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fenomenologia
Tipologia: Notas de estudo
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~ ediPUC
©EDIPUCRS I~ edi'Yao: 1996; 2~ edi'Yao: 2002; 3~ edi'Yao: 2008
Capa: Jose Fernando Fagundes de Azevedo / AGEXPP Finaliza9iio: Vinicius Xavier Revisiio: do tradutor Editora9iio e composi9iio: Suliani Editografia Uda. lmpressiio: Gnifica EPECE Coordenador da Cole9iio: Urbano Zilles A FENOMENOLOGIA HUSSERLIANA (;OMO METODO RADICAL / 11
Husserl; Edmund. A crise da humanidade europeia e a filosofia / Edmund Husserl ; introd. e trad. Urbano Zilles. - 3. ed. Porto Alegre: EDlPUCRS, 2008. 88 p. - (Cole'Yao Filosofia ; 41) ISBN: 978-85-7430-716- I. Filosofia Alema 2. Fenomenologia 1. ZiJles, Urbano n. Titulo. III. Serie. CDD 193
Como chegar a subjetividade transcendental? / 3.1 Ausencia de pressupostos / 20 3.2 Caniter a priori / 20 3.3 Evidencia apoditica / 22 A intencionalidade da consciencia / 25
Ficha Catalogratica elaborada pelo Setor de Processamento Tecnico da BC-PUCRS
Redu9ao ou epoque / 3 1 () A intersubjetividade transcendental / 34 Proibida a reprodu'Yao total ou parcial desta obra sem autoriza'Yao express a da Editora.
~
H A crise da humanidade europeia e a fenomenologia / 8.1 Nova perspectiva fenomenol6gica / 40 8.2 Lebenswelt ou "mundo da vida" / 43 8.3 A teleologia / 49 8.4 A perspectiva filos6fica / 51
EDIPUCRS Av. Ipiranga, 6681 - Predio 33 Caixa Postal 1429 90619-900 - Porto Alegre - RS - Brasil Foneljax: (51) 3320. E-mail: edipucrs@pucrs.br
Como Husserl chegou a fenomenologia? Buscando na filosofia 0 fundamento para a matematica e a 16gica, nas Investigaroes Logicas primeiro refuta 0 psicologis- mo. Desenvolve a fenomenologia como ciencia fundamentadora, baseando-se na analise reflexa do conteudo do ate de pensar enquanto manifesta a realidade (fenomeno). Para encontrar 0 fundamento, segundo ele, e precise colocar-se acima da mera experiencia pratica e despir-se de todos os preconceitos, orien- tando-se apenas por uma evidencia apoditica, ou seja, destituida de toda a possibilidade do seu contradit6rio. Para isso distingue a atitude transcendental da atitude natural. Esta ultima e aquela em que espontaneamente vivemos, acreditando na existencia do mundo exterior. Caracteristica da atividade filos6fica e a atitude transcendental na qual e evidente 0 mundo enquanto consciente (transcendental ). A influencia da fenomenologia de Husserl sobre pensadores posteriores e marcante. Mas seu influxo extrapola 0 campo da filosofia estendendo-se ao campo da etica, da psicologia, da so- ciologia, do direito, etc. Entretanto resta urn aspecto fundamental nao esclarecido. Trata-se do fenomeno ou "objeto intencional". Nao exigira este nele implicadas tanto a realidade existencial do sujeito cognoscente como a realidade exterior? Neste sentido parece que Husserl deu urn passe importante em suas ultimas obras que, depois de 1930, giram em tome da "crise das ciencias europeias e da fenomenologia transcenden- tal". Nessa fase critica 0 objetivismo ou a pretensao de que "a verdade do mundo apenas se encontra naquilo que e enunciavel no sistema de proposiyoes da ciencia objetiva". Na Krisis Hus- serl indaga 0 porque do fracasso das ciencias, perguntando pe1a origem dessa crise, redescrevendo a trajet6ria da razao ocidental e constata que as ciencias se afastaram, pela matematizayao do mundo da vida, substituindo-o pela natureza idealizada. Elabora uma ontologia do mundo da vida no qual tenta superar 0 antago- nismo entre 0 objetivo-naturalista e 0 subjetivo-transcendental do pensamento modemo. Enraiza tanto a explicayao das ciencias
naturais como a compreensao dos saberes culturais, lutando con- tra a absolutizayao do paradigma cientifico, que empobrece os problemas humanos. Julgando que essa fase, na obra de Husserl, e fecunda e que seus textos dessa fase ainda nao foram traduzidos para 0 portu- gues, sendo nossos estudantes muitas vezes privados do acesso aos mesmos, neste trabalho, depois de uma introduyao geral a fenomenologia husserliana, anexamos a traduyao do texto de sua palestra proferida em 1935 no Kulturbund de Viena na versao mais breve como foi publicada por Paul Ricoeur em ediyao bi- lingiie, em 1977. 0 texto alemao, no qual nos baseamos, e 0 apresentado pelo Dr. Stephan Strasser do Arquivo Husserl de Lovaina. Foram as categorias do mundo da vida e de horizonte que, reelaboradas, ao que parece, constituem a raiz da fenomenologia do Dasein em M. Heidegger, na fenomenologia da percepyao de M. Merleau-Ponty, no pensamento de H. G. Gadamer, 1. Haber- mas e K. O. Appel e na hermeneutica de P. Ricoeur. Dessa ma- neira julgamos contribuir para que nossos estudantes tenham acesso ao que ha de mais rico e vivo nos varios caminhos da filosofia contemporanea.
