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INTERPRETAÇÃO DO TEXTO BÍBLICOS
O que você vai aprender
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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FEST – Filemom Escola Superior de Teologia “Formando Obreiros Aprovados”
UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
O Trabalho que ora apresento é fruto da experiência de ensino da cadeira Hermenêutica Bíblica no Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil durante o primeiro semestre de 1999. Foram meses de pesquisa para obter o texto a seguir. Sendo um tão grande universo o ambiente de pesquisa hermenêutica, não foi possível dar uma forma monográfica ao texto visto que o objetivo da matéria era o de cobrir todo o programa de Hermenêutica Bíblica adotado pela instituição. Assim, a pesquisa estendeu-se à parte conceptual da disciplina, navegando pela história dos períodos hermenêuticos desde os tempos do AT até o período pós-moderno, buscando as tendências de interpretação e os principais expoentes de cada época pesquisada. Também foram enfocados os temas Noemática, Heurística e Proforística, com ênfase no estudo das figuras de linguagem, utilizando os textos bíblicos onde aparecem as figuras. Em outro capítulo estudamos os princípios de interpretação bíblica mudando o método de apresentação dos mesmos. Ao invés de separarmos esses princípios pela escola expoente ( princípios gramaticais, teológicos, históricos e críticos) , por acharmos por demais burocrática essa divisão, fizemos a opção de apresentar aos estudantes uma série de princípios válidos de interpretação da Bíblia pinçados das diversas escolas, visto que em alguns casos, princípios podem pertencer a mais de uma escola pela paridade de suas idéias. Por fim, foram levantadas algumas idéias sobre os principais desafios da Hermenêutica para os nossos dias, cujo objetivo é o de fomentar entre os alunos a reflexão em torno daquilo que irão fazer em suas comunidades através da utilização da pregação e do ensino bíblico. Nossa expectativa principal é o de fornecer subsídios para que o aluno possa caminhar "por suas próprias pernas", visto que em nossa compreensão a Hermenêutica é uma disciplina que não pertence ao campo da dogmática na medida em que se estuda sua história bem como os desafios para o homem hodierno. Por outro lado se espera que o aluno, enquanto pastor e pregador assuma um perfil hermenêutico que possa identificá-lo diante de sua congregação. Daí , o estudo de princípios de interpretação bíblica e das partes básicas da Hermenêutica, com ênfase especial à Noemática. UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
A palavra “Hermenêutica” vem do termo grego “hermeneúo” que significa “interpretar”. A Hermenêutica é a disciplina que ensina as regras para interpretar um livro, um texto, e, nesse caso especial, o texto bíblico. Em uma outra definição, J. Severino Croatto diz que “ Hermenêutica é a ciência da compreensão do sentido que o homem traz para sua vida prática interpretando a mesma através da palavra, de um texto ou de outras práticas... Toda ação humana se converte em sinal que precisa ser decodificado; com maior razão se é o próprio Deus quem confere um sentido aos acontecimentos.” 1 Para Paul Ricoeur “ A hermenêutica é a teoria das operações de compreensão em sua relação com a interpretação dos textos.”