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Entrevistas sobre a Improvisação Musical no Choro: Valores e Significados, Exercícios de Música

As entrevistas semi-estruturadas com doze chorões sobre a improvisação musical no choro, abordando valores e significados musicais e extramusicais. O texto explora a importância da improvisação no choro, diferentes da jazz, e a influência da improvisação jazzística no choro. Além disso, discute a importância de analisar a improvisação em termos próprios do choro e a importância dos músicos como fontes de conhecimento.

O que você vai aprender

  • Por que os chorões buscam analisar a improvisação em termos próprios do choro?
  • Qual é a influência da improvisação jazzística no choro?
  • Por que os chorões se referem à improvisação no choro como uma 'conversa'?
  • Qual é a importância da improvisação no choro?
  • Como a improvisação no choro difere da jazz?

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Romar_88
Romar_88 🇧🇷

4.6

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
David Rangel Diel de Carvalho Martins
IMPROVISAÇÂO NO CHORO SEGUNDO CHORÕES
Profª Drª Heloísa Faria Braga Feichas
Orientadora
Belo Horizonte
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Baixe Entrevistas sobre a Improvisação Musical no Choro: Valores e Significados e outras Exercícios em PDF para Música, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ESCOLA DE MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

David Rangel Diel de Carvalho Martins

IMPROVISAÇÂO NO CHORO SEGUNDO CHORÕES

Profª Drª Heloísa Faria Braga Feichas Orientadora

Belo Horizonte

DAVID RANGEL DIEL DE CARVALHO MARTINS

IMPROVISAÇÃO NO CHORO SEGUNDO CHORÕES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Música da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Música.

Orientadora: Profª Drª Heloísa Faria Braga Feichas

Belo Horizonte

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Luiz Antonio de Carvalho Martins e Laura Maria Rangel Diel pelo amor, respeito e sabedoria com que fui gerado, criado e educado. À minha orientadora Heloísa Faria Braga Feichas, pela confiança, pelo incentivo, pela orientação e pelas seções de psicanálise. À CAPES/REUNI pelo apoio financeiro em parte deste percurso. Aos chorões, sujeitos desta pesquisa; e em especial aos entrevistados: Ausier Vinícius, Eric Murray, Evandro Archanjo, Gelson Luiz, Jonas Vitor, Marcos Flávio, Mozart Secundino, Pedro Amorim, Pedro Paes, Silvio Carlos, Tiago Ramos, Waldir Silva. À professora Cecília Cavalieri França, pelas Iniciações Científicas e pela visão pedagógica que me despertaram o interesse pelo mestrado. Ao professor André Cavazotti, pelo incentivo e pelas primeiras orientações para esta pesquisa, enquanto projeto, desde a graduação. Ao professor Cliff Korman, pelo grande incentivo, pelas orientações e pela oportunidade de monitoria em suas aulas – uma atividade re-carregadora de energias – e pela confiança no meu trabalho. Ao professor Ângelo Nonato pelas aulas de Percepção Musical, pela visão pedagógica, pela presença como banca de Qualificação, onde suas críticas e sugestões foram indispensáveis para o amadurecimento da pesquisa. Aos professores Fabio Adour da Camara e Mauro Rodrigues por comporem a banca final da Defesa, onde suas críticas e sugestões contribuíram mais ainda para o amadurecimento deste pesquisador. Aos professores: João Gabriel, Jussara Fernandino, Walênia Marília Silva, Virgínia Bernardes, Eduardo Campolina, Flávio Barbeitas, Glaura Lucas e Rosangela de Tugny, pela relevância em minha formação. Ao professor José Raimundo Lisboa da Costa pela amizade, pelas conversas político-pedagógicas, pelas orientações e pelo exemplo. Ao Conservatório de Música de Niterói e à Valéria Gomes pela minha formação profissional em música. Ao Rafael Cândido Neri pela amizade e pelas seções mútuas de psicanálise empírica. À Kênia Werner pela amizade, carinho, compreensão e oportunidades de amadureci-mento. À minha família paulista, em especial à Ana Maria Lopes da Silva, Roberta Lopes da Silva, Andréia Lopes da Silva Pasquini, assim como à todos os amigos e colegas de cuja amizade tive de desertar por todo este tempo para a realização deste trabalho.

