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Guias e Dicas
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Desafios e Opportunidades no Museu: Um Estudo sobre a Visitação Escolar, Slides de Construção

Este documento discute os desafios observados durante as visitas escolares ao museu do ouro, particularmente a forma estruturada dessas visitas e a falta de interação com os objetos. O texto também aborda a origem do desconforto relacionado à atividade museu e a relação social que se formou entre o museu e as escolas. Além disso, o documento explora como o material produzido para um jogo permite abordar outros assuntos, favorecendo a aparição de diversos sujeitos sociais, acontecimentos, relações e conflitos que marcaram a formação social do país. O documento não pretende classificar a criação do jogo no domínio da pesquisa histórica, mas sim colaborar na sua criação.

Tipologia: Slides

2022

Compartilhado em 07/11/2022

VictorCosta
VictorCosta 🇧🇷

4.7

(47)

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE
CURSO DE MESTRADO
Isabella Carvalho de Menezes
OS GUARDIÕES:
jogo e teias de construção imaginativa no Museu do Ouro
Belo Horizonte
2016
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE

CURSO DE MESTRADO

Isabella Carvalho de Menezes

OS GUARDIÕES:

jogo e teias de construção imaginativa no Museu do Ouro

Belo Horizonte 2016

Isabella Carvalho de Menezes

OS GUARDIÕES:

jogo e teias de construção imaginativa no Museu do Ouro

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais, na linha de pesquisa I – Culturas, Memórias e Linguagens em Processos Educativos. Orientadora: Profa. Dra. Lana Mara de Castro Siman Belo Horizonte 2016

Dissertação defendida e aprovada em 19 de maio de 2016, pela banca examinadora constituída pelos professores:


Profª. Drª. Lana Mara de Castro Siman – Orientadora Universidade do Estado de Minas Gerais


Profª. Drª. Carina Martins Costa Universidade do Estado do Rio de Janeiro


Prof. Dr. Jezulino Martins Mendes Braga Universidade Federal de Minas Gerais


Prof. Dr. Mauro Giffoni de Carvalho Universidade do Estado de Minas Gerais

Dedico este trabalho ao meu pai, Marco Antônio de Menezes, que agora torce por mim de algum outro lugar.

“Ela atrapalhava os caminhos, os passos, as pernas. Redemoinhos pretos na cabeça longe, olhando fotos antigas, adornos, restos de história. Um museu inteiro feito de mundo, de vir a ser. Ela atrapalhava os caminhos e sempre chegava aonde devia estar.” Márcio Ronei

RESUMO

O estudo apresentado partiu do pressuposto de que o uso de jogos relacionados a acervos de museus, cujas tramas sejam construídas por estudantes, apresenta o potencial de neles instaurar predisposições favoráveis para o desenvolvimento da imaginação histórica. O método os aproxima do modo narrativo da História, que implica a articulação de acontecimentos e personagens, no tempo e no espaço; além disso, produz o potencial de criar, durante a visita ao museu, a dimensão fortuita dos processos de conexão, significação e prazer. Para isso, foi construída e colocada em prática, no Museu do Ouro (Sabará/MG), uma estratégia diferente da visita guiada habitual. A metodologia empregada consistiu na organização de um painel de especialistas, a fim de obter sugestões para a posterior construção, pela pesquisadora, de cartas indutoras da imaginação histórica, tendo como referência o acervo do museu. Em seguida, um convite foi feito a um pequeno grupo de alunos para criar a trama de um jogo, a partir do uso das cartas indutoras, tendo a pesquisadora exercido o papel de mediadora desse processo, na modalidade de grupos focais. A análise da implicação dos alunos no jogo permitiu observar a dimensão das relações que eles estabeleceram com o museu, o seu acervo e o seu espaço, além dos sentidos atribuídos à experiência em si. Pode-se dizer que o processo de construção da narrativa e das regras do jogo ampliou o gosto pela História, provocou a empatia museal e criou formas de relação com o espaço mais divertidas, espontâneas e favoráveis às conexões. Palavras-chave: Jogo e museu. Jogo e imaginação histórica. Jogo e conexões no museu. Jogo e mediação.

