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JESUS E CRISTO: uma análise histórico-teológica dos cristãos de Corinto (53-55 d.C.), Teses (TCC) de História

Análise histórico-teológica dos cristãos de Corinto entre os anos de 53 a 55 d.C. com base na Primeira Carta aos Coríntios por Paulo de Tarso.

Tipologia: Teses (TCC)

2019

Compartilhado em 21/11/2019

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FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA FLT
LEANDRO JOCHEM
JESUS E CRISTO:
uma análise histórico-teológica dos cristãos de Corinto (53-55 d.C.)
SÃO BENTO DO SUL
2019
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FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA – FLT

LEANDRO JOCHEM

JESUS E CRISTO:

uma análise histórico-teológica dos cristãos de Corinto (5 3 - 55 d.C.) SÃO BENTO DO SUL 2019

FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA – FLT

LEANDRO JOCHEM

JESUS E CRISTO:

uma análise histórico-teológica dos cristãos de Corinto (5 3 - 55 d.C.) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Teologia – FLT, sendo um dos requisitos para a obtenção do grau de Bacharelado em Teologia. Orientador: Prof. Dr. Vítor Hugo Schell SÃO BENTO DO SUL 2019

RESUMO

A pesquisa atual analisa os cristãos da cidade de Corinto entre os anos de 53 a 55 d.C., sob a perspectiva teológica e histórica. A primeira carta do apóstolo Paulo aos cristãos em Corinto oferece vários detalhes exegéticos no que concerne ao modus vivendi daquelas pessoas, estes pontos são abordados na pesquisa. Através da construção da cidade e processos migratórios Corinto recebeu pessoas advindas de várias partes do Império Romano. Estes movimentos foram a causa para o desenvolvimento de concepções religiosas e a confluência dos mesmos preparou o campo para o surgimento da gnose. As influências desse sistema pré- gnosticismo na vida dos cristãos são aprofundadas neste projeto. O modo como estes cristãos entenderam e recepcionaram a notícia do Evangelho, em grande medida, fora influenciada pelo sistema em questão. Os problemas sociais da comunidade eram consequência de uma cristologia mal compreendida. Palavras-chave: Cristo. Cristologia. Salvação. Evangelho. Corinto. Coríntios. Cristãos. Gnose. Sociedade. Cultura. Crenças. Filosofia grega. História antiga.

ÜBERBLICK

Die aktuelle Forschung untersucht die Christen der Stadt Korinth zwischen den Jahren 53 und 55 n. Chr., in der theologischen und gesellschaftlichen Aussicht. Der erste Brief des Apostel Paulus an die Christen in Korinth gewährt verschiedene exegetischen Kleinigkeiten in Bezug auf dem modus vivendi jener Menschen. Diese Kleinigkeiten werden hier in der Forschung erörtert. Wegen des Stadtbaus und der Migrationsprozesse bekam Korinth angekommene Menschen aus verschiedenen Teilen des Römerreichs. Diese Migrationsprozesse waren der Grund für die Entwicklung von religiösen Begriffen und das Zusammenströmen dieser religiösen Begriffe räumte das Feld für die Erscheinung der Gnosis. Die Einflüsse dieses vorgnostischen Systems im Leben der Christen werden hier vertieft. Die Art und Weise wie diese Christen verstanden und annahmen die Nachricht des Evangeliums wurde, in großer Masse, von dem gnostischen System beeinflusst. Die gesellschaftlichen Probleme der Gemeinde waren Konsequenz einer missverstehenden Christologie. Schlüsselwörter: Christus. Christologie. Erlösung. Evangelium. Korinth. Korinther. Gnosis. Gesellschaft. Kultur. Glauben. Griechische Philosophie. Altgeschichte.