Porto Alegre, 15 de marro de 1996. Urbano biles
A FENOMENOLOGIA HUSSERLIANA
COMO METODO RADICAL
Em 1938, com a ameaya destruidora do nazismo, 0 francis- cano Hermann Leo van Breda transportou c1andestinamente cerca de 40.000 paginas de manuscritos estenografados (em sua maioria na taquigrafia de Gabelsberg) e ineditos de Husser! para a Universidade Catolica de Lovaina (Belgica), onde foi fundado o Arquivo-Husserl, que publica suas obras na coleyao chamada Husserliana e estudos sobre a fenomenologia na coleyao Phae- nomenologica. Ate fins de 1992 foram publicadas as seguintes obras na Husserliana pela editora Martinus Nijhoff, Haia (Ho- landa) e em Dordrecht:
1. Medita(:oes cartesianas e _Conferencias de Paris;
2 0 que caracteriza a fenomenologia husserliana? A palavra "fenomeno" e antiga na historia da filosofia oci- dental. A palavra "fenomenologia" agrupa a palavra "fenomeno" e "logos", significando etimologicamente 0 estudo ou a ciencia do fenomeno. Por fenomeno, no sentido originario e mais amplo, entende-se tudo 0 que aparece, que se manifesta ou se revela. Originariamente a palavra "fenomeno" refere-se ao que existe exteriormente, ou seja, fenomenos fisicos. Primeiro os gregos usaram 0 termo para a manifestayao do ser numa intima unidade entre 0 ser e aparecer. Com 0 tempo passou a entender-se por fenomeno a aparencia enganosa, oposta it realidade. Assim Pla- tao usa 0 termo para designar 0 mundo sensivel, em oposiyao ao
mundo inteligivel. Nesta perspectiva, Protagoras ja afirma que podemos conhecer 0 que aparece, 0 fenomeno, mas nao 0 que esta atras dele, 0 que se oculta. Embora tal dissociayao entre' aparencia e ser nao tenha sido aceita por Aristoteles, nem por Tomas de Aquino, passou a vigorar na filosofia modema, sobre- tudo no fenomenismo de D. Hume, para quem 0 fenomeno, uni- co objeto de nosso conhecimento, esta separado da coisa em si. I. Kant canonizou tal separayao entre 0 fen6meno e a coisa em si sem, todavia, indicar como e a "coisa em si" que produz 0 feno- meno. Este e 0 que aparece como objeto de nossa experiencia em oposiyao a coisa em si (noumenon). Assim a fenomenologia de Kant concebe 0 ser como 0 limite da pretensao do fenomeno, per- manecendo 0 proprio ser fora do alcance da razao pura. Distinguin- do entre "objetos da experiencia" (fenomenos) e "coisas em si", transcendentes a experiencia e incognosciveis, contudo admite urn postulado metafisico, fazendo coincidir 0 campo-limite do conhe- cimento com os limites da experiencia no tempo e no espayo. Com o postulado da "coisa em si" quer mostrar uma realidade indepen- dente de nossa mente. Hegel, em sua Fenomenologia do Espirito, reabsorve 0 fenomeno no conhecimento sistematico do ser. Parece que foi 1. H. Lambert quem usou pela primeira vez 0 termo "fenomenologia" em seu Novo organon (1764) para de- signar a teoria da ilusao sob suas diferentes formas. Kant usa 0 termo "phaenomenologia generalis" numa carta a Marcus Hertz (1772) para designar a disciplina propedeutica que, segundo ele, deve preceder a metafisica. Com Hegel, atraves da Fenomenolo- gia do Espirito (1807) 0 termo entrou definitivamente na tradi- yao filosofica, tomando-se de uso corrente. Kant e Hegel, todavia, concebem de maneira diferente as re- layoes entre 0 fenomeno e 0 ser ou 0 absoluto. Como, para He- gel, e cognoscivel 0 absoluto, este pode ser qualificado como Espirito e a fenomenologia e, entao, uma filosofia do absoluto ou do Espirito. Cabe a filosofia mostrar como este esta presente em cada momenta da experiencia humana, seja ela religiosa, estetica, juridica, politica ou pratica.
Edmund HusserI considera inaceitavel 0 postulado de que aquilo que aparece na experiencia atual nao e a verdadeira coisa. Deu novo significado a fenomenologia, encerrando 0 fenomeno no campo imanente da consciencia. HusserI nao nega a relayao do fenomeno com 0 mundo exterior, mas prescinde dessa rela- yao. Propoe a "volta as coisas mesmas ", interessando-se pelo puro fenomeno tal como se toma presente e se mostra a cons- ciencia. Sob este aspecto, deu urn sentido mais subjetivo a pala- vra fenomeno, elaborando uma fenomenologia que faya ela mesma as vezes de ontologia. Segundo ele, 0 sentido do ser e do fenomeno sao inseparaveis. A fenomenologia husserIiana pre- tende estudar, pois, nao puramente 0 ser, nem puramente a re- presentayao ou aparencia do ser, mas 0 ser tal como se apresenta no proprio fenomeno. E fenomeno e tudo aquilo de que podemos ter consciencia, de qualquer modo que seja. Fenomenologia, no sentido husserliano, sera pois 0 estudo dos fenomenos puros, ou seja, uma fenomenologia pura. Segundo HusserI, fenomenologia nao e sinonimo de feno- menismo no sentido de que tudo que existe seja apenas urn fe- nomeno da consciencia. A reflexao sobre os fenomenos da cons- ciencia e, entretanto, 0 ponto de partida para examinar os dife- rentes sentidos ou significados do ser e do existente a luz das funyoes da consciencia. Atraves deste metoda pretende chegar a urn fundamento certo e evidente do ser e de suas apariyoes. A tarefa da fenomenologia e, pois, estudar a significayao das vivencias da consciencia. HusserI colocou-se como tarefa de toda a sua vida, ao menos a partir de 1908, a fundamentayao ultima da filosofia, decisiva para 0 futuro, na forma de uma ciencia de rigor. A particularida- de da filosofia, segundo ele, esta no fato de nao ser uma discipli- na especifica entre outras, mas abrange "os problemas funda- mentais e metodicos de todas as ciencias positivas" como ciencia dos fundamentos. Portanto, a renovayao da filosofia tambem significara uma reorientayao de todas as ciencias. Essas, por sua vez, nao sao simples teorias logicamente estruturadas mas de-
Para fundamentar uma filosofia como ciencia de rigor, se- gundo Husserl, exigem-se tres condiyoes: a) ausencia de pressu- postos; b) caniter a priori; c) evidencia apoditica.
