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Relacionamento entre Estabelecidos e Imigrantes Alemães e Italianos no ES durante a Era Va, Teses (TCC) de Pesquisa de Historia

Este documento explora o conflito religioso entre imigrantes italianos e seus descendentes (estabelecidos) e imigrantes alemães e seus descendentes (outsiders) no espírito santo durante a era vargas (1930-1945) e segunda guerra mundial (1939-1945). O texto utiliza as teorias de norbert elias e john scotson sobre a relação entre estabelecidos e outsiders, e apresenta pesquisas realizadas em winston parva, inglaterra. Além disso, o documento discute as tentativas de 'abrasileiramento' da população teuta pelo governo, a uniformização da população brasileira, e a relação entre estado e igreja.

Tipologia: Teses (TCC)

2018

Compartilhado em 07/02/2024

elaine-zambon
elaine-zambon 🇧🇷

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IMIGRAÇÃO SEM LAR: CONFLITO RELIGIOSO NA REGIÃO DO VALE DO RIO
DOCE ES (1930-1945)
Elaine Zambon
1
RESUMO
A chegada dos grupos étnicos no Brasil Império trouxe novos moradores para uma terra
que precisava ser ocupada e explorada. Os imigrantes italianos e alemães podem até ter
histórias de sofrimento parecidas em suas pátrias: fome, guerra, falta de perspectivas,
dentre tantas outras, mas, aqui em terras brasileiras, o repúdio histórico advindo do
passado se tornou mais forte na relação entre “estabelecidos e outsiders”, no qual um
grupo é católico, religião histórica do Império e ou outro luterano, religião não aceita
pelo governo. Após o período imperial, os conflitos não acabaram e a chegada do
período conhecido como Era Vargas e a Segunda Guerra Mundial trouxeram mais
disparidades entre os dois grupos. O Nacionalismo instituído pelo então Estado Novo e
a explosão do Nazismo na Alemanha fizeram aumentar os obstáculos para esses
imigrantes e seus descendentes.
Palavras-chave: Imigração Italiana e Alemã; Religiosidade; Conflitos étnicos e
religiosos; Nacionalização; Era Vargas;
ABSTRACT
The arrival of ethnic groups in Brazil Empire brought new residents to a land that
needed to be occupied and exploited. Italian and German immigrants may even have
similar histories of suffering in their homelands: hunger, war, lack of perspective,
among many others, but here in Brazilian lands, historical repudiation from the past has
1
Graduada em Comunicação Social, habilitação em jornalismo, pela Faesa em Vitória/ES
(2005). Pós graduada em Gestão Empresarial pelo Unesc em Colatina/ES (2010) e Mestre em
Ciências das Religiões pela Faculdade Unida em Vitória/ES (2015). Atualmente é professora na
Faculdade Vale do Cricaré em São Mateus/ES e membro do comitê executivo da Revista
Científica FOZ da FVC.
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IMIGRAÇÃO SEM LAR: CONFLITO RELIGIOSO NA REGIÃO DO VALE DO RIO

DOCE – ES (1930-1945)

Elaine Zambon^1

RESUMO

A chegada dos grupos étnicos no Brasil Império trouxe novos moradores para uma terra que precisava ser ocupada e explorada. Os imigrantes italianos e alemães podem até ter histórias de sofrimento parecidas em suas pátrias: fome, guerra, falta de perspectivas, dentre tantas outras, mas, aqui em terras brasileiras, o repúdio histórico advindo do passado se tornou mais forte na relação entre “estabelecidos e outsiders”, no qual um grupo é católico, religião histórica do Império e ou outro luterano, religião não aceita pelo governo. Após o período imperial, os conflitos não acabaram e a chegada do período conhecido como Era Vargas e a Segunda Guerra Mundial trouxeram mais disparidades entre os dois grupos. O Nacionalismo instituído pelo então Estado Novo e a explosão do Nazismo na Alemanha só fizeram aumentar os obstáculos para esses imigrantes e seus descendentes.