^2 A Hermenêutica abarca, de forma especial, as regras de interpretação que procedem do estudo das características da linguagem humana em geral e de toda a classe de escritos humanos, tanto profanos quanto sagrados. Toda linguagem humana tem seu próprio gênio e idiossincrasias que não conseguem ser definidos em uma tradução literal para outra língua. São modismos, provérbios, idiotismos, peculiaridades gramaticais, referências a costumes locais, os quais poderiam causar problemas de interpretação para aqueles que procuram entender o significado original que o autor quis comunicar, lendo agora em outro idioma. O problema aumenta com relação aos textos bíblicos, visto que o tempo que nos separa dos escritos originais é grande e só há algumas décadas é que os judeus recuperaram seu idioma a nível nacional com a instalação do novo Estado de Israel. Assim, por muitos séculos o hebraico foi uma língua morta, embora preservada nos círculos rabínicos graças ao desenvolvimento do texto massorético. Isto torna as ferramentas da hermenêutica ainda mais importantes e necessárias. Ainda sobre essa vertente, Paul Ricoeur identificou três necessidades do estudo hermenêutico, salientando assim a sua importância 3 : a) A palavra que em princípio foi “pregada”, “falada” e, desde então, enquadrada em formas conceptuais, se transformou, por sua vez, em letra, texto, o que limita-se agora ao processo de canonização. Os cristãos possuem então não um testamento, mas dois testamentos para interpretar. O desafio agora é o do retorno à “palavra” que está antes do texto. b) Existe uma distância cultural (já abordada acima) entre a época das escrituras e a nossa época. Uma das funções da hermenêutica consiste em vencer essa distância cultural para permitir a manifestação na cultura presente daquilo que foi dito em outra cultura e que não é mais do nosso tempo. c) Depois da influência do Racionalismo e do movimento de crítica bíblica o que ficou do texto bíblico foi um sentido de profano ou de um texto qualquer. Entretanto, para o cristão a Bíblia tem um valor particular e o UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
Embora estes três conceitos tenham surgido e se desenvolvido progressivamente, hoje são vistos como complementares, estando claro que os dois primeiros são interativos e interdependentes. De acordo com Gadamer: “ A interpretação não é um ato complementar e posterior à compreensão, mas compreender é sempre interpretar e, consequentemente, a interpretação é a forma explícita da compreensão”^4. Embora distinta destes dois elementos, a aplicação é vista hoje como tão imprescindível à Hermenêutica quanto a interpretação e a compreensão. Isto adquire significado ainda maior quando se refere ao estudo das Escrituras onde, muito mais do que um documento a ser dissecado, encontramos uma mensagem a ser transmitida. É importante também que se faça a distinção entre Hermenêutica e Exegese: Enquanto a primeira é uma ciência que, conforme já foi visto, inclui todo o processo que vai da leitura à aplicação, a exegese consiste na utilização prática de ferramentas da Hermenêutica para o resgate do mundo original do texto. Segundo Croatto, “ ...a exegese ...procura identificar o sentido do texto, perquirindo o que há ‘por trás’ ( autor, tradições, figuras literárias anteriores ), enquanto que a hermenêutica soma a compreensão do sentido que está ‘adiante’ do texto”.^5 A partir de então, deve-se examinar a história da interpretação bíblica a partir dos primórdios do rabinismo. Para tanto, deve-se levar em consideração raízes históricas fundamentais encontradas em Platão e em Heráclito. O primeiro, cerca de 428 AC, em Atenas, partiu do conceito de “Mundo das Idéias”, a partir do qual elaborou o conceito de símbolo e mito. Verdades espirituais eram representadas por alegorias, figuras muito utilizadas também no texto sagrado. Heráclito de Éfeso, entre 540 e 480 AC, estabeleceu o conceito de “huponóia” (sentido mais profundo), cujo objetivo inicial era abordar as obras de Homero, fugindo das implicações óbvias de se interpretar literalmente o que ele escreveu acerca dos deuses gregos (A Odisséia; Ilíada). Observa-se então que a preocupação hermenêutica é antiga. Veremos então como essas raízes históricas encontram eco nos caminhos percorridos pelas hermenêuticas judaica e cristã. ύπο – sob, debaixo de (Hipótese)-- νόυς - mente --- ύπονοέω – supor, imaginar, suspeitar – At.13.28, 25.18, 27.27--- ύπόνοια - I Tm.6. II - HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA. 2.1- Hermenêutica entre os Judeus – Provavelmente, um dos primeiros empreendimentos do uso da Hermenêutica entre os judeus venha da época de Esdras, conforme lido em Ne.8:1-8, onde consta uma menção especial à leitura da Torah nunca dantes vista entre os judeus. Deve-se levar em consideração que a extrema preocupação UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