evidencia intelectual - intui{:iioeidetica - que serve de base para as ciencias eideticas. Como a intuiyao empirica do individual e urn dar-se do objeto individual originariamente, tambem a intui- yao eidetica e urn dar-se do eidos ou essencia - objeto universal. Para tomar a filosofia ciencia de rigor, ela nao se deve fun- damentar em dados empiricos, ou seja, nos fatos, mas num a priori universal. Husserl parte de idealidades porque so essas sao validas, independentemente da contingencia dos fatos, para constituirem aprioridade radical para todas as ciencias. Parte das "coisas mesmas" (nao dos fatos) como se apresentam em sua pureza a consciencia. Segundo ele, a consciencia, ao ser estuda- da em sua estrutura imanente, mostra-se como algo que ultrapas- sa 0 plano empirico e emerge como condiyao a priori de possibi- lidade do proprio conhecimento, ou seja, como consciencia transcendental. Cabe, entao, a fenomenologia descrever a estru- tura do fenomeno como fluxo imanente de vivencias que consti- tuem a consciencia (estrutura constituinte). Enquanto a cons- ciencia transcendental constitui as significayoes e a priori de possibilidades de conhecimento. Nesta perspectiva, a logica tern carater normativo a priori e nao deve ser confundida com 0 psi- cologismo, pois a empilia e incapaz de fomecer as condiyoes da apodicidade, condiyoes que se encontram numa regiao a priori da pura idealidade de carater universal, necessario e normativo que fundamenta todo 0 verdadeiro conhecimento. Assim a fe- nomenologia toma-se ela mesma 0 a priori das ciencias.
mesmo tempo logos. 0 sentido do fenomeno the e imanente e pode ser percebido. Em outras palavras, todo 0 fenomeno tern uma essencia, que nao se reduz ao fato. A intuiyao da essencia distingue-se da percepyao do fato, pois e a visao do sentido ideal que atribuimos ao fato materialmente percebido que nos permite identifica-Io. Se, por exemplo, uma crianya trabalhar sem com- passo, dira que a forma vagamente oval, que desenhou em seu cademo, e urn circulo. A essencia persiste como pura possibili- dade, como necessidade que se opoe ao fato. Por isso ha tantas
3.1 Ausencia de pressupostos Husserl tenta filosofar a partir dos problemas da vivencia da consciencia, prescindindo do mundo exterior ou do que outros grandes pensadores ja disseram, pois teorias podem ser nao so uma ajuda mas tambem urn obstacul0 para chegar "as coisas mesmas" (fenomenos). A fenomenologia deve ser ciencia dos fundamentos e das raizes, ou seja, uma ciencia radical, uma ci- encia dos fundamentos originarios: "Nao e das filosofias que deve partir 0 impulso de investigayao, mas, sim, das coisas e dos problemas" (A filosofia como ciencia de rigor, p. 72). Em As ideias I escreve que "em nossas afirmayoes fundamentais nada pressuporemos, nem sequer 0 conceito de Filosofia, e assim que- remos ir fazendo adiante. A epoque filosofica, que nos propuse- mos praticar, deve consistir, formulando-o expressamente, em nos abstermos por completo de julgar acerca das doutrinas de qualquer filosofia anterior e em levar a cabo todas as nossas descriyoes no ambito desta abstenyao" (§ 18). Husserl constatou que nos congressos encontram-se os filo- sofos mas nao as filosofias. Incansavelmente tenta submeter a filosofia a uma revoluyao cartesiana para liberta-Ia de todo 0 preconceito possivel e fazer dela uma ciencia verdadeiramente autonoma e radical atraves do metodo fenomenologico. A unica fonte do conhecimento, para 0 fenomenologo, e a evidencia que caracteriza os dados imanentes da consciencia.
3.2 Carater a priori Ha dois campos de experiencia ou conhecimento evidente: a experiencia ou evidencia empirica - intui{:iiode fatos individuais
essencias quantas significa<;oesnosso espirito e capaz de produ- zir. As essencias constituem uma especie de armadura inteligivel do ser, tendo sua estrutura e suas leis proprias. Elas san 0 sentido a priori no qual deve entrar todo mundo real ou possivel. Assim pode-se obter uma compreensao a priori do ser, independente- mente da experiencia efetiva porque a intui<;ao de essencias e intui<;aode possibilidades puras. Veremos que, na fase caracterizada pela crise, Husserl desen- volve a fenomenologia nao a partir do a priori eidetico, nem for- mal-kantiano, mas a partir de urn a priori concreto material origi- nariamente vivido e que nos e dado previamente a toda interven-
ral da experiencia imediata e fundamento origimirio do sentido. Em sintese, a fenomenologia nao podeni recorrer a qualquer resultado cientifico como urn dado disponivel. Neste sentido Hus- serI critica Kant por partir do fato das ciencias positivas para de- pois formular a pergunta pela possibilidade do conhecimento. E para nao pressupor aquilo que esta em questao retoma, contra Kant, 0 espirito mais radical do cartesianismo, eliminando 0 re- curso a qualquer saber ja dado. E HusserI vai mais longe, critican- do Descartes por estabelecer uma continuidade entre 0 discurso filosofico e 0 discurso cientifico na concep<;aode uma filosofia que deve proceder more geometrico. Para que seja preservada a autonomia da fenomenologia frente as ciencias e preciso ter cons- ciencia de que nao fala dos mesmos objetos sobre os quais fala a ciencia, nao utilizani seus resultados nem seu metodo.
