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Este documento discute a ideia de horizontalização de direitos fundamentais, que permite a vinculação de particulares na proteção desses direitos, além do estado. Ao explorar a relação entre direitos humanos e direitos fundamentais, o texto propõe a possibilidade de horizontalização dos próprios direitos humanos, o que pode contribuir para a consagração dos valores do estado democrático de direito. O documento também aborda a importância da co-originariedade entre direitos humanos e soberania popular, proposta por jürgen habermas.
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Tipologia: Provas
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Renato de Abreu Barcelos^1 Marinella Machado Araújo^2
Resumo : historicamente, a observância dos direitos humanos sempre esteve atrelada ao Estado. Nesse sentido, os direitos humanos seriam garantias que os indivíduos poderiam exigir do Estado. Já os direitos fundamentais são considerados direitos humanos positivados numa dada comunidade estatal. Considerando-se a atual discussão, firmada no Direito Constitucional, sobre a possibilidade de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais
Palavras-chave : direitos humanos; direitos fundamentais; proteção; particulares.
Abstract : historically, the observance of human rights has always been tied to the State. In this sense, human rights would assurances that individuals could require of the State. Since fundamental rights are considered human rights positivized in a given community. Considering the current discussion, grounded in Constitutional Law, about the possibility of linking the fundamental rights to the individuals - the so-called horizontalization of fundamental rights -, the present study aims to examine the possibility of horizontalization also human rights, in the sense that they connect it not only the State (at level national or international), but also the individuals in relation to each other.
Keywords: human rights; fundamental rights; protection; individuals.
(^1) Bacharel em Direito pela Universidade de Itaúna. Especialista em Direito Público pela PUC Minas. Mestrando em Direito pela PUC Minas. Pesquisador adjunto no Núcleo Jurídico de Políticas Públicas (NUJUP) da PUC Minas 2 Graduada em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Administrativo pela UFMG. Doutora em Direito pela UFMG. Professora nos curso de graduação e pós-graduação stricto sensu da PUC Minas. Coordenadora geral do NUJUP.
Sumário : 1 Introdução; 2 Uma incursão impostergável: a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais; 3 Direitos humanos: algumas anotações; 4 Horizontalizando os direitos humanos; 5 Considerações finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO
Poucas expressões, como direitos humanos^3 , têm vocação para acepções tão carregadas de dúvidas, de dissenso e de críticas. Não obstante, os direitos humanos sempre estiveram presentes em nosso vocabulário, desde a Antiguidade até a nossa contemporaneidade. Presença, pois, que se faz sentir apesar de toda a nebulosidade que orbita sobre o termo. Fato é que os direitos humanos sempre estiveram, de alguma forma, atrelados ao Estado de Direito: ( i ) ora como garantia de proteção de indivíduos contra arbitrariedades estatais (direitos humanos de primeira dimensão^4 ); ( ii ) ora exigindo dever prestacional do Estado para o bem-estar de indivíduos (direitos humanos de segunda dimensão); ( iii ) ora fundamentando a aplicação do princípio da solidariedade (direitos humanos de terceira dimensão). Assim, historicamente, a garantia dos direitos humanos evidencia-se como um dever do Estado. Contudo, este texto não trata, em seu núcleo precípuo, das várias acepções possíveis de direitos humanos, nem de uma análise histórica de seu desenvolvimento, mas sim de uma questão – particularmente travada no +âmbito do Direito Constitucional – capaz de fornecer outras potencialidades para os direitos humanos: trata-se da chamada horizontalização dos direitos fundamentais, que designa a vinculação dos particulares (e não só do Estado) também à proteção dos direitos fundamentais. Isso posto, surge um insight : dado que os direitos fundamentais constituem direitos humanos tornados fundamentais (positivados) para uma dada comunidade jus-política, será que os direitos humanos também poderiam ser oponíveis, igualmente, a particulares? Em outras palavras: a horizontalização dos direitos fundamentais pode levar também à horizontalização dos direitos humanos? Uma pretensa horizontalização dos direitos
(^3) Registre-se, desde já, o significado esposado de direitos fundamentais: estes são, na verdade, autênticos direitos humanos que foram positivados em uma determinada ordem constitucional. Os confins entre as duas terminologias – direitos humanos e direitos fundamentais – não são, portanto, indissociáveis. Além disso, deve- se consignar que a expressão “direitos humanos” é aqui empregada em sentido genérico e abstrato, de modo a abarcar os contextos nacionais e internacional. 4 “Alguns autores, visando justamente destacar o caráter contínuo dos direitos humanos, adotam a terminologia ‘dimensões’, no lugar de ‘gerações’” (BASTOS, 2011, p. 193).