Palavras-chave: Imigração Italiana e Alemã; Religiosidade; Conflitos étnicos e religiosos; Nacionalização; Era Vargas;

ABSTRACT

The arrival of ethnic groups in Brazil Empire brought new residents to a land that needed to be occupied and exploited. Italian and German immigrants may even have similar histories of suffering in their homelands: hunger, war, lack of perspective, among many others, but here in Brazilian lands, historical repudiation from the past has (^1) Graduada em Comunicação Social, habilitação em jornalismo, pela Faesa em Vitória/ES (2005). Pós graduada em Gestão Empresarial pelo Unesc em Colatina/ES (2010) e Mestre em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida em Vitória/ES (2015). Atualmente é professora na Faculdade Vale do Cricaré em São Mateus/ES e membro do comitê executivo da Revista Científica FOZ da FVC.

become stronger in the relationship between "established and outsiders, in which a group is Catholic, historical religion of the Empire and or another Lutheran, religion not accepted by the government. After the imperial period, the conflicts did not end and the arrival of the period known as Era Vargas and World War II brought more disparities between the two groups. The Nationalism instituted by the then Estado Novo and the explosion of Nazism in Germany only increased the obstacles for these immigrants and their descendants.

Keywords: Italian and German Immigration; Religiosity; Ethnic and religious conflicts; Nationalization; It was Vargas;

INTRODUÇÃO

Meu estudo é sobre o conflito religioso que aconteceu entre os imigrantes italianos e seus descendentes (que vamos chamar de “estabelecidos”) e os imigrantes alemães e seus descendentes (que vamos chamar “outsiders”), quando os dois grupos vivenciam a Era Vargas (1930-1945) e Segunda Guerra Mundial (1939-1945) no interior do Espírito Santo.

Norbert Elias e John Scotson nos dão uma ótima mostra do que é e como se dá a relação entre “estabelecidos e outsiders”, onde temos o grupo tido e reconhecido como mais poderoso, que possui tradição e influência, e o grupo outsider, que não faz parte, “não são membros da boa sociedade”^2 na qual a dominação e a submissão estão visivelmente ligadas ao posicionamento social e comunitário dado a cada grupo.

(^2) ELIAS, Norbert, SCOTSON, John. Os estabelecidos e os outsiders : sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2000, p. 7. Norbert Elias e John Scotson, são autores do livro Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. No qual realizaram uma pesquisa sobre relacionamento de grupos - estabelecidos e recém-chegados – na comunidade de Winston Parva, nome fictício dado à pequena cidade próxima a Leicester na Inglaterra que serviu como base de estudo. A pesquisa mostra a relação de poder e submissão entre os moradores mais antigos e os mais novos da comunidade em questão. Por mais que morassem no mesmo local, o estudo aponta que os moradores se dividem por blocos e não se misturam, mesmo trabalhando na fábrica local, com salários e casas parecidas, existe uma relação de superioridade e o sentimento de pertença à comunidade.

1. IMIGRANTES ALEMÃES NO ESPÍRITO SANTO SOFREM AS

CONSEQUÊNCIAS DA NACIONALIZAÇÃO E DA SEGUNDA GUERRA

MUNDIAL

Diferenças entre povos, culturas e nações, isso sempre existiu. Mas quem define que grupo é superior ao outro? O poder, a raça ou a força? Essas definições são habituais nas relações de grupos e se tornam ainda mais eficazes quando há relação de poder. Para Elias e Scotson, muitas vezes as “diferenças [são] raciais ou, às vezes, religiosas”^8.

No Brasil, no estado do Espírito Santo, alguns fatores foram a mola propulsora que influenciou nas diferenças existentes entre os dois grupos aqui estudados. A vida isolada nas pequenas comunidades, a dificuldade em assimilar a língua portuguesa, às leis do império / república. Todos esses fatores levaram os imigrantes alemães a se sentirem “estranhos”^9. Giralda Seyferth, afirma que “por um lado, eles não conseguiam se desvencilhar de sua tradição, de sua língua materna – e nem o queriam; por outro lado, eles não queriam mais ser vistos como “estrangeiros”, “estranhos””^10. Do pessoal que veio, uma parte era católica, outra luterana. Os católicos chegavam aqui e encontravam uma igreja organizada, mas, os luteranos não. Eles chegaram e tiveram de começar do nada. Eles não tinham um pastor acompanhando, mas, valorizavam a escola e logo construíram uma. Esperaram aproximadamente 10 (dez) anos para que um pastor fosse enviado da Alemanha^11.

Outro fator importante foi a facilidade encontrada pelos imigrantes italianos / católicos na chegada ao Brasil. Estes, podiam casar, registrar seus filhos, batizá-los e até mesmo enterrar entes no cemitério público, o que era bem diferente para os imigrantes alemães não-católicos: A observação de Fausel de que os evangélicos eram “tolerados, sim”, mas “não obstante, eram cidadãos de segunda classe em todos os sentidos” apoia-se, além disso, no fato de que os matrimônios

(^8) ELIAS, SCOTSON, 2000, p. 31. (^9) SEYFERTH, Giralda. A Identidade teuto-brasileira numa perspectiva histórica. In: Mauch, Cláudia / Vasconcellos, Naira [Ed.] Os alemães no sul do Brasil. Canoas, Ed ULBRA, 1994, p.