3.3 Evidencia apoditica
Em geral entende-se por evidencia urn saber certo e indubita- vel. Entre os antigos, a evidencia costuma ser considerada como urn fato objetivo, como 0 manifestar-se de urn objeto qualquer como tal. Significa 0 aparecimento do que e verdadeiramente e e por isso ta~ manifesto que exclui a possibilidade de duvida e, por- tanto, de erro. A evidencia e urn criterio de verdade e de certeza.
Descartes afirma "nao aceitar nunca alguma coisa como ver- dadeira a nao ser que ela se reconhe<;a evidentemente como tal, isto e, evitar diligentemente a precipita<;ao e a preven<;ao; e nao compreender nos proprios juizos senao 0 que se apresenta tao clara e distintamente ao proprio espirito, que nao se tenha ne- nhuma ocasiao de po-Io em duvida" (Discurso do Mhodo, 2!!parte). Descartes reduz a evidencia a clareza e distin9ao de ideias, vinculando-a a intui<;ao.Para ele, evidencia e aquilo "que eu percebo clara e distintamente". HusserI trata muitas vezes da evidencia. Nas Investiga90es descreve-a como "preenchimento da inten<;ao"(II, § 39). Devol- veu-Ihe 0 carater objetivo enquanto designa 0 manifestar-se de urn "objeto" como tal a consciencia. Afirma que a evidencia surge quando ha uma equa<;ao completa entre 0 pensado e 0 imediatamente dado. HusserI adverte que a evidencia nao pode ser considerada "uma voz mistica que nos grita de urn mundo melhar: aqui esta a verdade". Nas Investiga90es 16gicas diz que ha evidencia sempre que haja adequa<;ao completa entre 0 intencionado e 0 dado, quando se de urn preenchimento da inten9ao, i. e, a inten<;ao receba a absoluta plenitude do conteudo, a plenitude do proprio objeto. Esta evidencia nao e simplesmente a da percep<;ao.Refe- re-se a algo imediatamente dado, anterior a toda a teoria, cons- tru<;aoou hipotese, situado ao nivel da vivencia fenomenologica. A fenomenologia toma-se "filosofia primeira" pela auto- reflexao radical e, par isso, universal. Na atitude plenamente reflexa, 0 filosofo observani as "coisas" na sua pureza original e imediata, deixando-se orientar exclusivamente por elas. Nesta atitude de eVidencia<;aopodera descrever 0 imediatamente dado a consciencia: "0 fundamental e nao passar por alto que a evi- dencia e esta consciencia que efetivamente ve, que apreende (0 seu objeto) direta e adequadamente, que evidencia nada mais significa que 0 adequado dar-se em si mesmo" (A ideia de feno- menologia, p. 88). Pouco mais adiante conclui: "Com 0 emprego do conceito de evidencia, podemos agora dizer tambem e, por-
A fenomenologia propoe partir de uma situayao sem pI' 'Sllll- postos para esc1arecer as condiyoes das quais depende nOflflO conhecimento. Nas ciencias empiricas fazemos todo 0 tipo I· pressuposiyoes. 0 fisico, p. ex., pressupoe a validade da mate- matica; 0 matematico pressupoe a validade da 16gica, etc. A fe- nomenologia nao pretende fazer pressuposiyoes que tenham que ser justificadas em outro campo. Galileu possibilitou 0 conhecimento do mundo objetivo, em- pregando urn metoda que se tomou 0 modelo de racionalidade nos tempos modemos. Mas, segundo Husserl, a objetivayao da natureza, obtida pOI Galileu, nao conduz ao ser das coisas e, assim, a objetividades ideais. A natureza idealizada passou a substituir a natureza pre-cientifica. A matematizayao da natureza violentou 0 ser natural. De acordo com Husserl, as ciencias posi- tivas saD ingenuas enquanto pre-fenomenol6gicas como a vida cotidiana e ingenua. Viver consiste em comprometer-se com 0 mundo que nos da a experiencia atraves do pensar. Mas viver e tambem agir e valorar. Enquanto toda a ciencia e, de certa for- ma, uma ciencia do ser no mundo, "do ser perdido no mundo", s6 a fenomenologia, atraves da analise radical da intencionalida- de, podera ser a ciencia das ciencias, justamente por "perder 0 mundo" atraves da reduyao fenomenol6gica para encontra-Io pela analise da intencionalidade da consciencia. Para isso e pre- ciso passar de uma atitude ingenua a uma atitude transcendental na qual a consciencia constitui 0 mundo como fenomeno puro. No seculo XIX houve uma redescoberta da doutrina c1assica da intencionalidade por Brentano, Husserl e M. Scheler. Este conceito da escolastica medieval, tanto da arabe como da latina, baseia-se numa observayao de Arist6teles no livro da Metafisica. Ao descrever 0 que e uma relayao, Arist6teles exemplificou com o saber. Toda a ideia, inclusive a mais simples, comeya por ser uma relayao entre urn objeto enquanto tal e enquanto nosso obje- to. Mas 0 saber tern como caracteristica que urn de seus elemen- tos, 0 objeto, nao necessariamente tern que ser real: a ideia en- quanta nossa ideia, ou seja, por parte do sujeito.
