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Estratégias de Sobrevivência do Setor Privado no SUS: Desafios e Opportunidades, Trabalhos de Saúde Pública

Este documento discute as estratégias desenvolvidas pelo setor privado para aumentar a clientela e lidar com os desafios financeiros impostos pelo sistema único de saúde (sus) no brasil. O texto aborda a história do sus, as políticas públicas federais na área da saúde, a reforma sanitária e a participação da iniciativa privada no sistema. Além disso, o documento analisa as tendências na política pública de saúde, a relação entre o setor público e privado na prestação de serviços de saúde e novos modelos de gerenciamento no setor privado.

Tipologia: Trabalhos

2021

Compartilhado em 12/05/2021

laura-godoy-12
laura-godoy-12 🇧🇷

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Implementação
do
Sistema
Único
de
Saúde:
novos
relacionamentos
entre
os
setores
pÚblico
e
privado
no
Brasil*
Ana
L.
Viana··
Marcos
S.
Queiroz···
Nelson
Ibanez····
Sumário:
1.
Introdução;
2.
Crise econômica e reforma do setor saúde; 3. Novos mode-
los de gerenciamento no setor privado: o caso do hospital de Cotia; 4. Discussão.
Palavras-chave: sistema de saúde; descentralização de políticas públicas; reforma sani-
tária.
Identiticação de novas fom1as de ação e participação nos setores público e privado
após a implementação do SUS no Brasil. Estratégias desenvolvidas pelo setor privado
para aumentar a clientela e lidar com os constrangimentos financeiros impostos pelo
tinanciamento dos serviços de saúde. Estudo de caso sobre estratégias desenvolvidas
por um hospital filantrópico. A reforma na saúde tem sido extremamente limitada pela
crise econômica.
Implementing
the
Sole
System
for
Health
services:
new
relationships
in
Brazil
between
the
public
and
the
private
sectors
This paper aims to identify the new forms
of
action and participation in the public and
private sectors after the implementation
of
the Single Health System
in
Brazil (SUS).
Particular attention
is
given to the strategies developed by the private sector in order to
increase its
clkntele
and to deal with the financiaI constraints imposed by the financing
of
health services by SUS. It
is
shown that if, on the one hand, these strategies have
been innovatory in many ways, they collide
in
many aspects with the idea
of
a unified
health system. A case study about strategies
of
a philanthropic hospital
is
taken more
closely for analysis. As for the public sector, the study did not find meaningful changes
in managerial practices, not even has it regulated the private sector due to financiai res-
traints. Thus, it
is
argued,
if
the health reform was favoured by a political conjuncture
which helped its formulation, on the other hand, its implementation has been very
much limited by the economic crisis.
Artigo recebido em mar. e aceito em maio 1995 .
..
Doutora em economia e professora adjunta do Instituto de Medicina Social da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro .
...
Doutor em sociologia e pesquisador do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universi-
dade Estadual de Campinas (Unicamp) .
....
Doutor em medicina social e livre docente da
faculdade
de Ciências Médicas da Santa Casa
de São Paulo.
RAP RIO DE
JANEIRO
29 (3) 17-32,
JUl..!SH.
1995
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Baixe Estratégias de Sobrevivência do Setor Privado no SUS: Desafios e Opportunidades e outras Trabalhos em PDF para Saúde Pública, somente na Docsity!

Implementação do Sistema Único de Saúde: novos

relacionamentos entre os setores pÚblico e

privado no Brasil*

Ana L. Viana··

Marcos S. Queiroz···

Nelson Ibanez····

Sumário: 1. Introdução; 2. Crise econômica e reforma do setor saúde; 3. Novos mode- los de gerenciamento no setor privado: o caso do hospital de Cotia; 4. Discussão. Palavras-chave: sistema de saúde; descentralização de políticas públicas; reforma sani- tária.

