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Guias e Dicas
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Cobertura de Hugo Chávez: El Universal e O Globo sobre sua morte, Notas de aula de Comunicação

Uma análise da cobertura jornalística de hugo chávez, analisando as matérias publicadas no el universal e o globo após a morte do presidente venezuelano em 2013. O texto discute a relação entre chávez e os meios de comunicação privados, a ascensão de governos com políticas à esquerda na américa latina e a construção de uma agenda política sobre a nova américa latina.

O que você vai aprender

  • Como o El Universal e O Globo reportaram a morte de Hugo Chávez?
  • Como as matérias do El Universal e O Globo sobre a morte de Hugo Chávez permitiram vislumbrar escolhas políticas claras?
  • Qual foi a relação entre Hugo Chávez e os meios de comunicação privados na Venezuela?
  • Qual foi a posição de El Universal em relação à trajetória política de Hugo Chávez?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Jose92
Jose92 🇧🇷

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
JORNALISMO
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

JORNALISMO

HUGO CHÁVEZ E A VENEZUELA:

A morte do presidente em El Universal e O Globo

JULIANA GAGLIARDI DE ARAUJO

RIO DE JANEIRO

II

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

JORNALISMO

HUGO CHÁVEZ E A VENEZUELA:

A morte do presidente em El Universal e O Globo

Monografia submetida à Banca de Graduação como requisito para obtenção do diploma de Comunicação Social/ Jornalismo. JULIANA GAGLIARDI DE ARAUJO Orientadora: Profa. Dra. Ana Paula Goulart Ribeiro RIO DE JANEIRO 2013

IV

FICHA CATALOGRÁFICA

ARAUJO, Juliana Gagliardi de. Hugo Chávez e a Venezuela: a morte do presidente em El Universal e O Globo. Rio de Janeiro, 2013. Monografia (Graduação em Comunicação Social/ Jornalismo)

  • Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Escola de Comunicação – ECO.

V

ARAUJO, Juliana Gagliardi de. Hugo Chávez e a Venezuela: a morte do presidente em El Universal e O Globo. Orientadora: Ana Paula Goulart Ribeiro. Rio de Janeiro: UFRJ/ECO. Monografia em Jornalismo. RESUMO A proposta deste trabalho é descrever e analisar de que formas dois jornais – o venezuelano El Universal e o brasileiro O Globo – reportam um mesmo evento: o falecimento do presidente venezuelano Hugo Chávez. Para isso foram consideradas as matérias publicadas por ambos os jornais em seus respectivos sites nos dias 5 e 6 de março de 2013. A análise empírica é precedida pela contextualização histórica da Venezuela e pela discussão acerca do lugar que a América Latina tem assumido nos estudos de comunicação. O objetivo é explorar como se posicionam os jornais com relação à política analisados em perspectiva e, assim, conferir subsídios para pesquisas futuras. ABSTRACT This paper aims to describe and analyze how two newspapers – Venezuelan's El Universal and the Brazilian O Globo - report the same event: the death of Venezuelan president Hugo Chávez. For this the articles published by both newspapers in their respective homepages on 5 and 6 March 2013 were considered. The empirical analysis is preceded by the historical context of Venezuela and the debate about the place that Latin America has assumed in communication studies. The aim is to explore how newspapers positioned itself with respect to politics when analysed in perspective, and thus give suggestions for future research.

