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Este documento oferece uma análise abrangente do romance "o olho mais azul" de toni morrison, que narra a formação de três meninas negras na década de 1950 nos eua. O texto explora as experiências paralelas das personagens, incluindo peccola, que sofre indiferença e abandono, e as formas subjetivas de resistência que elas adotam. Além disso, o documento discute a importância dos elementos góticos no romance de formação feminino e a relação entre a identidade racial e a masculinidade negra.
Tipologia: Provas
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1 Todas as citações do romance serão dessa edição.
Cintia Schwantes
meiro, Peccola menstrua pela primeira vez: mulhe- res sangram e não devem exercer sua sexualidade com outras mulheres. Em outro episódio importan- te, Frieda é atacada sexualmente pelo Sr. Henry, hós- pede da casa. Este incidente é particularmente profí- cuo porque, temerosa de virar uma perdida, Frieda conclui que ficará gorda como as prostitutas que elas conhecem. Uma delas, no entanto, é magra - a mãe das meninas afirma que é porque o álcool a consumiu. As duas concluem que Frieda precisa tomar uma bebida alcoólica para não virar uma perdida; mas, onde duas meninas poderiam conseguir whiskey? Cláudia suge- re a casa de Peccola, pois seu pai vivia bêbado. A ami- ga, no entanto, não está em casa. A prostituta que mo- rava no andar de cima as convida para entrar e espe- rar, mas Frieda recusa: ela, que não quer virar uma mulher desonrada, alinha-se com a mãe e com as mulheres honestas contra as perdidas. A prostituta, a quem Peccola chama de Se- nhorita Marie e as meninas, Linha Maginot, atira aos pés delas uma garrafa do refrigerante que acabara de tomar. Linha Maginot e China são negras e Polaca é loura, mas, excluídas que são, elas não parecem dar muita importância à cor da pele umas das outras. Significativo, também, é que elas acolhem Peccola, e a menina procura a companhia delas que, ao contrá- rio dos outros adultos, a tratam bem. No entanto, Li- nha Maginot declara guerra, disparando um projétil contra Frieda, porta-voz da mãe, uma mulher "direi- ta". Quando as meninas decidem ir à casa da patroa da mãe de Peccola, Cláudia objeta que, se a mãe desco- brisse que elas haviam ido tão longe sem pedir per- missão, ficaria furiosa, e argumenta:
é dar uma surra na gente. Verdade. Ela não ia nos matar, soltar uma gargalhada terrível nem atirar uma garrafa em nós. (p. 106)
Assim, o que mais as assusta não é a violên- cia das surras da mãe, é o mundo desconhecido das mulheres desonradas e a reação inesperada de Li- nha Maginot. Através de todo esse incidente, as meninas aprendem, confusamente, qual é o lugar social reservado às mulheres "perdidas" e qual é reservado às mulheres "direitas". Quando chegam à casa da patroa da senho- ra Breedlove, a amiga, acidentalmente, derruba uma torta de mirtilos ainda quente, queimando- se. A mãe grita com ela, enquanto acalma com muita doçura a filha da patroa, que ficara assustada com o barulho e lhe perguntara quem eram aquelas meninas. A senhora Breedlove respondera: ninguém. Meninas negras não são ninguém, ao passo que meninas bran- cas merecem atenção e carinho, inclusive das mu- lheres negras, mesmo daquelas que tratam com dureza suas próprias filhas. Essa diferença, agudamente sentida pela nar- radora, provoca nela ressentimento e revolta, além de curiosidade: o que aquelas meninas têm, que falta a ela, a Frieda, a Peccola? O ressentimento e a revolta traduzem-se na vontade de agredir fisicamente as meninas brancas. Na impossibilidade de agir sobre essa vontade, ela quebra as bonecas brancas que ga- nha de presente, e as reprimendas da mãe são reveladoras do quanto ela absorvera o padrão domi- nante de beleza, através de seu desejo, realizado na filha, de ter uma boneca loira. Situado na época de prosperidade do pós-guerra, o romance passa-se em um momento em que as famílias proletárias, inclusi- ve negras, alcançam um certo nível de conforto, au- sente na infância da geração dos pais.