1 INTRODUÇÃO

“O antropólogo é o astrônomo das ciências sociais: sua tarefa é descobrir um significado para configurações que, devido ao seu tamanho e afastamento, são muito diferentes daqueles dentro do alcance imediato do observador” (tradução nossa)^1. O presente trabalho não pretende ser uma chave hermenêutica arrogando para si o direito de interpretação objetiva da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios. Deste modo, a presente pesquisa quer auxiliar no processo de ‘descobrir um significado’ em meio a tantos detalhes de um texto tão rico e inspirado divinamente. A intenção primeira deste projeto é conceder ao leitor da carta, ainda que vagamente, um caráter mais contextual: de entender os coríntios em seu meio histórico e teológico, dentro de um curto período de tempo, a saber 53 - 55 d.C. No decorrer destes anos, a comunidade cristã já não mais contava com a presença do apóstolo Paulo para direcioná-la na fé. Deste modo, surgem dúvidas a respeito da fé que lhes fora anunciada, pois estes “cristãos- pagãos”^2 ainda estavam no processo de crescimento da fé com o próprio Senhor. Nesta tarefa de ampliar o conhecimento a respeito do contexto teológico cultural de Corinto, o capítulo 2 faz um apanhado de várias informações sobre a história da formação da cidade, a partir de histórias mitos e descrições geográficas. O capítulo 3 trata especificamente do contexto religioso, da religião grega, bem como, de religiões e sistemas religiosos importados para a cidade. Este ponto também concede impulsos para a análise histórica da comunidade cristã, que surge durante a estadia de Paulo na cidade. O capítulo 4 trabalha a crítica textual do material de estudo, a 1ª Carta aos Coríntios, e elenca temas que sobressaem no texto para o interesse da pesquisa. De antemão, é válido lembrar que os leitores de Paulo não estavam prontos, não possuíam uma dogmática para apoiar sua fé. Suas compreensões de Cristo eram desassociadas de Jesus, também sua ‘cristologia’ estavam em formação e requeria respostas do apóstolo. Por estes processos longos e muitas vezes mal compreendidos pela modernidade, vê-se o amor de Deus agindo neste povo. Também é possível notar, que os primeiros cristãos não fundamentavam sua fé em qualquer acontecimento, mas que, como cada ser humano, estava à procura para saciar o anseio de suas almas. Descreve-se Corinto como a (^1) The anthropologist is the astronomer of the social sciences: His task is to discover a meaning for configurations which, owing to their size and remoteness, are very different from those within the observer’s immediate purview. STRAUSS, Claude Lévi. Structural Anthropology. Translated from the French by Claire Jacobson and Brooke Grundfest Schoepf. New York: BASIC BOOKS, INC. 1963, p. 378. (^2) Balke descreve os coríntios como cristãos-pagãos ( Heidenchristen ) pelo fato de ainda terem muitas dúvidas de como proceder na fé, perguntas muito básicas sobre o que se deve ou não fazer. BALKE, Siegfried. Erster Brief an die Korinther : Eine volkstümliche Erklärung. Hamburg: Agentur des Rauhen Hauses, 1908, p. 5-6.

comunidade do escândalo da salvação, ou seja, que não podia compreender a salvação de forma simples e clara como anunciada por Paulo; que, por fim, é dada por meio de Jesus Cristo.

nome desse filho. Conforme o antigo geógrafo Pausânias^4 (ca. 110 - 180 ), apenas os próprios coríntios contavam essa história^5. 2. Já o poeta grego Eumelo de Corinto, comentava que a primeira habitante de Corinto fora Ephyra ( Ἐφύρα ). Ela seria uma das 3.000 oceânides (ninfas) dos titãs Oceano^6 e Tétis, o filho mais velho dos primeiros deuses Urano e Gaia. As ninfas eram epônimos para lugares geográficos e até mesmo nomes de fenômenos marítimos. Ephyra seria a fundadora e a primeira moradora dessa urbe. 3. Ainda na descrição de Pausânias, Maraton, descendente do deus sol Hélio, fugiu para Corinto para livrar-se da violência de seu pai Epopeu^7. 4. Na descrição de um geólogo mais antigo Estrabo^8 (I a.C.), o antigo nome de Corinto era Asopia, depois fora nomeado de Ephyra. Com base nessa descrição, Epopeu tornou-se governante na região de Sicião ( Σικυών ), que incorporava a região de Asopia. Epopeu, segundo o filósofo Apolodoro, era um personagem mitológico que acolheu uma jovem engravidada por Zeus^9 , desafiou deuses à batalha e violou os santuários^10. Historicamente, Epopeu pode ter vivido por volta de 1425 a.C., de acordo com as crônicas de Jerônimo. É visível acima que não havia consenso entre os próprios escritores gregos sobre a fundação de Corinto. Além da tentativa de estabelecer um período para o início da cidade, o mais importante é relacionar os personagens dos mitos com seus significados para a religiosidade da época. Nesse sentido, era significativo dizer que a cidade fora habitada ou (^4) Παυσανίας era grego, foi um viajante, geógrafo e filósofo. Viveu no século II d.C., entre outras obras, ele descreveu a Grécia Antiga na perspectiva de geólogo, mas também com olhar filosófico e histórico. A obra Ελλάδος περιήγησις é importante para o trabalho atual por conter a descrição de Corinto. (^5) PAUSANIAS. Description of Greece : with an English Translation by William H. S. Jones. BOOKS I and II. Cambridge: Harvard University Press, 1918, p. 246, II.II.1. (^6) Oceanus era visto como um grande deus: “origem de todos os deuses”. Dada a importância de Oceano, imagina- se a grandeza que significa ter um lugar (Corinto) cujo fora fundado pela descendente de um ser tão poderoso. Para a mitologia grega, Oceano era responsável pela criação de todas as fontes de água doce. Uma vez que Poseidon era o deus do mar Mediterrâneo, Oceano reinava nos mares distantes da Grécia, no Atlântico, por exemplo. O nome Oceano Atlântico tem associação com a mitologia grega. Mais informações sobre a mitologia grega, veja o clássico Ilíada do Poeta Homero. Disponível em: https://www.poetryintranslation.com/PITBR/Greek/Iliad14.php#anchor_Toc239246023. Acesso em: 8 jan.

