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GOMES-Álvaro-Cardoso-O-Simbolismo.pdf, Notas de aula de Poesia

Mas por que tais características exercerão tanta influencia nos dois principais poetas do Simbolismo francês? Em primeiro lugar, vale a pena discutir a ...

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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O SIMBOLISMO

PRINCÍPIOS

Álvaro Cardoso Gomes Professor-associado de Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo

Origens

Marco inicial O Simbolismo surge no fim do século XIX, mais precisamente em 1857, quando o poeta Charles Baudelaire publica sua obra As flores do mal. Essa obra provocou o maior escândalo na época, porque não só mexeu com temas-tabus em poesia, como também procurou criar um novo tipo de poesia. Devido ao escândalo, Baudelaire chegou, inclusive, a ser processado por obscenidade. Por que um título tão estranho para uma obra poética? Num dos prefácios desse livro, Baudelaire assim o explica:

Poetas ilustres tinham dividido há muito tempo as províncias floridas do domínio poético. Pareceu-me prazeroso, e tanto mais agradável, porque a tarefa era mais difícil, extrair a beleza do mal. (Les fleurs du mal. Paris, Garnier, 1961. p. 248.)

Com base nessa poesia, Baudelaire compõe um livro cheio de imagens alucinantes. Tendo como pano de fundo a Paris do século XIX, o poeta fala do tédio que os tempos modernos lhe inspiram, da solidão existencial do homem, de amores fracassados e, sobretudo, de coisas sórdidas, repugnantes, como acontece, por exemplo, no poema "Uma carcaça":

As moscas zumbiam sob este ventre pútrido, De onde saíam negros batalhões De larvas, que escorriam como um líquido espesso Ao longo dos vivos rasgões.

("Une charogne", ibidem, p. 34)

Por que essa atração pelo mal, por aquilo que convencionalmente não seria objeto de interesse para um poeta? Ainda: como extrair beleza do mal? Na realidade, Baudelaire estava criando uma nova concepção de poesia. No passado, durante as eras clássicas e românticas, a arte era ligada, de modo geral, ao bem, e a beleza era entendida como algo que fosse harmonioso, que provocasse sensações agradáveis nos leitores. Baudelaire evidentemente se insurge contra esse conceito de poesia e, por conseqüência, de belo; daí sua intenção de extrair beleza também do que é sórdido, do que é feio. Com isso, o poeta francês pretendia causar um choque no leitor passivo, acostumado com o convencional:

Leitor pacífico e bucólico, Sóbrio e ingênuo homem de bem, Joga fora este livro saturniano, Orgíaco e melancólico. Se não aprendeste tua retórica Com Satã, o astucioso deão, Joga-o! tu não compreenderás nada, Ou acreditarás que sou histérico.

Mas se, sem se deixar encantar, Teu olho souber mergulhar nos abismos, Leia-me, para aprender a me amar;

Alma curiosa que sofres E vais procurando teu paraíso, Lastima-me!... senão, te maldigo! ("Epígrafe para um livro condenado", ibidem, p. 177.)

imediata aplicação nas indústrias. Mas a relação entre a Revolução Industrial e as ciências não se restringe tão-só à invenção por parte destas de um melhor maquinado para o desenvolvimento das indústrias. O progresso industrial, que trouxe inegáveis benefícios à humanidade, tem seu paralelo numa concepção científica e materialista das coisas, que procurava explicar o sentido do universo quase que exclusivamente através da razão. Durante a vigência da Revolução Industrial surge, portanto, uma geração de intelectuais que despreza a metafísica, em nome do conhecimento experimental da realidade. O mais importante deles foi Auguste Comte, criador do Positivismo, teoria científica, baseada na sociologia, que defendia a aproximação positiva, objetiva da realidade. Seguindo os postulados de Comte, Taine, com o Determinismo, tenta explicar o universo à luz de determinantes fixos (a raça, o meio e o momento histórico). Cientistas como Darwin e Lamarck, por sua vez, buscam conhecer o homem a partir das teorias evolucionistas. Como se verifica, tanto Comte quanto Taine, Darwin e Lamarck se apóiam num conhecimento eminentemente racionalista do real. A euforia provocada pela crença no progresso, pelas grandes descobertas científicas, paradoxalmente acabaria por levar a séria crise. A Revolução Industrial, ao criar a fantasia do paraíso material do consumismo, da produção em massa de objetos, em determinado instante, mostra o outro lado da moeda. Os centros urbanos tornam-se mais agitados, mais ricos, contudo, expõem, ao mesmo tempo, a miséria dos aglomerados humanos dos bairros de lata.