Cintia Schwantes
será esse o caso de Peccola. A formação de uma protagonista negra car- rega uma quantidade muito grande, quase insupor- tável, de sofrimento, que se torna suportável apenas quando, mesclado a ele, encontra-se o prazer (saber- se amada, no caso de Cláudia). Quando as fontes de prazer inexistem ou são muito escassas, o que parece ser o caso de Peccola, o enlouquecimento aparece como a única opção que resta. O conceito de Paul Gilroy de "sublime escravo" aponta para essa estra- tégia de sobrevivência. A dor só se torna suportável se há algo - algo imediato e palpável, mas não neces- sariamente material, como a fé, por exemplo - que possa compensá-la. O sofrimento é tão constante na vida das populações negras que é impossível encon- trar fontes de prazer não contaminadas. O prazer, caso se queira encontrá-lo, virá inextricavelmente misturado com a dor. Como renunciar a ele levaria, definitivamente, ao desespero e à morte, impõe-se a necessidade de aceitar o prazer misturado à dor. Esse sofrimento, infligido de forma constante e legitima- do por todo um aparato ideológico, conduz ao senti- mento de culpa por parte do oprimido, mesmo quan- do ele não consegue localizar onde essa culpa residi- ria. Novamente, esse é o caso de Peccola. Ela crê que, se fosse uma menina bonita, as brigas constantes en- tre o pai e a mãe cessariam. Esse é um dos motivos pelos quais ela deseja ter olhos azuis:
Tinha ocorrido a Peccola, havia algum tempo, que, se seus olhos ... fossem diferentes, ou seja, bonitos, ela seria diferente. ... Se tivesse outra aparência, se fosse bonita, talvez Cholly fosse diferente, e a Senhora Breedlove também. Talvez eles dissessem: "Ora, vejam que olhos bonitos os da Peccola. Não devemos fazer coisas ruins na frente de olhos tão bonitos." (p. 50).
É comum que as crianças se sintam res- ponsáveis pelas desavenças entre os pais e pen- sem que, se fossem diferentes, as coisas seriam melhores. Significativo é que Peccola deseja ter olhos azuis, atributo do símbolo de beleza infantil que é Shirley Temple. O duplo - elemento constante nos romances góticos - aparece, também, em O olho mais azul. Utilizados em romances de formação feminina, os elementos góticos têm a função de desestabilizar a progressão linear do romance de formação, permi- tindo que ele expresse uma experiência especifica- mente feminina. Cláudia, a narradora autodiegética, duplica-se em Frieda, sua irmã mais velha, que pas- sa pelas mesmas experiências que ela com antece- dência, o que lhe permite se antecipar ao que aconte- cerá. Assim, a reflexão, que geralmente é provocada pela experimentação, pode, nesse romance, aconte- cer antecipadamente, quebrando a seqüência lógica do Bildungsroman. Mas essa não é a única duplicação que acon- tece no romance. Cláudia e Frieda têm, igualmente, um duplo ém Peccola, que parece congregar todos os aspectos negativos da formação de uma protago- nista negra. Ela é rejeitada por todos: professores, o judeu dono da loja de doces, os colegas, a própria mãe (que ela chama, respeitosamente, de Senhora Breedlove). Quando Peccola menstrua pela primei- ra vez, as três meninas estão sentadas na varanda, tentando escapar da voz da mãe da narradora, que invectiva contra "alguém" que bebeu três garrafas de leite - ou seja, Peccola, já que as outras duas meni- nas não gostavam de leite. Frieda tenta resolver a situação a partir de seus próprios conhecimentos - ela sabe o que significa o sangramento da amiga. O episódio é importante não apenas porque revela a capacidade de iniciativa de Frieda, e a prontidão de
Grau Superlativn do Inferioridade: o olho mais azul