SUMÁRIO

  • 1 INTRODUÇÃO
  • 2 O LUGAR DO FORTUITO NO MUSEU
  • 2.1 No encontro com o museu, as conexões
  • 2.2 Na criação de sentidos, os signos
  • 2.3 Na potencialização dos sentidos, as mediações
  • 2.4 Na transcendência, a imaginação...................................................................................
  • 3 PERCURSO INVESTIGATIVO
  • 3.1 Um viés de pesquisa-ação participante
  • 3.2 Cenário da pesquisa
  • 3.3 Origem do incômodo
  • 3.4 A opção pelo jogo
  • 3.5 Do material à trama do jogo: etapas metodológicas
  • 3.6 Sujeitos da pesquisa
  • 4 OS GUARDIÕES: CARTAS INDUTORAS DA IMAGINAÇÃO
  • 4.1 Um painel polifônico
  • 4.2 Contribuições do painel de discussão
  • 4.3 A origem dos Guardiões
  • 5 TEIAS DE CONSTRUÇÃO IMAGINATIVA NO MUSEU DO OURO
  • 5.1 Tempo do imaginar........................................................................................................
  • 5.2 Emaranhando fios, tecendo a trama...............................................................................
  • 5.3 (Re)inventando as regras do jogo
  • 5.4 E o jogo começou!
  • 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
  • REFERÊNCIAS
  • APÊNDICE A – Portfólio visual da pesquisa
  • ANEXO A – As histórias imaginadas pelos Senseis

10 1 INTRODUÇÃO O lugar de onde eu falo é o museu. Experimentei uma primeira aproximação com o campo da educação museal durante a Licenciatura em História, como pesquisadora do projeto “Museu e Escola”, coordenado por um grupo de professores da Faculdade de Educação da UFMG^1. Constituímos, nos anos 2000 e 2001, uma equipe interdisciplinar para acompanhar as atividades desenvolvidas com o público escolar em diferentes museus da cidade de Belo Horizonte (MG), a fim não só identificar os principais problemas colocados na relação museu- escola, mas, igualmente, de “construir um olhar” a respeito de outras possibilidades de abordagem e formas dessa relação. O projeto incorporou discussões relativas à didatização dos museus e suscitou reflexões sobre as especificidades educativas e culturais das instituições museológicas, contribuindo para formar a minha percepção em relação ao campo. Mais tarde, atuei como professora da educação básica, em escolas públicas das redes estadual e municipal de ensino, em Belo Horizonte, e exerci a função de historiadora e coordenadora de um centro de memória institucional, na iniciativa privada. Em 2010, assumi o cargo de educadora, no Museu do Ouro, localizado na cidade de Sabará (MG). Nesse novo lugar, eu não mais compreendia a prática educativa do museu a partir de uma perspectiva externa, mas estava diretamente desafiada no seu fazer. Foram as inquietações e os anseios vivenciados no exercício da função, portanto, que me moveram neste empreendimento de pesquisa. A apresentação que se segue resulta de um trabalho implicado e de uma leitura interessada da pesquisadora, em busca de novas propostas de aprendizagem e fruição educativa nos museus. Partimos de um incômodo observado na atividade de visitação do Museu do Ouro, em especial nas visitas escolares, que diz respeito ao modo formatado como essas visitas acontecem, com tempos e roteiros definidos, orientadas para a “explicação” do museu e sem momentos de pausa, para sentir, descobrir ou imaginar. Pactuamos com a premissa de que a natureza dos espaços museológicos é “intangível, é em si mesma fluída, cambiante, da ordem do movimento” (SCHEINER, 2012, p. 01). E, sendo assim, a relação estabelecida entre as escolas e o museu, embora seja um hábito conformado pelo tempo, não encerra o seu universo de possibilidades, permitindo a experimentação de outros modos de ser, ainda que menores e singularizados. Se alterarmos as condições habituais dessa relação, a partir do estímulo ao uso da imaginação, a experiência museal se tornará mais marcante? (^1) Grupo formado pelos seguintes professores doutores: Célia Abicalil Belmiro, Cynthia Greive Veiga, Lana Mara de Castro Siman, Luciano Mendes de Faria Filho, Maria Cristina Soares de Gouvêa, Mônica Ângela de Azevedo Meyer e Silvana Sousa do Nascimento.

