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Contribuição da Abordagem Corporal da Gestalt Terapia na Terapia Familiar Sistêmica, Provas de Psicoterapia

Este documento discute a contribuição da abordagem corporal da gestalt terapia na terapia familiar sistêmica. Ele explica como a terapia sistêmica utiliza o método de perguntas circulares para obter informações de todos os membros da família, enquanto a mesma intensidade não ocorre com os familiares que não estão mergulhados inconscientemente nos sintomas. O documento também apresenta como a prática da terapia familiar no ipub difere de outras práticas de terapia sistêmica, pois se baseia em estudos que consideram a linguagem e a comunicação como uma construção social. Adicionalmente, o documento discute como a linguagem corporal aparece na prática terapêutica da terapia sistêmica de família, transformando o corpo em informação de conteúdos emocionais.

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Mauricio_90
Mauricio_90 🇧🇷

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GESTALT-TERAPIA E TERAPIA SISTÊMICA:
O CORPO EM PSICOTERAPIA
Marília Toscano de Araujo Gurgel+
Resumo
Este trabalho demonstra a contribuição da abordagem corporal da Gestalt-
Terapia para a Terapia Familiar Sistêmica. O método utilizado foi a gravação
de uma oficina de corpo estruturada em saberes das duas abordagens. A
oficina proporcionou, a cada participante, maior qualidade de atenção,
presença, contato e criatividade, uma forma mais integrada de construir
sua identidade. O entrecruzamento das duas abordagens trouxe às pessoas
maior consciência de quem são e como são no “mundo”, ajudando-as no
processo de assunção da história que contam. A experiência mostrou aos
terapeutas as possibilidades que o trabalho corporal oferece como método
de apreensão da realidade co-construída.
Palavras-chave: Consciência. Família. Gestalt-Terapia. Terapia Sistêmica.
GESTALT-THERAPY AND SYSTEMIC THERAPY:
THE BODY IN PSYCHOTHERAPY
ABSTRACT
This work demonstrates the contribution of the body approach in the Gestalt-
Therapy to the Systemic Familiar Therapy. The method used was a tape
recorded in a body workshop structured according to the both approaches.
The workshop gave the opportunity to each member a more integrated form
of constructing their own identity. The intercrossing of both approaches
brought to the persons, better awareness of who and how they are in the
“world”, helping them in the process of assumption of the story they tell. The
experience shows to the therapists, the possibilities that the bodywork gives
to a comprehensive method of constructed reality.
Keywords: Awareness. Family. Gestalt-Terapy. Terapy Systemic.
+ Aluna da Pós-graduação em Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria – IPUB/UFRJ. Endereço:
Av. Venceslau Brás, 71 Fundos. CEP: 22290-140. Rio de Janeiro - RJ - Brasil. Apoio Técnico:
Núcleo de Audio Visual do Instituto de Psiquiatria- IPUB/UFRJ.
E-mail: mariliathoscan@gmail.com
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GESTALT -TERAPIA E T ERAPIA S ISTÊMICA :

O CORPO EM PSICOTERAPIA

Marília Toscano de Araujo Gurgel +

Resumo

Este trabalho demonstra a contribuição da abordagem corporal da Gestalt- Terapia para a Terapia Familiar Sistêmica. O método utilizado foi a gravação

de uma oficina de corpo estruturada em saberes das duas abordagens. A oficina proporcionou, a cada participante, maior qualidade de atenção, presença, contato e criatividade, uma forma mais integrada de construir sua identidade. O entrecruzamento das duas abordagens trouxe às pessoas maior consciência de quem são e como são no “mundo”, ajudando-as no

processo de assunção da história que contam. A experiência mostrou aos terapeutas as possibilidades que o trabalho corporal oferece como método de apreensão da realidade co-construída.

Palavras-chave: Consciência. Família. Gestalt-Terapia. Terapia Sistêmica.