Cláudia em aderir à ação proposta pela irmã. Ele é importante, principalmente, porque marca o momen- to a partir do qual Peccola torna-se capaz de conce- ber. Para Cláudia, cujo conhecimento de relações amorosas prende-se, principalmente, às canções melancólicas de amor que a mãe canta sobre alguém que abandona a persona da canção, a resposta de Frieda à indagação de Peccola quanto ao modo de ficar grávida ("alguém tem que amar você"), poder conceber é algo positivo. Mas, no caso de uma meni- na negra, sobre a qual convergem as amarguras de sua comunidade, o que deveria ser uma benção (como indica a mudança de humor da mãe da narradora, da zanga ao riso, quando sabe do acontecido) torna- se uma maldição que precipitará Peccola, irreversivelmente, na loucura. A preocupação confessa de Morrison era a de, expondo como Peccola foi vitimada por todos, não vilanizar ninguém, nem Cholly, que estuprou e engravidou a própria filha. E isso, apesar dessa gra- videz ser duplamente traumática: ela decorre de um estupro perpetrado pelo pai. Um índice textual apon- ta o que acontecerá quando Frieda e Cláudia socor- rem Peccola, no pátio da escola, do meio de um cír- culo de meninos que afirmam que ela havia visto o próprio pai nu. A negativa aflita de Peccola quando é confrontada por Maureen, a menina mulata que to- dos cortejam (inclusive os professores) porque é bo- nita, só confirma a afirmação dos meninos. Cholly Breedlove, de fato, dormia nu, enquanto Pauline Breedlove usava um vestido velho para dormir - pijamas estavam fora de suas posses. Cada um tem sua história: Pauline sobrevivendo a um ferimento no pé que sofrerá em tenra infância e a deixara man- ca para o resto da vida, oriunda de uma comunidade rural isolada. Cholly fora criado por uma tia-avó de- pois de ter sido abandonado pela mãe. Com a morte
dela, ele deveria ir morar com parentes distantes, mas resolve pegar as economias da tia e partir em busca de seu pai. O encontro é frustrante - o pai o xinga sem reconhecê-lo, e ele não tem coragem de se apresentar. Vivendo em um mundo feminino, sem referência paterna, a primeira experiência masculi- na de Cholly é também mal-sucedida. Durante o ve- lório da tia, ele e uma adolescente se internam na mata e começam a fazer amor. Nesse momento, são surpreendidos por um grupo de caçadores brancos. Um deles foca a lanterna nas nádegas deCholly. Desse estupro simbólico resultará não ódio pelos caçado- res, que poderia destruí-lo, mas ódio pela menina negra com quem fazia amor. Esse ódio, mais tarde, transferiu-se para a esposa. Embora o casamento ti- vesse começado por amor, a mudança para a grande cidade, à qual Pauline tivera dificuldade de se adap- tar, e a falta de dinheiro, acabaram por azedar as relações entre eles. Paul Gilroy explicita a maneira como as rela- ções de gênero se organizam na comunidade negra, em que a identidade do grupo é determinada pela definição de uma masculinidade negra:
O gênero é modalidade na qual a raça é vivida. Uma masculinidade ampliada e exagerada tem se tornado a peça central de fanfarronice de uma cultura de compensação, que timidamente afaga a miséria dos destituídos e subordinados. Essa masculinidade e sua contraparte feminina relacionai tornam-se símbolos especiais da diferença que a raça faz. Ambas são vividas e naturalizadas nos padrões distintos de vida familiar aos quais supostamente recorre a reprodução das identidades raciais, (p. 179)^2
2 GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34, 2001.
Grau Superlativo de Inferioridade: o olho mais azul
GILBERT, Sandra and GUBAR, Susan. Noman's land. Theplace ofthe woman writer in the twentieth century. New Haven: Yale University Press, 1994.
GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Pau- lo: Editora 34, 2001.
MORRISON, Toni. O olho mais azul. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
PAYANT, Katherine B. Female friendship in the contemporary Bildungsroman. In WARD, Janet D. e MINK, Jo Anna Stephen. Communication and women's friendship: parallels and intersections in literature and life. Bowling Green, Ohio: Bowling Green State University Press, 1993.