12 a dia, do que o cumprimento de códigos controlados e as posturas definidas. Por fim, incorporamos à fundamentação teórica da pesquisa o conceito de imaginação histórica, desenvolvido pelo historiador britânico R. G. Collingwood (1972), uma vez que o desenvolvimento da proposta revelou o potencial de exercitar a imaginação histórica dos estudantes, aproximando-os do modo de construção do conhecimento histórico, que é fundamentalmente narrativo e que pressupõe a articulação de personagens e acontecimentos, numa trama dotada de sentido. No capítulo seguinte, descrevemos o percurso metodológico da pesquisa. Nessa seção, apresentamos, inicialmente, a instituição investigada, isto é, o Museu do Ouro. Mesmo que não se trate de um esforço exaustivo de sistematização da história institucional do museu, analisamos o engendramento da sua narrativa histórica e o desenvolvimento das ações educativas ao longo dos anos. Também nesse capítulo discorremos mais detalhadamente sobre a origem do nosso incômodo de pesquisa, relacionada à atividade de visitação do museu e ao tipo de relação social que se conformou entre o museu e as escolas. Em seguida, justificamos a nossa opção pelo uso do jogo nesta pesquisa, ligada à instauração de um domínio temporário de atividade no qual as leis, regras e costumes que regem, habitualmente, a relação entre os estudantes e o museu pudessem ser momentaneamente desestabilizados e substituídos por outros, criados em função do jogo. Assinalamos, ainda, os procedimentos metodológicos utilizados nas duas etapas principais da pesquisa: a realização de um painel de discussão com especialistas, visando à construção do material do jogo e o emprego da técnica do grupo focal para interagir com os estudantes, na etapa de construção da trama do jogo. Finalizamos o capítulo com a apresentação dos alunos que participaram como sujeitos da pesquisa. O quarto capítulo é dedicado ao processo de construção do material do jogo, abrangendo a sua concepção inicial, a realização do painel com os especialistas, as contribuições advindas desta conversa e o redimensionamento conceitual da proposta. Captamos olhares diversos e nos conectamos reiteradas vezes com a exposição do museu. Permitimo-nos ser passagem, a fim de imaginar um modo de transbordá-la. Desse movimento, surgiram os chamados “Guardiões”, figuras alegóricas do museu, transformadas em personagens, que deram origem às cartas indutoras da imaginação. Consideramos que o material produzido para o jogo permite a abordagem de outros assuntos, além daqueles já retratados na narrativa histórica do museu, favorecendo o aparecimento de diversos sujeitos sociais, acontecimentos, relações e conflitos que permearam o período minerador. Além disso, sugerirmos a potência das cartas indutoras para aguçar a imaginação dos alunos. No quinto capítulo do texto, abordamos a interação entre a pesquisadora/ mediadora e

13 os estudantes, para a construção da trama do jogo. Iniciamos os grupos focais sem uma definição prévia da modalidade de jogo que seria construída, deixando o caminho aberto para o aparecimento das ideias. No capítulo, descrevemos e interpretamos de que modo os alunos se encontraram com o museu e como foram estimulados a imaginar e a articular histórias, para construir a narrativa do jogo, de forma colaborativa, a partir do uso das cartas indutoras. As discussões que deram origem à estratégia e às regras do jogo foram significativas, na medida em que os participantes se colocaram no lugar de quem planeja as ações educativas no museu e, dessa forma, puderam se aproximar mais das dinâmicas e desafios próprios da instituição museológica. Analisamos o olhar que o grupo imprimiu sobre si mesmo, enquanto implicado na proposta e procuramos interpretar como o desenvolvimento do jogo apresentou o potencial de neles ampliar o gosto pela História e a empatia museal. Ou seja, não tivemos a pretensão de qualificar a criação do jogo no domínio da pesquisa histórica e o nosso objetivo tampouco se confundiu com o emprego de um recurso lúdico para ensinar História no museu. Acreditamos que a nossa proposta caminhou no sentido de instaurar predisposições favoráveis para o desenvolvimento da imaginação histórica e para a ampliação da empatia histórica e museal entre os estudantes. Todo o processo foi inspirado por uma ideia de fluxo, com ajustes progressivos aos acontecimentos, de modo que a direção da pesquisa se desenhou durante o seu fazer. Jogamos, como numa aposta. Como apêndice, inserimos um portfólio visual da pesquisa. Por meio de imagens, apresentamos o cenário, os materiais e algumas situações que marcaram a experiência de construção do jogo, além do jogo em si – acréscimos que consideramos valioso para o leitor.

