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Goethe discute a obra hamlet de william shakespeare, sua consideração como tragedia de vingança e a diversidade literária e teatral utilizada. Ele destaca a importância de hamlet como reflexo da humanidade e sua luta pela consciência e liberdade. Além disso, ele compara hamlet com outros grandes personagens shakespeareanos e discute as traduções e adaptações da peça.
Tipologia: Notas de aula
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Lourenço Leite,
“uma grande ação é imposta a uma alma que não está em condições de realizá-la” Goethe
A obra Hamlet de William Shakespeare^3 foi encenada pela primeira vez em 1601 e é considerada de tragédia de vingança. O autor em Hamlet utiliza-se de uma numerosa diversidade de literatura e de teatro, e as mistura, tais como: a tragédia grega, o drama burlesco, a farsa, a comédia, a magia. Nela, Shakespeare fez do teatro o espelho do universo e de cada um de seus grandes personagens, Hamlet, Macbeth, Ricardo III, Othelo, Lear, Ofélia, Desdêmona, etc. O arquétipo de uma atitude do homem diante do enigma do mundo ou diante das paixões que o devoram ou que o exaltam.
A grande predominância do espírito cristão na anterior cristandade européia fez da vida uma impossibilidade de se atingir seu fim que não fosse no além. A tragédia, portanto, nunca podia atingir seu termo na vida terrena, afirma Auerbach em O Príncipe Cansado^4.
(^1) Drama em cinco atos de William Shakespeare. Uma narrativa do historiador Saxo Grammaticus (^1) (séc. XIII) forneceu a Shakespeare o sujeito de seu drama, o mais célebre de seu teatro. Apareceu sobre as muralhas do castelo d‟Elseneur, na Dinamarca, o espectro do rei relata à Hamlet, seu filho, que ele pereceu assassinado por Claudius, seu irmão, em comum acordo com a rainha. Preparando sua vingança, Hamlet vai simular a loucura, abandonando sua noiva Ofélia que perde a razão e se afoga. No duelo em que se opõe a Laertes, irmão de Ofélia, Hamlet é ferido por uma espada envenenada. Antes de morrer, ele mata Cláudio o usurpador, ao passo que Gertrude, sua mãe, perece envenenada pelo drinque que ele havia preparado para ela. Em um mundo onde a ciência tomou o poder da natureza, um poder que a religião atribuía até então à divindade, toda noção de fatalidade doravante é abolida, Hamlet é o drama de acesso à consciência e à liberdade. Entre as traduções e adaptações, cita-se aquelas de Ducis [1769], Alexandre Dumas e Paul Meurice [1848], Eugène Morand e Marcel Schwod [1899], André Gide [1946], Marcel Pagnol [1950] assim como o filme de Laurence Olivier [1948] e a atual versão inglesa feita por Kennet Branagh de [1998]. Fonte: Petit Robert, Paris: Le Robert. 2 Publicado pela Revista Ideação do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana. V. 1 nº 6. 1997 3 – ISSN 1415-4668. William Shakespeare - Dramaturgo e poeta inglês (1564-1616). É considerado o maior dramaturgo da história do Teatro. Nasce em Stratford-upon-Avon, perto de Londres, cidade para onde se muda em 1591. Entre 1590 e 1594, escreve sua primeira peça, A Comédia dos Erros. Dono de uma técnica extremamente pessoal, sua obra marca o teatro elisabetano da época e influencia toda a produção teatral posterior. Em suas peças, demonstra uma profunda visão do mundo e da complexidade da alma humana. Retrata o comportamento humano em tragédias, comédias e dramas históricos, como Henrique V. Entre as tragédias mais importantes estão Romeu e Julieta, Macbeth, Hamlet, Rei Lear e Otelo. As comédias mais encenadas incluem O Mercador de Veneza, A Megera Domada e Sonhos de Uma Noite de Verão. Muitas de suas peças são adaptadas para o cinema. Em 1609, publica uma série de sonetos, dedicados a um rapaz e a uma senhora não-identificados. Escreve sua última peça, A Tempestade, em 1613. Fonte: Almanaque Abril 1997 4 Auerbach, Erich. O Príncipe Cansado. In: Mimesis. São Paulo: Perspectiva, 1998, p. 284
Consoante ainda Auerbach^5 , a tragédia elizabetana defronta-se, na maioria dos casos, não com o caráter puramente natural, mas com um caráter já pré-formado pelo nascimento, pelas circunstâncias vitais, pela pré-história [isto é, pelo destino]; um caráter do qual o destino já participa em grande medida, antes dele se cumprir na forma do conflito clássico determinado; este é amiúde tão-somente o motivo através do qual se atualiza uma tragédia preparada a muito.