1. INTRODUÇÃO

O “fenômeno Chávez” foi um marco não apenas na história da Venezuela, mas na história da América Latina. De certa forma, atribuiu àquele país um espaço relevante na agenda internacional da mídia desde o início do século XXI, que não tinha as mesmas proporções até então. Trouxe de volta para o centro das atenções as questões da integração latino-americana, da relação dos países da América Latina com os Estados Unidos e seus desafetos, dando novos contornos para as discussões sobre autonomia/neocolonialismo, políticas sociais e nacionalizações. De outro lado, a era Chávez não criou, mas ressaltou antigos conflitos estruturados historicamente, entre os quais se destaca uma relação publicamente tensa entre grandes meios de comunicação privados e o governo, característica não só da Venezuela mas de vários outros países latino-americanos nos quais também tem emergido recentemente. Essa relação tem sido naturalizada no espaço público da mídia, no senso comum e, surpreendentemente, mesmo em alguns estudos acadêmicos. Rotulá-la e defini-la previamente, como se tivesse surgido agora, tornou-se mais frequente do que a preocupação com a investigação de sua história. Pelas razões acima mencionadas, Hugo Chávez se tornou um ator político-chave quando se pensa em América Latina hoje e quando se fala em mídia nesse lugar. A proposta deste trabalho é descrever como dois jornais – o venezuelano El Universal e O Globo – cobriram, nos dia 5 e 6 de março de 2013, a morte de Hugo Chávez ocorrida no dia 5. Ambos jornais são conhecidos por fazerem oposição ao chavismo venezuelano. Portanto, definir se os jornais são ou não neutros ou se são ou não de oposição não é o fim deste trabalho. A pesquisa visa entender a forma pela qual cada jornal se posiciona ao relatar o caso específico da morte de Chávez. O objetivo desta proposta é produzir uma investigação que contribua para aprofundar as discussões sobre o contexto histórico da Venezuela e a compreensão sobre como se posicionam dois jornais impressos, de diferentes países, quando observados em perspectiva. Deve-se destacar que os contextos desses dois países são completamente diferentes e, portanto, não se pretende que ambos os objetos ocupem os mesmos lugares em suas realidades. Nesse

sentido, um estudo comparativo não se concebe como a análise de dois estágios ou de dois recortes de uma mesma coisa. Para produzir este trabalho foi realizada uma pesquisa bibliográfica presente nos dois primeiros capítulos. O terceiro capítulo foi construído a partir da análise das matérias dos dois jornais publicadas em suas home pages nos dias 5 e 6 de março deste ano, no âmbito da cobertura do falecimento de Chávez. O primeiro capítulo é dedicado à contextualização histórica e apresentará um breve panorama histórico da Venezuela (em alguns momentos em relação ao Brasil) no século XX. O objetivo é apresentar os cenários políticos e sociais e o caminho que abriu espaço para os processos de democratização e de longa busca por estabilidade política. Nesse cenário, uma sucessão de governos militares e instabilidade política, a importância do petróleo economicamente, desde o início do século XX, e o estabelecimento do Pacto de Punto Fijo que fundou a “democracia pactada” no qual havia o revezamento no poder de apenas dois partidos principais são todos pontos fundamentais para que se possa desenhar o trajeto do país no século passado e para entender que muitos dos problemas que o atingem na atualidade são construídos historicamente, guardando laços de dependência com escolhas feitas no passado. O Caracazo, em 1989, desponta como ponto crítico do contexto nacional produzido desde o pacto, na década de 1950, mostrando a sua falência. Nesse sentido, a eleição de Hugo Chávez, no final dos anos 1990, marca o fim do Pacto de Punto Fijo e da supremacia bipartidária. A partir de Chávez, a eleição de outros governantes com perfil, grosso modo, semelhante, no que tange a política social, na América Latina e a aliança que eles passam a compor com o tempo, torna relevante discutir o lugar dessa nova América Latina e a construção de uma agenda política sobre ela nos estudos contemporâneos de comunicação e de política. O segundo capítulo descreve a chegada de Chávez ao poder e seu afastamento dos EUA e da mídia privada Venezuelana. São pontudos alguns eventos políticos considerados especiais, como a aprovação de uma nova constituição, a tentativa de golpe de 2002, a não- renovação da concessão da RCTV e a Lei Resorte, com o propósito de analisar as relações entre jornalismo e política na Venezuela. Neste capítulo também coube uma tentativa – no