15 conectada é por nós interpretada como agradável, se é indiferente, ou nos causa repulsa, adentramos o domínio da criação de sentidos. Walter Benjamin (1987, p. 101) define o conceito de aura, no campo da arte, como a “aparição única de uma coisa distante, por mais próxima que ela esteja”. Se, numa leitura possível, compreendermos a “coisa distante” como a manifestação de uma intangibilidade qualquer (a rigor, inacessível), conectada por meio da materialidade de um objeto musealizado (que está próximo), perceberemos como esta ocorrência da aura é um fator preponderante para que as conexões se estabeleçam, nos museus. Com efeito, a formação da aura guarda relação com a tradição e o culto, aos quais se vinculavam, originalmente, as obras de arte. Vislumbramos naquelas obras consideradas originais e autênticas, o “caráter único, mágico, que transporta o espectador, ou que lhe auxilia a elevar-se ao transcendente” (COSTA, 2012, p. 02, grifo do autor). O conteúdo aurático de um museu, ou de um objeto exposto, está atrelado à unicidade da sua aparição (em oposição à ocorrência em massa), bem como a singularidades de tempo e de espaço, que ajudam a compor um quadro mais amplo, no qual o museu, ou o objeto, constitui apenas um dos elementos. Desse modo, notamos que “a aura também está ligada a uma totalidade, dentro da qual ela toma uma forma ímpar de se mostrar” (COSTA, 2012, p. 02, grifo do autor). Da ideia de conexão decorre o pressuposto de que a cada novo encontro com o museu podemos estabelecer conexões diferentes, pois se o nosso estado interior, que é o ponto de partida dos deslocamentos sensórios, transforma-se, também o ponto de chegada pode ser completamente outro. Tal como sugere um pensamento japonês, segundo o qual, o gosto do sakê depende do humor de quem o prova. Se voltarmos à nossa referência literária, encontraremos uma situação oportuna para ilustrar o que acabamos de dizer. Enquanto era o funcionário público austero, seu José Maria costumava ligar o “cenário de águas e montanhas” que avistava da janela da sua casa a “alguma reminiscência molesta, lembrança de antigo aborrecimento ou de contrariedades da repartição”, e o seu coração se amargurava. Logo que se tornou o aposentado entediado, “nada lhe diziam os barcos a vela flutuando ao longe, nem os castelos de nuvem que se armavam no céu”. Tempos depois, quando o homem estabeleceu um “noivado tardio com a natureza” e começou a “praticar com mais assiduidade a janela”, as colinas da outra margem passaram a trazer-lhe a presença corporal da antiga namorada e isso lhe fazia bem, tanto que “às vezes chegava a dormir com a sensação de ter deixado a cabeça pousada no colo dela”^3. Quer dizer, a mesma pessoa, entrando em confluência com o mesmo (^3) Os trechos foram extraídos do conto “Viagem aos seios de Duília” (MACHADO, 1997, p. 35-55).