(^7) PAUSANIAS, 1918, p. 246, II.I.1. Já na descrição de Apolodoro (I - II d.C.), aparecem outras personagens míticas no mito de fundação: Epopeu seria filho de Aloeus que seria filho do deus sol Hélio. Aloeus seria filho do famoso deus do mar Poseidon com Cânace. APOLLODORUS. THE LIBRARY. Translated by Sir James George Frazer. London: W. Heinemann; New York: G.P. Putnam's Sons, 1921, 1.7.4. Disponível em: https://www.theoi.com/Text/Apollodorus1.html. Acesso em: 8 jan. 2019. (^8) De acordo com Estrabo ( Στράϐων ). Disponível em: http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Strabo/8C*.html. Acesso em: 8 jan. 2019. (^9) APOLLODORUS. THE LIBRARY. Translated by Sir James George Frazer. London: W. Heinemann; New York: G.P. Putnam's Sons, 1921, p. 336. Disponível em: https://archive.org/details/library00athegoog/page/n400. Acesso em: 9 jan. 2019. (^10) DIODORUS SICULUS. LIBRARY OF HISTORY. Book VI: FRAGMENTS. Translated by c. H. Oldfather, Cambridge: MA, Harvard University Press; London: William Heinemann Ltd., 1935, 6.6.2. Disponível em: https://www.theoi.com/Text/DiodorusSiculus6.html. Acesso em: 8 jan. 2019.

fundada por um deus ou descendente de um deus relevante, a fim de que Corinto recebesse valor, pois, o que significaria dizer que uma cidade teria sido erguida por uma divindade? O que significaria falar que se é descendente de deuses? Dizer que Corinto fora edificada por deuses, é um meio para atestar que seus habitantes são descendentes de deuses. A história para um grego antigo estava intimamente ligada ao mito, à mitologia, à explicação mística, até depois do período pré-socrático. A filosofia mitológica é a tentativa humana de tentar encontrar a explicação lógica para a realidade, para compreender-se na atualidade, dar sentido. De acordo com algumas informações arqueológicas. Κόρινθος é datada como uma cidade habitada por volta de 900 a.C. A partir de 600 a.C., a população já cunhava suas moedas^11 demonstrando independência econômica e prosperidade. Já entre o final do III e início do II século antes da era cristã, Corinto e outros estados gregos pertenciam politicamente à Liga Aqueia^12 : MAPA 1 – CIDADES-ESTADOS PARTICIPANTES DA LIGA AQUEIA FONTE: Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Liga_Aqueia#/media/File:Cleomenes_War_detail_1_pt.svg (2019) Essas cidades-estados da Liga eram dependentes politicamente da Macedônia ao norte. Recorda-se do poderio econômico e militar da Macedônia sob o comando de Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), que conquistou a toda a região do Oriente Próximo até partes da atual (^11) SCHNABEL, Eckhard. Der erster Brief des Paulus an die Korinther. Wuppertal: Brockhaus, 2006, p. 14. (^12) A Liga Aqueia ou Acaia era uma confederação de 12 estados localizados na região da Acaia, onde hoje é o Sul da Grécia. A Liga existiu entre o século V a.C. até o ano de 146 a.C. Em 146 a.C. a Liga foi dissolvida e adicionada ao Império Romano.