Identiticação de novas fom1as de ação e participação nos setores público e privado após a implementação do SUS no Brasil. Estratégias desenvolvidas pelo setor privado para aumentar a clientela e lidar com os constrangimentos financeiros impostos pelo tinanciamento dos serviços de saúde. Estudo de caso sobre estratégias desenvolvidas por um hospital filantrópico. A reforma na saúde tem sido extremamente limitada pela crise econômica.

Implementing the Sole System for Health services: new relationships in Brazil between the public and the private sectors This paper aims to identify the new forms of action and participation in the public and private sectors after the implementation of the Single Health System in Brazil (SUS). Particular attention is given to the strategies developed by the private sector in order to increase its clkntele and to deal with the financiaI constraints imposed by the financing of health services by SUS. It is shown that if, on the one hand, these strategies have been innovatory in many ways, they collide in many aspects with the idea of a unified health system. A case study about strategies of a philanthropic hospital is taken more closely for analysis. As for the public sector, the study did not find meaningful changes in managerial practices, not even has it regulated the private sector due to financiai res- traints. Thus, it is argued, if the health reform was favoured by a political conjuncture which helped its formulation, on the other hand, its implementation has been very much limited by the economic crisis.

  • Artigo recebido em mar. e aceito em maio 1995. .. Doutora em economia e professora adjunta do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. ... Doutor em sociologia e pesquisador do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universi- dade Estadual de Campinas (Unicamp). .... Doutor em medicina social e livre docente da faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

RAP RIO DE JANEIRO 29 (3) 17-32, JUl..!SH. 1995

1. Introdução

No final de 1989, o Brasil empreendeu uma reforma substantiva na política de saúde através da constituição do Sistema Único de Saúde (SUS). Promulgado na Constituição Federal de 1988, integrando os subsistemas público e privado, assim como os ramos da medicina preventiva e curativa num nível institucional, o SUS foi implantado com os seguintes objetivos: garantir acesso universal para todo o tipo de serviço médico, integrar a assistência médica comunitária e indivi- duai e descentralizar os serviços médicos através de uma rede única criada pelo governo municipal. A saúde foi, portanto, concebida como um direito de todos e um dever do Estado, que por sua vez assumiu o compromisso de assegurar o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, bem como a proteção e a recuperação de todos os cidadãos. Mas o movimento de reforma que desembocou no SUS teve início muito an- tes, com várias políticas públicas federais na área da saúde que procuraram privi- legiar a atenção primária, a descentralização administrativa e, ainda, a regulação pública das ações de saúde. São representativas dessas políticas as Ações Inte- gradas de Saúde (AIS), no início da década de 80, que repassaram recursos do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) para as secretarias estaduais e munic ipais de saúde, de modo a implementar a integração das ações setoriais, além de propiciar a expansão fisica e o reaparelhamento da rede pública de serviços de saúde e novas contratações de recursos humanos. Esse programa, no entanto, não promoveu a efetiva unificação das ações sob um comando único em cada níwl de governo, nem tampouco a descentralização do gerenciamento das unidades de saúde. Em 1987, o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (Suds) estabele- ceu uma série de convênios e contratos que transferiram para o nível estadual as responsabilidades pela gestãü dos serviços de saúde, inclusive o emprego de ter- ceiros. Em 1988, a nova Constituição Federal criou o Sistema Unificado de Saú- de (SUS), ratificado nas Constituições estaduais de 1989 e nas leis orgânicas dos municípios. A partir da implantação do Suds/SUS, formou-se um sistema nacio- nal de saúde. Até o advento do SUS, o sistema público de saúde era gerenciado tanto pelo Ministério da Saúde (que cuidava dos aspectos preventivos), como pelo Ministé- rio da Previdência e Assistência Social (MPAS), através do Inamps, que cuidava, de modo centralizado, das ações curativas, envolvendo diagnóstico, tratamento e reabilitação. Cabiam ainda às secretarias estaduais de saúde as ações de saúde pública de tipo higienista e o atendimento primário, desenvolvido conjuntamente com órgãos municipais.

