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Guias e Dicas
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GUITTON, Jean. O trabalho intelectual. Conselhos para os que, Provas de Tradução

GUITTON, Jean. O trabalho intelectual. Conselhos para os que estudam e para os que escrevem. Trad. Lucas Félix de Oliveira Santana.

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Fatima26
Fatima26 🇧🇷

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Lumen Veritatis - vol. 11 (1-2) - n. 42-43 - Janeiro a Junho - 2018, p. 135-218 213
Resenhas
GUITTON, Jean. O trabalho intelectual. Conselhos para os que
estudam e para os que escrevem. Trad. Lucas Félix de Oliveira Santana.
Campinas: Kírion, 2018, 156p. ISBN: 978-85-94090-11-9.
Esta interessante obra, apresentada
pela Editora Kírion, em muito boa
tradução, é capaz de entusiasmar os
que se dedicam ao ensino de redação,
como também aos que desejam tornar-
se bons escritores, por variados motivos,
antes de tudo pelo autor e por sua
história de vida. O Prof. Guitton (1901-
1999), famoso filósofo católico francês,
catedrático na Sorbonne e membro da
Academia Francesa, teve o privilégio de
atravessar o século XX de ponta a ponta,
tornando-se testemunha das mudanças
fundamentais que afetaram a sociedade,
mas sobretudo o homem, naquilo que ele
tem de mais característico, a capacidade
de pensar.
Neste livro, publicado originalmente
em 1951, cujo tema central é a
capacidade de pensar e de exprimir-
se, ele procura caracterizar a atividade
intelectual, especialmente no que
concerne à escrita, estudando-lhe as
diversas fases, os elementos de que se
compõe, os recursos de que pode se
servir p ara desenvolver-se e amadurecer,
tudo isso entremeado com conselhos de
experimentado professor e de filósofo,
cuja vida profissional decorreu em todos
os níveis de ensino e para diferentes
públicos. De fato, o Autor, que foi
prisioneiro na Alemanha durante a II
Guerra Mundial, vai relatando ao longo
do texto, despretensiosamente, suas
vivências, seu aprendizado com a vida,
com seus alunos, com seus colegas. A
familiaridade com que cita os astros
da intelectualidade humana, sem
preocupar-se com a citação das fontes
que escolhe, leva o leitor a discernir a
segurança de sua renomada erudição,
ancorada na honra de seu próprio nome,
coisa que a ditadura das normas técnicas
vai apagando.
A linguagem de que se utiliza é
muito clara e ordenada, assim como a
organização do assunto. Vê-se bem que
ele aplica os conselhos que apresenta aos
leitores, garantindo-lhes credibilidade.
Suas experiências durante a guerra e
sua amizade com militares o levam a
formular interessantes analogias entre a
arte bélica e a arte literária. “O trabalho
intelectual, tal como nos permitimos
praticá-lo por rotina, parece-se com
aquela ‘batalha paralela’ da velha
estratégia: não se escolhia o lugar
onde o esforço fosse mais necessário;
batalhava-se de igual modo e com
igual esforço em toda a parte [...]. A
guerra de manobra, concebida como
uma aplicação total do esforço sobre
certos objetivos previamente definidos,
evoca a concentração da atenção sobre
o âmago de determinados problemas”
(p. 38). Ou ainda: “Essas verdades da
arte da guerra encontram-se de novo
na arte de viver; e nos exames, que são
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GUITTON, Jean. O trabalho intelectual. Conselhos para os que

estudam e para os que escrevem. Trad. Lucas Félix de Oliveira Santana.

Campinas: Kírion, 2018, 156p. ISBN: 978-85-94090-11-9.