com a leitura da Torah deu-se após ou a partir do exílio babilônico, por conta do sentimento de culpa nutrido pelos movimentos deuteronomista e sacerdotal, levando assim à mente da comunidade que o exílio era o castigo de Javé ao povo desobediente à sua Palavra. A idéia de reunir pessoas em grupos nesse período culminou mais tarde no projeto de sinagoga judaica (Ez.3:15;8:1;14:1;20:1). Júlio Trebolle Barrera levanta alguns fatores que contribuíram para o nascimento e desenvolvimento da interpretação bíblica no judaísmo a partir das épocas persa e helenística^6. Em primeiro lugar ressalta que o desenvolvimento do cânon hebraico (Tanach) exigiu que os escritos mais tardios (literaturas sapiencial, apocalíptica e apócrifa) representassem uma espécie de interpretação e de reescritura de textos e tradições de épocas anteriores. Aliás, isso já era uma prática dentro do próprio texto canônico (comparar o Decálogo em Ex.20, Dt.5 e Jr.17:21-22; ver também a promessa incondicional a Davi que o seu reino será eterno em II Sm.7:12-16 e I Rs.2:1-9, verificando-se como diferencial o cumprimento da Torah). Em segundo lugar, para manter vigentes as leis e instituições do povo judeu e para manter a própria identidade e esperança nas difíceis situações de cada época, era necessário uma releitura e uma nova compreensão dos velhos textos legais e das tradições históricas de Israel. Por fim, a necessidade de traduzir os textos sagrados hebraicos para a língua aramaica falada na Palestina e na diáspora judaica oriental e também para o grego, falado por muitos judeus na diáspora ocidental, obrigava a um grande esforço de interpretação ou de atualização dos textos hebraicos. Continuando nesse processo histórico, no século III AC aparece a Septuaginta (LXX), primeira tradução escrita do AT, que tem sido também considerada uma obra de caráter interpretativo do mesmo. Justamente por conta desse aspecto tem sido objeto de diversas críticas, sendo que as mais freqüentes apontam para a helenização do texto hebraico. Barrera aponta a tradução de Gn.1:2 (Tohû Wabohû), “deserto e vazio”, helenizado para “invisível e desorganizado” (kaì 4 Gadamer, Verdad y Metodo, pg. 378 5 Croatto, Op. Cit., pg. 14 6 Barrera, A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã, pg.5 11 UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
assim prosseguir na busca da vida eterna no reino do imaterial. Por essa razão, alegorizava-se o Pentateuco, transformando-se o Deus bíblico em razão pura e transcendente, totalmente espiritual e livre de paixões ( daí a ausência de antropomorfismos e antropopatismos na LXX ) Um outro fator determinante na hermenêutica judaico-helenística foi a influência do Gnosticismo. A salvação na história dá lugar à salvação pela gnose, obtida pela revelação sobrenatural dispensada unicamente aos iniciados. Os sinais externos e visíveis do judaísmo ( circuncisão, leis alimentares e higiênicas ) dão lugar à busca pelo conhecimento pleno e verdadeiro. Dois representantes desta tendência merecem destaque: Fílon de Alexandria e Flávio Josefo. Fílon, ao mesmo tempo exegeta e filósofo, se caracterizou pelo uso constante de alegorias para interpretar a Torah. Seus estudos eram centrados na lei de Moisés e na sabedoria, com uma adaptação da filosofia platônica, apresentando Moisés mais como um filósofo que como um legislador. Os temas por ele desenvolvidos são mais antropológicos, cosmológicos e psicológicos. Assim, o templo simboliza o mundo(DE ESPECIALIBUS LEGIDUS 1:66); as