  1. 10 11 SEYFERTH, 1994, p. 06. Entrevista realizada com o escritor e pastor luterano, Sr. Valdemar Gaede no dia 05/11/2014.

evangélicos não eram reconhecidos, e, sim, equiparados a concubinatos, os matrimônios mistos eram proibidos e que protestantes eram ameaçados expressamente com multas, se seus locais de culto fossem reconhecíveis como igrejas cristãs por uma torre, sinos ou cruz^12.

Sérgio Marlow acredita que

Se compararmos os imigrantes alemães e italianos que vieram para o Brasil, perceberemos que os imigrantes italianos, digamos assim, se "adaptaram" ou foram mais aceitos que os imigrantes alemães. Isso se nota, especialmente, na questão da religiosidade, enquanto que os italianos, por serem católicos, estavam mais próximos do que esperavam das autoridades brasileiras, os alemães, a maioria deles, protestantes, tiveram dificuldades e foram vistos como um grupo, muitas vezes, isolado. Isso fica ainda mais claro na época do Governo Vargas com a Campanha de nacionalização, quando todos deveriam falar a língua portuguesa. É verdade que também os italianos foram perseguidos (especialmente a partir do momento em que o Brasil entrou em guerra contra o Eixo, composto por Alemanha, Itália e Japão), mas, as maiores perseguições ocorreram, de fato, contra os imigrantes alemães, pelo fato de a maioria não falar o português, atrelado à questão da religiosidade protestante, no caso, luterana^13.

Com esses fatores, é possível identificar os motivos que levaram esses dois grupos a não vivenciarem uma integração dos mesmos desde os primórdios. O Império Brasileiro, pelo próprio fato de ter uma religião de estado não tinha condições para integrar perfeitamente bem essa gente estranha, de fala “arrevezada” e de outra religião, apesar de todas as suas afirmações de tolerância^14.

Elias e Scotson, afirmam ainda que “a superioridade de poder confere em vantagens aos grupos que a possuem”^15 , sendo que essas vantagens podem ser “materiais ou econômicas”. Vantagens essas, que levam aos grupos outsiders a se sentirem mais que excluídos:

(^12) PRIEN, Hans Jürgen. Formação da Igreja Evangélica no Brasil: das comunidades teuto- evangélicas de imigrantes até a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Tradução de Ilson Kayser 13 – São Leopoldo, RS: Sinodal; Petrópolis. RJ: Vozes, 2001, p. 40 e 41. Entrevista realizada no dia 09/07/2017 com o Prof. PHD em História, Sr. Sérgio Luiz Marlow. 14 PAULA, Eurípedes Simões (Org). Colonização e Migração. Anais do IV Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História. XXXI Coleção de Revista de História. São Paulo. 1969, p. 509. 15 ELIAS, SCOTSON, 2000, p. 33.

uma pessoa com essas palavras: “ o senhor tenha muito cuidado com este assunto, pois é assunto escabroso, no qual não se convém tocar^19.

Mesmo o Brasil não absorvendo os imigrantes aqui aportados e os mantendo isolados, repetidas vezes, os alemães e seus descendentes foram acusados de não se integrarem. Marlow afirma que os imigrantes “se manteriam à margem da nação brasileira pela ausência de miscigenação, pela conservação da língua, dos costumes e do legado cultural”^20.

Antes mesmo da instalação da campanha de Nacionalização, o Espírito Santo já passava por essa ‘doutrinação’. “O fato é que já existia em embrião um conjunto de ideias ligadas à segurança nacional, pensadas não apenas como defesa externa, mas principalmente, desenvolvidas no interior da problemática dos inimigos internos”^21.

Explodindo a Segunda Guerra Mundial, os imigrantes e seus descendentes sofreram ainda mais. O Pastor Luterano Valdemar Gaede sustenta que este período foi um dos mais difíceis levando pastores a serem substituídos em suas comunidades^22.

Os colonos alemães, que como já descritos, viviam isolados, estendiam cada vez mais a atuação da igreja luterana em sua vida cotidiana. Os pastores assumiam “o papel de condutor da vida espiritual das comunidades”^23 e iam além da religião, pois a vida espiritual e social estavam entrelaçadas com a igreja.