a.C, que era a principal membro da Liga. Uma delegação do senado romano foi enviada à reunião para regulamentar a disputa entre Esparta e os estados membros da Liga. A delegação romana propôs a retirada de Corinto e de outros estados da Liga, para que a Liga fosse dissolvida e Esparta ganhasse a guerra. Com essa estratégia os romanos irritaram os membros e a Liga irrompeu. A intromissão de Roma provocou a diluição total da Liga Aqueia. Roma, apoiando Esparta, venceu a guerra, devastou a cidade de Corinto e anexou toda a região da Macedônia aos seus territórios, incluindo Corinto. Assim, o estado Romano garantiu seu poder no leste do mediterrâneo. Corinto continuou próspera até sua destruição em 146 a.C.: “mesmo antes de ter sido fundada aproximadamente mais de um século antes da primeira visita do apóstolo por lá, uma extensa cidade grega, reputada e invejada por sua prosperidade, tem ocupado a mesma posição durante muitos séculos” (tradução nossa)^13. A cidade de Corinto era chamada de “abonada”^14 por causa de seu comércio. A cidade tinha uma localização estratégica militar. “Corinto servia como o portão para o Peloponeso, controlando o comércio com o restante da Grécia, e como o principal protetor e supervisor da rota mais segura e direta da Ásia para a Itália, através do istmo”^15. Wolff ainda adiciona que “Corinto foi o centro da resistência grega contra Roma e por causa disso foi destruída; a população foi assassinada ou escravizada” (tradução nossa)^16. A vida de Corinto, até antes de sua destruição, gozava de uma estabilidade econômica e certamente de sustentabilidade por causa do seu comércio, das trocas mercantis e da posição junto ao mar que facilitava à pesca. A cultura da cidade era grega com crenças no sistema mitológico tão difundido no Ocidente até hoje, com os deuses no panteão que subiam e desciam a todo tempo. Porém, no ano da devastação, o cônsul Lucius Mummius conquistou Corinto e deportou os tesouros da cidade e assim, Corinto nunca mais teve a cultura homogênea grega da Antiguidade, visto que agora, estava sob o domínio do estranho. A ‘cidade abonada’ precisou (^13) Although this colony had been founded scarcely more than a century before the apostle’s first visit there, a large Greek city, renowned and envied for its prosperity had occupied the same site for many centuries. FURNISH, Victor Paul. II Corinthians. New York: Doubleday & Company, 1984, p. 4. (^14) wealthy. FURNISH, 1984, p. 4. (^15) Corinth served both as the gateway to the Peloponnesus, commanding trade with the rest of Greece, and as the chief protector and overseer of the safest and most direct trade route from Asia to Italy, across the isthmus. FURNISH, 1984, p. 4. (^16) Korinth war Zentrum des griechischen Widerstandes gegen Rom gewesen und wurde deshalb von den Römern zerstört; die Bevölkerung wurde ermordet oder versklavt. WOLFF, Christian. Der erste Brief des Paulus an die Korinther. Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament. Herausgegeben von Erich Fascher... – Leipzig : Evang. Verl.-Anst., 1996, p. 1.