A reforma do sistema de saúde foi impulsionada pelo desempenho de uma elite profissional num cenário político favorecido pela abertura política e o apro-

18 RAP 3,'

2. Crise econômica e reforma do setor saúde

A crise econômica dos anos 80 significou uma ruptura profunda com o pas-

sado, sendo pois questionado o modelo de crescimento econômico dos últimos

50 anos. O padrão de desenvolvimento brasileiro, assentado numa forte interven-

ção do Estado, foi abalado pelas transformações operadas nas economias desen-

volvidas a partir de 1975.

Essas transformações ocasionaram a adoção, pelas economias desenvolvi-

das, de um novo padrão de crescimento, gestado por um novo referencial tecno-

lógico e um novo perfil de financiamento. Tais mudanças romperam o vínculo

entre produção, recursos naturais e emprego; propiciaram intensa globalização

dos mercados e do sistema financeiro; e impuseram profundas reformas no apa-

rato estatal e nas formas de provisão de bens e serviços sociais pelo Estado. Esse

movimento redundou em nmas relações entre o público e o privado em todos os

níveis.

O Brasil, por sua vez, entrou em crise no final dos anos 70 e até agora não

conseguiu encontrar novos mecanismos de inserção econômica nesse novo pa-

drão internacional. Três fatores explicam essa diticuldade: a desorganização do

Estado causada pela crise fiscal e financeira, a falta de consenso político para

promover as reformas necessárias e a fragilidade da economia, principalmente no

que diz respeito ao setor púbi ico. Como conseqüência, o Estado, que tradicional-

mente vem operando como ccntralizador de capital e concentrador de poder polí-

tico, encontra dificuldades imensas para comandar um novo ciclo de cresci-

mento.

A bancarrota do Estado, o mais agudo subproduto da crise, comprometeu lar-

gamente o financiamento do sistema de proteção social, dependente de recursos

públicos. No caso da saúde, que é predominantemente financiada por fundos pre-

videnciários, parafiscais, de extração compulsória, incidindo sobre folha de salá-

rios, a recessão e a deterioração das rendas do trabalho foi fortemente inibidora

desse perfil de financiamento. Dessa forma, várias medidas paliativas tiveram

que ser tomadas - como a criação de novas fontes e o aumento das alíquotas das

arrecadações compulsórias -- mas sem muito êxito e sem resolver, de forma de-

finitiva, o problema de financiamento público para as ações de saúde. Assim, se

por um lado a conjuntura política favorável permitiu a formulação da reforma,

por outro a crise econômica e fiscal do Estado tem imposto limites estreitos a sua

implementação.

O cenário internacional da reforma do Estado e a própria crise pareciam indi-

car que a implantação do SUS se faria acompanhar de novos mecanismos de ges-

tão, da racionalização dos gastos e de relações mais complementares e harmôni-

cas entre os setores público e privado na provisão de serviços de saúde, atuali-

zando a reforma do sistema de saúde com os novos ideários de reforma do Esta-

do. No entanto, isso tem ocorrido de modo muito limitado. Na verdade, se com o

SUS e o colapso do antigo padrão de intervenção estatal na área da saúde extin-

20 RAP^ 3/

guiram-se as antigas relações entre o público e o privado, o fato é que um novo padrão - orgânico e funcional, que otimize e tome eficaz e resolutiva tanto a rede pública quanto a privada - ainda não foi criado.