quatro cores das vestimentas do Sumo Sacerdote são símbolos dos quatro elementos naturais (DE VITA MOSIS 2:88); Adão é o símbolo da inteligência, Eva da sensibilidade, e os animais, das paixões (LEGUM ALLEGORIA 2:8-9, 24, 35–38). Um outro exemplo de interpretação alegórica é o texto da escada de Jacó (Gn.28:12), que significa para Fílon o ar suspenso entre o céu e terra e também a alma situada entre a sensibilidade e o intelecto. O fundamento filosófico para esta hermenêutica está no pensamento platônico, que reza que ninguém deve acreditar em algo que seja indigno de Deus. Assim, quando Fílon encontrava no texto bíblico algo que contrariava sua lógica recorria à interpretação alegórica para explicar o texto. Segundo Battista Mondim, Fílon foi o primeiro a procurar uma síntese entre as Escrituras e Platão.^10 7 Barrera, op.cit., pg. 8 Wolff, Antropologia do Antigo Testamento, pg. 9 Barrera, op.cit., pg. 526 10 Mondim, Curso de Filosofia, Pg. 122 6 UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
Flávio Josefo é conhecido como historiador judeu no primeiro século d.C. e, apesar de receber esta designação, demonstra agir hermeneuticamente com relação aos textos bíblicos. Dentro de seu projeto de apresentar a história dos judeus ao público greco-romano a partir de uma retórica helenística, ele resume, sistematiza, amplia e dramatiza as narrações bíblicas. Por exemplo, no prólogo de “Antigüidades”, Josefo se aproxima de Fílon (OPIFICIO MUNDI) explicando o fato da narração sobre a criação preceder o relato da entrega da Torah: a ordem dos relatos tem por objetivo preparar a obediência daqueles que vão receber a Torah. Da mesma forma, Flávio Josefo e Fílon interpretam alegoricamente a tríplice divisão do Tabernáculo: terra, mar e céus. 2.1.2 – Hermenêutica Rabínica - Para uma compreensão mais adequada do rabinismo, é necessário conhecer primeiro os conceitos básicos da interpretação escriturística a partir do período persa: · MIDRASH ( comentário, investigação ) – é a prática da exposição exegética das Escrituras, com finalidade homilética e hagádica. É a ponte que liga a escritura à literatura rabínica. Apresenta-se em três classes: Halakah, Hagadah e Pesher. · HALAKAH (caminhar, guiar) – representa o desenvolvimento da legislação mosaica específica, contendo leis não existentes no texto canônico (ex: 39 tipos de trabalho e outras atividades cujo exercício era proibido no sábado). No próprio texto canônico temos um exemplo de Halakah na proibição do casamento de judeus com mulheres estrangeiras (Esdras capítulos 8 e 10). A Halakah pretenda governar todos os âmbitos da vida de um judeu, desde o amanhecer até o anoitecer, desde o nascimento até a morte. Deu origem ao legalismo judaico. · HAGADAH ( narração ) – representa a tendência hermenêutica mais livre e edificante, a qual abrange todas as partes não legalistas da Escritura, caracterizando-se mais ilustrativa e menos exegética. Por meio de aperfeiçoamento das narrativas e profecias bíblicas, fomentava-se a fé e a esperança judaicas. · PESHER ( interpretação, comentário ) – se propõe a atualizar os oráculos proféticos, ligando eventos ou personagens do passado a semelhantes eventos e personagens do presente, dando-lhes um sentido de cumprimento. · MISHNAH ( repetição) – constitui-se no resultado escrito da evolução da Halakah, ou seja, gerações de intérpretes identificados com os fariseus desde 150 AC desenvolveram leis orais codificando-as por volta de 180 DC. É a primeira coleção oficial de doutrina judaica pós bíblica de caráter predominantemente jurídico, constando de 73 tratados distribuídos em seis divisões, escritos em hebraico. Evoluiu para a GUEMARA. · GUEMARA (complemento) – Por volta de 550 DC os rabinos elaboraram um comentário complementar à MISHNAH em aramaico como um tipo de UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