ABSTRACT

This study aimed to investigate the choro's musical improvisation and the way the chorões learn and teach it, through the viewpoints of some choro musicians and scholars, in view of the wide dissemination of methodologies from [or inspired by] jazz culture. Based primarily on talk-about-music, this work presents a more conceptual and philosophical [but no less practical] approach - after all, the speech is able to shape not only our thinking but also our actions, in short and long term. Since the speech of chorões and o choro musicians and scholars is the raw material for this study, we collected twelve semi-structured interviews, of which we highlight and bring together a number of meanings and values essential to understanding the phenomenon of musical improvisation practiced by the traditional chorões. In the processes of influencing of and/or hybridization between jazz and choro cultures, many of these values and meanings clash causing some confusion as to the origin and purposes of improvisation in each of these cultures. In investigating the emic view of chorões, we wish to develop more of an ethnopedagogic awareness, so needed in the incorporation of popular music in ours music schools.

Keywords: choro, improvisation, jazz, teaching and learning, values and meanings, popular music.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Trecho de baixaria para “Chorando Baixinho”, de Abel Ferreira ........................... p.

Figura 2 – Tema da parte A de “Proezas de Solon”, de Pixinguinha ....................................... p.

Figura 3 – Exemplo composto com variações típicas utilizadas nas improvisações mais tradicionais de choro ................................................................................................................. p.

Introdução

Segundo Alexandre Caldi Magalhães^1 , “a prática de improvisar melodicamente sobre os encadeamentos harmônicos – sem maiores referências à melodia – como no jazz” vem ganhando força entre as gerações mais recentes de músicos de choro. Esta influência do jazz também pode ser encontrada de maneira irrefletida [ou seja, sem uma postura reflexiva, sem se “pensar sobre”] em uma literatura didática brasileira sobre improvisação [e, naturalmente, em cursos livres que utilizam essa literatura]. No entanto, para Carlos Almada 2 , “a improvisação no choro tem não só origem e propósitos bem diversos em relação ao jazz, como é realizada de maneiras consideravelmente diferentes”. Isto significa que, em teoria, a literatura didática da qual acabamos de falar não seria adequada ao aprendizado da habilidade de improvisar como um chorão, pois seria calcada em valores culturais do jazz e não [necessariamente] do choro. Por isso, é necessário investigar o que há de peculiar na improvisação do chorão em relação à improvisação do jazzista. Há décadas a cultura do jazz tem inspirado estudos científicos em diversas áreas do conhecimento, proporcionando aos jazzistas o acesso às escolas de música das universidades estadunidenses, como representantes de sua música popular instrumental e urbana. Talvez isto tenha se refletido, de alguma forma, na criação dos cursos superiores em Música Popular que temos hoje no Brasil; cursos estes que tem atraído cada vez mais músicos interessados em estudar nosso gênero equivalente de música popular instrumental e urbana: o choro. Além da influência do jazz, também é preciso considerar, nestas circunstâncias, que os novos chorões estão entrando em um ambiente física e ideologicamente instituído a partir do Conservatório^3. E os conservatórios, por sua vez, teriam herdado toda uma tradição eurocentrista que, segundo a professora Heloísa Feichas 4 , “privilegia não só o repertório europeu como também as metodologias de ensino da música com foco no ensino da notação tradicional” [a partitura]. Tratam, assim, qualquer cultura musical a partir de suas próprias concepções, valores e métodos. Nestas circunstâncias, assumimos como objetivo investigar as peculiaridades da improvisação no choro através dos valores e significados que os próprios chorões atribuem a esta prática, para que assim possamos evitar pré-conceitos – sejam eles jazzísticos ou

(^1) MAGALHÃES 2000, p.31. (^2) ALMADA 2006, p.4. (^3) BARBEITAS 2002, p.77. (^4) FEICHAS 2006, p.1.