de um século para reerguer-se novamente^17 de sua destruição, no entanto, a cultura grega e seu sistema de crenças mítico não mais reinariam sozinhos. 2.2 CORINTO DE 146 A.C. A 50 D.C. A COLÔNIA ROMANA Após a destruição de Corinto (146 a.C.), a antiga cidade grega aparentemente deixou de existir. No entanto, algumas edificações públicas e residências estavam fragilmente de pé. Também é possível que cultos gregos ainda tenham sido celebrados. Segundo a arqueologia apresentada por Furnish, até o ano de 44 a.C. Corinto ficara devastada, até que o imperador Júlio César (100-44 a.C.) emitira a ordem de reedificação da parte antiga da polis. Deste modo, a Corinto encontrada pelo apóstolo Paulo teve sua fundação legal em 44 a.C., como colônia romana. A antiga cidade tinha tamanha importância política, militar e econômica que Júlio César ordena a construção de outra colônia igual a Corinto no norte da África chamada: Colonia Laus Iulia Corinthiensis^18. A nova colônia Corinto fora projetada na própria capital romana, uma vez que a distância entre Roma e Corinto era percorrida em torno de uma a duas semanas de viagem. Por ser desenhada em Roma, Corinto assemelhava-se com uma Roma em miniatura. Ao que se sabe, a língua oficial nos estamentos públicos da cidade era o latim clássico. A cidade contava com um fórum que era o centro administrativo e um mercado ( ἀγορά ). Corinto possuía seu próprio conselho^19 para administração pública, o que denotava independência política. Corinto, como toda colônia, servia ao elemento colonizador: Roma. A reconstrução da polis não se deu para o antigo povo grego que lá habitava, antes fora repovoada a fim de atender aos interesses romanos: Corinto fora importante comercialmente antes da administração romana e foi reconstruída para restaurar a importância comercial, com o intuito de gerar lucros para Roma. Em 27 a.C. a cidade ganhou o título de capital da província da Acaia e tornou-se, sede do proconsulado romano^20. Ressalta-se que Corinto estava ao pé de um istmo, que era a principal rota marítima romana. A rota ligava Roma até o leste do mediterrâneo. Portanto, uma vez que este istmo era controlado, toda a rota marítima era dominada. Júlio César, e depois também Calígula ( 37 - 41 d.C.) acreditaram ser possível construir um canal no istmo ligando o golfo sarônico no lado oriental e o golfo de Corinto no lado ocidental. Porém, o projeto de construção (^17) SCHNABEl, 2006, p. 14. (^18) FURNISH, 1984, p. 6. (^19) FURNISH, 1984, p. 6- 7. (^20) BOOR, Werner de. Atos dos Apóstolos. Curitiba: Esperança, 2003, p. 259.

era o costume, mas por miseráveis vindos de Roma, na maior parte escravos libertos. Para os historiadores, significa que essas pessoas vinham originalmente do leste do mediterrâneo, ou seja, eram sírios, egípcios e judeus^24. Apesar dos diversos grupos étnicos, a língua franca era o grego. Embora fosse colônia romana, Corinto era vista como helenizada. Sua língua era grega, e as próprias cartas de Paulo foram escritas em grego. A maioria das construções eram inspiradas em modelos da antiga cidade grega e os cultos gregos não foram abandonados na cidade. Ao mesmo tempo, Corinto tinha muita influência de Roma, que era “incentivar a conformidade com suas próprias ideias e práticas, preservando ao máximo o que era local e tradicional para a área” (tradução nossa)^25. Talvez seja possível descrever que Corinto era, em seu cerne, grega ainda, mas para as atividades formais e públicas da cidade a cultura romana estava imposta à sociedade. A exemplo disso, a cidade, durante a ocupação romana, contava com apresentações de gladiadores, trazidas pelos romanos – do que os gregos tinham aversão. (^26). Os jogos que os gregos celebravam (olimpíadas) eram competições físicas (^27) , teatrais e musicais. Segundo Furnish, com base em escritores antigos, Corinto era “a epítome do materialismo crasso” (tradução nossa)^28. A cidade vivia em uma decadência moral e devassidão sexual. Reclama Alcifrão, sofista grego, ter encontrado em Corinto um povo deselegante e inculto e que os pobres eram explorados pelos ricos^29. Naturalmente a Corinto romana era outra que a grega. No século I da era cristã, quando Paulo chega à cidade, há uma cidade em reconstrução, edifícios sendo reerguidos por todo lugar. A destruição de Corinto ocorrera praticamente dois séculos mais cedo. No entanto, a vida daquele tempo não contava com a presença de máquinas modernas, tampouco com tecnologias avançadas. A colonização romana proporcionou a reedificação de uma cidade antiga com a intenção de, talvez, alcançar a glória que tivera antes da queda, como cidade helênica. Portanto, (^24) FURNISH, 1984, p. 7. (^25) Thus illustrating Roman policy in the provinces: to encourage conformity to its own ideas and practices, even while preserving as much as possible of what was indigenous and traditional to the area. FURNISH, 1984, p. 13. (^26) Segundo o filósofo, orador, político, grego Dião Crisóstomo as apresentações de gladiadores eram algo vergonhoso. Crisóstomo comenta que os coríntios observavam esses espetáculos de fora da cidade, enquanto os atenienses superavam os coríntios participando das lutas dentro de seus teatros com o deus Dionísio. Veja Dio Chrysostom XXXI, 121. Disponível em: http://mercure.fltr.ucl.ac.be/HODOI/concordances/dion_Chrys_rhodiens_31/lecture/13.htm. Acesso em: 28 de dez de 2018. (^27) PAUSANIAS. Description of Greece : with an English Translation by William H. S. Jones. BOOKS V. Cambridge: Harvard University Press, 1918, 5.2.4. Disponível em: https://www.theoi.com/Text/Pausanias5A.html. Acesso em: 11 de jan de 2019. (^28) Epitome of crass materialism. FURNISH, 1984, p. 13. (^29) FURNISH, 1984, p. 13.