Isto faz com que muitas vezes, além da conduta espiritual passasse também a exercer um papel de professor nas escolas de comunidade (Gemeindeschaul) ou até de médico ou de autoridade salomônica em

(^19) MARLOW, Sérgio Luiz. Confessionalidade a toda prova: O Sínodo Evangélico Luterano do Brasil e a questão do Germanisno e do Nacional-Socialismo Alemão durante o Governo de Getúlio Vargas no Brasil 20. São Paulo: USP, 2013. p. 17. MARLOW, Sérgio Luiz. Nacionalismo e Igreja: A Igreja Luterana – Sínodo de Missouri nos “porões” do Estado Novo. 21 Vitória: Ufes, 2006. p. 27. MENDONÇA, Carlos Vinícius Costa de. Segurança nacional e intervenção no Espírito Santo na Era Vargas / Bley (1930/1940). 22 Vitória: UFES, Dimensões, Vol. 25, 2010, p. 182-183. GAEDE, Valdemar. Presença Luterana no Espírito Santo: Os primórdios da presença Luterana no estado do Espírito Santo e a história da Paróquia de Santa Maria de Jetibá. São Leopoldo: Oikos, 2012. p. 180 - 181. 23 SEIBEL, Ivan. Imigrante no século do isolamento / 1870-1970. São Leopoldo: EST/PPG,

  1. p. 136.

disputas eventualmente surgidas entre os colonos. Desta forma, o papel dos ministros religiosos desde o início passou a ser de suma importância na manutenção da harmonia entre o grande grupo de teutos^24.

Para as famílias dos pastores, presenciar as agruras do Estado Novo foi “o período mais dramático”^25. Dona Guerda, filha do Pr. Rölke, que atuava em Santa Maria de Jetibá, afirma que não foi um período agradável. “Foi uma época muito difícil para nós. Eu era criança e às vezes ouvia coisas contra os alemães. Foi muita perseguição. A gente passava e algumas pessoas gritavam: ‘Vai alemão safado’”^26.

Para Martin Dreher, inicialmente, as medidas do Estado Novo “não atingiram em primeira linha as comunidades, mas seus pastores alemães”^27. As famílias dos pastores sofreram com essas medidas. E com os posicionamentos do Nacionalismo Brasileiro, muitos pastores, conforme Dreher foram acusados de inimigos do país.

Nessa situação, os pastores do Espírito Santo, por exemplo, viram-se forçados a solicitar a proteção da embaixada alemã; alguns pastores também se dirigiram ao Departamento para o Exterior da Igreja Evangélica Alemã, solicitando sua renovação para a Alemanha^28.

Sr. Henrique Carlos Frederico Berger^29 , 83 anos, morador de Santa Maria de Jetibá relata que o período da Era Vargas e da Segunda Guerra “foi uma época muito difícil”. “Aqui, nós não podíamos falar em alemão. Diversos foram presos, alguns pastores também, a gente apanhava se falasse em outra língua”^30_._ Em busca de uma uniformidade da população brasileira o Estado Novo mantinha um alerta sobre a população germânica. Marlow afirma que “Por meio de intensa vigília às

(^24) SEIBEL, Ivan. Imigrante no século do isolamento / 1870-1970. São Leopoldo: EST/PPG, 2010, p. 137. 25 26 GAEDE, 2012, p. 176. Entrevista realizada no dia 05/11/2014 com a professora aposentada, Sra.Guerda Elizabeth Rölke Potratz, que é descendente de alemães. 27 28 DREHER, 1984, p. 212. 29 DREHER, 1984, p. 214. Entrevista realizada no dia 05/11/2014 com o agricultor, descendente de alemães, Sr. Henrique Berger. 30 Entrevista - Henrique Berger (05/11/2014).

Conseguimos esconder tudo. Estávamos preparados para a chegada deles. (...) Até atrás de louças e talheres andavam. Minha mãe escondeu tudo na casa de outras pessoas. (Quem fazia este quebra- quebra nos cemitérios) Era um pessoal mesmo legalizado pela justiça de Vitória. Teve lugar em que quebravam tudo^37. Estavam inclusive destruindo os cemitérios. Tem-se notícias de um cemitério aqui de Jequitibá, que hoje está abandonado, pelo que contavam, foi praticamente todo destruído, inclusive os túmulos, as lápides. Não podia haver inscrições em alemão^38.