A automatização, que leva à produção de manufaturados em série, transforma o operário numa engrenagem da máquina. A obsessão pelo consumo, pela produção desenfreada de novidades, leva ao modismo, ao princípio de que tudo é transitório, inclusive os critérios de gosto e de arte. Os objetos artísticos, como as mercadorias, passam a ser consumidos vorazmente e, por causa disso, têm curta duração. Em conseqüência, o homem passa a ter a sensação de que vive num mundo fragmentário e de valores efêmeros. Quanto à geração da "Razão Triunfante", tem suas certezas abaladas por novas concepções de mundo, que desprezam os métodos de abordagem do real, fundados em pressupostos experimentalistas. Arthur Schopenhauer, em sua obra O mundo como vontade e representação (1819), concebe a realidade como mera "representação", ilusão de nossos sentidos, portanto inacessível à abordagem positiva e experimental. O ato de conhecer, ao contrário do que acreditavam os positivistas, é algo impossível, limitado e por isso mesmo acarretará sofrimento ao homem:

À medida que o conhecimento se torna mais claro e que a consciência aumenta, o sofrimento cresce, chegando no homem ao grau supremo; e é neste ponto tanto mais violento quanto melhor é o homem dotado de lucidez do conhecimento, quanto mais excelsa a sua inteligência: aquele em que está o gênio, é sempre aquele que maiormente sofre. (3. ed. São Paulo, Brasil Ed., 1963. p. 77.).

Isto se dá pelo fato de a vontade (e não a razão, como queriam os positivistas) impulsionar cegamente o homem à conquista do mundo. Mas como a realidade é mera ilusão, resulta daí que nada há que conquistar:

Querer e aspirar, eis toda sua essência (do homem), estreita-mente igual a uma sede que nada pode mitigar. Mas a base de cada querer é uma falta, é uma indigência, é a dor. (Ibidem, p. 80).

Concebendo desse modo a realidade e o ser, Schopenhauer rejeita a crença eufórica no progresso, nos procedimentos racionais e sobrevaloriza a passividade, o abandono de qualquer ambição. O pessimismo schopenhauriano fará escola dentro do Simbolismo, principalmente no que diz respeito ao culto da dor e da atitude passiva diante da vida.

Discípulo de Schopenhauer, Nicolau von Hartmann, em sua Filosofia do in- nconsciente (1869), cria a idéia do Inconsciente, entidade desconhecida que existe por detrás de tudo e que é totalmente inacessível. Espécie de divindade oculta e indiferente ao destino do ser, o Inconsciente, segundo Hartmann, daria explicação aos fenômenos, mas essa explicação não chegaria ao conhecimento do homem. Desse modo, o filósofo alemão contraria frontalmente a um Taine e a seus princípios deterministas. O sentimento de impotência diante do enigma do universo, de acordo com as teorias de Hartmann, será outro dos tópicos fundamentais da poesia do fim do século XIX. Um poeta como o português Antero de Quental, que começou sua carreira literária dentro do Realismo, assim expressará seu pessimismo frente à incógnita em que se transformou o universo, regido pela força desconhecida do "inconsciente":

Espírito da decadência

Os malefícios advindos da Revolução Industrial (o inchamento das grandes cidades, os bairros de lata, a obsessão com as modas), somados à dúvida quanto à eficácia dos métodos científicos para compreender o real, instauraram de vez a crise que estava latente no ar. O homem que acreditava ter acesso aos segredos do universo, via razão e via progresso, vê de repente que tudo não passa de ilusão, que o universo é regido por forças incontroláveis que ele desconhece completamente. Esse sentimento leva-o à descrença, ao desalento e faz com que adote uma postura de desprezo em relação a tudo que lembra o mundo burguês da luta, da operosidade, da conquista.