Paulo chegou a uma cidade em ascensão em todos os aspectos. Corinto era uma cidade portuária, logo recebia vários marinheiros, viajantes, comerciantes, visitantes que trocavam mercadorias vindas de várias partes do Império, sendo que, a cidade gozava de um grande capital. Corinto também controlava as rotas marítimas da região do istmo da Acaia, pois realizava o transporte de produtos de navios mercantes agilmente através do istmo do golfo de Corinto para o Golfo Sarônico. Assim, Paulo encontrou um centro urbano, econômico e também cultural; dir-se-ia hoje, uma cidade cosmopolita, e, acima de tudo, próspera. A cada dois anos, Corinto ficava lotada com espectadores que vinham para assistir os Jogos Ístmicos. Ao que se sabe, os últimos jogos da cidade foram realizados na primavera de 51 d.C., justamente no tempo em que Paulo ainda residia lá^30. Destaca-se ainda a cultura desta grande cidade, para seu tempo, como híbrida: acolhia cosmovisões, estilos de vida provenientes de várias partes do mundo conhecido. Este aspecto deve ser levado em consideração na análise teológica dos cristãos que passaram a reunir-se na cidade. (^30) FURNISH, 1984, p. 24.

altar do antigo templo. Esse edifício pode ser o templo de Apolo, que Pausânias descreveu em sua viagem por Corinto^34. O geógrafo relata poder ser visto da estrada um templo e uma estátua de bronze de Apolo. No tempo de colônia romana, estátuas de Apolo adornavam a cidade e havia um pátio inteiramente dedicado a ele à beira do caminho do porto de Λέχαιον para a cidade. Além de Apolo, havia uma “estátua de bronze de Atena no meio do mercado da cidade” (tradução nossa)^35. Algumas moedas tinham a efígie de Atena e sua imagem aparecia em relevo em um dos píeres de Corinto. Tique ( Tiché ), divindade responsável pela prosperidade, sorte, destino e protetor da cidade, era venerada em um templo perto do fórum de Corinto. Entrementes, existem muitas evidências sobre a adoração a Afrodite, deusa do amor, beleza e fertilidade. Esta divindade “foi honrada por estátuas e moedas; e no primeiro século da era comum ela era o tema favorito para figuras de terracota fabricados na cidade” (tradução nossa)^36 , ou seja, a deusa do amor era a mais venerada em toda Corinto, visto que as peças de argila escavadas retratavam a deusa. O templo de Afrodite era tão popular que possuía 1000 prostitutas cultuais^37. É possível que Corinto contasse com um Panteão^38. Todavia, o Asclepeion^39 era um dos estabelecimentos religiosos mais importantes na época da dominação romana. Esse grande templo dedicado a Asclépio (Esculápio) contava com um altar, um dormitório e uma grande casa de banho. As pessoas vindas até ali buscavam cura para suas enfermidades. Na casa, junto ao templo, haviam instalações para banho, jantar e um lugar para exercícios ao ar livre. Faziam parte dos tratamentos no santuário de Asclépio a oferenda de sacrifícios, o depósito de imagens do deus (e de Hígia, sua filha) no templo, banhos lustrais (purificantes), uma pernoite no dormitório na espera do tratamento em sonho trazido pelo deus; e ainda como parte do tratamento, o paciente deveria realizar exercícios físicos específicos e dieta alimentar^40. Achados arqueológicos comprovam o proveito que esse santuário tinha para os coríntios: “[...] sua importância local é bem atestada, não apenas pelo próprio complexo de edifícios, mas também pelo grande número de oferendas votivas em terracota [cerâmica], (^34) PAUSANIAS, 1918, p. 262, II.III.6. (^35) Εν μεσω δε της αγορας εστιν Αθηνα χαλκη. PAUSANIAS, 1918, p. 258, II.III.1. (^36) She was honored by statues and on coins; in the first century C.E. she was a favorite subject for the terracotta figures manufactured in the city. FURNISH, 1984, p. 16. (^37) STRABO, 1924, VIII.vi.20. Disponível em: <http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.01.0197%3Abook%3D8%3Achapter %3D6%3Asection%3D20>. Acesso em: 10 jan. 2019. (^38) PAUSANIAS, 1918, p. 258, II.II.8. (^39) De acordo com a descrição de Pausânias, o templo de Asclépio ficava perto do antigo ginásio de Corinto, perto do teatro da nova cidade. PAUSANIAS, 1918, p. 268, II.IV.5. (^40) FURNISH, 1984, p. 17.