compreensível em razão dos traumas advindos do absolutismo monárquico^6. Desse modo, os direitos fundamentais ostentavam um sujeito passivo perspícuo: o Estado. A intensidade da relação Estado-particular seria mediada pelos próprios direitos fundamentais, apresentando-se estes na sua eficácia vertical. Todavia, a história reservou uma surpresa que não poderia ser vislumbrada durante a consolidação da Modernidade: o poder – seja econômico, militar, ideológico ou político – livrou-se das amarras estatais, diluindo-se por toda a planície social^7. O Estado não mais detém exclusivamente o poder, compartilhando-o, então, também com os particulares^8. E quem tem poder encontra-se inequivocamente apto a violar direitos fundamentais. Destarte, chega-se a uma ilação que não é lícito menoscabar: direitos fundamentais também podem ser violados por particulares. As relações inter-privadas, marcadas pelas tratativas de agentes privados, descortinam-se como um lócus de possível transgressão de direitos fundamentais levada a cabo por um particular. A eficácia dos direitos fundamentais não fica mais encartada, exclusivamente, na verticalizada relação Estado-particular; ela se horizontaliza, de modo a abranger igualmente a relação particular-particular. Os particulares estão, outrossim, vinculados aos direitos fundamentais^9. Os agentes privados também têm o dever de garantir a efetividade dos direitos fundamentais. Nessa medida, emerge a seguinte indagação: qual a intensidade da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais? Aqui não existe uma única resposta; na verdade, encontram-se distintos parâmetros teóricos capazes de fornecer as coordenadas necessárias
(^6) “Seu aparecimento, marcado, inicialmente, pelo absolutismo e intervencionismo, abriu, por consequência, espaço para demandas de proteção de uma esfera de autonomia privada, apta ao desenvolvimento das potencialidades individuais ou de sua personalidade, sem interferências externas, notadamente do próprio Estado, que haveria, de ser mínimo e neutro” (SAMPAIO, 2010, p. 133). Interessante é a observação de Habermas: “Com a ampliação e liberação dessa esfera do mercado, os donos de mercadorias ganham autonomia privada: o sentido positivo de ‘privado’ constitui-se sobretudo à base da concepção de dispor livremente [ou seja, livres das ingerências estatais] da propriedade que funcione capitalisticamente” (HABERMAS, 1984, p. 94). 7 “Os desdobramentos originados pelas crises sociais e econômicas do século XX, contudo, tornaram evidente que não se poderia mais relegar o Estado ao simples papel de vilão dos direitos individuais. Percebeu-se que aos Poderes Públicos se destinava a tarefa de preservar a sociedade civil dos perigos de deterioração que ela própria fermentava” (BRANCO; COELHO; MENDES, 2008, p. 275). 8 Tal assertiva ganha relevo palpável ao se lembrar das mega-corporações financeiras internacionais que, frequentemente, têm mais poder que os próprios Estados soberanos. Veja-se: “Da mesma forma que essas forças podem prejudicar o sistema político, em razão da alta concentração de poder, o mesmo ocorre no âmbito jurídico, essas corporações, ainda que privadas, alcançam uma posição de dominação, sobretudo por meio de concentração financeira, que lhes confere tal poder de decisão nas suas relações com os indivíduos que qualquer relação jurídica entre ambos, a despeito de se fundar aparentemente na autonomia da vontade, é, na verdade, uma relação de dominação, que ameaça, tanto quanto a atividade estatal, os direitos fundamentais dos particulares” (SILVA, 2008, p. 52-53). 9 Impende registrar que não são todos os direitos fundamentais que podem ser horizontalizados. Uma cartela de direitos fundamentais pode ser exclusivamente destinada ao Estado (como, por exemplo, os direitos fundamentais atinentes à nacionalidade), enquanto que outra pode ser exclusivamente destinada aos próprios particulares (como, por exemplo, os direitos fundamentais de estirpe social, como os trabalhistas).