A antiga parceria público-privado

A partir dos anos 60, a expansão da cobertura dos serviços de saúde criou uma série de distorções ao reforçar a medicina curativa, em modelo hospital 0- cêntrico, em detrimento da medicina preventiva e primária. Em 1949, 13% do

gasto público com saúde destinavam-se à medicina curativa e 87% à medicina

preventiva. No final dos anos 80, essa distribuição passou a ser, respectivamente, de 7% e 22%. Mais grave, porém, foi a expansão do atendimento a partir do pólo previdenciário, na medida em que a crescente universalização da cobertura redu- ziu cada vez mais o compromisso do Estado com a questão da saúde. Através de uma excessiva centralização de recursos e de poder decisório na estrutura do Inamps, a política de saúde, até meados dos anos 80, apoiou-se numa estreita parceria entre o Estado e os segmentos privados. A política imple- mentada pelo Estado, com recursos públicos, fortaleceu o complexo médico-em- presarial privado por meio da contratação de serviços hospitalares, clínicos e la- boratoriais. Com esse estímulo, o setor logo passou a ser responsável por cerca de 70% da oferta de serviços no país. Porém, com a implantação do novo modelo assistencial proposto pelo SUS, de corte descentralizado e municipalizado, não apenas se alteram os mectmismos decisórios e a forma de gestão da política,

como também se observa a tendência à inversão do modelo curativo hospitalo-

cêntrico e a uma perda de importância do setor privado. A reforma na saúde começou a ser implementada com uma mudança na distri- buição do gasto federal com os provedores de serviços de saúde, que acarretou uma queda acentuada na contribuição do Inamps para o setor privado. Em 1989, o setor privado absorveu apenas 29,6% dos recursos do Inamps, contra 41,7% em 1987; os serviços públicos, por sua vez, absorveram 30,4% em 1987 e 45,9% em 1989. A queda na contribuição do Inamps ao setor privado é atribuída, em primeiro

lugar, à implementação das políticas de saúde do período, que tiveram como objeti-

vo reforçar o setor público através da transferência dos recursos do Inamps aos es-

tados e municípios, e em segundo lugar, à estratégia do setor privado de se libertar

da desvalorização de seus serviços resultante dos baixos preços pagos pelo Inamps. De acordo com Médici (1992), a percentagem de estabelecimentos lucrativos com contrato com o Inamps diminuiu de 64,6% para 52,8% entre 1980 e 1984. Silva e Médici (1991) identificam quatro tendências que caracterizam esse período no que diz respeito à política pública de saúde: redução no número de serviços concedidos ao setor privado; aumento nos recursos gastos em unidades ou entidades de saúde pertencentes ao Inamps; aumento relativo no gasto com estados e municípios de acordo com a concepção de descentralização e munici- palização dos serviços públicos; e, finalmente, aumento no gasto com hospitais

IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA UNICO DE SAUDE 21

milhões de usuários, 60% dos quais domiciliados no estado de São Paulo. Com a

implementação do SUS, mas também com o aguçamento da recessão e do de-

semprego, caiu o número para 28,7 milhões de pessoas em 1991.

A medicina de grupo, com cerca de 300 empresas no Brasil, metade delas no

estado de São Paulo, atende a 13,5 milhões de pessoas, 80% delas através de

convênios com empresas. Representada pela Associação Brasileira de Medicina

de Grupo (Abrange) e pelo Sindicato Nacional de Empresas de Medicina de Gru-

po (Sinange), possui hoje 78 hospitais, 7.800 leitos próprios, 600 centros de diag-

nóstico, mil hospitais conveniados, 18 mil médicos contratados em regime de

CLT e 40 mil funcionários paramédicos e administrativos. Entre as principais

empresas destacam-se Golden Cross/Amico, Interclínicas, Interrnédica e MediaI.

O faturamento mensal da medicina de grupo, em 1991, correspondeu a US$

milhões, com um custo per capita de US$12,4 por usuário.

O sistema de cooperativas médicas, representado pela Unimed do Brasil,

atende a uma clientela de 10,5 milhões de pessoas. Criada em 1966, a Unimed

abrange hoje 211 cooperativas, com unidades distribuídas por todos os estados

brasileiros e 60 mil médicos associados, o que corresponde a cerca de 25% do to-

tal de médicos do país. Formadas pelas associações médicas de cada cidade, as

unidades cooperativas prestam atendimento em consultórios particulares e pre-

tendem crescer mais nos anos 90, investindo em construção de hospitais. Em

1990, o custo per capita mensal da clientela coberta foi de US$1 O.