Husserl desenvolve 0 metoda de mostrayao das estruturas implicitas da experiencia, definindo 0 conceito de intencionali- dade como: a) consciencia de algo; b) consciencia de si mesmo. A partir de Descartes explica-se 0 conhecimento como relayao entre duas coisas: a coisa que esta na consciencia (ideia) e a que esta fora. A primeira e a representayao da segunda. Ora, Husserl abandona a ideia de representayao, distinguindo, na consciencia, o ato que conhece (noese), que ao configurar os dados os dota de sentido, e a coisa conhecida (noema). 0 "objeto" (noema) e in- tencional, ou seja, esta presente na consciencia sem ser parte
Husserl, em Idbas 1, expoe urn exemplo: "Nosso olhar, su- ponhamos, volta-se com urn sentimento de prazer para uma ma- cieira em flor num jardim ..." (§ 88). Na atitude comum ou natu- ral, tal percepyao consiste em colocar primeiro a existencia da macieira no jardim, depois em relayao a essa macieira real a macieira representada na consciencia correspondente it real. Como conseqiiencia haveria duas macieiras: uma no jardim e outra na consciencia. Para Husserl, as coisas nao acontecem assim. Recorrendo it analise intencional, nao partimos da maciei- ra em si, porque dela nada sabemos, nem da macieira represen-
"coisas mesmas", isto e, da macieira-enquanto-percebida, ou seja, do ato de percepyao da macieira no jardim, pois essa e a vivencia originaria. Atraves da epoque s6 atendemos it percep- yao como vivencia, prescindindo de suas relayoes reais. A unica "coisa" que permanece e a percepyao e 0 percebido, 0 visto des- de urn ponto de vista eidetico na "pura imanencia" da conscien- cia de minhas vivencias. A vivencia de percepyao, fenomenolo- gicamente reduzida, tambem e percepyao da "macieira em flor", vivencia que nela conserva todos os matizes com que aparecia realmente. Assim a "macieira em flor", como objeto de minha vivencia de percepyao, e 0 correlato intencional da vivencia, seu conteudo noematico, resultante da noese, do ato de consciencia, pelo qual se reduz it unidade de sentido a multiplicidade de da-
dos da sensa9ao (hyle). Enquanto a noese e a hyle sao elementos da propria vivencia, 0 noema e seu correlato intencional ou componente intencional. A radicalidade e universalidade do saber fenomenologico si- tua-se, pois, no plano da consciencia, da subjetividade transcen- dental. Dada a bipolaridade imamentelintencional de toda a vi- vencia, distinguem-se dois modos correlativos da investiga9ao fenomenologica, embora de fato nao haja separa9ao real entre os mesmos: a) urn, orientado para a pura subjetividade (fenomeno- logia noetica) e b) outro, orientado para aquilo que pertence a constitui9ao da objetividade para a subjetividade (fenomenologia noematica). Para Husserl, uma coisa e a indubitavel existencia real do mundo e outra coisa e compreender e fundamentar essa existen- cia. a mundo existe para nos como produto intencional. A unica tarefa e fun9ao da fenomenologia husserliana e salvar 0 sentido deste mundo, 0 sentido em que este mundo vale para qualquer homem como realmente existe. A fenomenologia e, pois, uma tomada radical da consciencia do que e 0 homem em si mesmo. Deste modo, 0 sentido do oraculo delfico "conhece-te a ti mes- mo" significa, antes de tudo, a penetra9ao do homem dentro de si mesmo. Tal penetra9ao so e possivel enquanto e capaz de ter consciencia de algo. Neste sentido conclui as Medita{:oes carte- sianas com a ideia de S. Agostinho: "Noli foras ire, in te redi, in interiore hominis habitat veritas". A partir de urn ponto de vista objetivo, poderia perguntar-se, se HusserI nao reduz 0 ser a propria consciencia, abrindo-se esta, pela intencionalidade, nao ao outro como era entendida a inten- cionalidade na filosofia medieval mas so a si mesma. Neste caso a fenomenologia, no fundo, nao passaria de auto-conhecimento (Selbstauslegung), separando 0 ser intencional do real. au volta, de maneira sutil, a ideia de que 0 conhecimento e representa9ao? A intencionalidade husserliana corresponde a correla<;ao consciencia-mundo, sujeito-objeto, mais originaria que 0 sujeito ou 0 objeto, pois esses so se definem nessa correla9ao. A inten-
cionalidade fenomenologica e visada de consciencia e produ{:iio de um sentido que permite perceber os fenomenos humanos em seu teor vivido. HusserI definiu a fenomenologia como a teoria dos fenome- nos puros, dos fenomenos da consciencia pura. Mas 0 que en- tende por "consciencia"? Da, sobretudo, tres sentidos: a) a cons- ciencia como conjunto de todas as vivencias, ou seja, a cons- ciencia como unidade; b) a consciencia como percep9ao intema das vivencias psiquicas, ou seja, 0 ser consciente; c) a conscien- cia como vivencia intencional. a ultimo e 0 mais importante e HusserI dedicou-Ihe longo capitulo ja nas Investiga{:oes logicas. Para ele, a consciencia e "uma corrente de experiencias vividas", num rio heraclitiano, que se colhe a si mesma. Por isso interessa- o mais a percep9ao imanente, que e a do cogito cartesiano, cujo objetivo sao as experiencias vividas (recordar, imaginar, desejar, etc.), ou seja, 0 cogitatum, pois tais experiencias sao dadas dire- tamente a consciencia, uma vez que "a percep9ao da experiencia vivida e a visao direta de alguma coisa que se da ou que pode dar-se na percep9ao como absoluta e nao mais como identidade das aparencias que a esfumam" (Ideias I, § 44). Enfim, a estrutura da consciencia como intencionalidade e uma das grandes descobertas de Husserl. Dizer que "a conscien- cia e intencional" significa: "toda a consciencia e consciencia de algo". Portanto, a consciencia nao e uma substancia (alma), mas uma atividade constituida por atos (percep9ao, imagina9ao, voli- 9ao, paixao, etc.) com os quais visa algo. HusserI vale-se da no- 9ao de intencionalidade para esclarecer a natureza das experien- cias vividas da consciencia. A intencionalidade e de natureza logico-transcendental, significando uma possibilidade que define o modo de ser da consciencia como urn transcender, como 0 dirigir-se a outra coisa que nao e 0 proprio ato de consciencia. Distingue duas especies de intencionalidade: a) uma intenciona- lidade tematica, que e 0 saber do objeto e saber deste saber sobre o objeto; b) uma intencionalidade operante, que e a visada do objeto em ato, ainda nao refletida. A primeira tenta alcan<;ar a