GESTALT -THERAPY AND S YSTEMIC THERAPY :

THE BODY IN P SYCHOTHERAPY

A BSTRACT

This work demonstrates the contribution of the body approach in the Gestalt- Therapy to the Systemic Familiar Therapy. The method used was a tape recorded in a body workshop structured according to the both approaches.

The workshop gave the opportunity to each member a more integrated form of constructing their own identity. The intercrossing of both approaches brought to the persons, better awareness of who and how they are in the “world”, helping them in the process of assumption of the story they tell. The experience shows to the therapists, the possibilities that the bodywork gives

to a comprehensive method of constructed reality.

Keywords: Awareness. Family. Gestalt-Terapy. Terapy Systemic.

  • (^) Aluna da Pós-graduação em Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria – IPUB/UFRJ. Endereço: Av. Venceslau Brás, 71 Fundos. CEP: 22290-140. Rio de Janeiro - RJ - Brasil. Apoio Técnico: Núcleo de Audio Visual do Instituto de Psiquiatria- IPUB/UFRJ. E-mail : mariliathoscan@gmail.com

Marília Toscano de Araujo Gurgel

O presente artigo diz respeito a uma experiência terapêutica feita no Ins- tituto de Psiquiatria da UFRJ/IPUB. Nela, conjugaram-se resultados de pesqui- sas com o corpo a uma prática terapêutica já existente: a terapia Sistêmica de Família. A partir dessa articulação, avançou-se em direção a uma forma de tra- balho terapêutico capaz de apontar novas possibilidades; uma forma de atuação em que se leva em consideração o corpo no tratamento de transtornos psíqui- cos. Tal forma de atuação, portanto, baseou-se na conjunção de dois enfoques teóricos e práticos, a terapia sistêmica de família e a consciência corporal, que, no caso, teve suporte teórico da Gestalt-Terapia.

A Gestalt-Terapia é uma abordagem em psicoterapia que se utiliza do consciente como instrumento de trabalho de busca da emoção. Nessa abordagem, acredita-se que em contato consciente com a emoção, ou melhor, com seus conte- údos, o sujeito pode entrar no sentimento que o mantém preso em sua problemáti- ca relacional. A Terapia Sistêmica, já praticada no IPUB, utiliza-se do método de fazer “perguntas circulares”^1 aos membros da família ou grupo, de modo que as informações a respeito de cada um circule por todos. Assim, trabalha-se também com um tipo de tomada de consciência, agora prevalentemente intelectual. Emo- ção e intelecção, importantes elementos em psicoterapia, são formas que, integra- das, dão consistência ao material trazido, possibilitando ao cliente um estar pleno de sua atuação no mundo, responsabilizando-se por ela. A conjugação desses dois elementos nos parece distante da realidade da doença psiquiátrica, visto que nesta o sujeito está impossibilitado de movimentar-se intelectual e emocionalmente de forma livre e responsável. O que não acontece com a mesma intensidade em seus familiares, que, apesar de também fazerem parte da estrutura dos sintomas, como explica a visão holística, tanto da Gestalt, quanto da terapia Sistêmica, não estão mergulhados nele de forma inconsciente, como ocorre com os indivíduos acome- tidos por transtornos psicóticos. Portanto, a conjugação das duas abordagens em psicoterapia mostrou-se para nós um importante instrumento para trabalhar com familiares de pacientes psiquiátricos.

Isto se revelou na experiência de uma oficina de corpo, cujo o espaço foi aberto para tocar a emoção, o corpo, e também para pensar os sentimentos surgi- dos, a possibilidade de fazer a escolha de continuar ou mudar os movimentos da vida. Temos, então, a introdução de um trabalho de consciência corporal, preva- lentemente emocional, em uma prática terapêutica verbal.