para a intermediação entre particulares e direitos fundamentais, quais sejam, ( i ) a teoria da eficácia imediata ou direta; ( ii ) a teoria da eficácia mediata ou indireta; ( iii ) a teoria dos deveres de proteção; ( iv ) a state action doctrine ; ( v ) a teoria da convergência estatista; e ( vi ) a teoria dos três níveis. Veja-se^10. A teoria da eficácia direta ou imediata , surgida na década de 1950 por obra de Hans Carl Nipperdey, estabelece que os direitos fundamentais aplicam-se nas relações firmadas entre particulares independentemente de alguma intermediação legislativa: os direitos fundamentais poderiam ser sacados, a qualquer momento, por um particular contra comportamentos lesivos promovidos por outro particular^11. A teoria da eficácia imediata ou direta lastreia-se indubitavelmente na concepção segundo a qual os direitos fundamentais refletem uma ordem objetiva de valores^12. Direitos fundamentais, ademais de serem pretensões subjetivamente exigíveis no plano jurisdicional, assumem uma faceta axiológica objetiva, no sentido de que representam bens socialmente desejados; eles não podem ficar confinados ao plano subjetivo, devendo-se irradiarem-se^13 por todo o ordenamento jurídico. Não obstante, a teoria ora analisada é criticada ( i ) por promover uma asfixia da autonomia privada, através da colonização desta pela autonomia pública e ( ii ) por banalizar os direitos fundamentais, na medida em que sua maciça utilização levaria, inexoravelmente, à sua vulgarização. Já a teoria da eficácia indireta ou mediata , defendida originariamente por Günther Düring, sustenta a inaplicabilidade direta dos direitos fundamentais nas relações inter- privadas: os direitos fundamentais irromperiam no tráfico jurídico-privado legislativamente^14 ,
(^10) Por ser mais consentânea aos propósitos deste estudo, será apresentada somente uma visão panorâmica das teorias sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Para um aprofundamento desta temática, conferir os trabalhos de Daniel Sarmento (2006), Virgílio Afonso da Silva (2008) e Wilson Steinmetz (2004). 11 “Como conseqüência desta concepção, os direitos fundamentais não carecem de qualquer transformação para serem aplicados no âmbito das relações jurídico-privadas, assumindo diretamente o significado de vedações de ingerência no tráfico jurídico-privado e a função de direitos de defesa oponíveis a outros particulares, acarretando uma proibição de qualquer limitação aos direitos fundamentais contratualmente avençada, ou mesmo gerando direito subjetivo à indenização no caso de uma ofensa oriunda de particulares” (SARLET, 2000, p. 67- 68). 12 Como cediço, a associação entre norma e valor é bastante problemática: “[...] quando os direitos humanos são constitucionalmente assegurados, segundo um procedimento democrático deliberativo, tornam-se normas legítimas de caráter obrigatório e não podem ser vistos, como desejam os comunitários, enquanto valores que, ao contrário das normas, estabelecem relações de preferência” (CITTADINO, 2000, p. 176). 13 “Com esse efeito, à medida que os direitos fundamentais exprimem os valores nucleares de uma ordem jurídica democrática, seus efeitos não podem se resumir à limitação jurídica do poder estatal. Os valores que tais direitos encarnam devem se irradiar por todos os campos do ordenamento jurídico, impulsionando e orientando a atuação do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Os direitos fundamentais, mesmo aqueles de matriz liberal, deixam de ser apenas limites para o Estado, convertendo-se em norte da sua atuação” (SARMENTO, 2003, p. 254, grifos do autor). 14 “O principal elo de ligação entre os direitos fundamentais como sistema de valores e o direito privado, segundo o modelo de efeitos indiretos, são as chamadas cláusulas gerais. Essas são cláusulas que requerem um
ademais, tal concepção alçaria o Estado à condição de segurador universal^19 de direitos fundamentais lesionados por particulares. Tais pontos, assim, impediram decantada teoria de prosperar. A state action doctrine , de estirpe estadunidense, propugna que os direitos fundamentais somente podem ser violados pelo Estado. Não se pode olvidar a inquebrantável tradição liberal dos Estados Unidos, cabalmente embriagada^20 pelo esplendor de uma autonomia privada imunizada de injunções estatais. Assim, os particulares, nas relações travadas entre si, não teriam aptidão para violar direitos fundamentais, vez que estes somente seriam oponíveis numa relação Estado-particular. O rigorismo da state action doctrine vem, contudo, sendo temperado pela public function theory , pela qual os direitos fundamentais seriam aplicáveis nas relações entre agentes privados quando a atividade de um destes agentes pudesse ser equiparada à função estatal^21. Finalmente, tem-se a teoria dos três níveis , defendida por Robert Alexy. Segundo essa teoria, os parâmetros teóricos acima bosquejados não são auto-excludentes, mas sim mutuamente complementares^22. Nesse sentido, Alexy (2008, p. 533-541) propõe que a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais se dê em três níveis: o primeiro nível seria reservado à teoria da eficácia indireta; o segundo nível estaria ligado à teoria dos deveres de proteção; por fim, o terceiro e último nível ficaria para a teoria da eficácia direta. Traduzindo-se: primeiramente, o legislador deveria conformar a legislação infraconstitucional civil aos direitos fundamentais; se assim não procedesse, estaria desconsiderando o dever de proteção; o que permitiria ao Judiciário a aplicação direta dos direitos fundamentais, aplicação esta guiada pela ponderação. Apesar da engenhosidade teórica, a concepção de Alexy termina por desaguar na teoria da eficácia direta ou imediata.