Esta interessante obra, apresentada pela Editora Kírion, em muito boa tradução, é capaz de entusiasmar os que se dedicam ao ensino de redação, como também aos que desejam tornar- se bons escritores, por variados motivos, antes de tudo pelo autor e por sua história de vida. O Prof. Guitton (1901- 1999), famoso filósofo católico francês, catedrático na Sorbonne e membro da Academia Francesa, teve o privilégio de atravessar o século XX de ponta a ponta, tornando-se testemunha das mudanças fundamentais que afetaram a sociedade, mas sobretudo o homem, naquilo que ele tem de mais característico, a capacidade de pensar. Neste livro, publicado originalmente em 1951, cujo tema central é a capacidade de pensar e de exprimir- se, ele procura caracterizar a atividade intelectual, especialmente no que concerne à escrita, estudando-lhe as diversas fases, os elementos de que se compõe, os recursos de que pode se servir para desenvolver-se e amadurecer, tudo isso entremeado com conselhos de experimentado professor e de filósofo, cuja vida profissional decorreu em todos os níveis de ensino e para diferentes públicos. De fato, o Autor, que foi prisioneiro na Alemanha durante a II Guerra Mundial, vai relatando ao longo do texto, despretensiosamente, suas vivências, seu aprendizado com a vida, com seus alunos, com seus colegas. A familiaridade com que cita os astros da intelectualidade humana, sem preocupar-se com a citação das fontes que escolhe, leva o leitor a discernir a segurança de sua renomada erudição, ancorada na honra de seu próprio nome, coisa que a ditadura das normas técnicas vai apagando. A linguagem de que se utiliza é muito clara e ordenada, assim como a organização do assunto. Vê-se bem que ele aplica os conselhos que apresenta aos leitores, garantindo-lhes credibilidade. Suas experiências durante a guerra e sua amizade com militares o levam a formular interessantes analogias entre a arte bélica e a arte literária. “O trabalho intelectual, tal como nos permitimos praticá-lo por rotina, parece-se com aquela ‘batalha paralela’ da velha estratégia: não se escolhia o lugar onde o esforço fosse mais necessário; batalhava-se de igual modo e com igual esforço em toda a parte [...]. A guerra de manobra, concebida como uma aplicação total do esforço sobre certos objetivos previamente definidos, evoca a concentração da atenção sobre o âmago de determinados problemas” (p. 38). Ou ainda: “Essas verdades da arte da guerra encontram-se de novo na arte de viver; e nos exames, que são

batalhas figuradas, falha-se ou perde- se por causas semelhantes. Quantos candidatos não reprovam porque não compreenderam o ponto, por não terem adaptado seu conhecimento ao assunto, uma vez este compreendido, por terem se servido de um esquema ou de um tema sem aplicarem-no ao que se perguntava, em suma, por terem fugido ao esforço? Os insucessos a que chamamos ‘pouca sorte’, na maior parte das vezes são devidos aos nervos ou à abdicação” (p. 49). De sua atividade como pintor, que desenvolveu desde a infância, extrai ele uma boa comparação para justificar sua obra: “O que me levou a escrever este livro de auxílio foi a lembrança de turmas de aprendizes trabalhando no ateliê de um professor de desenho. Este não procede como procedem os professores de letras ou de ciências. Vê como ele opera: cada aluno exercita- se a seu modo diante do modelo ou de obras inimitáveis. De vez em quando, os alunos ouvem o mestre resmungando entre eles; depois, eis que toma o lugar de um dos alunos e vai corrigir ali, à sua vista, os seus esboços. Ora, no meu entender, tais métodos têm mais valor do que todos os cursos do mundo. De minha parte, teria eu preferido passar

  • como fizeram os Tharaud – um único dia no ateliê de Barrès a acompanhar durante meses os cursos de licenciatura na Sorbonne” (p. 15). O trabalho intelectual é dividido em onze capítulos, nos quais são estudados os passos para uma boa produção. Mais do que a orientação para a criação de um texto, Guitton propõe uma via de formação intelectual, marcada por suas raízes católicas, embora estas tenham sido bem atingidas pelo relativismo e ateísmo de vários pensadores do século XIX ou de seus contemporâneos. Na conclusão do primeiro capítulo “Observando como os outros trabalham”, afirma Guitton: “A intelectualidade não deveria separar- se da espiritualidade. Sei bem que perdemos o sentido dessas relações entre inteligência e alma. Sofre a nossa época da separação que consentiu, entre a técnica e o espírito” (p. 33). Bastante útil é a maneira como vai desfazendo os obstáculos que naturalmente são levantados pelos aprendizes no esforço da criação. Assim, no subtítulo “A preparação do trabalho”, o Autor chama a atenção para a “contribuição do desfavorável”, ou seja, como aproveitar as circunstâncias adversas para a produção intelectual. E comenta: “As condições mais favoráveis nem sempre são as melhores, tanto o homem desperdiça aquilo que possui em superabundância” (p. 45). Mais adiante transcreve um longo trecho dos irmãos Tharaud, em que discorrem sobre os hábitos intelectuais de Maurice Barrès, que costumava chamar de “monstros” as ideias primeiras e a aglutinação de dados a respeito de um assunto, ou seja, o primeiro esboço de um trabalho. O Prof.