Dona Luiza Lenke Rassch^39 , de 75 anos, reside na divisa dos municípios de Baixo Guandú – ES e Itueta – MG, lembra bem como foi viver a infância nessa época: “A gente colocava a bíblia dentro do forno e tampávamos com lenha para não ser encontrada. Todo mundo fazia esse tipo de coisa. Todos escondiam seus objetos alemães, mas muitas vezes, erámos pegos e as bíblias, queimadas”^40_._

Em algumas dessas ocasiões, a família de Dona Luíza corria para a mata temendo por suas vidas. “Nós dormíamos no mato. E pela manhã papai olhava se o pessoal tinha ido embora, pra gente poder ir pra casa. Passávamos a noite assim, por medo deles nos matarem”^41_._

Para as autoridades brasileiras, era preciso “abrasileirar a todos os grupos de estrangeiros e descendentes no Brasil”^42 , já que, as igrejas mantinham unidos os grupos à pátria natal, mas, essa lógica trouxe grandes prejuízos educacionais para esse povo que valorizava a educação. Poucas eram as escolas públicas e as comunidades não tinham acesso às mesmas. “Com a chegada da guerra, o ensino foi interrompido. As salas de aula simplesmente ficaram desertas”^43. Seibel afirma ainda que através disso e de pedagogia duvidosa advinda dos professores ‘brasileiros’, “milhares de crianças deixaram de ter acesso à alfabetização”^44.

(^37) SEIBEL, 2010, p. 270. (^38) SEIBEL, 2010, p. 271. (^39) Entrevista realizada no dia 28/09/2015 com a produtora rural e descendente de alemães, Sra. Luíza Lenke Raasch. 40 41 Entrevista - Luíza Lenke Raasch (28/09/2015). 42 Entrevista - Luíza Lenke Raasch (28/09/2015). 43 MARLOW, 2013, p. 124. 44 SEIBEL, 2010, p. 258. SEIBEL, 2010, p. 259.

Nas poucas escolas com professores brasileiros, além destes, em função da barreira linguística não conseguirem se comunicar com as crianças, ainda praticavam um sistemático processo de terrorismo com estas crianças que sequer compreendiam as razões de todos estes maus tratos. “Tinha uma professora de origem (luso-brasileira) em Afonso Cláudio que castigava muito os pomerânios. Falava que os alemães vão ser mortos como se mata os frangos”^45.

O problema se torna ainda mais gigante quando sabe-se que, desde os primórdios da imigração, o sistema de doação de terras do Governo Imperial fazia com que as famílias, em seus pequenos grupos e comunidades isoladas, reproduzissem “no novo ambiente, ao menos, em parte, seus antigos valores culturais, preservando costumes, língua e religião”^46. Os imigrantes tinham pouco ou quase nenhum contato com os brasileiros e a partir do Estado Novo esse contato não se tornou favorável à integração.

Através de decreto o governo getulista ordenava, além da fala obrigatória em português, o não recebimento de qualquer ajuda que as escolas poderiam receber de instituições ‘suspeitas’ de não pregarem a nacionalização, ou não aceitarem o abrasileiramento da população migrante. O referido decreto-lei ainda proibia a qualquer estabelecimento de ensino a receber, direta ou indiretamente, quaisquer contribuições para sua manutenção a título de subvenções, auxílios e donativos, de instituições ou governos estrangeiros, de instituições ou organizações estrangeiras com sede no Brasil ou de associações ou entidades que professassem ideologias contrárias ao regime instituído, quer tivessem sede no país ou fora dele. O decreto-lei começou a ser aplicado imediatamente através de várias resoluções^47.

O Governo queria utilizar a escola para atingir às populações estrangeiras já que ela, a escola, seria “a instituição onde pareceu ser possível, naquele momento, atingir amplos segmentos da população no sentido de normalizar, homogeneizar, disciplinar, ordenar e higienizar hábitos e comportamentos”^48.

(^45) SEIBEL, 2010, p. 260. (^46) MENDONÇA, 1989, p. 146. (^47) GAEDE, 2012, p. 178. (^48) MENDONÇA, 2010, p. 187.

O livro Quando Soarem os sinos do Pr. Valdemar Gaede, traz relatos, através de seus textos, de pessoas que viveram o período do Estado Novo e da explosão da guerra. O Pr. Sigmund Wanke buscava saídas para conciliar a cultura alemã com as regras do Governo que não eram muito eficazes;

Deixemos que o próprio (Sigmund) Wanke relate sobre a época de sua atividade pastoral no Estado do Espírito Santo: “Na época da minha chegada ao Brasil, o serviço pastoral em todas as comunidades luteranas era feito em língua alemã. Isto mudou abruptamente no ano de 1938, quando eu ainda era pastor em São Bento (Pancas). Neste ano, o governo brasileiro exigiu que todas as prédicas, nos cultos, fossem feitas em língua portuguesa. Naquele tempo o meu português era mais do que deficiente. A saída encontrada nesta situação foi a seguinte: eu escrevia prédicas bem breves em alemão e pedia a um farmacêutico, descendente de alemães, para traduzi-las para o português. A esposa deste farmacêutico, uma professora, ensinava-me a pronuncia correta das palavras. Nos cultos, estas prédicas assim preparadas, eram simplesmente lidas. Logo no início da Segunda Guerra Mundial, quando eu já era pastor em Palmeira, o uso da língua alemã foi totalmente proibido”^56.