(^19) “Por conseguinte, a posição de Schwabe pode ser levada a situações extremas. Desse modo, se alguém morre de overdose, se um homicídio é praticado, se alguém atropela um terceiro, se alguém escorrega no piso da casa do vizinho e se machuca, em tese o Estado poderia ser responsabilizado. Essa posição pode levar à conclusão de que não haja responsabilidade imputável ao particular (uma irresponsabilidade absoluta dos particulares) ou a certeza de que essa responsabilidade será sempre compartilhada pelo Estado” (CRUZ, 2007, p. 347). 20 “[...] nos Estados Unidos continua prevalecendo a tese liberal de que os direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos apenas vinculam o Estado e são invocáveis tão-somente em face de uma ação estatal ( state action ) presumidamente ilícita, de tal sorte que as condutas eminentemente privadas encontram-se imunes a este tipo de controle e não são aferidas em face da Constituição” (SARLET, 2000, p. 78-79). 21 Pode uma cidade administrada por um particular ( private town ) impedir uma missionária de pregar no centro dessa mesma cidade? A Suprema Corte norte-americana disse que não, pois uma cidade privada equivaleria a uma cidade administrada pelo poder público, donde a possibilidade do livre exercício da liberdade religiosa. 22 “Até agora a polêmica sobre os efeitos perante terceiros foi em geral travada como se uma das três construções tivesse que ser correta. Essa hipótese é falsa. É possível afirmar que cada uma das três construções destaca alguns aspectos das complexas relações jurídicas que são características dos casos de efeitos perante terceiros, e que se torna inadequada apenas quando se pretende que o aspecto destacado seja tomado como a solução completa. Somente um modelo que abarque todos os aspectos pode oferecer uma solução completa é, nesse sentido, adequada” (ALEXY, 2008, p. 533).
A análise, ainda que panorâmica, da problemática atinente à vinculação dos particulares aos direitos fundamentais não implicará pela opção^23 por uma teoria em detrimento de outra – esta não é a ocasião adequada para tanto. A investigação da horizontalização dos direitos fundamentais afigura-se, na verdade, como uma etapa necessária para os objetivos deste estudo: propor que os direitos humanos não podem ser confinados à relação Estado-particular.
3 DIREITOS HUMANOS: ALGUMAS ANOTAÇÕES
O objetivo deste compartimento é esboçar algumas pontualidades atinentes aos direitos humanos; evidentemente, não se fará uma análise aprofundada da temática, por fugir aos propósitos deste estudo. De início, deve-se registrar que os direitos humanos sempre estiveram presentes em nosso vocabulário histórico^24 : desde a Antiguidade, através do Código de Hamurabi, que previa direitos para viúvas e órfãos, até a Idade Média, bastante influenciada pelo Cristianismo, vislumbravam-se indícios difusos de direitos humanos. Todavia, os direitos do homem somente lograram um perfil mais definido, e menos difuso, com as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, a saber, as revoluções americana, francesa e inglesa. Da revolução inglesa, tem-se o Bill of Rights^25 de 1689; da revolução americana, tem-se^26 a Declaração de Direitos de Virgínia, a Declaração de
(^23) O Supremo Tribunal Federal, no caso da União Brasileira de Compositores (UBC) – o leading case nessa temática – optou pela teoria da eficácia direta ou imediata. Assim, a aplicação da cláusula constitucional do devido processo legal também pode ocorrer nas relações inter-privadas, e não somente na relação Estado- particular. Conferir o Recurso Extraordinário 201819/RJ (BRASIL, 2006). 24 Para uma análise da evolução histórica dos direitos humanos, conferir os trabalhos de Fábio Konder Comparato (2010), Celso Lafer (1988), Norberto Bobbio (2004), Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2011), Alexandre de Moraes (2005) e Ricardo Castilho (2010). 25 “Promulgado exatamente um século antes da Revolução Francesa, o Bill of Rights pôs fim, pela primeira vez, desde seu surgimento na Europa renascentista, ao regime de monarquia absoluta, no qual todo o poder emana do rei e em seu nome é exercido. A partir de 1689, na Inglaterra, os poderes de legislar e criar tributos já não são prerrogativas do monarca, mas entram na esfera de competência reservada do Parlamento. Por isso mesmo, as eleições e o exercício das funções parlamentares são cercados de garantias especiais, de modo a preservar a liberdade desse órgão político diante do chefe de Estado” (COMPARATO, 2010, p. 105). 26 “Posteriormente, e com idêntica importância na evolução dos direitos humanos encontramos a participação da Revolução dos Estados Unidos da América, onde podemos citar os históricos documentos: Declaração de Direitos de Virgínia, de 16-6-1776; Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, 4-7-1776; Constituição dos Estados Unidos da América, de 17-9-1787. Na Declaração de Direitos de Virgínia, a Seção I já proclama o direito à vida , à liberdade e à propriedade. [...]. A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, documento de inigualável valor histórico e produzido basicamente por Thomas Jefferson, teve como tônica preponderante a limitação do poder estatal [...]. Igualmente, a Constituição dos Estados Unidos da América e suas dez primeiras emendas, aprovadas em 25-9-1789 e ratificadas em 15-12-1791, pretenderam limitar o poder estatal estabelecendo a separação dos poderes estatais e diversos direitos humanos fundamentais: liberdade religiosa ; inviolabilidade de domicílio ; devido processo legal ; julgamento pelo Tribunal do Júri ;
Aliás, a própria definição de direitos humanos flutuará conforme a teoria alocada para justificá-los^30. Dentre as teorias de justificação mais recorrentemente mencionadas encontram-se a teoria jusnaturalista, a teoria positivista e a teoria moralista. Veja-se:
A teoria jusnaturalista fundamenta os direitos humanos em uma ordem superior universal, imutável e inderrogável. Por essa teoria, os direitos humanos fundamentais não são criação dos legisladores, tribunais ou juristas e, conseqüentemente, não podem desaparecer da consciência dos homens. [...]. A teoria positivista , diferentemente, fundamenta a existência dos direitos humanos na ordem normativa, enquanto legítima manifestação da soberania popular. Desta forma, somente seria direitos humanos fundamentais aqueles expressamente previstos no ordenamento jurídico positivado. [...]. Por sua vez, a teoria moralista ou de Perelman encontra a fundamentação dos direitos humanos fundamentais na própria experiência e consciência moral de um determinado povo, que acaba por configurar o denominado espiritus razonables (MORAES, 2005, p. 16-17, grifos do autor).