2.1.2.1. As Escolas de Hillel e Shammay – Através do conhecimento prévio da hermenêutica judaico-helenística e dos conceitos básicos da hermenêutica rabínica, pode-se entender melhor as interpretações de Hillel e Shammay. Hillel, vindo da Babilônia e de uma cultura helenística no primeiro século a. C., deu pouco ou quase nenhum valor ao fervor apocalíptico e ao messianismo radical de caráter político desenvolvido entre os zelotas. Assim, todo o seu ensino vinha mais da dedução racional que da tradição, servindo-se do jogo de pergunta e resposta próprio do método socrático. Criou sete regras de interpretação, as quais dão ênfase ao estudo exegético das escrituras, deixando de lado a tradição oral. Dentre essas regras, destacam-se: uso do contexto, dedução do especial para o geral (implicações gerais deduzidas de uma passagem), inferência por analogia (palavras que têm significação idêntica poderão ser tratadas igualmente, mesmo que estejam ligadas a declarações muito diferentes), uso comparativo de outras passagens. Percebe-se, então, que Hillel tinha a preocupação sempre nova de atualizar a Torah para os judeus das diversas situações (diáspora, palestinos), o que lhe valeu a acusação de modificador da Torah e de criador de novas leis (Taqqanot). A sua forma de interpretação estava mais afinada com a Halakah, momento em que convertia usos e costumes próprios do seu relativismo, conferindo-lhes valor sagrado. Shammay, um outro importante rabino, mais fechado e conservador, e seguidor da tradição, demonstra, em determinados momentos, ser mais aberto e flexível que Hillel na interpretação da Torah. Não aceitando o influxo do contexto e das exigências da modernidade sobre o texto bíblico, demonstra, segundo A. Guttmann (citado por Barrera), a “preocupação em salvaguardar os princípios fundamentais e não tanto uma intransigência absoluta na aplicação prática da lei.”^11 Por exemplo, na interpretação do texto de Dt.24:1, sobre o divórcio, o termo “coisa vergonhosa”, com relação à mulher como motivo fundamental para o divórcio significava para Hillel qualquer coisa que desagradasse ao marido (infidelidade, uma palavra mal dirigida, o encontro de uma mulher mais agradável, etc.) enquanto que para Shammay representava apenas a infidelidade conjugal. Apesar das grandes discussões e acusações, o debate rabínico estava sempre inacabado e aberto a reconsiderações, correspondendo mais ao estilo dialógico, o que permitia que opiniões contrárias pudessem ser consideradas igualmente verdadeiras e dignas de inspiração. Talvez seja este o motivo por que a teologia judaica nunca tenha chegado a assumir o caráter de dogma, a não ser em momentos em que se viu na tarefa de defender-se de algumas ameaças tais como o Gnosticismo, momento em que fez afirmações sobre o monoteísmo e sobre a bondade da criação. 2.1.2.2. Judeus Caraítas – Caraítas ou “beni mikra” (filhos da leitura), oriundos do século IX d.C., cuja seita representa uma reação contra a influência do maometismo no rabinismo judeu e na tradição, defendendo a escritura como UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
única autoridade em matéria de fé, aplicando nos seus estudos métodos de investigação gramatical e lexicográfica, chegando à produção de comentários escritos. Graças a isso, foram apelidados de “os protestantes dentre os judeus”. A palavra que os designa ( caraítas ) vem do nome da cidade onde se originou o movimento: Qayrawan, no Egito. Do ponto de vista hermenêutico são eles os que mais se aproximam dos essênios, defendendo o princípio da primazia da lei escrita, a ênfase na esperança messiânico-apocalíptica, e determinadas práticas, tais como: a celebração da festa de Pentecostes, a monogamia e rituais de sepultamento dentro da liturgia de Qumram. Provavelmente os caraítas descendem de uma ala conservadora dos saduceus, os zadoquitas. Estudos e descobertas arqueológicas recentes mostram que os zadoquitas também habitaram o mosteiro de Qumram. A reação dos rabinos ao movimento caraíta culminou na conclusão do texto massorético. 