2. A VENEZUELA E A AMÉRICA LATINA

A Venezuela foi um dos primeiros países da América do Sul a se tornar independente da dominação espanhola, em 1811.^1 Desde então, o país foi marcado por presidentes militares. No início do século XX, quando houve a descoberta e o início da exploração do petróleo, também se iniciou uma longa ditadura, em 1908. Após o golpe, que levou o general Juan Vicente Gómez ao poder, com o respaldo dos Estados Unidos, o novo presidente utilizou as companhias de petróleo para manter a estabilidade do seu governo por quase três décadas – a receita que tinha disponível cresceu rapidamente em resposta à acomodação de companhias com concessões baratas e, com esses recursos, Gómez pôde equipar o seu aparato repressivo e garantir uma burocracia estatal leal (KARL, 1987, p. 67). A partir daí o petróleo já seria a base fundamental da economia venezuelana com grande impacto na política. Depois de um período de instabilidade, no qual houve uma presidência interina, eleições diretas, eleições indiretas e o golpe de Rómulo Betancourt,^2 teve início outra ditadura, do general Marcos Pérez Jiménes, que durou uma década (1 948 - 1958). Quando Pérez Jiménes foi destituído foi selado o Pacto de Punto Fijo, que garantiu a Venezuela, no período subsequente, a estabilidade política (KARL, 1987) que outros países latino-americanos não tiveram no mesmo período. Firmado pelos três maiores partidos da Venezuela à época - Acción Democrática (AD), Partido Social Cristiano Copei (COPEI) e Unión Republicana Democrática (URD) – o pacto previa a “defesa da constitucionalidade e o direito a governar conforme o resultado eleitoral”, reforçando que qualquer “intervenção da Força contra as autoridades surgidas das votações [era um] delito contra a Pátria” (PACTO DE PUNTO FIJO, p. 239, tradução minha). O documento caracterizou a partir de então a Venezuela como uma “democracia pactada” e significou o estabelecimento de “regras” do jogo para a competição entre elites que, se por um lado possibilitaram um grau de estabilidade e previsibilidade que antes não havia – estabelecendo em um contexto de transição um ambiente favorável em direção à democratização, por outro lado, partir da negociação entre interesses dominantes de determinados grupos poderia institucionalizar um viés conservador na política nacional (^1) Independência proclamada em 1810 e formalizada, por documento, em 1811. (^2) Betancourt chegou ao poder a partir de um golpe que derrubou o presidente Isaías Medina Angarita, em 1945.

(KARL, 1987). O primeiro presidente eleito diretamente após a assinatura do pacto foi o político Rómulo Betancourt, o mesmo que havia chegado ao poder em 1945 após um golpe de estado. Outros dois signatários do Pacto, ambos advogados, foram presidentes do país em seguida.^3 A “democracia pactada” venezuelana possibilitou avanços, nos anos seguintes, com o controle crescente da indústria petrolífera e investimentos significativos no país (LANDER, 2007). Ainda em 1957, Celso Furtado se referia a ela como “a economia subdesenvolvida de mais alto nível de produto per capita” existente no mundo na época, com uma renda nacional “comparável à renda de países altamente desenvolvidos como a Alemanha Ocidental, e superior em mais do dobro à média da América Latina” (FURTADO, 2008, p. 35). Para Celso Furtado, a Venezuela se caracterizava por uma “realidade histórica sui generis ”, uma vez que, em geral, estuda-se o processo de acumulação para compreender o crescimento da renda e a diversificação do fluxo de bens finais. Na Venezuela nos confrontamos com uma situação quase diametralmente oposta: um fluxo de bens finais em rápida expansão e diversificação constitui o motor das transformações econômicas no nível da produção e da acumulação (FURTADO, 2008, p. 119). O petróleo foi o produto a partir do qual a Venezuela se inseriu no mercado global. A abundância de petrodollars^4 que resultou daí permitiu a contínua expansão da capacidade de importação do país, que, segundo Karl, experimentou a taxa mais rápida de urbanização da América Latina (p. 69). Em meados da década de 1980, o país chegou a ser considerado a ‘Suíça da América Latina”, posto já antes ocupado por Chile e Uruguai (KARL, 1987, p. 63). No entanto, se o petróleo trouxe tanta riqueza para a Venezuela, por outro lado, essa riqueza não impediu a estruturação de um contexto ambíguo no país, ao qual Celso Furtado intitulou “subdesenvolvimento com abundância de divisas” (FURTADO, 2008). Assim, apesar da abundância de recursos financeiros, a Venezuela teve, historicamente, um alto nível de concentração de renda e já possuía uma alta taxa de desemprego na década de