1. FALANDO SOBRE A PESQUISA

A pesquisa a que se refere o presente artigo foi feita em um grupo de mulheres, mães de pacientes de um Instituto de psiquiatria e usuárias do setor de família desse hospital. O fato de essas mães serem vistas como usuárias do serviço diz respeito ao reconhecimento de que fazem parte da saúde e da doença de seus filhos. Esta idéia veio acompanhando o surgimento da terapia familiar ao mesmo tempo em que faz parte de uma mudança de paradigma das ciências, uma mudança que vê os elementos do sistema como interligados e interdependentes, que reconhece os membros da família como co-responsáveis

Marília Toscano de Araujo Gurgel

A equipe do CAD, em diversos momentos, demonstra ser imprescindível um espaço terapêutico dos pacientes com sua família, para o sucesso de seu tra- tamento. Isso, justificado pela fundamentação teórica da Terapia Sistêmica de Família, sugere o crescimento do pensamento Sistêmico no setor Institucional.

Desse modo, começamos a construir uma prática terapêutica com famílias, casais e sistemas íntimos que se sustenta conjugada aos pressupostos da teoria Sistêmica, tendo na visão holística uma das suas semelhanças com a Gestalt- Terapia. A questão teórica que se apresentou refere-se à contribuição possível da Gestalt-Terapia para a Terapia Sistêmica de Família.

A preocupação e a idéia de estimular a responsabilidade e a autoria nas mães, usuárias do CAD, partiu da observação de que, ao relatarem suas questões, elas costumam referenciá-las como oriundas da doença de seus filhos/sobrinhos, ou seja, tendem, em sua maioria, a responsabilizar os pacientes pela vida proble- mática que levam. Uma evidência desse fato ocorreu durante um atendimento de grupo: quando questionada pela terapeuta sobre como estava, uma mãe res- pondeu que estava “bem”, emendando à resposta a narrativa do estado emocio- nal e comportamental de seu filho. Em seguida, a terapeuta pergunta como ela poderia falar de si própria na história contada e a mãe volta a falar do filho. 3 Isso mostra a dificuldade dessa mãe de falar de seus sentimentos ou de seu lugar na história que vive. Apesar de, na terapia verbal de grupo, o terapeuta trabalhar a fim de dar autoria à narrativa de cada familiar, eles demonstram dificuldades para seguir esse movimento. Partindo da dificuldade encontrada, acreditamos contribuir para o processo terapêutico do grupo, levando cada participante a um contato mais próximo consigo mesmo. Acreditamos que uma abordagem sobre o corpo proporciona um contato mais concreto com questões pessoais; que um espaço de silêncio, conjugado a um contato com o corpo, proporciona maior consciência de processo e, portanto, do lugar na história contada. E que, com um contato consciente de si, o sujeito pode narrar-se na primeira pessoa, colocando-se como responsável, ou seja, autor de sua vida. Nesse sentido, se- guimos Maturana e Varela (1995), quando afirmam que constituímo-nos na lin- guagem. Desenvolvendo este assunto, os autores fundamentam os princípios de que construímos nosso mundo por meio da narrativa que fazemos dele. Assim, o que somos está contido em nossas histórias passadas e o que seremos dependerá das desconstruções e reconstruções que fazemos em nossa forma de olhar, em nossa narrativa. Somos “observadores na linguagem [...], porque se não estamos na linguagem não há reflexão ” (MATURANA, 1998, p. 38, grifo nosso), não há conhecimento. Baseados nesses pressupostos, buscamos no grupo da oficina de familiares, estimular a assunção de responsabilidade de cada um no contexto de vida em que estão inseridos. Acreditamos que, dessa forma, a pessoa possui mais autonomia e, portanto, autenticidade na vida.