Além disso, é real que “os pastores luteranos europeus foram aterrorizados e mais tarde terminaram detidos”^57. O Pr. Wanke foi um dos que acabou por sofrer também com a prisão: “Quando o Brasil declarou guerra à Alemanha, em 1942, fui levado para um campo de concentração em Vitória, juntamente com todos os homens de nacionalidade alemã e italiana. Mas, depois de pouco tempo, um grupo após o outro foi mandado para casa. Alguns passaram um período maior no campo, outros permaneceram menos tempo. Eu tive que ficar por lá um período de seis semanas. A libertação foi concedida, mas não podíamos exercer atividades pastorais. Aproveitei estas férias forçadas para estudar, com muito zelo, a língua portuguesa”^58.

(^56) GAEDE, Valdemar. Quando soarem os sinos. Itaguaçú: PPL – Pastoral Popular Luterana. (sem data), p. 80. 57 58 SEIBEL, 2010, p. 264. GAEDE (sem data), p. 80 – 81.

O sofrimento desses teuto-brasileiros se alastrava por todo o país. Marlow estampa em seu texto, indicando Rehfeldt^59 , que diversos pastores foram presos na região “em virtude de questões relativas à campanha de nacionalização ou mesmo por serem considerados perigosos agentes nazistas em solo brasileiro”^60. Sete pastores foram proibidos de pregar em qualquer língua. Dezenove pastores foram presos e passaram por períodos diferentes na prisão. Quatorze pastores tiveram suas bibliotecas tomadas e queimadas porque alguns de seus livros eram em alemão^61.

Eles eram presos e mantidos sob custódia da polícia indiscriminadamente e pelo tempo que a polícia assim o quisesse. Marlow cita Cancelli^62 e descreve esta situação: a autora Cancelli enfatiza que uma prática bastante comum no período em questão era a forma autoritária e indiscriminada como atuava a polícia nos Estados. Segundo a autora, “a lei permitia que a polícia prendesse todo e qualquer indivíduo e o mantivesse a sua disposição”^63.

Sérgio Luiz Marlow descreve ainda a prisão e morte de Pedro Munsberg na citação que faz do autor José Plinio Fachel^64 : Os militares disseram que Pedro havia se enforcado na fechadura da porta da cela [...] no entanto, a comunidade tinha e tem convicções de que ele foi morto pela polícia. Com essa morte, ficam inconsistentes as versões de que os manifestantes apenas atacaram os bens materiais, preservando a integridade física dos perseguidos^65.

Além disso, o governo ‘tomava’ conta das propriedades luteranas. Em Santa Maria de Jetibá, por exemplo, “o então secretário de Governo, Dr. Lindemberg”^66 , prometeu, em reunião, que a comunidade seria indenizada “pela desapropriação do prédio escolar e

(^59) REHFELDT, Mário. Um grão de mostarda : A história da Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Vol. 1, Porto Alegre: Concórdia, 2003, p. 145. 60 61 MARLOW, 2013, p. 135. 62 MARLOW, 2013, p. 135. CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da Era Vargas. 2 ed. Brasília: Editora Universidade Brasília, 1994, p. 209. 63 64 MARLOW, 2013, p. 136. FACHEL, José P. G. As violências contra os alemães e seus descendentes, durante a Segunda Guerra Mundial, em Pelotas e São Lourenço do Sul. 65 Pelotas: Egufpel, 2002, p. 87. 66 MARLOW, 2006, p. 137. GAEDE, 2012, p. 181.

Seibel certifica também que os “bate paus” eram grupos organizados que se dispunham a caçar os alemães ‘nazistas’^72. Em um depoimento registrado em seu livro o entrevistado declara que: “Os milicianos chegavam às residências montados a cavalo, fazendo barulho com pedaços de pau. Muitas vezes invadiam as propriedades, roubando animais, armas artesanais e alimentos típicos”^73.

