantasma (a “ existência de Deus ” em cada forma); foi essa a tarefa que o homem impôs a ele mesmo por séculos: a horrível provação das Danai- des de nomear o incompreensível em cada fenômeno. Assim, o próprio homem tornou-se um fantasma sinis- tro, que de cada canto aparece assustando a si mesmo e ao seu espírito, ou seja, a criação de seu espírito.

Mas na verdade ele existe apenas na sua cabeça — parafusos soltos atormentando-o. Ele perfurou tantas cabeças que quase todo o mundo humano parece ser um vasto manicômio, no qual os loucos realizam uma dança insana em torno de suas idéias fixas, enquanto a massa estúpida os estimula. “ As ‘idéias fixas’, esse é o verdadeiro sagrado ” para eles, e seu fanatismo perse- gue os hereges, que não acreditam em suas leis morais. No lugar de Deus colocaram a moralidade e a obediên- cia à lei. Toda oposição da era moderna é inútil, pois não ousa se afastar dessa “moralidade burguesa”. Inca-

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daqui em diante, alcançar nada mais alto ”), e ele mostra seu poder, como o de seus sacerdotes, sobre as “idéias fixas” da filantropia em suas muitas mal-entendidas expressões, assim como sobre a moralidade na educa- ção para “temer a opinião das pessoas”. Verdade e dú- vida na história da filosofia e da religião — assim pode- riam ser designados os próximos apontamentos, se eles não se inserissem imediatamente na renovada decom- posição dos conceitos, no qual os tempos modernos modificam finalidades existentes apesar da alegação de havê-las libertado. Protestantismo e Catolicismo são caracterizados em sua essência: são demonstradas a irresponsabilidade do último e a disciplina mental do primeiro.

O Homem encontra-se impotente diante do invencí- vel, desamparado diante de seu destino.

A sabedoria do mundo dos antigos busca evadir-se desse destino, assim como a teologia dos modernos; o primeiro lançando-se para superar o mundo, o segun- do lançando-se para subjugar o espírito.

O primeiro foi bem sucedido “quando eu havia me glorificado como o dono do mundo” “ quando eu havia me elevado à posição de eu-propietário do mundo”: o mun- do havia se tornado sem-mundo, a primeira proprieda- de adquirida; o segundo — que longa e inútil batalha até hoje! De fato, em dois séculos, nós “ fomos arrancan- do e pisando alguns bocados de santidade ”, mas o opo- nente emerge e re-emerge sob outra e nova forma. Do espírito santo veio a “idéia absoluta”, e a confusão de conceitos torna-se cada vez pior. “ Mais um passo, e o mundo do sagrado venceu!

Como você pode torná-lo seu? Consuma-o! “ Mastiga a hóstia e livras-te dela!

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O único e a sua propriedade Se o desenvolvimento dos antigos pôde ser definido em breves e claras seções, a consideração dos moder- nos em sua batalha confusa e contraditória com o espí- rito requer um espaço muito maior.

Não é a remota sabedoria do mundo dos antigos, não é o mundo-Deus do Cristianismo, mas a luta de seu próprio tempo que faz com que Stirner tenha simpatia com “Os Livres”, para quem, portanto, uma seção espe- cial é também dedicada.

Ele os nomeia “Os Livres” porque eles se chamam assim, mas ele o faz “ apenas como uma tradução de ‘os liberais’ ”. O termo liberalismo reunia naquela época to- dos os que acreditavam que ele havia alcançado o limi- te no campo do pensamento radical. Isso deve ter atra- ído, sobretudo, Stirner, que das alturas via esse campo estendido na planície do Cristianismo, para demons- trar a seus contemporâneos, o quanto eles ainda esta- vam aprisionados pelas correntes do espírito, das quais eles acreditavam profundamente terem escapado. Ele focava sua crítica na crítica mais progressista de seu tempo. A vitória deles, sobre a qual muito festejaram, era para Stirner apenas uma nova derrota diante do velho inimigo, e ele assumia a luta ali, onde eles se re- tiraram da batalha. Ele começava onde eles haviam pa- rado.