  1. Além disso, o petróleo acabou contribuindo para a estagnação da agricultura no país. Conforme Karl, “taxas de câmbio sobrevalorizadas induzidas pelo óleo destruíram a (^3) Raul Leoni, da Acción Democrática, entre 1964 e 1969, e Rafael Caldera, do COPEI, em dois mandatos: de 1969 a 1974 e de 1994 a 1999. (^4) O termo petrodollar foi cunhado por Ibrahim Oweiss, economista da Universidade de Georgetown, em 1973, ao se referir aos dólares pagos a países exportadores de petróleo pelo produto.

produtores mundiais de matérias-primas e gêneros tropicais” (PRADO JR., 1984, p. 210 ). A concentração da produção em poucos gêneros exportáveis, conforme Caio Prado Jr., teve como consequência um sistema frágil e vulnerável, que enfrentou crises quando houve o declínio das atividades ligadas ao café, à borracha e ao cacau, por exemplo. A política do Café com Leite garantiu durante as três primeiras décadas da primeira República a alternância das oligarquias agrárias de São Paulo e Minas Gerais na presidência, caracterizando um pacto entre as elites, tal qual aconteceria na Venezuela após Punto Fijo. Mas essa política teve fim com a Revolução de 1930 que instaurou o longo governo de Getúlio Vargas que adquiriu características ditatoriais, especialmente após 1937 com o início do Estado Novo. Com relação à industrialização, Brasil e Venezuela seguiram caminhos diferentes. O Brasil deu início ao processo de substituição de importações a partir dos anos 1930, quando se observou o fenômeno do rápido crescimento e da diversificação da indústria, marcando profunda mudança de um regime tradicionalmente agrário-exportador para um país que buscava o desenvolvimento industrial capaz de suprir o seu mercado interno pela substituição de importações (CORRÊA, 2008). Essa substituição, contudo, não deve ser entendida como um reflexo unicamente da conjuntura internacional atingida pelos efeitos da crise iniciada com a quebra da bolsa de Nova York, em 1929. O processo de substituição de importações é mais complexo do que isso, tendo como um regulador fundamental o crescimento urbano e industrial brasileiro, materializado, por exemplo, na disponibilidade de mão de obra capacitada a ser empregada na indústria. No entanto, esse modelo que tomou lugar a partir de 1930 foi caracterizado como de industrialização restringida (MELLO, 1982) por estar ainda baseado na necessidade de deslocar capital da atividade exportadora de gêneros primários para o setor industrial. Também a partir da Revolução de 1930, teve início um processo de transformação da sociedade brasileira que ficaria conhecido como populismo, posteriormente, nos anos 1950, quando houve as primeiras formulações desse conceito. O populismo brasileiro, cujo primeiro representante foi Getúlio Vargas, pode ser entendido como um estilo de governo e como uma política de massas e constituiu-se na expressão de um período de crise da oligarquia e do liberalismo que caracterizaram a Primeira República (WEFFORT, 1979). Para Weffort, falando sobre o aparecimento do que ficou conhecido como populismo, merece referência, em primeiro lugar, a decadência das oligarquias como fator de poder, embora essa derrota não