Os planos de autogestão, formados sobretudo por empresas estatais e gran-

des empresas privadas, atendem a 5 milhões de beneficiários, com tendência à

restrição de seu mercado, em razão do aumento dos custos de assistência médica.

São representados pela Associação Brasileira de Serviços Próprios das Empresas

(Abraspe).

Com nove empresas no mercado, os planos de administração atendem a 770

mil beneficiários. Administrando planos de grandes empresas, oriundas da auto-

gestão, destacam-se as seguintes empresas: Sul-América e Interclínicas, em São

Paulo, e Previna, na Bahia.

O seguro-saúde, com 11 empresas atuando no mercado, atende a 1.230.

usuários e, ao lado dos planos de administração, constitui o segmento que mais

cresceu no período 1989-91, por dispor de grande número de credenciados em

todo o Brasil, inúmeros pontos de venda, grande poder de barganha, além de in-

vestir pesadamente em publicidade. As empresas bancárias Bradesco e a Sul-

América respondem juntas por 81 % do mercado em seguro-saúde, cabendo ao

Bradesco 60,4% do total. O custo per capita/mês por segurados, em 1991, si-

tuou-se em torno de US$14,3.

É importante assinalar que o mercado privado de assistência médica supleti-

va foi um dos grandes beneficiados pela reforma do sistema de saúde, pois fo-

ram-lhe asseguradas autonomia e liberdade de ação, sem qualquer tipo de regula-

ção do Estado via SUS.

IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (^23)

Recentemente foi criada na Comissão de Seguridade Social da Câmara Fede- ral de Deputados uma subcomissão para tratar da medicina supletiva. Foram su- geridas a regulamentação do setor e a possibilidade de o mesmo ressarcir o setor público pelos procedimentos de alto custo por ele oferecidos e que são ampla- mente utilizados pela clientela dos planos de saúde privados, já que estes, em sua grande maioria, não contemplam tais terapêuticas. Contudo, uma lei regulamen- tando esse assunto ainda não foi aprovada.

o setor privado ligado ao SUS

Ao contrário do setor pnvado supletivo, os hospitais privados contratados pelo setor público têm suas receitas estreitamente dependentes dos recursos do SUS. Estima-se que 70% da receita dos hospitais privados lucrativos e 85% da receita dos privados filantrópicos e beneficentes provêm de recursos públicos. Por isso a Federação Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (Fenaes), a Fede- ração Brasileira de Hospitais (FBH),3 a Associação Brasileira de Hospitais (ABH), a Federação Nacional das Misericórdias e o Sindicato dos Hospitais

(Sindhosp) vêm-se mobilizando para reagir à defasagem dos preços pagos pelo

SUS para internação e atendimento ambulatorial, e ao atraso dos repasses (cons- tantes a partir de 1991). As C asas de Misericórdia e entidades beneficentes con- gregam 2.250 hospitais, respondendo por 63% do total da oferta de leitos no Bra- sil e por 52% da oferta do estado de São Paulo (Justo, 1991). No começo dos anos 80 (a partir das AIS), com as mudanças na destinação dos recursos do Inamps, priorizando o setor público em detrimento do segmento médico empresarial privado, inaugura-se um período de tensão e conflitos na parceria público-privado na oferta de serviços de saúde. O conflito aparece nas críticas do setor privado (conveniado e contratado), ligado ao sistema público, ao

processo de "estatização da assistência à saúde", ou seja, à crescente participação

do setor público, comandado pelas esferas municipais e estaduais, na oferta de serviços de saúde, após o SUS. O deslocamento desse conflito para as órbitas lo- cais (os municípios) ocorre a partir do processo de descentralização e municipali- zação das ações de saúde que acompanha a implantação desse novo modelo. Atu- almente, dada a definição do município como organizador dos modelos locais de saúde, o conflito entre as prefeituras (ofertantes de serviços básicos e de interna- ção) e o setor privado (ofertante de serviços ambulatoriais secundários e interna- ções) está permeado de tensões entre os diferentes grupos e facções da própria política municipal. De modo geral, o setor privado não se vê como parceiro do setor público e é descapitalizado seguidamente devido aos atrasos no pagamento e aos repasses