16 elemento – no caso do conto de Aníbal Machado, a paisagem da baía – mas, em diferentes momentos interiores, é capaz de estabelecer diferentes conexões e significações. Os museus, por sua vez, não são estáticos e passam por mudanças e contingências diversas, que produzem oscilações na sua “forma ímpar de se mostrar” e, por conseguinte, no nosso modo particular de percebê-los. Podemos dizer que as conexões nascem de um encontro, sempre único, entre o visitante e o museu, sendo que ambos interferem em seu direcionamento. Elas assumem contornos diversos, variando de pessoa a pessoa e de momento a momento, pertencendo a cada íntimo, na relação com o museu. Na recepção do Museu do Ouro é mantida uma pequena caixa com os dizeres “Comente aqui a sua visita”, acompanhada de formulários, com pautas em branco, para o registro das anotações. Os relatos deixados pelos visitantes são fontes valiosas para a compreensão da atividade de visitação do museu, especialmente, se considerarmos que as impressões da visita ainda estejam impregnadas no momento da escrita. Analisando um conjunto de depoimentos, registrados entre os anos de 2011 e 2015, verificamos alusões ao estado de conexão: Ele [o museu] me deu a inspiração de que eu precisava. Imaginei como devia ser quando vivi assim, em outra vida. Estar aqui é como mergulhar em um dos rios da história. Parece que entrei no túnel do tempo. Me dá uma saudade não sei de quê. Até o cheiro deste museu nos remete a um tempo que não conhecemos, mas que sonhamos em nosso íntimo. Eu me senti numa viagem ao passado. Eu me senti naquela época, com roupas daquela época. Consegui por alguns instantes voltar ao período do ouro. Uma sensação inexplicável. Vivenciei a história que aprendi na escola. Pude voltar num tempo bem antigo, que provavelmente era bem melhor que os dias de hoje. O museu nos leva a um tempo sofrido, um passado que, ainda bem, não volta mais. Trouxe a reflexão de um tempo que eu mesma nunca imaginei.^4 São significativos os termos escolhidos pelos visitantes, no imbricado exercício de transmitir, na linguagem escrita, as suas “sensações inexplicáveis”: viver, vivenciar, sentir... levar, remeter, imaginar, sonhar... voltar, trazer, entrar, mergulhar... inspirar, ter saudades. Em comum, as palavras sugerem, como dissemos, deslocamentos no estado de espírito, seja para o exterior, em direção a uma alteridade qualquer, seja para dentro de si mesmos, ou para o rumo (^4) Fragmentos de relatos escritos por visitantes do Museu do Ouro, entre os anos de 2011 e 2015. Cada trecho aqui reproduzido foi registrado por um visitante diferente.

18 silêncio durante a visita aos museus são essenciais para o ensejo das conexões? Acreditamos que cada um tem a sua maneira de se relacionar com o museu, então não há uma resposta definitiva para essa questão, mas refletir sobre a matéria é importante, porque ela tem reflexos sobre o próprio modo dos museus lidarem com os seus visitantes. No filme Lo sguardo di Michelangelo (Itália, 2004, 15’), o diretor Michelangelo Antonioni, aos 92 anos, entra sozinho na Basílica de San Pietro di Vincoli, em Roma, e se dirige ao túmulo do Papa Júlio II, onde está a escultura de Moisés, esculpida por Michelangelo, o mestre renascentista. “Ele veio dizer adeus. Não voltará mais e sabe disso. Veio fazer uma última visita, ele que está de partida, à obra-prima incompreensível, que restará. Como para interrogá-la uma última vez”, diz Jean- Claude Carrière (ECO; CARRIÈRE, 2010, p. 91-92), que acrescenta: “e o filme inteiro é um diálogo, sem uma palavra pronunciada, um vaivém de olhares entre Antonioni e o Moisés de Michelangelo”. O crítico Ruy Gardnier (2013, p. 01), por sua vez, comenta que o tempo do filme Lo sguardo di Michelangelo é “simplesmente o tempo que a situação demanda, com a atenção e o mergulho necessários para criar um relevo particular, um tempo do pensamento, um tempo de se relacionar com os objetos ou com o entorno”. Ele considera que o filme é “antes de tudo, um enorme elogio ao tempo próprio de se fruir do efeito artístico”. O que representaria a interposição apressada de um explicador entre os dois Michelangelos? Não seria o mesmo que sequestrar o momento íntimo e experiencial das conexões? Insinuamos, apenas, o questionamento, pois os meandros da mediação serão discutidos mais adiante. Por ora, basta dizer que concordamos com Pereira (2010, p. 06) quando ela afirma que “numa relação marcada pela dialogia, o silêncio é fundamentalmente um elemento discursivo”, então o silêncio não é sinônimo de passividade. Para Siman (2003, p. 188-189) “o silêncio do educador dos museus – seja ele o professor, o guia ou o monitor dos museus – é imprescindível [...] parece-nos ser condição para que a emoção, a curiosidade, a indagação e a interação dos sujeitos com os objetos se instaurem”. Costa (2012 p. 02, grifo do autor), discutindo sobre a aura em Benjamin, refere-se a “um deixar-se seduzir” pelo objeto, sedução essa que “não pode ocorrer senão lentamente, daí porque é indispensável ao observador o repouso e a atenção àquilo que lhe é manifestado”. Identificamos essa “sedução” do objeto, por exemplo, no seguinte encadeamento narrativo feito por um visitante que participou do Painel de Discussão realizado no Museu do Ouro, em função desta pesquisa: AFS: Eu fiquei um pouco encabulado com o escritório, naquela salinha do canto, onde tem a escrivaninha. Fiquei tentando ver detalhes, é um móvel tão alto para ser uma escrivaninha [...] Será que teve tanto uso? Será que a pessoa que teve aquele objeto de fato escrevia tanto, tinha o costume? Ou será que ela escrevia em pé? Tem partes dela que são trancadas e, no mesmo espaço, tem um armário, que tem uma