No momento em que partimos de nossos saberes para modificar um pa- drão de comportamento, vemos a ciência alcançando a vida cotidiana, o que, além de sinalizar o caráter do sistema instituído, pode provocar mudanças no próprio sistema. Como afirma Vasconcelos, “apesar de a maioria das pessoas não estar atenta ou não ter o hábito de pensar sobre o paradigma da ciência, é

Gestalt-Terapia e Terapia Sistêmica: o corpo em psicoterapia

a ciência que embasa o viver em nossa cultura” (VASCONCELOS, 2002, p. 17). A autora, no mesmo texto, reforça sua afirmativa, dizendo já ser de Berta- lanffy a idéia de que “a visão de mundo do homem da rua é obra de Newton, Locke, Darwin, Freud, mesmo que aquele nunca tenha ouvido falar desses” (VASCONCELOS, 2002, p. 18).

O que queremos dizer é que esperamos, com a prática da oficina, estrutu- rada em saberes conjugados da Gestalt-Terapia com a Terapia Sistêmica Cons- trutivista/Construcionista Social, modificar algo no discurso e nas vidas dos participantes dos grupos. Inseridos em um contexto de doença, queremos que possam falar de si de modo a transformar esse contexto e acreditamos que falar do próprio corpo e de seu uso é um bom caminho para isso.

3. ENFOQUE T EÓRICO

Abordamos, em nossas análises, o conceito de circularidade de Cechin (PALAZZOLI et al., 1980), que já era usado nas reuniões dos grupos de fa- miliares e, posteriormente, na oficina. Este conceito traz a idéia de que, ao fazermos a mesma pergunta feita ao paciente para os outros membros de sua família, ampliamos a perspectiva do olhar a doença, propiciamos um olhar para a doença como algo que pertence a toda a família, encontrando o papel de cada membro em sua manutenção.

Dessa forma, utilizamo-nos do processo de formular perguntas de Michael White (1988) que é também utilizado nas reuniões. Esse processo diz respeito à idéia de que não devemos dizer o que é certo ou errado, verdadeiro ou falso para os membros da família. Não devemos, nem podemos, dar uma resposta pronta para a resolução e seus problemas, mas sim ajudá-lo a descobrir uma nova forma de olhar e contar suas histórias. Assim, caímos na metodologia de Tom Andersen (1996) de refletir com famílias. Esta aparece não só no momento em que faze- mos perguntas reflexivas, mas também sob a forma de um comentário que toque emocionalmente um membro ou grupo e assim possa ajudá-lo a refletir sobre suas questões. Tivemos o enfoque Sistêmico como condutor de todo o processo da pesquisa e nele trabalhamos com conceitos da Gestalt como:

  • consciência ou awareness (POLSTER, E.; POLSTER, M., 1979, 2001): processo de aproximação (contato) com conteúdos psíquicos, sua forma, cor, cheiro, ou seja, com a dimensão total da pessoa.
  • Conforme falam Polster, E. e Polster, M. (1979, p. 191) em capí- tulo intitulado “Consciência”, “a cada conscientização sucessiva, a pessoa mais se aproxima da articulação dos temas de sua vida e também do movimento para a expressão desses temas”.
  • processo de contato e relação dialógica (YONTEF, 1998): con- tatar é o ato de uma pessoa reconhecer o que é seu elemento psíquico e o que é o do outro pelo movimento de conectar-se e afastar-se do outro. É pelo movimento que se tem consciência do processo da vida, do contrário ela se torna um hábito, mera

Gestalt-Terapia e Terapia Sistêmica: o corpo em psicoterapia

A indicação para que participassem da oficina de corpo foi estendida a todos os membros usuários do grupo de familiares. O grupo da oficina começou com- pondo-se por seis mães, de modo a caracterizar-se como um grupo feminino. As questões de gênero, apesar de inevitavelmente estarem entrelaçadas na vivência em questão, serão tratadas nesses interlaces, não sendo destacadas das demais.