Refletindo o pessimismo do período, surge nessa época um tipo de homem que volta às costas à sociedade materialista e que procura cultivar dentro de si as sensações mais refinadas. Esse homem, conhecido como decadente, fecha- se em sua torre de marfim e só na orgulhosa solidão é que parece encontrar conforto para o sofrimento proveniente do desconforto com o mundo grosseiro e hostil. O simbolista Verlaine, num poema como "Langor", expõe um sentimento de decadência, um sentimento de prazer mórbido, doentio, como se desejasse que os valores da civilização ocidental caíssem por terra: Eu sou o Império no fim da decadência, Que olha passar os grandes Bárbaros brancos Compondo acrósticos indolentes Num estilo de ouro onde o langor do sol dança. A alma solitária sofre no coração de um denso tédio. Além se diz que é por causa de grandes combates sangrentos Oh não ser capaz disso, sendo tão frágil, de votos tão lentos, Oh não querer florir um pouco esta existência! Oh não querer, oh não poder morrer um pouco! Ah! tudo foi bebido! Bathylle, terminaste de rir? Ah! tudo foi bebido,

tudo foi comido! Nada mais a dizer! Somente um poema um pouco simplório que se lança ao fogo, Somente um escravo um pouco libertino que vos negligencia, Somente um tédio por não se saber o que vos aflige! (O Euvres poétiques completes. Paris, Gallimard, 1965. p. 370-1.)

Dessa maneira, é possível dizer que o homem ativo, amante do progresso, dos meados do século XIX, cede lugar ao homem de sentidos refinados, um aristocrata, que cultiva prazeres extravagantes e que manifesta o maior desprezo pela vida social.

O melhor exemplo desse anti-herói do fim do século é Des Esseintes, a personagem principal de Às avessas (1884), estranho romance de Joris-Karl Huysmans. Essa obra, praticamente sem enredo, trata de um nobre que resolve abandonar a sociedade burguesa materialista e se refugia numa propriedade no campo. Lá, tranca-se, isola-se e passa o tempo cultuando as coisas que mais ama: a leitora de velhos livros do tempo da decadência latina, os poentas malditos modernos, as sensações extravagantes, como o odor de especiarias e perfumes, a visão de plantas exóticas, etc. Sua casa torna-se, desse modo, o espaço reservado para o gozo de tudo que é artificial, tudo que é contrário à opinião comum:

Seu desprezo pela humanidade aumentou; compreendeu enfim que o mundo se compõe, na maior parte, de sacripantas e imbecis. Decididamente, não tinha nenhuma esperança de descobrir em outrem as mesmas aspirações e os mesmos rancores, nenhuma esperança de acasalar-se com uma inteligência que se comprazesse, como a sua, numa estudiosa decrepitude; nenhuma esperança de associar-se a um espírito penetrante e torneado como o seu, de um escritor ou de um letrado. [.-]

símbolo: consideraram as idéias, os sentimentos, a História, o mítico, o fato particular, como existente em si poeticamente. (Entrevista a Geles Bret, lixo de Paris,

1891. Apud Les premières armes du Symbo-lisme. Texte presente et annoté par Michael Pakenham. University of Exeter, 1973. p. 68.). Mallarmé também criticará nos parnasianos a mania de falar diretamente das coisas, de desprezar o senso do mistério:

Os jovens estão mais próximos do ideal poético do que os parnasianos, que ainda tratam seus temas à maneira dos velhos filósofos e dos velhos retóricos, apresentando os objetos diretamente. (OEuvres completes. Paris, Gallimard, 1945. p. 868.).