3 São filiados à Fenaes 5.500 hospitais e 40 mil outros estabelecimentos de saúde; à FBH, cerca de 3 mil hospitais.

24 RAP^ )/

te. Tais estratégias, ainda que freqüentemente sejam bem-sucedidas do ponto de

vista das instituições privadas, revelam a inexistência de novas relações orgâni-

cas entre os setores público e privado e geram incertezas quanto à implementa-

ção do SUS.

A estratégia fundamental desenvolvida pelo hospital de Cotia no período

1990-94 teve dois estágios. O primeiro, 1991/92, caracterizou-se por uma políti-

ca recessiva que implicou cortes nos gastos, fechamento de setores que apresen-

tavam déficits e pressões sobre instituições públicas para que mudassem o pa-

drão de financiamento dos serviços de saúde. Essas estratégias tinham como ob-

jetivo tomar a instituição minimamente viável.

O segundo estágio, que começou em fins de 1992, resultou de um novo rela-

cionamento entre a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e a Associação

do Hospital de Cotia, estabelecido através de um contrato de administração con-

junta. O estado comprometeu-se a cobrir a diferença entre o custo real do serviço

e o pagamento efetuado pelo SUS, e o hospital reabriu os serviços fechados por

causa da recessão.

Além desse contrato com a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, o

hospital de Cotia promoveu uma diversificação do rendimento através da abertu-

ra e amplificação de contratos com as empresas privadas locais. A política subja-

cente a essas novas estratégias deixou, portanto, de ser recessiva.

As estratégias empregadas pela diretoria do hospital no segundo estágio en-

volveram as seguintes medidas:

Com relação ao setor público

a) Nível local

Contrato firmado em nowmbro de 1993 com o município de Cotia para exa-

mes laboratoriais e radiológicos em favor de pacientes do SUS.

b) Nível estadual

O,s seguintes objetivos foram estabelecidos e cumpridos em junho de 1992:

reabertura do setor de emergência e ativação dos setores de suporte diagnóstico e

terapêutico (laboratório clínico, radiologia e ultra-sonografia). O acordo com o

estado, ainda que muito importante para a sobrevivência do hospital, é precário,

instável e sem garantia de continuidade após expirar o contrato de um ano.

c) Nível federal

Em fevereiro de 1994, a instituição foi considerada pelo SUS como Hospital

de Ensino, recebendo, como conseqüência, um adicional de 50% em cada fatura

de internação.

(^26) RAP 3/

Com relação ao selar privado

Entre setembro de 1992 e junho de 1994, 22 contratos foram firmados com o

setor privado, compreendendo 81 indústrias em Cotia e nos municípios vizinhos.

As mudanças organizacionais enfretaram, em quase todos os setores, resis-

tência às novas propostas, apesar do consenso quanto à identificação dos proble-

mas e às estratégias para lidar com eles. A maior resistência ocorreu com relação

à abertura ao setor de convênios privado: alegou-se que, com os novos convênios

e contratos, a instituição perderia o seu caráter filantrópico baseado num atendi-

mento indiferenciado à população.

A criação de um departamento específico para a administração de contratos,

operando em sintonia com outros setores do hospital e focalizando cada passo do

processo, foi a medida adotada pela diretoria do hospital para superar resistências

e dar confiança aos profissionais envolvidos na implementação dessa estratégia.

Outra medida administrativa importante foi o estabelecimento de novas for-

mas de contrato e remuneração para a corporação clínica e profissional. Muitos

profissionais que trabalhavam no hospital em regimes de turnos ou em período

parcial, realizando atividades especializadas em outros hospitais, aceitaram a

proposta, estabelecendo vínculos autônomos com uma percentagem sobre os

procedimentos realizados.