FIM DO HERÓI E AURORA DO ANTI-HERÓI
“... uma grande ação é imposta a uma alma que não está em condições de realizá-la ” afirma Goethe sobre Hamlet ou ainda: “ um ser belo, puro, nobre, elevadamente moral, sem a força sensível que faz o herói, sucumbe sob uma carga que não pode carregar nem jogar longe de si... ”^6. O herói não se consagra em Hamlet como o herói grego, trágico, pré-figurado que precisaria ser iniciado nos mistérios para tomar consciência de seu fado. Hamlet ao contrário, pré-figura em certo sentido o anti-herói: não sabe que está sendo usado pelo destino; sua vida sofre as dores do mundo, mas não tem meios de redenção. Sua morte, juntamente com as de outros, apenas formam a trama da história. Ele não passa de um fantoche nas mãos de Clio. Contudo, apesar de Hamlet não confirmar em seu personagem a Jornada do Herói, no sentido grego do termo, aponta-nos para uma construção de personagem com um eu estilhaçado e nos convida a perceber uma nova constituição de sujeito. Aquela do sujeito moderno, pré-renascentista onde se começam a eclodir a individualidade de dentro para fora. Individualidade essa que evoluirá em toda a renascença até o romantismo.
Em Hamlet o homem sucumbe aos apelos de sua própria subjetividade. De agora em diante o que importa não é mais as determinações históricas, nem a estrutura aristocrática que garante o poder e o reino, nem mesmo os arquétipos míticos e religiosos. Hamlet inaugura o sujeito moderno mesmo sendo interpelado pelo seu ethos ou solicitado pela sua ancestralidade na figura do espectro do pai que lhe aparece para reivindicar vingança. Nem mesmo o amor de sua mãe ou o amor de Ofélia, sua amada e noiva, atendem e respondem aos seus apelos. O que lhe interessa confirmar é a si mesmo. Tudo o que está fora de si não passa de algo que se esvai com o próprio reino da Dinamarca. O fora não tem força de representação no seu interior. Sua busca é a de um homem fragmentado que sente a dor da perda de si. Seu luto não é o luto da separação do seu pai nem a possível perda de Ofélia. Sua consternação corrói sua alma como se a morte fosse a única saída. Mas o nosso Hamlet anseia por algo mais: ele quer
(^5) Op. Cit. pp. 284-
obscuridade das paixões da alma que quer entender a realidade como se fosse redutível a ele. Não há nele a compreensão da alteridade do mundo suficiente para colocá-lo em estado de julgamento autêntico e de percepção da distinção. Tudo em sua volta ainda é algo que se confunde com o todo. A totalidade da existência não pode se fazer compreender porque sua visão de mundo é ainda intuitiva, logo, puramente simbólica. Mas é nesse drama extraordinário de Shakespeare que a visão existencial do indivíduo é mostrada como possibilidade. Em Hamlet, o „télos‟^7 abre-se para o mundo além da Dinamarca. O seu fim escatológico como sentido último transcende seu próprio ethos. Seu questionamento da existência o coloca mesmo além de seu grande amigo Horácio. Portanto, seu discurso não se coaduna a ação. Dizer e agir são formas dicotomizadas e irreconciliáveis.
Embora a problemática existencial que verificamos em Hamlet abra um caminho além do seu próprio mundo, sua compleição arquetípica não se confunde em nenhum momento com o herói tradicional. Nosso personagem é antes de qualquer coisa alguém que não sabe para onde ir nem o que é. Sua reflexão sobre Ser ou Não Ser, como questão ontológica, nega toda a tradição escolástica filosófica assim como a medieval. Ser ou Não Ser eis verdadeiramente a questão. Ele está plantado diante da incerteza e da dúvida.
Antevemos aqui a aurora do anti-herói moderno como alguém que pretende se fazer à medida que seu eu se remonte. Em Hamlet o eu do sujeito está despedaçado como os personagens míticos gregos Orfeu e Dioniso. O „diasparagmós‟^8 não foi completado com a reunião de suas partes. Resta ainda que o seu eu se reconstitua como sujeito próprio para haver a verdadeira reconciliação consigo e com o mundo. Seu pai só poderia ser vingado em sua consciência, mas não de fato. É o novo paradigma da reconciliação da consciência moderna que se mostra em Hamlet. Assim como Sócrates o fez na Paidéia grega, só poderá haver reconciliação no „lógos‟, ou seja, na consciência de si.
O sujeito moderno entra, a partir dessa óptica, a ver a si mesmo por meio do que se instaura na consciência. A verdade terá que ser objetivada no sujeito que a percebe. Temos aí o grande momento epistemológico do saber moderno: pensar o ser de alguma coisa é pensá-lo no eu do sujeito que pode conhecer algo.