blema da epoque nao e a existencia do mundo, mas seu signifi- cado. Assim, ao contnirio de Descartes, a relayao fenomenologi- ca de Husser! deixa 0 ego cogito cogitatum, pois a unica coisa que e absolutamente evidente e 0 cogito com seus cogitata. A fenomenologia propoe-se como tarefa analisar as viven- cias intencionais da consciencia para ai perceber 0 sentido dos fenomenos. 0 proprio da estrutura noetico-noematica ou inten- cional da consciencia e fazer-me descobrir, na consciencia ou no sujeito e somente ai, urn objeto (fenomeno). No citado exemplo da macieira, a macieira real permanece no jardim, pois nao e transplantada para 0 sujeito. Na verdade a macieira percebida so existe enquanto percebida. Na atitude natural, a consciencia ingenua ve 0 objeto como exterior e real. Na atitude fenomenologica 0 objeto e constituido na consciencia. E a fenomenologia toma-se 0 estudo da consti- tuiyao do mundo na consciencia. Constituir significa remontar pela intuiyao ate a origem, na consciencia, do sentido de tudo que e, origem absoluta. Mas nao so 0 mundo e constituido, rece- be seu sentido na consciencia ou no sujeito, mas 0 proprio sujei- to se constitui pela reflexao sobre sua propria vida irrefletida. A reduyao fenomenologica faz, assim, 0 mundo aparecer como fenomeno. Embora a genese de seu sentido e perceptivel na vi- vencia da consciencia, nem tudo esta dito sobre 0 sentido dessa vivencia. Na fase da fenomenologia transcendental, que vai des- de Ideias diretrizes (1913) e culmina nas Meditar;i5es cartesianas (1929), Husser! coloca 0 acento sobre 0 sujeito ao qual e preciso ligar a consciencia na qual se constitui todo 0 sentido. A viven- cia da consciencia e 0 unico irredutivel. Mas esta vivencia e vi- vida por urn sujeito ao qual se referem os objetos do mundo real ou ideal e de onde adquirem significayoes. Este sujeito constitui- se continuamente e a fenomenologia toma-se "exegese de si proprio" (Selbstauslegung), ciencia do eu ou egologia. Esse su- jeito e 0 eu transcendental, nao 0 eu empirico. Para alcanyar as essencias e preciso purificar 0 fenomeno de tudo que nao e essencial, ou seja, e preciso reduzir (reduyao ei-
detica). A essencia se definira, segundo Husserl, pela analise mental como uma "consciencia da impossibilidade", ou seja, como aquilo que e impossivel a consciencia pensar de outro mo- do. Identifica-se este invariante atraves das diferenyas, definindo a essencia dos objetos dessa especie, ou seja, definindo aquilo sem 0 que seria impensavel. Este processo Husserl chamou de variar;iio eidetica. A essencia e, pois, 0 sentido ideal do "objeto" produzido pela atividade da consciencia. Para chegar a fenomenologia transcendental pura, Husserl introduz a redur;iio e a epoque. Assim coloca entre parenteses a existencia do mundo, nao para duvidar de sua existencia, mas suspender apenas 0 juizo em relayao a esta existencia. A essa suspensao de juizo designou-a com 0 termo epoque, ja usado pelos ceticos pironicos gregos para significar a suspensao ou abstenyao de qualquer assentimento por nao reconhecerem ra- zoes suficientes para eliminar a incerteza. Husser! introduz a epoque como instrumento de depurayao para chegar a urn radica- lismo reflexo na procura das evidencias apoditicas. Portanto, nao pretende duvidar da existencia do mundo, nem suprimi-Ia. Quer, isto sim, encarar 0 mundo apenas sob 0 aspecto de fenomeno, ou
Como a epoque ja significa redur;iio, os dois termos saD empre- gados, geralmente, pelo proprio Husserl como equivalentes.
saD reflexiva se dirige para a minha vivencia, apreendo alguma coisa em si mesma de carater absoluto, cuja existencia nao pode, em principio, ser negada; ou seja, e inteiramente impossivel ver que essa coisa nao e. Muito embora seja uma ficyao aquilo que se apresenta, a propria apresentayao, a consciencia que finge, nao pode ser ficticia" (Ideias 1, § 46). Portanto, para chegar a evidencia apoditica e preciso colocar "entre parenteses" tudo que me e exterior: outras pessoas e 0 proprio Deus. Devemos partir do mundo reduzido as vivencias da consciencia. A decisao de praticar a epoque resulta de urn ato livre, inteiramente dependen- te da vontade.
Na consciencia, muitas vezes, as vivencias se apresentam na singularidade concreta. Refletindo sobre esses fenomenos singula- res, posso sujeiti-Ios a uma serie de variayoes arbitrarias em busca do invariante ou da essencia. Desta forma pratico a reduyao eide- tica. Surge, enta~, urn fenomeno novo, uma essencia purificada. Se eu quiser atingir 0 terreno firme das evidencias apoditicas devo ir alem da reduyao eidetica. Terei que por "entre parenteses" a propria existencia do eu e dos seus atos. So assim alcanyarei 0 eu absoluto, 0 eu transcendental e com ele 0 ambito da experien- cia genuinamente filosofica. Esta e a reduyao transcendental. Atraves dela chegamos ao contato imediato com as "coisas" que se nos apresentam na sua evidencia originaria na consciencia. Agora nao possuimos simplesmente 0 mundo, mas apenas a cons- ciencia do mundo. 0 filosofo devera reduzir sua atenyao para esse novo mundo da "consciencia pura".