representando partes afetadas do corpo, que foram escavadas ali”^41. Os coríntios também adoravam Deméter e Perséfone (Koré). O culto a essas duas divindades era inspirado no rapto de Perséfone por Hades – esse mito está ligado aos mistérios de Elêusis, que era um dos mais antigos mitos da mitologia grega (1300 a.C.). Segundo Furnish, entre a destruição de Corinto e a sua fundação como colônia romana o culto de mistério ainda estava em operação. Havia uma estátua de Deméter na cidade. No entanto, a adoração ao deus do mar, Poseidon, era dominante em todo istmo. Contava-se uma lenda que Poseidon e Hélio disputavam para ter o controle do istmo. Fora acordado que Corinto pertenceria a Poseidon. Ao que parece, o templo de Poseidon foi construído no século IV a.C. e durou até a época dos romanos, sendo reparado pelos colonos. A estátua de Poseidon em seu templo era 3 vezes maior que o tamanho natural de uma pessoa, bem como de sua esposa Anfitrite, que também era venerada. O culto a Poseidon que era praticado na época de Paulo incluía o sacrifício animal. Melicertes era tão importante e venerado quanto Poseidon, Melicertes era outra grandeza espiritual grega adorada em Corinto^42. Na Grécia Antiga eram celebrados os jogos Pan-Helênicos, conhecido como “Olimpíada”, que ocorriam a cada 4 anos. Faziam parte da Olimpíada os jogos Ístmicos que eram celebrados na cidade de Corinto. De acordo com o mito grego, os jogos foram instituídos pelo rei de Corinto Sisyphus , no século V a.C.^43. Sisyphus teria encontrado o menino Melicertes à beira do mar e dado a ele um enterro no istmo, estabelecendo, dessa forma, os jogos Ístmicos em honra a Melicertes^44 , deificado após a sua morte. Segundo Pausânias, mesmo com a queda de Corinto, os jogos não deixaram de ser celebrados^45. Fazia parte da vida de um morador de Corinto visitar os jogos. Melicertes foi chamado de Palamaion , em Corinto. Sua popularidade alcançou tais dimensões que podem ser comparadas à adoração de Poseidon. O ponto máximo do culto a Melicertes era queimar um touro preto durante o ritual noturno^46. (^41) It would appear that this Corinthian sanctuary was used primarily by local people, since there were few facilities for visitors from afar. But its importance locally is well attested, not only by the building complex itself but also by the large number of terra-cotta votive offerings, representing afflicted parts of the body, which have been excavated there. FURNISH, 1984, p. 17. (^42) FURNISH, 1984, p. 18. (^43) De acordo com Solinus (VII,14), os jogos Ístmicos ocorrem pela primeira vez no 49º ano dos Jogos Olímpicos, sendo assim, remonta-se à data de 582 como primeira data para os jogos no istmo de Corinto. Disponível em: http://www.thelatinlibrary.com/solinus5.html. Acesso em: 11 de jan de 2019. (^44) Na mitologia Melicertes era filho de Atamas e Ino. Ino era filha de Cadmo e Harmonia. Harmonia era filha de Afrodite com Ares, famosos deuses do Olímpo. (^45) PAUSANIAS, 1918, p. 254, II.II.2. (^46) FURNISH, 1984, p.18.