tenha significado uma alteração relevante do controle que esses grupos detinham sobre alguns setores básicos da economia brasileira. A oposição da Aliança Liberal, que desencadeou a revolução, foi expressão de alguns grupos urbanos de classe média e de alguns setores agrários que tinham posições divergentes quanto ao processo político oligárquico em curso. Nasceu, portanto, da cisão da minoria dominante e, nesse movimento, as classes médias foram uma importante força de pressão no sentido da derrubada das oligarquias. Imediatamente após a revolução, nenhum dos distintos grupos que participaram do movimento tinham “condições para oferecer as bases de legitimidade do novo Estado, pra apresentar seus próprios interesses particulares como expressão dos interesses gerais da Nação” (WEFFORT, 1979, p. 61). O autor prossegue o seu argumento ressaltando a heterogeneidade interna das classes sociais no país^5 – como em outro países da América Latina – e afirmando que algo que diferenciava a nova estrutura política da anterior era, portanto, o fato de não refletir os interesses de uma única classe como no regime oligárquico que vigorava até então, o que explica como nesse novo contexto o governante assume a posição de árbitro , o que está na gênese do fortalecimento de seu poder pessoal. Contudo, o aspecto mais importante analisado por Weffort (1979), também revisitado e reforçado por Gomes (2001) e Ferreira (2001), tem a ver com a nova relação entre o presidente e as classes populares e o papel dessas nesse movimento que culminou no que foi chamado de populismo. O populismo foi sem dúvida manipulação de massas mas a manipulação nunca foi absoluta. Se o fosse, estaríamos obrigados a aceitar a visão liberal elitista que, em última instância, vê no populismo uma espécie de aberração da história alimentada pela emocionalidade das massas e pela falta de princípio dos líderes (WEFFORT, 1979, p. 51). Nesse sentido, Getúlio Vargas investiu, de certa forma, em uma política de incorporação de massas populares inaugurada com a legislação trabalhista, em contraste com o período oligárquico da Primeira República em que era real a sua exclusão do processo político. Sua inserção, portanto, se dá “de cima para baixo” e de forma “tutelada”. No entanto, (^5) “É duvidoso que se possa, sem maior exame, aplicar às relações entre as classes no Brasil – como de resto em qualquer outro país dependente e periférico da América Latina – os esquemas interpretativos vindos da tradição européia do Século XIX” (Weffort, 1979, p. 65).

possuindo o controle de recursos de poder, ora pela indiferença quanto ao regime em vigor, pelas consequências da crise econômica ou das desigualdades intensificadas pelo regime autoritário anterior (O’DONNELL, 1988). A democracia pactada venezuelana, entre os anos 1980 e 1990, começou a dar sinais de esgotamento e de que já não era mais suficiente para suprir os anseios de outros setores da população. Esses sinais de esgotamento irromperam concomitantemente à adoção de medidas neoliberais na Venezuela, que “aprofundaram as desigualdades e a exclusão e acentuaram a perda de legitimidade do sistema político”, além de resultarem em privatizações e na deterioração da ação do estado em educação, saúde e segurança social (LANDER, 2007, p. 68 ).^7 Uma das expressões mais destacadas da crise que se forjou a partir da falta de legitimidade do sistema político foi o Caracazo, em 1989. Entre os dias 25 e 26 de fevereiro de 1989 houve um aumento de 100% no preço do petróleo, de acordo com o programa de ajustes macroeconômicos (conhecido como o “pacote neoliberal”) anunciado pelo governo Carlos Andrés Perez no dia 16 de fevereiro. A informação publicada na imprensa trazia à luz a decisão do Ministério dos Transportes de que o aumento nos transportes públicos seria de 30%. Contudo, conforme Maya ( 2003 ), no dia do aumento os preços cobrados excediam essa porcentagem, o que motivou o início de uma série de manifestações. A resposta aos protestos demorou para acontecer e veio na forma de uma pesada repressão que resultou em um número aproximado de 400 mortos, predominantemente pertencentes às classes mais pobres, o que demonstrou a incapacidade da instituições públicas de lidar com a situação (MAYA, 2003 ). O Caracazo foi uma das primeiras manifestações de uma crise que também atingiria, de forma semelhante, outros países da América Latina. Muitos desses países passaram pela intensificação, especialmente na década de 1990, da implementação de políticas neoliberais. Além da Venezuela, foram também os casos de Argentina, Brasil, Chile, México, Colômbia, Peru e Bolívia, países inseridos no plano do “Consenso de Washington”, como ficaram conhecidas posteriormente as formuladas em 1989 por economistas de Washington. Esse plano consistia na adoção de certas medidas como condição básica para a renegociação das dívidas externas dos países envolvidos, entre as quais a mudança de prioridades nos gastos (^7) Tradução minha.