Fundamentalmente, portanto, o Simbolismo tenta recuperar o idealismo do movimento romântico. Durante o Romantismo, segundo Ana Balakian, autora de O move-mento simbolista, "a poesia se apropriou do terreno do místico como uma espécie de sucedâneo da religião: os românticos buscavam analogias ou imitações do infinito". Esse idealismo romântico, por sua vez, apoiava-se nos princípios esotéricos de Emmanuel Swedenborg. Esse escritor sueco, que viveu durante o século XVIII (1688-1772), escreveu um livro que acabaria por se tornar a Bíblia tanto dos ·românticos quanto dos simbolistas. De coelo et de inferno (Sobre o céu e o inferno) (1758) é uma obra de caráter místico que tenta explicar as complexas relações entre o mundo celeste e os terrenos. A essas relações Swedenborg denominava "correspondências". Apoiando-se no princípio das correspondências, o romântico sonhava em pautar a vida terrestre pela celeste, a vida material pela espiritual ou ainda tentava anular uma em detrimento da outra, ao espiritualizar o concreto, o natural, para alcançar a plenitude junto a Deus. Negando o cientificismo e procurando recuperar a essência do Cristianismo, o romântico privilegiou o sujeito, o espírito, enquanto recusava o mundo material. O simbolista, em princípio, seguiu por esse mesmo caminho — em conseqüência disso, Swedenborg será novamente retomado no fim do século XIX.

Também é preciso assinalar que o Simbolismo irá recuperar e intensificar a idéia romântica de que a essência misteriosa das coisas só é possível de ser captada pela palavra educadora, pela palavra que supera a limitação da linguagem comumente utilizada pelos

homens. O mesmo se pode dizer do senso do mistério, tão caro aos simbolistas. O romântico Novalis dizia:

A Noite tornou-se o portentoso âmago das revelações — para onde os deuses retornaram e adormecem. (Hinos à noite. Trad. bras. São Paulo, Esfinge Ed., 1987.).

Ao dizer isso, o poeta alemão acreditava que a prática poética tinha algo a ver com a prática mística, no sentido de que ajudaria a traduzir o desconhecido, o misterioso, o invisível. Mas o poeta romântico que exercerá influência fundamental nos simbolistas será sem dúvida nenhuma Edgar Allan Poe. Ao conceber complexas teorias sobre o verso, através da manipulação dos efeitos musicais e da criação de sugestivas atmosferas poéticas, capazes de conduzir ao mundo do mistério, o poeta norte-americano revolucionou a poesia romântica. Contudo, o que mais interessou os simbolistas na poética de Poe foram a busca da poesia pura, o culto da música e da beleza e a crença na construção do poema, no controle quase que absoluto dos meios de expressão. Essas características causaram tanto fascínio sobre Baudelaire e Mallarmé que ambos procuraram por todos os meios divulgá-lo na França. O primeiro traduziu-lhe a obra; o segundo dedicou-lhe um soneto "O túmulo de Edgar Allan Poe". Mas por que tais características exercerão tanta influencia nos dois principais poetas do Simbolismo francês? Em primeiro lugar, vale a pena discutir a questão da poesia pura. Num tempo voltado para o progresso, para o utilitarismo, Poe difundirá a idéia de que a poesia tem um fim em si mesma, e que ela não visa a nenhum fim moral, como vem expresso no seguinte fragmento:

Tem-se suposto tácita e manifestamente, direta e indireta-mente, que o objetivo último de toda a poesia é a Verdade. Todo poema, diz-se, deveria inculcar uma moral, e por esta moral é que deve ser julgado o mérito poético do trabalho. [...] Metemos em nossas cabeças que escrever simplesmente um poema pelo poema e confessar que tal foi o nosso desígnio seria confessar-nos radicalmente carentes de verdadeira dignidade e força poéticas: mas o simples fato é que, se nos permitíssemos olhar para dentro de nossas próprias almas, descobriríamos imediatamente ali que, sob o sol, nem existe nem pode existir qualquer trabalho mais inteiramente dignificado, mais supremamente nobre do que este mesmo poema, este poema de per

Simbolismo — como a sugestão do mistério, o culto da musicalidade e da poesia pura —, além disso, evitou o exagero sentimental, o passionalismo.