“conservatoriais” – em relação a esta habilidade. A inclusão do choro aos currículos de música é uma forma de tornar as escolas mais permeáveis à pluralidade cultural. Mas, como nos alerta Carlos Sandroni^5 , é “fundamental que tal inclusão não seja concebida como mera adoção de novos conteúdos, a serem trabalhados de acordo com metodologias alheias a seu contexto cultural”. E em vista disso, é preciso considerar a incorporação de modos-de-fazer [e de-pensar] tradicionais. Acreditamos que o discurso dos chorões contenha valores e significados fundamentais à essa compreensão de seus modos-de-pensar, e que tais valores e significados sejam, muito provavelmente, ilustrados a partir de metáforas e comparações. Um exemplo disso é o fato de muitos chorões referirem-se à improvisação no choro como sendo ela uma espécie de “conversa”. Segundo Ingrid Monson^6 , quando músicos usam essa “metáfora da conversação” eles estão dizendo algo muito significante sobre o processo musical. E para Lakoff e Johnson^7 , metáforas não apenas ilustram como também podem estruturar toda nossa maneira de pensar e agir sobre um determinado fenômeno. Tomaremos, então, o discurso dos chorões sobre suas práticas em improvisação como a matéria-prima deste estudo, pois só a partir dele poderemos verificar a pertinência de uma série de valores pedagógicos que tem influenciado nossa literatura e nossos cursos de improvisação. Afinal, até onde diferentes concepções de improviso poderiam coexistir na ementa de um curso que propõe um ensino genérico^8 , ou polivalente, desta habilidade? Esta questão, inclusive, faz parte de um histórico de motivações pessoais que culminou na realização desta pesquisa. Vejamos, a seguir, as origens dessa questão e como ela se relaciona com a formação musical que tive.

I. Breve histórico motivacional

Meu primeiro contato prático com o choro foi no Conservatório de Música de Niterói. Naquela época eu estudava violão erudito, mas meu repertório era mais focado em compositores populares (como Ernesto Nazareth, João Pernambuco e Dilermando Reis) e que tinham influência da música popular e folclórica (como Villa-Lobos e Leo Brouwer).

(^5) SANDRONI 2000, p.26. (^6) MONSON 1998, p.81. (^7) LAKOFF e JOHNSON 2002, p.45-47. (^8) “Générico” como “independente de gênero”, que sirva ao estudo da habilidade em qualquer gênero musical.

Comecei então a perceber que as frases desta “baixaria” [como são chamados esses contracantos do sete cordas] nunca eram exatamente as mesmas nas repetições da forma, e essa diversificação, assim como a óbvia expressão de surpresa dos outros músicos e ouvintes, me sugeria que o violonista as elaborava de improviso. Assim, comecei a perceber que, se eu quisesse aprender a tocar choro no sete cordas, eu teria também que aprender a improvisar. Meu primeiro contato com o estudo da improvisação musical também foi no conservatório. Minha professora de violão, Valéria Gomes, chegou a ministrar alguns exercícios baseados em métodos bastante conhecidos sobre o tema, como, por exemplo, o “Harmonia e Improvisação” , do Almir Chediak, e “A arte da improvisação” , do Nelson Faria. Entretanto, como já havia dito, meu interesse maior, naquela época, era na técnica do violão erudito e, por isso, eu não via um objetivo ou uma aplicação direta daqueles exercícios na minha prática. Só quando vim pra Belo Horizonte e comecei a freqüentar rodas de choro é que surgiu uma demanda legítima para o estudo da improvisação. Cursando a Licenciatura em Música na UFMG, resolvi então me matricular na disciplina Improvisação , ministrada pelo professor Mauro Rodrigues. No decorrer do curso, comecei a perceber que, tanto a concepção de improviso, quanto as atividades sugeridas, eram, até certo ponto, semelhantes àquelas que eu conheci no conservatório através da minha professora Valéria e dos métodos de Almir Chediak e Nelson Faria. O estudo da improvisação era basicamente o estudo da harmonia associado ao estudo técnico das escalas no instrumento. Naquela altura, cheguei a associar essa abordagem àquela estética jazzística, ou mesmo, “bossanovística”, predominante naqueles métodos que conheci no conservatório e no curso de Improvisação. Essa estética vinha também acompanhada de alguns valores aparentemente diferentes daqueles que eu estava aprendendo como violonista de choro. Além do estudo ser mais focado na harmonia e nas relações escala-acorde, o ineditismo , assim como o desenvolvimento de um estilo pessoal, eram incentivados desde o início. Estes valores costumam ser reconhecidos por vários autores como bastante característicos no universo do jazz^11. Admito que, por tudo isso, comecei a desenvolver certo preconceito em relação a essa cultura do jazz, pois via e vivenciava uma improvisação que não se parecia muito com a improvisação de quem estudava a partir daqueles métodos, como os do Chediak e do Nelson Faria, por exemplo. Então, eu comecei a suspeitar que, talvez, eu tivesse de ser mais objetivo, se quisesse aprender a improvisar como um chorão, contextualizando ao máximo o estudo desta habilidade no universo do choro. A dificuldade de aprender a improvisar no choro através de

(^11) Idem; FALLEIROS 2006, p.49.

metodologias descontextualizadas gerou então várias outras questões que deram início, de fato, a esta pesquisa.