De qualquer modo, constata-se que os direitos humanos são um produto tipicamente histórico^31 , o que reverbera na própria noção de dimensões de direitos humanos. Assim, tem- se a primeira^32 dimensão dos direitos humanos, consistente em direitos políticos e direitos civis. Os primeiros ligam-se ao espaço de imunidade individual às ingerências estatais – liberdade; os segundos garantem a participação do indivíduo na formação da vontade política coletiva – o auto-entendimento mútuo. Já a segunda^33 dimensão dos direitos humanos atrela- se aos direitos econômicos, sociais e culturais, estabelecidos com o propósito de assegurar uma condição de bem-estar àqueles que estavam marginalizados dos bens necessários à constituição de uma vida digna. Em seguida, emergem os direitos de terceira dimensão^34 ,
(^30) Para um exame completo de várias teorias de justificação dos direitos humanos, conferir o estudo de José Adércio Leite Sampaio (2010). Lúcida é a assertiva de Bobbio: “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político” (BOBBIO, 2004, p. 43). 31 “[...] os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc.” (BOBBIO, 2004, p. 38). 32 “Com efeito, num primeiro momento, a interação entre governantes e governados que antecede a Revolução Americana e a Revolução Francesa, os direitos do homem surgem e se afirmam como direitos do indivíduo face ao poder do soberano do Estado absolutista. Representavam, na doutrina liberal, através do reconhecimento da liberdade religiosa e de opinião dos indivíduos, a emancipação do poder político das tradicionais peias do poder religioso e através da liberdade de iniciativa econômica e emancipação do poder econômico dos indivíduos do jugo e do arbítrio do poder político” (LAFER, 1988, p. 126). 33 “Visando reparar as ‘eventuais’ falhas do mercado, corrigir seus ‘excessos’, reduzir os chamados custos de transação, organizando e protegendo a sociedade, a ideia principal a ser propalada pelos defensores deste chamado capitalismo social ou organizado e da nova plêiade de direitos humanos por ele congregada, é a de que a regência do conjunto da vida social não poderá ser feita exclusivamente pelo mercado, devendo o Estado ‘humanizar os rigores do primeiro capitalismo’, através, inclusive, de uma revisão ética do conceito de racionalidade econômica” (BASTOS, 2011, p. 187-188). 34 Segundo José Adércio Leite Sampaio (2010, p. 274) estes direitos são globais, de toda a humanidade, desconhecendo, portanto, limitações de fronteira.
obsequiosos à figura da fraternidade, tendo, portanto, uma matriz transindividual, como o direito à paz, ao meio ambiente equilibrado, o direito de autodeterminação dos povos, etc. Alguns sustentam, inclusive, a existência de direitos de quarta^35 e quinta dimensão^36 ... Apesar de todo o viés simbólico-positivo dos direitos humanos, direitos que cabem a qualquer homem enquanto homem, o discurso dos direitos humanos vem sofrendo cada vez mais críticas desferidas de todas as direções. O discurso dos direitos humanos estaria encapsulado com outras pretensões. Assim é que: ( i ) os direitos humanos seriam instrumentos para a proteção de bandidos, seriam guardiões da delinquência; ( ii ) os direitos humanos seriam irracionais, por não estarem vinculados a uma produção histórica do direito de um determinado povo; ( iii ) a natureza contratualista dos direitos humanos seria falaciosa, pois inexistem direitos pré-estatais; ( iv ) os direitos humanos estimulariam a subversão da ordem e da autoridade (real ou religiosa); ( v ) os direitos humanos são demasiado abstratos: homens são de carne e osso, e não seres metafísicos; ( vi ) os direitos humanos proporcionariam e reforçariam a dominação da classe burguesa sobre a classe proletária; os direitos humanos seriam um discurso que manteria o status quo , sendo parte da superestrutura da ideologia do capital; ( vii ) os direitos humanos estariam a serviço do imperialismo, principalmente do Ocidente sobre o Oriente (SAMPAIO, 2010, p. 35-52). Apesar dessas críticas, não se pode negar que os direitos humanos encontram-se incrustados nos discursos em geral^37 , principalmente o jurídico. Nesse momento, é importante tecer algumas considerações sobre a relação dos direitos humanos com os direitos fundamentais^38. Nesse sentido, os direitos humanos se relacionariam com os direitos fundamentais na medida em que estes seriam a positivação dos primeiros. Os direitos fundamentais seriam precisamente os direitos humanos considerados fundamentais por uma determinada comunidade jus-política. Direitos fundamentais seriam direitos humanos fundamentalizados^39.