Sr. Norberto afirma que a tendência deles era roubar: “Eles vinham com papo de que eram enviados pelo governo para desarmar os alemães, mas eles roubavam. Se eles achassem o dinheiro, roubavam. Isso começou por conta da Segunda Guerra”^74.

Dona Luíza lembra que: “Eles invadiam nossas casas, principalmente dos alemães e judiavam de muitos. Até coisas erradas eles faziam com as mulheres. Nós vimos muito isso por aqui”^75.

E seu esposo ainda recorda com emoção da história de certa vizinha de suas famílias na infância: Teve um senhor, que foi nosso vizinho, em uma dessas vistorias os “bate-paus” estupraram a esposa dele, o encheram de mel e depois jogaram penas de ganso em cima dele e deixaram secar. Depois disso tudo, de roubar e machuca-los, eles ainda o torturaram dizendo que iam cortar as partes íntimas dele^76.

Angélica Kamke^77 é moradora da região norte do Espírito Santo e divisa com Minas Gerais – Baixo Guandu. Neta de descendentes de alemães, que, no período estudado, vivenciaram os conflitos gerados pela Nacionalização do Governo Getulista e da Segunda Guerra Mundial. Em algumas visitas a comunidade onde morava, sua avó Maria Shuwambar kamke foi uma das que negaram ter presenciado essa época, mesmo toda a família dizendo o contrário. Com isso, é perceptível que as rupturas e cicatrizes que ficaram na vida desses teuto-brasileiros é muito forte. Infelizmente, após minha

(^72) SEIBEL, 2010, p. 272. (^73) SEIBEL, 2010, p. 272. (^74) Entrevista - Norberto Raasch (28/09/2015). (^75) Entrevista - Norberto Raasch (28/09/2015). (^76) Entrevista - Luiza Lenke Raasch (28/09/2015). (^77) Entrevista realizada no dia 30/05/2015 com a professora de geografia e descendente de alemães, Angélica Kamke.

visita a Sra. Maria veio a falecer, e o avô de Angélica, Sr. Rodolfo kamke já havia falecido há anos. As casas eram feitas altas do chão, com assoalho de madeira. Embaixo das casas se fechavam cômodos e guardavam as ferramentas, faziam queijos, torrava-se café, moía-se milho pra fubá etc. Os “bate paus” vinham com espingardas e porretes, sempre a cavalo. As mulheres e crianças se escondiam dentro de casa e eles entravam debaixo da casa montados e batiam com os porretes no assoalho, colocando terror. Roubavam mantimentos, ferramentas, animais. Roubavam também colchas, lençóis, panos de prato, toalha de mesa, por que eram bordadas. A produção das colchas era uma tradição passada de mãe pra filha, então em toda casa com filhas meninas tinham as colchas, e eles roubavam. As máquinas de costura não eram esquecidas, pois toda casa tinha. Eles usavam para fazer as peças de roupas e colchas. Também eram levadas^78.

Isso nos ocorre a Elias e Scotson, que afirmam que, quando o rótulo de valor humano é afixado no grupo inferior, isso se torna uma arma para demonstrar a superioridade do grupo estabelecido. “Nessa situação, o estigma social imposto pelo grupo mais poderoso ao menos poderoso costuma penetrar na auto-imagem deste último e, com isso, enfraquecê-lo e desarmá-lo”^79.

Essa relação conturbada entre italianos e alemães não se iniciou no Brasil. Logo, crê-se que a nacionalização veio a fortalecer esses laços de indiferença que já eram estabelecidos há décadas. Para Fraga, esses conflitos “têm registros de longa data na região Trentina”^80. Uma região que fazia ligação entre as terras germânicas e a península itálica, que, desde o Império Romano, “nela, as populações alemãs e italianas convivem através dos séculos, porém, nem sempre de maneira pacífica”^81.

Outra maneira de se entender essa situação é analisar a história religiosa da colônia brasileira. Klug indica que “sendo o catolicismo a religião do Estado, constrangimentos

(^78) Entrevista - Angélica Kamke (30/05/2015). (^79) ELIAS, SCOTSON, 2000, p. 24. (^80) FRAGA, Andrey José Taffner. Rixas entre os imigrantes italianos e alemães na Colônia de Blumenau. Disponível em: < www.circolotrentino.com.br/site/.../artigo_rixas_italianos_alemaes.doc>. Acesso em: 30 de novembro de 2012, p. 01. 81 FRAGA, p. 01.