II. Questões preliminares

Em uma simples busca pela internet, ou mesmo pelos acervos palpáveis das bibliotecas, é possível constatar que a maior parte do material didático disponível sobre improvisação musical refere-se à cultura do jazz^12 , ou é baseada em sua rede de valores e significados^13. Alguns, inclusive, sugerem que a metodologia independe do instrumento musical, do gênero e do estilo, inaugurando assim uma teoria genérica [polivalente] da improvisação. No entanto, desenvolvem seus exercícios ainda baseados no estudo da harmonia e das relações escala-acorde [que são muitos explorados nos métodos de improvisação do jazz]. Por isso, daqui por diante, chamaremos esta falsa imparcialidade de paradigma jazzístico da improvisação. Dada a importância que a improvisação musical assumiu na cultura do jazz e a quantidade de métodos e pesquisas sobre o assunto que esta cultura inspirou^14 (antes que a improvisação em outras culturas fosse estudada com mais profundidade), é natural que muitos músicos brasileiros usem o improviso jazzístico como modelo. No entanto, nossa população é um misto de povos diferentes daqueles que formaram a população dos Estados Unidos [que o “berço” do jazz] e, por conseqüência, nossa cultura e nossa música também o são. Logicamente, após séculos de histórias desenvolvidas em regiões tão distintas do globo, um chorão não compartilharia (ou ao menos não compartilhava num passado menos globalizado) dos mesmos sons, cheiros, gostos, paisagens, pensamentos, sentimentos, princípios éticos e condutas que compõem o universo de um jazzista, ou sua “cosmologia” – como se costuma usar no jargão etnomusicológico.

[…] O Choro, apesar de ser chamado “o jazz brasileiro” […] e ter se originado na mesma época que o próprio jazz sob circunstâncias semelhantes, medrou, todavia, em ambiente cultural inteiramente diverso. O conhecimento deste fato já seria suficiente para depreender que o conhecimento da improvisação apenas no jazz é incompleto para o bom desempenho no choro e na música brasileira […]^15

(^12) VALENTE 2009, p.8. (^13) A rede de valores e significados de uma cultura musical é o que define seus modos de fazer e perceber a música. (^14) VALENTE 2009, p.8. (^15) MENDONÇA 2006, p.98-99.

medida que esses sistemas e gêneros se consolidavam, a improvisação saia de cena. […]^18 Isto sugere que este interesse crescente pela improvisação possa estar intimamente ligado à modernização do choro ou criação de um “choro novo”. Mas sempre haverá chorões (e aprendizes) simpatizantes do choro mais tradicional e quando estes buscam estudá-lo formalmente surge a necessidade de se ter uma noção mais clara da origem e dos propósitos^19 da improvisação nesse gênero. Caso contrário, sob tantas influências, corremos o risco de ensinar improvisação no choro como se ensina improvisação no jazz, ou em outro contexto cultural. Como havíamos alertado, o choro também circula hoje em um ambiente [a academia] que durante anos cultivou a música clássica, européia, e seus modos-de-pensar as outras músicas do mundo. Este eurocentrismo ao qual as pesquisas em música popular estão submetidas dentro das escolas nos sugere uma abordagem etnomusicológica, que ponha em diálogo as concepções ética e êmica [ou seja, as concepções de quem pesquisa e de quem é pesquisado, respectivamente] sobre a habilidade que focamos neste estudo. Só assim poderíamos desenvolver uma consciência etnopedagógica, fundamental em um ensino mais objetivo e contextualizado da improvisação musical.