2.1.2.3. Judeus Cabalistas – A palavra Qabbalah significa recepção e designa o conjunto de doutrinas judaicas de caráter esotérico, místico e mágico. O movimento teve sua origem na Espanha e na Alemanha por volta do século XIII, como uma reação contra a filosofia racionalista. Os cabalistas conferiam valor sobrenatural a cada palavra, letra ou mesmo sinal do texto massorético, fazendo combinações numéricas, superposições e substituições de letras e sinais, na busca de sentidos ocultos. 2.2. Hermenêutica Cristã – Como ponto de partida para o estudo da hermenêutica cristã, deve-se levar em consideração que o cânon do AT ainda não se encontrava cristalizado quando os livros do NT estavam sendo escritos. De acordo com Barrera, os primeiros cristãos utilizaram os princípios e métodos da exegese judaica com uma única diferença: a leitura cristológica do AT. A seguir, algumas das características dessa leitura: · Seleção temática de passagens do AT – Para desenvolver o tema “Cristo- Pedra” ( I Pd 2:6; Ef 2:20; Mt 21:42; At 4:11 ), a igreja editou os textos de Is 28:16; Sl 118:22 e Is 8:14. Essa técnica é denominada de “testimonia”. Essa prática não foi exclusiva da igreja cristã. Em Qumram há um manuscrito repleto desta prática ( 4QTest ); um destes testimonia edita as passagens de Dt 5:28s; 18:18s; Nm 24:15s e Dt 33:8-11: 11 Barrera, op.cit, pg. 566 8 UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
utilizando assim preferencialmente passagens do AT oriundas do texto da LXX. Entretanto, é muito provável também que o próprio Jesus tenha modificado ou selecionado partes do texto (conforme visto em Lc.4:18s), o que poderia explicar a falta de relação com a LXX ou com o texto hebraico. No que diz respeito à sua visão do AT, Jesus considerou as escrituras inspiradas, sem no entanto aceitar a idéia do ditado verbal, conforme fica claro em Mc. 12:36: “Davi mesmo disse no Espírito Santo...” ( as palavras são de Davi, ainda que inspiradas pelo Espírito Santo ). Além disso, deu ao texto diferentes graus de valorização, na medida em que ajuizou a permanência do casamento, estabelecida em Gn. 2:24, superior à lei, permitindo o divórcio (Dt. 24: 1- 4), conforme Mateus 19. A partir desta compreensão de sua relação com o AT, é possível estabelecer a forma da hermenêutica de Jesus. Houve momentos em que Jesus modificou o texto para que a profecia tivesse sentido em sua pessoa. Por exemplo, comparar Mt.26:31 e Mc.14:27 com Zc.13:7; em outros momentos Jesus utilizou a forma “Pesher” (relação de um texto do AT com acontecimentos ou personagens da época escatológica que o intérprete crê estar vivendo) conforme formulação em Lc.4:21. Nas questões de ordem moral e religiosa Jesus foi categórico ao usar a forma literal da letra do texto (como em Mt.15:4 e Mc.7:10) mas também, em outros momentos, utilizou a “Midrash” (a expressão “quanto mais” em Mt.7:11; Lc.11:13; típica de Hillel). Jesus criticou duramente a tradição (conforme visto nos “logia” – sermão do monte) mas, em outros momentos, não hesitou em usar ensinamentos do rabinismo que viriam a constar no Talmud , aplicando-os dentro de sua visão “antropo-teocêntrica” , conforme Mt. 7:12. Essa maneira flexível de Jesus usar as Escrituras permite-lhe também, ao mexer com a tradição mais antiga, construir uma seqüência lógica de argumentos a partir da própria história judaica para apoiar o seu ensinamento, como em Mt. 12:1-8, na questão do “Sábado”. (^12) idem, pg. 595 9 UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