Tratamos, então, de um estudo de caso, em que foi necessário apurar as mudanças qualitativas das narrativas de membros da reunião de familiares, ocor- ridas após as práticas de atividades corporais. Esta oficina de práticas corporais teve duração de uma hora por sessão, contando com um momento de conversa que girava em torno de 20 minutos. Esse momento de conversa, que por vezes surgia no início da sessão, caracterizou-se mais por uma reflexão final das expe- riências vividas pelas integrantes do grupo. Os 40 minutos de trabalho corporal nas primeiras sessões foram de dinâmicas corporais. Estas surgiam de uma idéia inicial da coordenadora, baseada no contato anterior com os membros do grupo, somadas a seus interesses e possibilidades. As sessões tinham intervalo de 15 dias e aconteciam às quartas-feiras pela manhã, na semana seguinte à da reunião de familiares. A oficina teve seis meses de duração.

O procedimento metodológico de registro foi gravação em fita VHS, re- alizada na oficina que foi criada para as mulheres falarem de si mesmas, apro- veitamos para realizar a pesquisa gravando suas imagens. Para a análise da experiência, foi necessária a gravação das sessões, visto que teríamos de regis- trar os movimentos corporais para associá-los aos conceitos utilizados. Assim, os conceitos de consciência, contato, relação dialógica e fenomenologia, trazi- dos pela Gestalt-Terapia, puderam ser vividos corporalmente pelos participantes e vistos novamente pela coordenadora, a fim de que pudessem fazer parte da análise final. As gravações, assistidas simultaneamente ao processo terapêutico, ajudaram também à coordenação do próprio processo, à medida que possibili- taram uma visão de fora e “do todo” do processo. A visão de fora, levando-se em consideração as diferenças, foi considerada em moldes semelhantes aos da reflexão de Andersen (1996). Após o estudo da fita de vídeo, que continha a ses- são gravada, a coordenadora refletia sobre o movimento do grupo, imaginando um possível passo e sugerindo-o na sessão seguinte. Quanto à visão do todo, referimo-nos à visão geral do que foi a oficina para as mães participantes, não apenas em seu contexto de vida pessoal, como também no Institucional. Esta noção mais abrangente colocou-nos diante de vários questionamentos do âmbito da identidade corporal, “na” e “para” a instituição em questão. Questionamentos como, por exemplo: como podemos criar outros elementos para a identidade de nossos pacientes, que não só sua problemática mental? De que maneira se fará com que nossos pacientes tenham contato com a saúde em um campo visto como de doença? Tais questionamentos abrem espaço para o avanço do tema em pesquisas futuras. Para a análise dos resultados, então, foram utilizadas as observações feitas a partir dos relatórios escritos nas reuniões verbais dos grupos de familiares e das imagens em vídeo das sessões de oficina corporal.

Marília Toscano de Araujo Gurgel

Observamos os efeitos da prática da oficina nas narrativas construídas nos momentos de conversa da oficina e detectamos possíveis influências em termos da assunção de responsabilidade por parte dos membros participantes das duas atividades em questão

Dessa forma, unindo essas duas abordagens em psicoterapia (Gestalt-Te- rapia e Terapia Sistêmica), seja trabalhando individualmente, em grupo ou em família, estamos dando movimento ao Sistema (que é um só, um todo interligado). Ajudando este sistema a crescer de modo mais saudável, estamos nos ajudando, já que fazemos parte deste sistema, o influenciamos e somos influenciados por ele.