III. Abordagem Metodológica

[…] A ideia de que a improvisação deva ser analisada e avaliada em termos próprios, e de que os músicos sejam em si as fontes de conhecimento mais legítimas sobre a música, reúne os interesses de etnomusicólogos e membros da comunidade […]^20

Sendo o chorão a fonte mais óbvia de conhecimento sobre o choro, buscamos em seu discurso tudo que pudesse contribuir para a compreensão de suas práticas em improvisação musical, pois consideramos a rede de valores e significados êmicos do fazer musical do chorão um ponto de partida para análises mais conscientes da música em si. Assim, ao assumir uma postura mais exploratória, adotamos para este momento uma abordagem mais conceitual e filosófica, mais etnomusicológica que puramente musicológica. A teoria proposta neste trabalho é, então, resultado de uma triangulação entre o conhecimento tradicional [dos chorões], o conhecimento científico [da literatura acadêmica] e a

(^18) ALBINO e LIMA, 2011, p. 71. (^19) ALMADA 2006, p.4. (^20) MONSON 1996, p.4, tradução nossa.

visão do pesquisador ao articular estes conhecimentos. O conhecimento tradicional foi obtido através de entrevistas. Desde o início tivemos ciência das dificuldades de se trabalhar com dados subjetivos e, por isso, buscamos também uma fundamentação em pesquisas qualitativas. Uma grande preocupação era a de que, ao se verem diante de uma pesquisa acadêmica, os entrevistados falassem mais sobre o que já tivessem lido (ou ouvido falar de quem leu), ao invés de basearem- se exclusivamente em suas práticas. Isto porque, por se tratar [a entrevista] de uma comunicação baseada na linguagem verbal, o que já foi verbalizado tende à vir primeiro à nossa memória. Influências do Jazz na música brasileira são encontradas desde os anos 20, como aponta André Luis Scarabelot 21. Junto, obviamente, veio a maneira jazzística de se pensar a improvisação, já bastante difundida nos dias de hoje entre músicos populares e autores nacionais [da literatura sobre esse assunto]. Por isso, seria mais provável que o que tivessem lido (ou ouvido falar de quem leu) fosse oriundo da tradição jazzística ou produto de sua influência. Para evitar uma confusão de valores e significados, e estimular os entrevistados a refletirem única e exclusivamente sobre suas práticas em improvisação no choro, baseamo-nos na prática reflexiva , uma abordagem de grande utilidade em pesquisas qualitativas que envolvam entrevistas, sugerida pela professora Heloísa Szimanski (2004). Em uma entrevista reflexiva , o entrevistador pode expressar, sempre que achar necessário, sua compreensão do discurso do entrevistado sintetizando-o e organizando-o para que ele [entrevistado], ao deparar-se com sua fala na fala do outro, tenha a chance de discordar ou modificar suas proposições. Bem longe de querer “fabricar” as respostas, esta atitude levaria o entrevistado a refletir sobre a prática improvisatória da forma mais contextualizada possível, pois

[…] Muitas vezes, esse conhecimento nunca foi exposto numa narrativa, nunca foi tematizado. O movimento reflexivo que a narração exige acaba por colocar o entrevistado diante de um pensamento organizado de uma forma inédita até para ele mesmo. […]^22

Assim, é estimulada em ambos os interlocutores [entrevistador e entrevistados] uma metacognição , ou seja, uma atitude reflexiva sobre como foi ou está sendo construído o conhecimento que é exposto na entrevista. Foram então realizadas 12 entrevistas semi- estruturadas com músicos e estudiosos do choro, frequentadores de rodas de choro, que serão referenciados neste trabalho como chorões.

(^21) SCARABELOT 2005, p.2. (^22) SZIMANSKI et al. 2004, p.14.

gaguejada, que pudessem ser úteis à uma análise pragmática^25 do discurso. Os entrevistados tiveram a oportunidade de revisar da maneira que lhes conviesse trechos transcritos de suas entrevistas, acrescentando, modificando ou mesmo retirando qualquer trecho de suas falas para a edição final. A maioria optou por corrigir apenas os erros gramaticais. Alguns optaram também por eliminar, parcial ou completamente, os maneirismos de linguagem (tais como , , assim , , etc.). Em um primeiro momento, os entrevistados revisaram apenas trechos isolados de suas próprias falas, baseando-se essencialmente nas ideias centrais. Em um segundo momento, os entrevistados receberam as partes do texto da dissertação onde suas falas eram postas em diálogo com as de outros chorões entrevistados e com a literatura científica pertinente a cada assunto. Na última revisão, cada entrevistado recebeu um arquivo com suas falas articuladas com a de outros entrevistados e de estudiosos do choro. Neste momento, puderam fazer uma nova revisão mais conscientes de como suas falas estavam sendo utilizadas, participando assim mais ativamente da construção do texto. Durante a escrita (que ocorreu concomitantemente à análise), tanto a ordem dos assuntos quanto o próprio foco do que era discutido sofriam novas alterações [muito em função do que era sugerido pela própria análise]. Assim, outros trechos de fala [que antes não pareciam “representativos”] eram re-suscitados para a discussão, e novas fontes bibliográficas tinham de ser levantadas para a articulação das ideias em jogo. E assim, o conhecimento dos chorões foi organizado e articulado nesta pesquisa sob a luz da grounded theory , onde “o pesquisador, já durante a coleta de dados, desenvolve, aprimora e interliga conceitos teóricos, construtos e hipóteses, de tal maneira que o levantamento e a análise se superpõem”^26. Como vínhamos esclarecendo, adotamos para este momento uma postura mais exploratória, calcada na análise do discurso, na busca por valores e significados úteis à compreensão de um fenômeno, que é a improvisação musical de chorões tradicionais. Muitos destes valores e significados estão ilustrados, e às vezes encobertos, por figuras de linguagem. A seguir veremos a importância destas figuras de linguagem para no discurso sobre a música, de maneira geral. E no último capítulo, retomaremos este assunto para analisar como estas figuras são utilizadas na tradição oral do chorão e, consequentemente, nos processos de ensino e aprendizagem da improvisação no choro.