Jesus estabelece ainda, no sermão da montanha, que suas leis iam além das leis do AT. Enquanto que os fariseus e escribas interpretavam as leis como proibitivas de ações externas, Jesus buscava um sentido mais profundo, que refletisse as atitudes do coração. Por exemplo, não bastava retrair-se do adultério ou do crime; o homem deve retrair-se da cobiça e da raiva. De acordo com Viertel, “Jesus usou algumas formas de expressão dos rabinos, mas o conteúdo dos seus ensinos era diferente. Ele engrandeceu a presença do Reino de Deus em vez da lei. Ele identificou-se como o cumprimento da profecia ao invés de apontar a vinda do Messias. Ele interpretou o Velho Testamento à luz de uma nova era que raiava, em vez de enfatizar a interpretação de sentenças, cláusulas, frases e até mesmo palavras simples, independentemente do contexto ou da ocasião histórica”.^13 O fundamental nesse estudo é ver que se a Igreja cristã primitiva construiu uma hermenêutica cristocêntrica, esta nasceu também graças ao uso que o próprio Jesus fez das Escrituras. 2.2.2 – Paulo como intérprete - Dentro do estudo da Hermenêutica paulina vale ressaltar algumas de suas características: 2.2.2.1 – Paulo usa com muita freqüência o texto do AT quando escreve para comunidades de origem judaica (Rm., Gálatas e I/II Co.), mas não o utiliza quando escreve a comunidades com predominância gentílica (Colossenses, Filipenses e I/II Tessalonicenses), o que torna Paulo um exegeta por excelência. Fato mais interessante é que das 93 citações que faz do texto do AT, modifica o texto em 52 casos (ex.: comparar Rm.9:17 com Ex.9:16). Seria, como dizem alguns^14 , uma evidência de que Paulo citava textos de memória, ou que era influenciado pela sua tradição rabínico-midráxica? 2.2.2.2 – Como Hillel, procurou adaptar o texto bíblico aos problemas de seu tempo, contextualizando-o (comparar Rm.9:25 com Os.2:21-23). 2.2.2.3 – Paulo busca elementos de diversas correntes religiosas e filosóficas do seu tempo, dialogando com as mesmas e dando-lhes roupagem cristocêntrica. Abaixo, eis algumas dessas correntes: · Essênios – Todos os homens pecaram (Rm.3:23 comparado a I Qh.1: ou a Ec.7:20). O texto de I Qh.1:22 é parte da coleção de Hinos ou hodayôt encontrados nas descobertas do Mar Morto^15. O homem não pode obter o perdão de Deus pelas obras ou pelo cumprimento da Torah (Gl.2:16 comparado a I Qh.4:30). · Rabinismo – Em I Cor.10:1-4, ao relacionar o batismo cristão com a passagem do Mar Vermelho, Paulo alude a textos rabínicos da Gemara Babilônica que justificam o batismo de prosélitos à luz do Êxodo. · Fílon – Tal qual Fílon, Paulo apela para a retórica grega (At.19:8; 28:23) e moderadamente para o uso alegórico (I Cor.9:9-10; Gl.4:21-31). UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
2.3. Período Patrístico – Após o período apostólico, entram em cena os herdeiros e continuadores da tradição apostólica, conhecidos historicamente como os pais da Igreja. Estes se notabilizaram a partir do 2º século da era cristã. 2.3.1 A Hermenêutica no 2º Século - Este período caracterizou-se, na história da Igreja, por um grande conflito: a falta de consenso quanto à aceitação do AT como um livro cristão. Por um lado, havia o desenvolvimento da cultura helenizada como forma e expressão legítima da fé cristã e até mesmo a rejeição do AT ( como se vê no pensamento de Marcião, em 144 d.C.). Por outro lado, a não interpretação cristológica do texto vetero-testamentário, sendo ele valorizado como escritura única da Igreja, como se vê no ebionismo, que leva a Igreja à assimilação das práticas legalistas do judaísmo. Provavelmente nesta época, surgiu o último texto do NT, a 2ª Epístola de Pedro. Nele, é interessante notar a inclusão das cartas de Paulo com escritura ( 3:16 ), o que pode ter tido a finalidade de enfocar a relação entre o Antigo e o NT ( tão presente nos escritos paulinos ). Embora o conflito judaico-cristão remonte aos primeiros tempos da Igreja ( At 15; Rm 14; Gálatas ), é no segundo século e, principalmente a partir de Marcião, que ganha dimensão de debate sistematizado e confronto escrito. Quando Marcião rejeita o AT, ele o faz porque sua interpretação do texto é literal. Da mesma forma, Clemente Romano, nem chega a utilizar a interpretação tipológica, como