(^35) “São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta para o futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência” (BONAVIDES, 2004, p. 571). 36 Sinteticamente, tais direitos representam barreiras frente ao desenvolvimento desenfreado de novas tecnologias, como a manipulação genética (SAMPAIO, 2010, p. 283). 37 Os direitos humanos não são apenas preocupações do direito, mas também da filosofia, da sociologia, da política e mesmo das ciências biológicas. 38 Conforme sublinha Mário Lúcio Quintão Soares (2000, p. 24-29), dentro do universo jurídico, os direitos humanos dialogam não somente com os direitos fundamentais, mas também com os direitos naturais, com os direitos dos cidadãos, com os direitos subjetivos, com os direitos públicos subjetivos, com os direitos individuais, e com as liberdades fundamentais. 39 Do mesmo modo: “Neste sentido, posicionou-se a doutrina dominante, compreendendo os direitos fundamentais como direitos humanos positivados nas constituições estatais” (SOARES, 2000, p. 28); “A distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais consiste em que o primeiro é anterior ao segundo, isto é,
Dentro desta visão, a proteção dos direitos humanos alarga-se por três agendas: ( i ) os direitos humanos devem ser protegidos contra as violações perpetradas pelos Estados em âmbito nacional; ( ii ) os direitos humanos devem ser protegidos contra as violações perpetradas pelos Estados em âmbito internacional; e ( iii ) os direitos humanos devem ser protegidos contras as violações perpetradas pelos particulares, seja em âmbito nacional ou internacional. Por conseguinte, os direitos humanos não são assunto somente dos Estados, mas também dos particulares. Com o fito de sustentar essa posição, vale-se sinteticamente de dois fundamentos: ( i ) consoante já afirmado, o poder (político, ideológico, econômico e até mesmo militar) não mais se concentra exclusivamente nas mãos estatais; ele migrou também para paragens privadas, e quem tem poder encontra-se potencialmente capaz de violar os direitos humanos; ( ii ) os direitos humanos e a soberania popular não se encontram em pontos opostos entremeados por um abismo abissal: entre eles é possível criar uma ponte de modo a surgir uma equiprimordialidade, conforme sustentou Habermas. É esse segundo fundamento para a horizontalização dos direitos humanos que será tratado doravante. Habermas concebe uma espécie de democracia, denominada crítico-deliberativa, segundo a qual a legitimidade do direito apoia-se em arranjos procedimentais^44 , norteados pelo princípio do discurso, de modo a permitir que os cidadãos afiguram-se concomitantemente como destinatários e autores do direito. A perspectiva, destarte, é cabalmente distinta daquela apresentada pelas duas grandes e antagônicas tradições do pensamento filosófico: o comunitarismo e o liberalismo. O comunitarismo enfoca a autonomia pública, o auto-entendimento mútuo, a liberdade dos antigos, a soberania popular: a perspectiva é dos “autores”. Aristóteles e Rousseau são as grandes inspirações do comunitarismo. Já o liberalismo enfoca a autonomia
ainda que não jurídicos, de modo que poderá haver verticalidade na relação entre particulares [...]. E mesmo que não haja a verticalidade, os direitos fundamentais poderão ser aplicados nas relações entre particulares para proteger a dignidade da pessoa humana ou o núcleo essencial de um Direito” (BASTOS, 2011, p. 197-198). 43 Veja-se que a chamada “concepção contemporânea dos direitos humanos”, segundo a qual os direitos humanos se internacionalizaram, ainda concebe o Estado como o grande vilão dos direitos humanos: “Apresentado o Estado como o grande violador dos direitos humanos, a era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana, que resultou no envio de 18 milhões de pessoas a campos de concentração, com morte de 11 milhões, sendo 6 milhões de judeus, além de comunistas, homossexuais, ciganos, etc.” (PIOVESAN, 2005, p. 42-43). Será que, mesmo na ordem internacional, a violação dos direitos humanos só se dá através do Estado? Evidente que não. 44 “A expectativa de legitimidade – segundo a qual merecem reconhecimento apenas as normas ‘igualmente boas para todos’ – só pode ser doravante satisfeita com auxílio de um processo que, nas condições da inclusão de todas as pessoas potencialmente envolvidas, garanta imparcialidade no sentido da consideração igual de todos os interesses afetados” (HABERMAS, 2004, p. 298).
privada, a autorrealização pessoal, a liberdade dos modernos, os direitos humanos: a perspectiva é dos “destinatários”. Locke e Kant são as grandes inspirações do liberalismo.