públicos, a liberalização do comércio, a privatização de empresas estatais e as taxas de juros positivas (BANDEIRA, 2002). Pouco depois, na primeira década dos anos 2000, a ascensão de governos identificados com políticas mais à esquerda^8 e eleitos diretamente – a começar por Hugo Chávez, na Venezuela, no pleito de 1998 - foi verificada em vários países da América Latina. Alguns desses governos foram reeleitos principalmente pelas camadas populares para segundos mandatos consecutivos, como foram os casos de Lula (2002 e 2006), Cristina Kirchner ( e 2011), Hugo Chávez (1998, 2000 e 2006), Evo Morales (2005 e 2009) e Rafael Correa ( e 2009). Dois deles passaram ainda por referendos (Chávez em 2004 e Morales em 2008) motivados por tensões políticas e tiveram seus nomes confirmados por voto popular para a permanência na presidência até o fim do exercício de seus mandatos. Paralelamente a esse contexto, é possível identificar semelhanças no posicionamento político contemporâneo dos jornais da grande imprensa desses países. Com essa virada à esquerda que caracterizou parte dos governos da América Latina (CASTAÑEDA, 2006; SCHAMIS, 2006), a partir do final da década de 1990, tensões entre imprensa e governo têm sido especialmente ressaltadas com repercussão internacional não só como uma questão brasileira, mas da América Latina. Isso se deve, em grande parte, à necessidade de redefinição de papéis, consequente da emergência desses governos de esquerda que tem sido uma tendência nesse período. As organizações de imprensa nesses países são formadas por grupos das elites locais que tiveram, em geral, proximidade com o poder ao longo da história. Políticas que se aproximem ou que requeiram a justiça social de inspiração bolivariana, voltada para as classes populares e que têm provocado retorno por meio do voto geram, portanto, reações semelhantes desses veículos, que se chocam sintomaticamente (e historicamente) com políticas mais à esquerda, precisando renovar a sua capacidade de fazer oposição a governos agora democráticos. Nesse contexto, ressurge o conceito subdefinido de populismo, cunhado cinco décadas antes, que passa a ser empregado, em geral, de forma pouco crítica pela mídia para se referir a esses governos. A inconsistência teórica que caracteriza sua presente utilização, contribui para que se transforme em uma etiqueta homogênea, que serve para tachar a América Latina também como um bloco homogêneo. Tem (^8) Cabe ressaltar que a antiga classificação dicotômica entre direita e esquerda se tornou anacrônica e já não pode ser explicada como uma separação simples entre dois polos ideológicos claros e opostos.

Portanto, ainda será necessário no futuro, articular essas questões para que seja possível propor contribuições que possam delinear e problematizar a ideia de América Latina construída e reforçada pelos jornais em nível regional. O tema é relevante e se justifica pela carência de pesquisas consolidadas, tanto em âmbito nacional, quanto em âmbito regional, pela contribuição que oferece à compreensão da dinâmica política nacional e regional e pelo alto potencial de discussão e troca com a produção intelectual contemporânea, especificamente, no campo da comunicação. Se alguns dos maiores jornais de países latino-americanos tiveram distintos posicionamentos semelhantes em outros períodos da história, 9 nos anos mais recentes, tem sido uma característica presente em suas matérias o recorrente conflito com os chefes de governo. Isso pôde ser verificado na atuação de O Globo durante o governo Lula no Brasil, especialmente durante o seu segundo mandato, quando ora o presidente fazia críticas à atuação da imprensa,^10 ora o jornal fazia críticas à relação do presidente com a imprensa.^11 Situação semelhante tem ocorrido na Argentina entre o La Nación e a presidente Cristina Kirchner. Um exemplo desse atrito aconteceu em 2010 com os conflitos ocorridos em torno da empresa Papel Prensa, única fabricante de papel de jornal no país, em que, além do governo argentino, os grupos de oposição Clarín e La Nación são acionistas. Cristina acusou os dois grupos de tentarem impor o monopólio ao dificultarem a venda de papel a jornais concorrentes e os acusou de terem comprado parte da empresa em 1976 numa transação forçada e a preço injusto, já que a ditadura perseguiu e prendeu o antigo dono da Papel Prensa e sua esposa. La Nación e Clarín, por outro lado, acusaram a presidente de tentar investir contra a liberdade de expressão na Argentina. O periódico venezuelano El Nacional, por sua vez, deixou explícito em suas matérias sua oposição ao governo Chávez. Um exemplo disso pode ser encontrado (^9) Alguns desses grandes jornais são apontadas como suportes à eclosão de governos ditatoriais, como é o caso de O Globo, que estimulou o golpe militar de 1964, e do periódico chileno El Mercúrio, que foi um defensor do golpe contra Salvador Allende em 1973. Posteriormente, seria apontado o posicionamento do jornal El Nacional no contexto da tentativa de golpe contra o presidente Hugo Chávez em 2002. (^10) “Não vamos derrotar apenas nossos adversários tucanos. Vamos derrotar alguns jornais e revistas, que se comportam como se fossem um partido político e não tem coragem de dizer que são um partido político, que têm candidato e não têm coragem de dizer que têm candidato, que não são democratas e pensam que são democratas.” Palavras do então presidente Lula, em comício em Campinas (SP) no dia 18 de setembro de 2010. Reproduzido em O Globo, 19 de setembro de 2010, p.4. (^11) “Os ataques do presidente Lula à imprensa levaram cerca de mil pessoas, como o jurista Hélio Bicudo e o arcebispo emérito de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, a assinar manifesto em defesa da democracia” (O Globo, 23 de setembro de 2010, p.1.) e “Manifesto critica ‘autoritarismo’ de Lula.” (O Globo, 23 de setembro de 2010, p.12.)