Houve época em que deu problemas por causa da escrita em alemão nas tabuletas das sepulturas. Teve lugares em que tiveram que trocar todas as tabuletas para outras escritas em português^87_. Aqui em Santa Maria também aconteceu. O irmão mais novo do meu pai também faleceu e sua inscrição também chegou a ser arrancada. Meu pai depois mandou refazer a inscrição da sua sepultura_^88_._

Nem as lápides dos cemitérios foram poupadas pela Campanha do Estado Novo ou pela repelência que o Nazismo ajudou a trazer contra esses imigrantes. O Sr. Henrique é um dos poucos descendentes que ainda guardam o costume de talhar nas lápides os nomes e mensagens em alemão, mas, relata que: “No passado, muitos tiraram as lápides ou até mesmo tiveram as de seus familiares quebradas. Depois, passaram a escrever em português mesmo”^89_._

Na relação conflituosa entre Estado e Igreja, Mendonça reitera que, através do uso de “métodos coercitivos e violentos”^90 , o Estado não abria mão da Nacionalização. Já a igreja – Luterana - permanecia firmada no seu “internacionalismo religioso, não se opunha, ao contrário, até estimulava, a preservação da cultura estrangeira se por esse caminho as portas se abrissem à missão de multiplicar seus fiéis”^91.

O que não se pode perder de vista é que “durante a primeira metade do século vinte a igreja luterana, para muitos, era considerada uma igreja alemã”^92 , ou seja, com o uso da expressão “Deutsche Kirche im Ausland” [Igreja alemã no Exterior], como a Igreja Luterana era lembrada, entende-se, em partes, a repulsa que alguns grupos criaram em relação aos teuto-brasileiros luteranos. Ivan Seibel descreve essa relação: Isto facilmente explica o rancor e a agressividade demonstrada pelos grupos que se engajaram na defesa do nacionalismo brasileiro como os próprios “bate-paus” ou “captura” que atuaram no interior do Estado de Espírito Santo na época da Segunda Grande Guerra. O

(^87) SEIBEL, 2010, p. 271. (^88) SEIBEL, 2010, p. 271. (^89) Entrevista - Henrique Berger (05/11/2014). (^90) MENDONÇA, 2010, p. 191. (^91) MENDONÇA, 2010, p. 191. (^92) SEIBEL, 2010, p. 275.

resultado foi observado nas mais diferentes formas de destruição de patrimônio, maus tratos a pessoas inocentes e prisão de pastores^93.

É preciso relembrar que os imigrantes protestantes, no caso deste estudo os alemães luteranos, somavam diversos constrangimentos. Conforme Beozzo, além dos seus cultos serem “apenas tolerados. Os protestantes sentiam-se assim, triplamente marginalizados: por serem estrangeiros, não proprietários e ademais não-católicos”^94.

A aculturação dos colonos teutos não se deu durante a Era Vargas e nem mesmo após a Segunda Guerra. Era preciso que os imigrantes e seus descendentes passassem a fazer parte da nação brasileira, não somente no uso obrigatório do português. Isso só aconteceu “quando efetivamente foram abertas mais estradas, possibilitando a lenta substituição da quase monocultura do café pela hortifruticultura, especialmente na região de Santa Maria e arredores”^95.

Não foi a Campanha de Nacionalização em si que trouxe uma assimilação da cultura e língua local. Os imigrantes passaram por todo o período do Estado Novo sofrendo as duras classificações que recebiam, além das censuras religiosas, culturais e civis numa tentativa do governo em busca da aculturação dessas porções da população, porém, essa assimilação da língua e cultura portuguesa, dos costumes brasileiros, só foi acontecer após o “surgimento do rádio e da televisão e da abertura de estradas e a viabilização da telefonia no meio rural”^96.

Taxados de “alemães safados”^97 , hostilizados, humilhados, roubados, feridos e açoitados. Assim foi o longo e doloroso período da Era Vargas e Segunda Guerra Mundial para os imigrantes e seus descendentes, seja no Espírito Santo ou em outras terras do Brasil. Mesmo após o fim da guerra, a população luso-brasileira ainda demorou alguns anos para iniciar o processo de urbanização das colônias. A partir de 1950, eles poderiam começar a, efetivamente, fazer parte do Brasil. “Ao final, o que

(^93) SEIBEL, 2010, p. 275. (^94) BEOZZO, José Oscar. As Igrejas e a Imigração. In: DREHER, Martin N. (org.). Imigrações e História da Igreja no Brasil. São Paulo: Santuário, 1993. 95 p. 30. 96 SEIBEL, 2010, p. 280. 97 SEIBEL, 2010, p. 280. Entrevista - Guerda Elizabeth Rölke Potratz (05/11/2014).