19 simples tramela. Então, eu fiquei imaginando a cômoda como espaço do silêncio, espaço do segredo. E o armário com a tramelinha, lá no cantinho direito, como espaço do usual, do comum. Devo confessar a minha culpa, a minha transgressão, ela estava aberta, eu não resisti e fechei! [risos].^5 Admitimos, portanto, a conveniência de se ponderar um tempo próprio, de silêncio íntimo, para que as conexões fluam nos museus, de forma a possibilitar que as interações aconteçam com um mínimo de espontaneidade e de experimentação por parte dos visitantes. Os processos de conexão nem sempre acontecem no museu, ou transcorrem com variados matizes, dependendo da circunstância. Existem pessoas que permanecem longo tempo dentro de um museu, conectadas, de fato, ao seu aparelho celular. Uma mãe que entrou no Museu do Ouro com o filho, certa vez, para fazer um trabalho escolar, estava tão conectada às expectativas da professora, que sequer notou o museu. Um casal de turistas cumpria a visita num fim de tarde, com o pensamento já no próximo atrativo, que seria uma igrejinha de Sabará, mas, provavelmente, quando estiveram na igreja, já vislumbravam o restaurante. Quantos moçoilos foram o verdadeiro objeto de conexão das meninas, durante a visita escolar, enquanto a exposição do museu não passou de mero cenário do flerte... Houve um feriado em que um grupo de amigos, que aparentemente se confraternizava na redondeza, resolveu entrar para conhecer o Museu do Ouro. Priorizavam o relacionamento entre si, na interação com o ambiente. A certa altura, um indivíduo do grupo, olhando para a escultura em madeira do São Jorge, perguntou a um funcionário da casa, que estava por perto: “O São Jorge não é aquele do dragão?” E o funcionário respondeu: “Sim, reza a lenda que São Jorge matou um dragão”. “Mas o museu não tem um dragão?” tornou a perguntar. Diante da resposta negativa do funcionário, este indivíduo virou-se para o lado e gracejou: “Ouviu isso, Fulana? O museu tem vaga para dragão! Por que você não se candidata?” Ao que a mulher, prontamente, respondeu: “Para o cavalo também tem vaga, viu?!”. E o grupo prosseguiu, animadamente, a incursão pelas salas expositivas. As situações se multiplicam e compõem a dinâmica da atividade de visitação, como formas de relação possíveis no universo museal. As conexões são repletas de intuição. De vez em quando, ficamos detidos por mais tempo diante de um elemento do museu, em detrimento de outro, porque aquele nos intrigou, reportou a algum lugar, fez imaginar situações, permitiu que lampejos de memória fossem reavivados, ou apenas mexeu conosco de uma forma que não sabemos explicar ao certo. São, (^5) Sob a perspectiva educativa, o museu busca imprimir marcas nos visitantes. Por outro lado, “a visita, pensada pela lógica da conservação dos museus, não deve deixar marcas” (SEABRA, 2012, p. 03). Conciliar o funcionamento harmonioso entre as áreas técnicas do museu muitas vezes representa um desafio, que exige permanente negociação e diálogo.