A realidade cultural dinamarquesa não importa mais. Hamlet é o nosso anti-herói moderno, contemporâneo, e talvez pós-moderno. Seu eu está em frangalhos e necessita de um
(^7) Em grego, fim, termo, finalidade da existência. Fig. Fim escatológico. (^8) Arte do despedaçamento, desmembramento.
ponto de partida. Precisa, assim como os personagens míticos gregos, efetuarem uma „anábase‟^9. Hamlet representa uma profunda „catábase‟^10 aos estágios de sua própria consciência. Ele não tem controle de sua situação existencial nem de sua história. Tratado como anti-herói, representa a racionalização negativa, ou seja, não pretende seguir nenhum protótipo de realidade. Ele não pretende retornar à Dinamarca nem ao seu aconchego materno. Sua busca vai além de tudo isso: pretende encontrar respostas que não estão na realidade diante dele. A transcendência o provoca assim como todas as artimanhas de Cláudio, o rei da Dinamarca. Seu encontro com a verdade só poderá ocorrer fora de todo o contexto de sua cultura. Seu eu urge a reconciliação, porém, sua alma, impossibilitada de confirmar seu entendimento, continua vulnerável e órfã. Não será nele que ocorrerá a redenção da Dinamarca, entenda-se aí a da morte de seu pai, as das tramas de seu tio, as das pretensões de Polônio. A redenção poderá ser iniciada por Fortimbrás, o verdadeiro herói, rei da Noruega que conquista e se apossa da velha Dinamarca. No entanto, o próprio Fortimbrás não tem consciência da verdadeira decadência da Dinamarca. Ele apenas representa alguém que tem o poder da conquista, mas não tem o poder da compreensão. Se Shakespeare não acrescentasse o personagem Horácio para retratar toda a história, sua conquista seria imemorial. Ou seja, a memória se inicia pelo terceiro elemento, o outrem. Aquele que vê e antevê a realidade. As próprias efetivações de Hamlet, mesmo com sua morte, não são suficientes para compor o enredo da história que a Dinamarca iniciara.
Nosso anti-herói pretende ser a revelação da própria contradição que existe na Dinamarca. Somente com sua morte isso poderia ocorrer. Se em vida isso ocorresse, ele se tornaria um herói canônico. Sua morte também representa que o sentido da existência não está no mundo, mas fora dele. Sua morte representa que a grandeza da existência é superior aos artefatos humanos. Sua morte representa, como toda morte, o escândalo da totalização da razão que pretende sempre abarcar e reduzir o outro ao semelhante, ou seja, ao mesmo.
Hamlet quer ser primordialmente o outro enquanto outro. Sua alteridade é superior a toda e qualquer ordem estabelecida. Sua indiferença diante de todas as posses e propriedades constrange a todos. Ele pretende-se ser aquilo que ainda não é, ou seja, ser alguém que poderia construir sua própria história independente das determinações morais.
Hamlet é a marca cabal da liberdade da existência que se instaurará na modernidade. Kierkegaard é quem iniciará a construção dessa fisionomia do homem em desespero diante de
(^9) Subida do Hades; ascensão às realidades superiores da consciência; Fig.: tomada de consciência
em meio a essa debilidade, consegue construir um discurso pleno de significados, mas percebidos pelos seus interlocutores como absurdo e paradoxal. O sentido do seu discurso está além de sua imediata compreensão. Shakespeare cria um metadiscurso na fala do seu protagonista. Porém, mesmo para Hamlet seu discurso é cheio de metáforas, porque somente por essa via ele pode pretender que seus ouvintes alcancem a verdade. Talvez aí vislumbremos sua reconciliação. Talvez tenha sido esse o caminho que o homem moderno encontrou para reconciliar-se com si e com sua realidade.
Mas Hamlet, assim como Moisés, não usufruirá a terra prometida. A Dinamarca fará parte do reino da cosmopolitização pelas mãos de Fortimbrás. Esse reino do Universal que Hamlet tentou, sem sucesso, encontrar. Mas como afirmou Goethe, sua alma não tivera condições de realizar a grande tarefa que lhe fora imposta. Seu fardo, mesmo que pesado, não poderia ser deixado ao largo nem no caminho.
Mas, muito embora nosso Hamlet de Shakespeare seja alguém desprovido de virtudes heróicas, ele consegue, mesmo em sua existência vivida sob a égide da conspiração, fincar a marca da diferença. Diferença essa que a era moderna exaltará sob todos os meios de representação e que se tornou na Renascença o ponto de chegada de todos aqueles que queriam se desvencilhar da era da semelhança legada pela Cristandade medieval. Por conseguinte, o homem moderno não se assemelha mais ao seu criador. Ele quer ser criador de si mesmo. Por isso, a instauração do sujeito em Hamlet pelas mãos de Shakespeare é o prenúncio cartesiano do eu que precisa duvidar de tudo, inclusive de sua própria existência.
Salvador, 15 de novembro de 1998.
Bibliografia consultada:
AUERBACH, Erich. O Príncipe Cansado. In: Mimesis. São Paulo: Perspectiva, 1998 BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes FERGUSSON, Francis. Hamlet, Príncipe da Dinamarca: A Analogia da Ação. In: Evolução e Sentido do Teatro. Rio de Janeiro: Zahar, 1964. PETIT ROBERT. Dictionnaire Universel de Noms Propres. Paris: Le Robert SHAKESPEARE, William. Hamlet. In: Hamlet e Macbeth. Tradução de Anna Amélia Carneiro de Mendonça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.