Com base no que vimos até agora, verifica-se que o Simbolismo aproveita do Romantismo algumas características fundamentais, como o senso do mistério, o espiritualismo, mas rejeita o sentimentalismo, as manifestações subjetivas exageradas e, sobretudo, as manifestações poéticas grandiloqüentes. Devido a isso, o Simbolismo implicará uma revolução poética em relação ao movimento romântico, na medida em que aprofundará alguns aspectos desse movimento e, por conseqüência, não cairá nas armadilhas das emoções superficiais. Mas, para tanto, será necessário que reinvente a metáfora poética, através da prática do que se convencionou chamar de "símbolo".

Uma revolução poética

A teoria das correspondências

Em síntese, eis as características simbolistas que alguns românticos (e por vezes mesmo alguns parnasianos) anteciparam: a capacidade sugestiva, a musicalidade da expressão e o idealismo de origem platônica. Esta última, pedra de toque do Simbolismo, origina-se, como vimos, de Emma-nuel Swedenborg. Para o místico sueco, tudo na natureza teria um sentido simbólico e tudo manteria estreita correspondência com o mundo celeste, como se poderá verificar neste fragmento de sua obra:

Todas as coisas que existem na natureza, desde o que há de menor ao que há de maior, são correspondências. A razão para que sejam correspondências reside no fato de que o mundo natural, com tudo o que contém, existe e subsiste graças ao

mundo espiritual, e ambos os mundos graças à Divindade. (Du ciel et de l'enfer. Paris, E. Jung-Trenttel,1872.. pág. 64 )

Esses princípios esotéricos satisfizeram os românticos devido à sua íntima relação com os princípios cristãos. Entre os simbolistas, porém, este espiritualismo, que se insurgiu contra os pressupostos materialistas e positivistas, circunscreveu-se aos limites da natureza terrena. Aí uma distinção fundamental: enquanto o romântico sonhava em ascender a um paraíso, o simbolista, embora também espiritualista, via de regra, fazia do mundo terminal a sua morada. Quando o poeta açoriano Roberto de Mesquita diz no poema "Universalidade II" que tudo é animado por um ente invisível:

Enquanto se detém o vosso olhar À tona dos aspectos, impotente, No âmago de tudo, claramente, Eu descubro um espírito a cismar. (Almas cativas. Lisboa, Ática, 1973. p. 30.).

dá a entender, contudo, que esse espírito está agregado às coisas e pertence ao plano de experiência do homem, que precisa desenvolver sua capacidade de vidência para apreen-dê- lo. Assim, enquanto o romântico deseja abandonar a Terra para encobrir Deus, o simbolista almeja encontrar a unidade do material e do espiritual aqui na Terra mesmo, de modo a recuperar uma tonalidade perdida.

Essa temática, o "evangelho das correspondências", é pois o núcleo da estética simbolista. Ao desprezar o aparente, o visível, o simbolista parte em busca do que se oculta atrás das aparências, daquilo que constitui a essência das coisas. Concebendo assim o mundo, Swedenborg descarta a idéia de que os objetos do real tenham um sentido em si; na realidade, não passam eles de símbolos do mundo espiritual, da Divindade, como se pode ver na seguinte passagem:

A imagem inicial do templo é bem significativa, no sentido de que simboliza um local sagrado, ponto de encontro e de integração de todos os seres. O templo é uma construção diferente das demais; sua função é a de unir o profano ao sagrado, ou mesmo de ser um sinal de uma realidade misteriosa, inacessível. Na natureza tudo é animado: as árvores transfiguram- se, assemelhando-se a pilares vivos, por onde, às vezes, escapam confusas palavras. Confusas, porque o homem que passa não as entende. Esse passante involuntário é o ser alienado, que não tem acesso à realidade mágica; por isso, a linguagem da natureza soa a seus ouvidos como um conjunto de signos estranhos. Contudo, se para o homem a linguagem da natureza é indecifrável, o mesmo não se dá com o mundo natural. As florestas de símbolos observam o homem "com olhares familiares", o que implica o reconhecimento amoroso do homem por parte da natureza, pois, no templo natural, tudo o que existe é regido por uma harmonia universal, tudo se corresponde. Se os objetos do mundo sensível se correspondem e se o mundo natural corresponde ao espiritual, de que precisa o homem para intuir tais relações? A resposta a tal questão está nos tercetos do poema. Neles se fala das correspondência e/ou fusão dos diferentes sentidos. Assim, o perfume que é captado pelo olfato torna-se táctil como a carne fresca das crianças; também é auditivo, lembrando o tom grave dos oboés; e visual, porque remete ao verdor das pradarias. Ressalta-se, porém, que a fusão dos sentidos não se dá em cadeia, numa seqüência temporal; pelo contrario, realiza-se num só instante, como se o perfume fosse, a um só tempo, oloroso, táctil, auditivo e visual. Além disso, vale a pena assinalar que o mundo espiritual também é convocado, pois os perfumes despertam sensações de corrupção, de riqueza e de triunfo. O primeiro terceto, portanto, faz referências à fusão das diferentes sensações físicas e das sensações físicas com as espirituais. Ora, Baudelaire deseja esta totalidade do "espírito e dos sentidos", visando a um estado ideal para o homem. Em outras palavras, somente poderá ter acesso ao sentido das "confusas palavras" aquele que mostrar em si a unidade entre os sentidos e entre os sentidos e o espírito. O homem deveria, assim, alcançar a totalidade em seu exterior e interior, para poder participar do ritual no templo da natureza, depois de compreender e decifrar a esotérica linguagem que lhe é oferecida.

O Poeta, um Vidente.

A esse indivíduo capaz de decifrar o enigma da natureza, o segredo das correspondências, Baudelaire chama de "decifrador" e, dessa perspectiva, concebe um novo papel para o poeta:

Sabemos que os símbolos só são obscuros de um modo relativo, ou seja, conforme a pureza, a boa vontade ou a clarividência nativa das almas. Ora, o que é um poeta (tomo esta palavra na acepção mais ampla) senão um tradutor, um decifrador? (OEuvres complètes. Paris, Gallimard, 1951. p. 1077.). Algo equivalente expressará Rimbaud, o discípulo de Baudelaire, em sua famosa Carta ao vidente":

Eu quero dizer que é preciso ser vidente, fazer-se vidente. O Poeta se faz vidente através de um longo, imenso e racional desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele procura a si próprio, extrai de si todos os venenos para guardar apenas as quintessências. Inefável tortura, contra a qual necessita de toda a fé, de toda a força sobre-humana, através da qual se torna, dentre todos, o grande enfermo, o grande criminoso, o grande mal-dito — e o supremo Sábio! — Pois atinge o desconhecido! (OEuvres complètes. Paris, Gallimard, 1951. p. 254-5.).

Dentro do Simbolismo, portanto, a figura do poeta sofre uma alteração fundamental. Mais do que simples ser inspirado, como entre os românticos, ele se torna agora um visionário, que procura decifrar o sentido simbólico do mundo, para, em seguida, revelá-lo aos homens comuns através da palavra poética. O português pré-simbolista Gomes Leal assim expressa essa idéia do poeta visionário em "O visionário ou som e cor":

Eu sou um visionário, um sábio apedrejado,

Passo a vida a fazer e a desfazer quimeras,

Enquanto o mar produz o monstro azulejado