(^25) “Trata-se basicamente de uma visão filosófica segundo a qual o estudo da linguagem deve ser realizado em uma perspectiva pragmática, ou seja, enquanto prática social concreta, examinando portanto a constituição do significado lingüístico a partir da interação entre falante e ouvinte, do contexto de uso, dos elementos sócio- 26 culturais pressupostos pelo uso, e dos objetivos, efeitos e conseqüências desses usos.” (MARCONDES 2000, p.40) GLASER apud MAYRING 2002, p.105.

Metáforas e alegorias como fonte de conhecimento sobre a música

“O conhecimento humano depende das palavras que o formulem, o discurso instituído tem implicações cognitivas […], a linguagem molda o pensamento humano não só em termos de sua operabilidade mas também em termos de sua direcionalidade” 27. No início dos anos 90 Ingrid Monson realizou uma pesquisa sobre a improvisação musical no jazz e sobre a importância da rhythm section durante uma performance improvisada. “Ao pé da letra”, rhythm section significa “seção rítmica”, mas intersemioticamente traduzido corresponde ao que chamamos coloquialmente de “cozinha” de um conjunto musical, que é a seção de músicos que realiza o acompanhamento, incluindo o contrabaixo, por exemplo, além dos instrumentos de percussão, e até mesmo o piano ou o violão dependendo do contexto. A partir destas entrevistas a autora levantou várias metáforas e alegorias que os jazzistas usaram para ilustrar determinados aspectos de sua performance – metáforas que compreendiam o jazz como uma linguagem musical, improvisação musical como uma conversação e, consequentemente, uma boa improvisação como aquela que diz alguma coisa. Diante disto, Monson tomou tais metáforas como um caminho para compreender mais profundamente a relação entre a prática musical e os significados sociais e culturais, e descobriu que quando músicos usam estas metáforas sobre conversação eles estão dizendo algo bastante significativo^28. No geral, as metáforas existem para explicar “coisas cognitivamente complexas” – nas palavras do linguista José Borges Neto^29 –, por meio de analogias com coisas cognitivamente mais simples. Quando falamos que alguém está “pra baixo”, com um olhar “distante”, estamos usando conceitos espaciais simples para ilustrar um complexo estado de espírito, como o de desesperança, por exemplo. Para músicos, metáforas e comparações com a linguagem verbal são uma maneira de dar significado aos sons musicais, tornando-os mais inteligíveis, lógicos. Pela própria natureza da música [subjetiva, abstrata], metáforas acabam sendo mais eficientes, em muitos casos, para comunicar uma determinada noção musical, que o linguajar analítico ordinário^30. Noções como as de frase, pergunta e resposta, já há muito tempo fazem parte do jargão analítico da musica na tradição musical Ocidental. Assim como as ciências, de um modo geral, estão impregnadas por um léxico visual – “veja” que a todo momento falamos em “ponto de vista”, “perspectiva”, “evidências” 31 –, o “léxico linguístico” já há muito tempo faz parte do

(^27) MELLO 2003, p.243. (^28) MONSON 1996, p. 73 e 81. (^29) BORGES NETO 2005, p.2. (^30) MONSON 1996, p.93. (^31) HIKIJI 2005, p.273.