Resistências externas, causadas pela imagem negativa dos hospitais adminis-

trados pelo setor público e a recorrente situação de crise experimentada pelo pró-

prio hospital, foram neutralizadas pelo trabalho de um experiente profissional de

comunicação social.

Deu-se atenção especial ao setor industrial. Fizeram-se visitas às indústrias

locais e prestaram-se à imprensa local informações sobre os novos serviços ofe-

recidos. Em conseqüência, o número de contratos aumentou e o projeto tornou a

receber doações.

Na área administrativa, o projeto teve como objetivo básico controlar os gas-

tos mediante:

a) melhoramento do sistema de informação de contabilidade e faturamento do

hospital, uma vez que as taxas de inflação mensais e o déficit financeiro perma-

nente no período acarretaram gastos financeiros importantes;

b) redução dos encargos na folha de pagamento através da terceirização de

alguns serviços;

c) melhoramento do controle sobre o setor de compras;

d) melhoramento do setor de manutenção com a contratação de um engenheiro e

de um mecânico especializado em manutenção hospitalar.

1~1PLEMENTAÇÀO DO SISTEMA UNICO DE SAUDE 27

política de saúde (universalização da clientela) e a baixa oferta de servi;:os hospi- talares na região. Com relação ao custeio, o gasto financeiro de 7% e 14,5% é explicado pelos empréstimos realizados para cobrir o atraso nos pagamentos do SUS num perío- do de elevada taxa de inflação. Para neutralizar os custos financeiros crescentes, o hospital conta com a expansão de contratos com a clientela do setor privado. Embora represente apenas 5% das fontes de rendimento, essa expansão mostra um potencial significativo de crescimento.

Tabela 2 Distribuição percentual das fontes de despesa (1990-94) 1990 1991 1992 1993 1994* Investimentos '.),"-^ ., 0,1 1,0 0,6 0, Propriedade 0,6 0,0 0,0 0,0 0, Veículos 1,6 0,0 0,0 0,1 0, Equipamento 1,0 0,1 1,0 0,5 0, Outros 0,0^ 0,0^ 0,0^ 0,0^ 0, Custeio 96,9 99,9 99,0 99,4 99, Pessoal 68,8 72,9^ 62,0 56,3 58, Insumos 27,1 26.0 36,0 36,1 27, Despesa financeira 1,0 1,0^ 1,0 7.0 4, Total 100.0 100,0 100,0 100,0 100, Fonte: Balanço Financeiro Anual da Associação Hospital de Cotia.

  • Janeiro a junho.

4. Discussão

A reforma sanitária, que culminou no advento do SUS, teve como objetivos: a) mudar o relacionamento entre os setores público e privado no que diz respeito à oferta de serviços de saúde; b) providenciar cobertura universal a partir da mu- nicipalização e hierarquização dos setviços; e c) promover a integração entre a saúde pública e assistência médica individual. O sistema foi elaborado de forma a reservar ao setor público o controle e a regulação das áreas de saúde, além do provimento da maior parte dos cuidados médicos em nível ambulatorial e da assistência de alto custo. Ao setor privado coube uma parte significativa na prestação de serviços de saúde, principalmente no que diz respeito à assistência médico-hospitalar. Hoje, transcorridos cinco anos desde o surgimento do SUS, já dispomos de alguns elementos para analisar o processo. Não se pode negar as inegáveis conquistas no que diz respeito à descentrali- zação e à municipalização dos serviços de saúde. O ponto central desse processo

IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA lJNICO DE SAÚDE (^29)

foi a expansão de uma rede pública de serviços de saúde que promoveu uma efe- tiva transferência de consultas previamente mantidas no hospital a um preço bas- tante elevado. Isso ocorreu em grande parte dos municípios das regiões mais de- senvolvidas do país. Mas o ponto fraco do SUS, não obstante o êxito obtido em alguns poucos municípios, é sua incapacidade para integrar as diversas instituições de saúde, mesmo as públicas, num todo coerente, seja no nível municipal, seja no nível re- gional, considerando a hierarquia tecnológica dos serviços envolvidos. A integração da rede bási.::a de serviços de saúde com os hospitais privados e universitários, que deveria ser o eixo central do sistema de saúde, tem encontrado grandes obstáculos, quer pela postura liberal e autônoma dos hospitais privados, quer pela incapacidade do sistema público para gerenciar o sistema de saúde. Devido à falta de um corpo regional capaz de controlar o sistema, como ini- cialmente planejado no estado de São Paulo pelos Ersas, persiste um pronuncia- do desequilíbrio no sistema de saúde, uma vez que é impossível perceber e resol- ver muitos problemas de saúde num nível exclusivamente municipal. O controle de epidemias, a implementação e a avaliação de programas de saúde e o controle de qualidade dos serviços constituem alguns dos aspectos que só podem ser pla- nejados e elaborados num nhel organizacional mais amplo do que o municipal. Na falta de um planejamento regional, a municipalização dos serviços de saúde permite que haja sistemas municipais de saúde com uma ampla variação nos níveis de sofisticação. Esse fator estimula os usuários potenciais num dado local a procurarem os melhores serviços e tratamentos, estejam estes situados perto ou longe de onde eles vivem, o que resulta numa sobrecarga dos sistemas de saúde mais desenvolvidos e organizados. A nova Constituição imaginou que assuntos como a integração dos serviços públicos e entre os serviços públicos e privados, de um lado, e a atribuição de responsabilidades entre os níveis federal, estadual e municipal, de outro, fossem negociados e regulamentados espontaneamente. Mas não aconteceu nem uma

coisa nem outra, e o que há é uma grande confusão e uma omissão deliberada,

principalmente nas esferas governamentais, com cada uma atribuindo a outra res- ponsabilidades que não quer assumir. O modo de pagamento dos serviços com base em critérios de produtividade,

que é típico da política do pronto atendimento e resulta na falta de assistência

adequada à saúde do paciente, é outro problema que existia antes da implantação do SUS e que continua sem solução. A prática do pagamento direto, pelo gover- no federal, dos serviços de saúde concorre decisivamente para a perpetuação do problema, inclusive criando planos regionais num nível superior ao do municí- pio. Assim, os estados não se sentem responsáveis pelo sistema de saúde e aca- bam deixando de envolver-se nessa esfera. Como foi mostrado anteriormente, os esforços para aumentar a participação do gasto público na assistêncla à saúde foram satisfatórios durante a década, tan- to no que se refere ao aumento nas fontes de receita nos níveis federal, estadual e

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no financiamento de áreas relacionadas com os recursos humanos. Isso propicia

um melhor atendimento aos pacientes do SUS, uma vez que os melhoramentos

se referem a todo o hospital e não apenas à parte que contempla os convênios e

contratos privados.

Cabe pois destacar dois aspectos fundamentais na rede básica de serviços de

saúde sob o SUS: primeiro, o relativo sucesso na implementação de uma rede de

serviços municipalizados e universais, e segundo, o fracasso na tentativa de orga-

nizar essa rede com outras instituições públicas e principalmente com as institui-

ções privadas.

A experiência de muitos municípios mostra sobretudo que há conhecimento

e tecnologia suficientes para permitir o estabelecimento de um sistema de saúde

baseado em critérios racionais e que atenda às necessidades da população. Tal

conhecimento, no entanto, so será prático e real quando houver vontade política

de adotar uma política regior.al de saúde, uma nova forma de pagamento dos ser-

viços de saúde que considere os aspectos sociais e coletivos da medicina e uma

nova forma de coesão entre as instituições públicas e privadas nos serviços de

saúde.

Referências bibliográficas

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