durante a tentativa de golpe de 2002, quando estampou em suas capas palavras de ordem antigovernista, conclamando seus leitores a participarem do golpe. No dia 10 de abril daquele ano, um editorial não-assinado chamava os leitores a tomarem as ruas 12 e, no dia seguinte, estampava em sua manchete: “A batalha final será no Miraflores”.^13 Contudo, mais importante do que definir se um jornal é anti ou pró-governo – isso é o que, em geral, já se sabe – , pressupondo que ele deveria posicionar-se de uma determinada maneira, é compreender como diferentes veículos de alguma forma conectados atuam em direção à constituição de uma agenda comum sobre a política na América Latina. Essa agenda aponta para algumas questões que se referem, de forma comum, às relações entre a mídia (e a imprensa, em particular) e os chefes do Executivo. Assim, uma dessas questões é que esses veículos julgam que os novos governos que tendem à esquerda são igualmente autoritários e, por isso, têm o plano de investir sistematicamente contra a liberdade de imprensa. Além disso, nota-se um esforço de construir esse problema como uma questão comum aos diferentes países, considerando-se que aconteça em cada um da mesma forma. Em segundo lugar, e em decorrência da primeira questão, esses jornais pressupõem que liberdade de expressão e liberdade de imprensa sejam rigorosamente a mesma coisa, enquanto, da mesma forma, regulação e censura seriam conceitos equivalentes. Dessa tensão entre imprensa e presidentes, emerge outra pressuposição que, embora também não declarada, pode ser notada em geral. Trata-se de um discurso que reforça que ser independente significa, necessariamente, ser de oposição, apropriando-se de um discurso de “neutralidade” que se define por ser neutro em relação ao Executivo , especificamente. Entender como a imprensa caracteriza de maneira homogênea os governos da América Latina demanda olhar contemporaneamente as definições empregadas nos termos de um senso comum - como populismo, autoritarismo, hiperpresidencialismo, censura - e significa, em maior escala, muito além de concordar ou discordar dessa caracterização, analisar as disputas atuais em torno do conceito de democracia e do papel da imprensa nesse contexto. A ausência de estudos comparativos consistentes que abordem essa área do continente ainda é clara. A partir da primeira década do século XXI, estudos comparativos no campo da comunicação têm emergido com maior frequência e com visibilidade internacional. Até então, (^12) “A tomar las calles”, El Nacional, 10/04/2002. (^13) “La batalla final será en Miraflores”, El Nacional, 11/04/2002. Tradução minha.