e trabalho , assim também devemos distinguir as aulas dadas por professores das aulas dadas por mestres. Para as aulas vulgares, poder-se-ia adotar uma espécie de taquigrafia; e o segundo método [tomar notas só de vez em quando e depois, em casa, reproduzir a lição em linguagem clara e concisa] ficaria reservado apenas para as lições raras e magistrais” (p. 121). Sobre o valor da aula, ressalta: “O que se procura numa aula é a comunicação do pensamento, é o espírito e não a letra, por si mesma quase sempre estéril. E mais ainda que a palavra (que cada vez mais se encontra no rádio), o que se procura ver é a pessoa na sua integridade, e vê-la com os olhos, através dos gestos, das maneiras e das fraquezas que ela tem” (p. 120). Eis aí um bom ponto de reflexão para os professores. Quem diria, naqueles idos anos em que foi escrito o livro, que o seguinte fenômeno já era observado: “A crise do ensino secundário e superior resulta em parte da incapacidade da juventude para utilizar a linguagem” (p. 124). E também: “O que lhes falta [aos alunos], sobretudo, são palavras para desenvolver a ideia que pretendem expor” (p. 132). Se visse ele os problemas com se debatem os mestres atualmente! Muito reconfortante para estes dias dominados pela vulgaridade é um dos subtítulos do capítulo IX, sobre estilo: “Que o excelente custe menos esforço que o medíocre”. Aqui ele exalta o papel do esforço para a criação literária: “É uma tentativa de recolhimento interior, de sinceridade consigo próprio, juntamente com um horror ao banal, ao que já foi dito” (p. 129). Ao ensinar a organização das fichas, utiliza-se o Prof. Guitton da bela expressão “rosa-dos-ventos”, que pode ser traduzida pelos termos cibernéticos tags ou metadados. É ou não verdade que pensar em rosa-dos-ventos é muito mais inspirador do que usar o monossilábico americano tag? Enriquece a interessante obra tratando, no capítulo X, sobre “O trabalho no estado de fadiga e de sofrimento”. Aqui aborda a aridez que costuma cercar os aprendizes e os escritores em determinados momentos. Muito inspirador é o subtítulo “A noite do espírito”, em que, entre tantas ideias de valor, apresenta esta: “O mais belo no trabalho intelectual (e mesmo na escola, tão carregada de convenções) é que o trabalho do espírito é o espelho e o prelúdio daquilo que será mais tarde largamente prodigalizado pela vida. O aluno que tenta e que desespera, o que fracassa depois de ter procurado longamente, o que é incompreendido pelo professor ou que não o compreende, tudo isso ensina a existência, ainda mais que o cálculo e a gramática. [...] É raro ver os pedagogos insistirem nessa semelhança entre a escola e a existência, que no entanto é para mim o segredo fundamental de toda a pedagogia – para que serviria estudar

se o estudo não nos preparasse para as leis cheias de exceções, para as alegrias sombreadas pelas tristezas, pelos acasos que aparecem como constelações enigmáticas, sobre as quais é preciso que haja um certo domínio?” (p. 149- 150). Quase como um adendo, o Prof. Guitton encerra o livro com Fragmentos de uma carta a um jovem de nosso tempo. É uma coletânea de conselhos despretensiosos dados a algum afortunado aluno, que relacionam a atividade intelectual com princípios morais e religiosos, dignos de reflexão, como o que conclui a obra: “O principal é fazer o que aconselhava o velho Eclesiastes: dar-se à alegria no trabalho, fazer com que a alma se alegre em meio ao trabalho” (p. 156). Enfim, sem dúvida esta obra traz um contributo valioso para os que se dedicam às letras, apresentando uma visão da produção textual enriquecida com reflexões filosóficas e pedagógicas. Que as ideias expostas pelo Prof. Jean Guitton sirvam para levar os mestres a refletir sobre os importantes pontos levantados pelo experiente autor, a fim de que possam dirigir os alunos ao pleno domínio da linguagem e colaborar, assim, no desenvolvimento do pensamento e da vida humana, sobretudo para que cumpram a sua finalidade: conhecer e amar a Deus sobre todas as coisas. Angela Maria Tomé, EP