Os liberais evocam o perigo de uma ‘tirania da maioria’, postulam o primado dos direitos humanos que garantem as liberdades pré-políticas do indivíduo que garantem as liberdades pré-políticas do indivíduo e colocam barreiras à vontade soberana do legislador político. Ao passo que os representantes de um humanismo republicano dão destaque ao valor próprio, não-instrumentalizável, da auto- organização dos cidadãos, de tal modo que, aos olhos de uma comunidade naturalmente política, os direitos humanos só se tornam obrigatórios enquanto elementos de sua própria tradição, assumida conscientemente. Na visão liberal, os direitos humanos impõem-se ao saber moral como algo dado, ancorado num estado natural fictício; ao passo que na interpretação republicana a vontade ético-política de uma coletividade que está se autorrealizando não pode reconhecer nada que não corresponda ao próprio projeto de vida autêntico (HABERMAS, 2010, p. 134).
Habermas rejeita essa relação de concorrência, caracterizada pelas respectivas primazias (comunitarismo – soberania popular; liberalismo – direitos humanos), dando especial destaque às interações complementares entre ética (comunitarismo) e moral (liberalismo), daí nascendo a intersubjetividade^45. Assim, direitos humanos não podem desconsiderar a auto-compreensão ético-volitivo de uma determinada comunidade, bem como a soberania popular não pode desconsiderar a moral cognitiva inerente ao ser humano. Isso porque não pode haver direitos humanos sem soberania popular, nem soberania popular sem direitos humanos^46 ; não pode haver autonomia pública sem autonomia privada, nem autonomia privada sem autonomia pública^47. Esfera pública e esfera privada entrelaçam-se mutuamente com propósito reciprocamente acautelador 48.
(^45) “A emancipação é um tipo especial de auto-experiência porque nela os processos de auto-entendimento se entrecruzam com um ganho de autonomia. Nela se ligam idéias ‘éticas’ e ‘morais’. Se for verdade que nas questões ‘éticas’ nós procuramos obter clareza sobre quem nós somos e quem nós gostaríamos de ser, e que nas questões ‘morais’ nós gostaríamos de saber o que é igualmente bom para todos, então é possível afirmar que na conscientização emancipatória as idéias morais estão conectadas a uma nova autocompreensão ética. Nós descobrimos quem nós somos porque aprendemos, ao mesmo tempo, a nos ver numa relação com os outros” (HABERMAS, 1993, p. 99). 46 “A almejada coesão interna entre direitos humanos e soberania popular consiste assim em que a exigência de institucionalização jurídica de uma prática civil do uso público das liberdades comunicativas seja cumprida justamente por meio dos direitos humanos. Direitos humanos que possibilitam o exercício da soberania popular não se podem impingir de fora, como uma restrição” (HABERMAS, 2002, p. 292). 47 “A intuição expressa-se, por um lado, no fato de que os cidadãos só podem fazer um uso adequado de sua autonomia pública quando são independentes o bastante, em razão de uma autonomia privada que esteja equanimente assegurada; mas também no fato de que só poderão chegar a uma regulamentação capaz de gerar consenso, se fizerem uso adequado de sua autonomia política enquanto cidadãos do Estado” (HABERMAS, 2002, p. 293-294). 48 “Os núcleos privados do mundo da vida, caracterizados pela intimidade, portanto protegidos da publicidade, estruturam encontros entre parentes, amigos, conhecidos, etc. e entrelaçam as biografias das pessoas conhecidas. A esfera pública mantém uma relação complementar com essa esfera privada, a partir da qual é recrutado o público titular da esfera pública” (HABERMAS, 2003, p. 86).
A defesa de um direito humano, contra atos advindos de particulares, é matéria de interesse da soberania popular, ou seja, de todos nós! Essa noção de horizontalização contribui proficuamente para a minoração dos próprios efeitos simbólicos dos direitos humanos. Preleciona Marcelo Neves:
Cria-se [com a constitucionalização dos direitos humanos], assim, uma ilusão dos ‘direitos humanos’ constitucionalmente consagrados e obstrui-se, ao mesmo tempo, uma discussão conseqüente dos fatores que impedem a sua concretização normativa. Destarte, a textualização dos direitos humanos, embora também possa ter as funções de ‘confirmação de valores’ de determinado grupo ou de ‘compromisso dilatório’, típicas da legislação simbólica em geral, desempenha sobretudo uma função de álibi (NEVES, 2005, p. 20).