O movimento progressista do início da década de 1840 deu continuidade às três formas de liberalismo político, social e humanista. Hoje seus representantes seriam chamados de liberais, socialistas e “críticos”. E mesmo que o primeiro não tenha mais a motivação e tenha um pouco mais da coragem do segundo, este, com a enorme ascensão e crescimento do movimento socia- lista, fossilizado aqui como um partido político, busca ali novos litorais em uma maré eternamente alta; e o

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O único e a sua propriedade Eu tenho tudo pela graça do Estado; nada sem seu consentimento. Mas qual é a proteção do Estado para mim, que nada possuo? A proteção do privilegiado, que me explora. O trabalhador não pode se apropriar do uso do valor total de seu trabalho. Por quê? Porque o Esta- do está baseado na escravidão do trabalho. “ Se o traba- lho torna-se livre, o Estado está perdido.

Assim, e com referência ao poder monstruoso que o trabalhador possui, ainda não consciente disso, a consi- deração do político transfere-se ao do liberalismo social.

Se as pessoas no liberalismo político tornaram-se iguais, ainda assim não são sua propriedade. Assim como ninguém mais deve dar ordens, aqui ninguém mais deve “ter”. No lugar do Estado, coloca-se a sociedade. Quem é a sociedade? Todos. A nação de “políticos” é o “espírito” dos socialistas.

A sociedade não é personificada. E ainda assim a propriedade pessoal a pertence. Antes de tudo, o maior proprietário somos todos — lumpen. Nós estamos todos lá uns para os outros. Nós trabalhamos, assim — todos por um, um por todos. “ É o trabalho que constitui nossa dignidade e nossa — igualdade.” Não somos mais Cris- tãos e, portanto, sentimos nossa miséria; a doutrina do prazer do mundo, da felicidade da burguesia, nos pre- enche de indignação. Basta disso durante os seis dias de trabalho da semana; no domingo nós podemos nos chamar de irmãos.

Competição, a aposta por bens, desaparece. O co- munismo livra-se dela: cada um é um trabalhador e tudo pertence a todos. Na burguesia, os bens foram disponi- bilizados a todos; no comunismo eles nos são impostos.

Demonstrar que a aquisição de bens ainda não nos torna homens, essa é a tarefa que ainda permanece ao liberalismo humanista.

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Ele pode ser chamado de “humanista”, enquanto ele se chama de “crítico”, pois não vai além do princípio do liberalismo, homem, já que o crítico sempre permanece um liberal. “ Humanus é o nome do santo .”

O trabalhador faz tudo para o seu bem-estar; o cida- dão declarou o homem como tendo apenas “nascido li- vre” — ambos são usuários: uns usam a sociedade, os outros o Estado, para seus objetivos egoístas e não fa- zem nada pela humanidade.

Mas apenas o interesse humano me dá valor no caso dos humanistas; apenas o meu “completo desinteres- se” me faz um homem para ele. Ao negar a sociedade e o Estado, ele ainda retém a ambos e se esforça por eles na “sociedade humana”.

Em vez de falar: “Eu sou homem!” — ele busca por ele, homem — o corporificado busca idéias insubstan- ciais.

Ele despreza a mentalidade mula-de-carga, o traba- lho de massas do trabalhador, e a “ insubordinação do homem ” na consciência do cidadão; ele conhece apenas a consciência humana. Ele quer o último princípio: ver o homem estender-se sobre tudo.

O conflito como um todo dos liberais com eles mes- mos foi até agora um conflito pela medida da liberdade — liberdade para menos, para mais, para “toda” a liber- dade, do moderado até o imensurável — e assim a dis- córdia nunca foi explicitada.

Mas o inimigo mortal de todos sou eu, o egoísta, o ser inumano. Eu me retiro do Estado burguês, da lum- pen -sociedade do proletariado, da condição ideal de humanidade. A “liberdade” deles não é a minha liber- dade; o bem-estar dos outros não é o meu bem-estar; o direito humano, não é o meu direito. Nas suas ausências