fazia o apóstolo Paulo, optando também pelo literalismo. Esta interpretação literal do AT torna as leis de Israel vazias e sem aplicação para os tempos modernos. Esta rejeição do AT também foi forte entre os gnósticos. Valentino aplica a passagem de Jo. 10:8 aos profetas: “ Todos os que vieram antes de mim eram ladrões e assaltantes”; Ptolomeu, mais moderado, divide o Pentateuco em três partes, quanto a sua origem: a primeira parte devida a Deus ( o decálogo ), a segunda atribuída a Moisés ( as leis do Deuteronômio ) e a última atribuída aos anciãos ( as leis ritualísticas, de pureza e da guerra santa ). Em sua carta a Flora, condena essas últimas, as quais conduzem o homem ao mal e, reduz o valor das leis ritualísticas ao tempo para o qual foram escritas. Quanto aos nomes de Deus encontrados no AT ( Elohim, El Shaddai, Javé Tsevaoth ), os gnósticos os interpretam como referindo-se a deuses distintos, subordinados ao Deus Pai desconhecido ( o criador ). Diante das tendências marcionitas e gnósticas, a alternativa para a Igreja cristã quanto à utilização do AT foi a leitura tipológica. Para Justino, o mártir ( em DIÁLOGO COM TRIFON e APOLOGIAS ), em dura crítica a Marcião, a lei é “ tipos ” da realidade futura de Cristo e da igreja. Já a carta de Barnabé é rica em alegorias do AT: os sete dias da criação simbolizam os seis mil anos de duração do mundo, sendo o sábado símbolo do descanso escatológico. O autor dessa epístola ensina que o judaísmo cumpriu a sua missão e que a igreja é herdeira UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte
de suas prerrogativas e livros sagrados. Também emprega a GEMATRIA, método no qual as letras das palavras eram convertidas em valores numéricos para uma aplicação escatológica. Outro pai apostólico, Irineu de Lyon, no final do 2º século, assume um tipo de “exegese de situação” contra o gnosticismo. Se, diante dos judeus, Irineu tende a ser literalista na interpretação cristológica das profecias e alegórico na interpretação da lei e história de Israel, diante dos gnósticos ele é alegórico na interpretação cristológica do AT para poder uni-lo ao NT e tornar Cristo relevante. Concluindo, pode-se afirmar que a grande questão hermenêutica do cristianismo no 2º século dizia respeito à aceitação do A T e mesmo à sua incorporação ao cânon, questão que voltou a ecoar muitas vezes ao longo da história do cristianismo. A aceitação do AT pelos cristãos não teve um propósito meramente apologético (apontar provas a favor do NT) mas resultou da visão do AT como canal de interpretação da morte e ressurreição de Cristo. De fato, a Igreja se apropriou do AT, interpretando-o como promessa e profecia do Novo. É interessante perceber o paralelo existente entre a concepção judaica da relação Torah-Profetas e a visão cristã da relação Antigo-NTs. A idéia rabínica concebia a Escritura como Lei e os profetas como intérpretes da lei (razão pela qual Jesus justifica sua atitude liberal em relação ao sábado citando a postura de Davi em I Sm 21:7 ). Semelhantemente, os cristãos vêem o NT como interpretação do Antigo. Nota-se um indício desta percepção até mesmo na ordem dos livros no AT: enquanto na Bíblia judaica a Torah é seguida dos profetas (NeVI’IM) e escritos (KETUBHIM), na Bíblia cristã, os profetas vêm depois da Torah e dos Escritos, numa ratificação de sua relação com o NT, onde se verifica seu cumprimento. Esta visão remonta ao início do cristianismo, cuja hermenêutica já se caracterizava por este elemento diferencial (veja-se a hermenêutica de Jesus e de Paulo). É, porém, no segundo século, com o desenvolvimento de alguns questionamentos e dentro do processo de definição do cânon, que estes conceitos voltam à tona. Outra idéia presente na visão cristã do A T é sua interpretação tipológica, a partir da visão do N T como cumprimento do A T. 11 UBERABA – MG – Filemom Escola Superior de Teologia Hermenêutica Bíblica Pr. Mateus Duarte