Assim, a assunção dos direitos humanos aos textos constitucionais muitas vezes representa uma constitucionalização simbólica^51 , ou seja, uma constitucionalização fatalmente destinada a não se concretizar na realidade jus-política para a qual estão alocados. Incorporando-se o discurso dos direitos humanos em nosso vocabulário cotidiano, no sentido de que eles não são exclusividade do repertório estatal, mas de todos nós, de modo que a sua proteção cabe, igualmente, a todos os particulares integrados numa dada sociedade, é possível minorar esses efeitos simbólicos dos direitos humanos: assumindo-se a responsabilidade de que a salvaguarda dos direitos humanos deve dar-se diuturnamente também pelos particulares, e considerando-se que os particulares é que, em última análise, compõem os quadros estatais, é possível vislumbrar, nessa medida, uma maior concretização normativa dos direitos humanos. Ademais, a própria conscientização , por parte dos particulares, da importância dos direitos humanos permite, via reflexa, uma maior fiscalização do cumprimento normativo dos direitos humanos também por parte do Estado. Enfim, a co- responsabilidade pelos direitos humanos, distribuída igualmente entre Estado e particular, favorece imensamente a observância dos direitos humanos o que, por sua vez, faz surgir um aguilhão quanto ao cumprimento normativo dos próprios direitos humanos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
(^51) “A constitucionalização simbólica implica ‘agir ocultamente estratégico’, seja ele ‘comunicação deformada sistematicamente’ (iludir inconscientemente). O sentido manifesto e aparente (normativo-jurídico) da atividade constituinte e linguagem constitucional encobre, então, o seu sentido oculto (político-ideológico). [...] permanece válida a tese: em relação ao domínio do direito , trata-se do papel hipertroficamente simbólico da atividade constituinte e do discurso constitucionalista, na medida em que ambos constituem uma parada de símbolos para a massa dos espectadores, sem produzir os efeitos normativo-jurídicos generalizados previstos no respectivo texto constitucional” (NEVES, 2007, p. 119-120, grifos do autor).
Em que pese as ideias lançadas no texto merecerem uma maior reflexão, o presente estudo enfrentou um tema ainda não plenamente desenvolvido: a horizontalização dos direitos humanos, ou seja, a possibilidade de o cumprimento dos direitos humanos vincularem não apenas o Estado, mas também os particulares, o que representaria um importante instrumento para a efetividade dos direitos humanos. A possibilidade e os parâmetros de tal horizontalização podem ser recolhidos no âmbito do Direito Constitucional. Nesse compartimento dogmático, firmou-se a premissa de que não apenas o Estado pode violar os direitos fundamentais, mas também os agentes privados, na medida em que estes detêm também poder (seja político, seja econômico, ideológico ou mesmo militar). E quem tem poder tem aptidão para transgredir direitos fundamentais. A grande questão seria como vincular, como deveres de garantia, os direitos fundamentais aos particulares, e em que intensidade. Para tanto, foram propostas várias teorias que, de algum modo, refletem sobre o assunto, a saber, ( i ) a teoria da eficácia direta ou imediata; ( ii ) a teoria da eficácia indireta ou mediata; ( iii ) a teoria dos deveres de proteção; ( iv ) a teoria da convergência estatista; ( v ) a state action doctrine ; e ( vi ) a teoria dos três níveis. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal vem se curvando à teoria da eficácia direta ou imediata. A relação umbilical entre direitos humanos e direitos fundamentais contribui para a discussão quanto à possibilidade de horizontalização dos primeiros. Conforme o entendimento majoritário ventilado na doutrina, os direitos fundamentais são, na realidade, direitos humanos fundamentalizados, ou seja, direitos humanos considerados essenciais por uma dada comunidade e que, por essa razão, mereceram ser positivados em textos normativo- jurídicos. A fronteira entre estas duas categorias analíticas – direitos humanos e direitos fundamentais – esmaece-se. Se direitos fundamentais são, em última análise, direitos humanos, com um predicativo acrescido, qual seja, “fundamentalizados”, é possível, então, vislumbrar que os direitos humanos também podem vincular os particulares, e não só o Estado. Seria um paradoxo pavoroso sustentar a horizontalização dos direitos fundamentais e inadmitir a horizontalização dos direitos humanos. Dois argumentos podem ser utilizados para sustentar a horizontalização dos direitos humanos: ( i ) o poder (político, ideológico, econômico e mesmo militar) não mais se concentra exclusivamente em paragens estatais; ele se diluiu, migrando- se também para paragens particulares. Quem tem poder tem aptidão para violar direitos humanos (basta lembrar, no âmbito internacional, das poderosas multinacionais); ( ii ) direitos humanos são matéria de co-responsabilidade de Estado e de particulares: a
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