6 A intersubjetividade transcendental Se tudo 0 que eu posso entender como verdadeiro ser nao e outra coisa que urn acontecimento intencional de minha propria vida cognoscente, para Husser!, isso nao significa que a percepyao seja 0 unico modo de conhecer a realidade. Existe outro modo valido de experiencia: a experiencia mediata, ou seja, atraves do corpo animado que tenho do outro. A isso chama de EinjUhlung. o que se me apresenta atraves do corpo animado (Leib) e outra subjetividade que e irredutivel a mero polo intencional da minha subjetividade. Dessarte, 0 idealismo transcendental situa-se no plano da intersubjetividade transcendental. Assim a reduyao fe- nomenologica conduz a duas estruturas universais da vida reci- procamente fundadas: minha vida e a do outro. Husser! distingue entre minha esfera originaria ou primordial e uma esfera primordial alheia, assunto que desenvolve na 51\ Medita- yao cartesiana e em muitos outros textos. Diz Husserl que eu sou para mim, e todo outro eu 0 e para mim, sujeito de sua primordiali- dade e das intracepyoes (EinjUhlungen) por ele motivadas.
Embora Husser! distinga a vida imanente do proprio eu, nela encontra-se implicita a imanente vida dos "outros", sem con fun- dir-se com a propria esfera primordial. Ha uma reciproca aper- cepyao intersubjetiva do "eu e de seu oposto" (sein G?geniiber).
propriamente, urn alter ego. Na experiencia do meu proprio cor- po radica a experiencia que tenho de corpos alheios e, por sua mediayao, tenho experiencia da subjetividade alheia, de uma segunda vida transcendental distinta da minha. A sintese da coexistencia monadologica de todos os eu em re- ciproca autoapercepyao e, por sua vez, uma sintese que constitui a natureza (0 mundo) comum para todos. Eu, como monada mo- dalmente originaria, tenho como valida meu horizonte de autoes- tranhamentos, de outras monadas, constituido eu nele como mo- nada singular de urn "nos", como universo de equivalentes mona- das existentes, que se implicam em reciproca validade e segundo urn total sentido ontologico. Este "nos" e a intersubjetividade transcendental na qual se constitui 0 mundo com validade "objeti- va" para todos. Existe, assim, com fundamento na experiencia transcendental, uma pluralidade de seres que sao "em si e para si" e que para mim so se dao no modo de "outro", como alteridade. Nas Meditaf;oes cartesianas Husserl afirma, no § 56, a iden- tidade entre intersubjetividade e comunidade de monadas. Par- tindo de mim mesmo como monada original (Urmonade), chego a outros enquanto sujeitos psicofisicos. Mas numa compenetra- yao inteletual do horizonte original do outro, descubro que a percepyao de nossos corpos e a vivencia da alteridade e recipro- ca. A partir desta vivencia de homogenea alteridade reciproca se constitui a comunidade humana, apercebendo-me, simultanea- mente, de minha propria humanidade.
munidade universal cosmica. Esta intersubjetividade transcenden- tal ou comunidade universal de monadas apresenta as seguintes caracteristicas: a) Constitui-se puramente em mim, no ego que medita; b) constitui-se para mim a partir de minha pura intencio-
8 A crise da humanidade europeia e a fenomenologia
luyao. No periodo de Halle (1887-1901) escreveu as Investlga- 90es; no periodo de Goettingen (1901-1916) elaborou su~ feno- menologia pura e produziu as Ideias; mais tarde, em F~burgo, na Floresta Negra (1916-1928), produziu a fenomenologla como novo transcendentalismo ou idealismo caracterizado nas Medita- 90es cartesianas. Nos ultimos anos, ja aposentado n~ univer~i- dade (^) ,refletiu sobre a crise das ciencias como expressao da cnse da cultura contemporfmea. No periodo de 1934-1937, Husserl dedicou-se ao tema da "Crise das ciencias europeias e a fenomenologia transcendental". Nesse periodo aborda problemas que, a seu ver, conduzira~ a crise. Persegue a origem dessa crise ate a modema matematIza- yao das ciencias para abordar a divisao ou ruptura surgida entre o objetivismo fisicalista e 0 subjetivismo transcendental. Estuda a historia da filosofia modema desde Descartes, Locke, Berke- ley, Hume ate Kant. Propoe-se a superar esse abis~o atraves ~a fenomenologia, buscando 0 fundamento do sentIdo, oculto as ciencias. Nesse periodo elaborou 0 texto sobre "A crise da hu- manidade europeia e afilosofia ", indicando 0 acesso ou 0 cami- nho a fenomenologia transcendental a partir do mundo da vida e da psicologia. ~. o texto apresentado originou-se de uma conferencla. que Husserl fez no dia 7 de maio de 1935 no Kulturbund de Vlena. Essa conferencia Husserl pronunciou numa situayao determina- da. Em 1928 foi aposentado (emeritiert), ou seja, foi dispensado de sua atividade de ensino na universidade. Em 1930 reconheceu que M. Heidegger, seu ex-aluno e sucessor na catedra, assumira posiyao diferente da sua. Em 1933, os nazistas cheg~ram. ao p.o- der, na Alemanha, e ai comeyou a ascensao de urn l.rraclOnahs- mo que provocou uma crise politica e cultural. Com IS:0 en~en- tou urn problema pessoal por ter sangue hebreu. Mas nao delxou de fazer uma analise profunda dessa nova situayao, detectando 0
perigo que ameayava a humanidade europeia, esta humanidade que esquecera sua tradiyao espiritual vinda desde a antigiiidade grega, embora estivesse proibido de manifestar-se publicamente em seu proprio pais. Husserl responsabilizou os filosofos e os cientistas pela crise por terem deixado de servir a razao. Segun- do ele, 0 seculo da ciencia desviou-se da razao. Na oportunidade que the foi dada em Viena, Husserl evoca a heranya cultural que constitui a base comum da civilizayao oci- dental. Posiciona-se contra 0 desvio racionalista, e, ao mesmo tempo, contra certo irracionalismo, expondo sua propria concep- yao. Opoe-se ao racionalismo ingenuo dos seculos 17-18 com sua concepyao das tarefas infinitas da razao humana; e ao objeti- vismo reinante nas ciencias positivas, de modo especial na psi- cologia objetivista, pela consciencia cientifica do espirito en- quanta espirito. Suas palavras ecoam como uma profissao de fe: "e, portanto, as ideias siio mais fortes que todas as for9as empi- ricas" (Husserliana VI, p. 335). Stefan Strasser, profunda co- nhecedor da fenomenologia de Husserl, no prefacio que escreveu a ediyao francesa (bilingiie: alemao e frances) chama este texto de "urn manifesto no verdadeiro sentido da palavra" (E. Husserl. La crise de l 'humanite europeenne et la philosophie. Paris, Au- bier Montaigne, 1987, p. 5). Poderia chamar-se esse texto tam- hem de "testamento politico" de Husserl. Para Husserl, a existencia da crise e urn fato do qual se deve tomar consciencia. Esta crise refere-se as ciencias europeias e ao homem europeu; refere-se a Europa como maneira espiritual de ser, ou seja, a Europa como ente cultural: "Em sentido espiritual, a Europa engloba manifestamente os dominios ingleses, os U.S.A., etc. Trata-se aqui de uma unidade de vida, de uma ayao, de uma criayao de ordem espiritual, incluindo todos os objetivos, os interesses, as preocupayoes e os esforyos com as instituiyoes e as organizayoes. Nelas atuam os individuos dentro das socieda- des multiplas de diferentes complexidades, em familias, rayas, nayoes, nas quais todos parecem estar interior e espiritualmente vinculados uns aos outros e, como disse, na unidade de uma
estrutura espiritual". Hussed nao compartilha a resignac;ao nem o pessimismo do existencialismo, na epoca, pois cre no poder da razao humana e tenta urn diagnostico das causas dessa crise para so depois receitar 0 remedio. Constata: hi uma heranc;a da histo- ria que e 0 objetivismo cientifico; urn esquecimento tnigico: 0 Lebenswelt ou 0 mundo da vida; a fenomenologia podeni enca- minhar para uma soluc;ao ou superac;ao dessa crise: "Nesta conferencia quero tentar suscitar um novo interesse para 0 tilo frequentemente tratado tema da crise europeia, de- senvolvendoa ideia historico-filosofica (ou 0 sentido teleologi- co) da humanidade europeia. Ao expor a fun9ilo essencial que, neste sentido, tem a exercer a filosofia e suas ramifica90es, que silo nossas ciencias, a crise europeia tambem ganhara uma nova elucida9ilo" (Husserliana VI, p. 314). Confusoes espirituais e politicas nas primeiras decadas do seculo XX haviam despertado, no continente europeu, a cons- ciencia de uma crise, que Hussed compartilhou com muitos con- temporaneos. De maneira mais acurada que outros, viu a ameac;a a cultura europeia condicionada pela crise da filosofia. Essa ul- tima, para ele, consistia essencialmente na ameac;a da cientifici- dade da filosofia. Depois de 1910 nao faltam ponderac;oes nesse sentido em seus escritos. Este dado e importante para entender a obra tardia caracterizada como "crise das ciencias europeias".
8.1 Nova perspectiva fenomenologica Na obra fenomenologica de Husserl salientamos dois aspectos diversos a partir de 1913. Comec;a com as Ideias (1913), obra que foi caracterizada de idealismo transcendental. Esta etapa estende- se ate as Medita90es cartesianas (1931). Em grandes linhas, pode dizer-se que, nesta etapa, centra a analise fenomenologica sobre 0 sujeito como suporte do ato de consciencia e instancia constituinte do sentido do mundo. Sob certo aspecto ate se pode dizer que a fenomenologia assume a forma de egologia. 0 ego transcendental age como suporte das vivencias da consciencia.
Posteriormente, no final de sua vida, na fase caracterizada pela crise (1930-1938), busca urn novo acesso a fenomenologia atraves da historia. Depois de 1920, Hussed preocupa-se com 0 comec;o da fenomenologia. Pela primeira vez posiciona-se, ex- plicitamente, na questao da historia e tematiza a historicidade da filosofia. Na conferencia de Viena (1935) ja trabalha com de- terminado conceito de historia. Concebe-a como transcender da atitude natural, que permanece nos simples dados, para desen- volver uma teoria filosofica, que, em sua nova perspectiva, sig- nifica uma certa epoque do interesse originario, para captar 0 ente em sua globalidade. Com essa reivindicac;ao da totalidade, segundo 0 interprete Walter Biemel, emerge a ideia de infinito, que e decisiva para a humanidade ocidental (Husserliana, VI, p. XVIII). Essa nova perspectiva nao significa urn rompimento com a fase anterior, mas urn enriquecimento de seu programa fenomenologico pela perspectiva da historia e da vida. Nesta segunda fase Hussed preocupa-se com as evidencias pre-logicas, com 0 mundo dos valores, com 0 sentido da existencia pessoal e coletiva, etc. Entretanto, como na primeira fase, continua em busca de urn saber apoditico e universal e de seus fundamentos. Husserl denuncia a crise da civilizac;ao do nosso tempo, in- terpretando-a como uma crise das ciencias europeias. Situa essa crise nao nos fundamentos teoreticos, mas no fracas so das cien- cias na compreensao do homem. A origem da crise e a convic- c;ao de que "a verdade do mundo apenas se encontra no que e enunciavel no sistema de proposic;oes da ciencia objetiva", ou seja, no objetivismo. Este poe de lado as questoes decisivas para uma autentica humanidade. Com isso a ciencia perde importan- cia para a vida e 0 mundo. Em a crise, Hussed e1abora uma reconstruc;ao da tradiyao Ii losofica na perspectiva fenomenologica tomando a tel ologl(/ Ii , razao historico-critica como ponto de referencia. Na< " plllil cupa com detalhes de erudic;ao historico-critica. 010" I 11" tao: qual a caracteristica essencial, ou seja, 0 'ido,', do 11111111II dessa forma espiritual de ser? Trac;a urn esqu 'l11il 11'1 1111 dill t III