4.1. A OFICINA DE CORPO EM MOVIMENTO: C ONJUGANDO E ADAPTANDO

CONCEITOS DA GESTALT E DA T ERAPIA S ISTÊMICA C ONSTRUCIONISTA

Marcamos a primeira oficina para o dia 19 de junho de 2002, às 08h. Nil- céia foi a primeira a chegar. Logo depois chegaram Divina e Michele. Fizemos exercícios de respiração e aquecimento nas articulações do pescoço, ombros, quadril, joelhos e pés. Movimentando as respectivas partes do corpo, acredita- mos dar mobilidade a todo o corpo, aumentando sua possibilidade expressiva. Além disso, aumentando a temperatura dessas partes, elas são sensibilizadas, oferecendo uma maior percepção de sua existência. Ou, seja, melhoramos a qua- lidade de contato com as respectivas partes corporais, fato que diz respeito ao contato consciente buscado pela Gestalt-Terapia. A conjugação e a adaptação dos conceitos das duas abordagens acontecem desde o movimento de sensibili- zação corporal. Este se torna propriedade para um contato consciente à medida que fazemos perguntas referidas a cada parte do corpo. As perguntas são feitas para todas as participantes simultaneamente, de modo a ter efeito semelhante ao das perguntas circulares. 4 Perguntamos, por exemplo: como sentem o seu pesco- ço ao movimentá-lo? Relaxado, rígido, solto, preso etc. Fizemos a pergunta na primeira pessoa, para que cada membro do grupo pudesse concentrar-se melhor em suas próprias sensações. Em outro momento, pedimos que cada um obser- vasse o movimento do colega e fizesse o mais parecido possível. Acreditamos que assim o colocamos no lugar do outro e permitimos também que este outro se veja de fora, experimentando um olhar mais reflexivo. Esse olhar de fora, usado na técnica de reflexão da Terapia Sistêmica, como vimos, vem posteriormente ao ato de fazer parte da experiência, que, no caso da oficina, esteve presente nos movimentos vivenciados por cada um. Assim, oferecemos a possibilidade de as participantes terem uma maior consciência de seus corpos e de si mesmas. Em seguida, pedimos para que se movimentassem conduzidas por cada uma dessas partes do corpo. Estimulamos a busca de diferentes caminhos para seus corpos percorrerem. A cada movimento, conduzido por diferentes partes do corpo, colo- cam-se em posições novas que terão novas e diferentes saídas encontradas. Elas devem seguir o fluxo de movimento respeitando a inteireza do corpo, pois, do contrário, não sairiam do lugar. A primeira sessão não foi filmada, pois preci- sávamos da autorização das integrantes, mas foram registradas experiências de destaque para cada uma delas: 5

Marília Toscano de Araujo Gurgel

de formação de identidade e definição de crise não são construções individuais, o que é considerado um diagnóstico legítimo, e a cura subseqüente, também são produtos de construções colaborativas, interativas”. Conclui que, dessa forma, mantém contato com o equilíbrio. Ao movimentar-se, busca o equilíbrio. Divina, pela narrativa de sua experiência corporal, conscientiza-se de sua forma de estar no mundo. Além disso, em sessões subseqüentes, chamo a atenção dela para o fato de que está sempre preocupada com o fato de estar fazendo os exercícios de maneira correta, apesar de a coordenadora já lhe ter dito que não há uma forma certa de fazer e sim a sua forma pessoal de movimentar-se. Essa preocupação é um elemento que caracteriza sua identidade.

4.3 C ONSCIÊNCIA PELO CORPO:

CONSCIÊNCIA POR MEIO DE SENSAÇÕES , NA RELAÇÃO

Uma nova participante da reunião de familiares é convidada a participar da oficina. Seu nome é Valéria. Seu sofrimento, expresso na reunião, era seu filho Paulo, que não saía do computador, de dentro de seu quarto imundo. No primeiro dia de oficina estava muito aflita. Seu trabalho corporal partiu da dificuldade de sua colega Michele em mexer e relaxar a bacia. Todo o grupo movimenta-se em torno da dificuldade de um membro. Esta é uma atitude que observamos também na reunião do grupo de familiares. Diante da dificuldade de um membro, os ou- tros buscam se identificar; buscam em si a semelhança com o próximo, na tentati- va de encontrar sua identidade, enquanto grupo, e sua individualidade.

Valéria deita-se e começa a tentativa de mexer a bacia. A coordenadora, percebendo sua dificuldade, tenta ajudá-la colocando as mãos na bacia. Percebe sua rigidez nos ombros e então pede que respire. A entrada de ar em seu pulmão estende os tecidos de toda a caixa torácica, ativando também a circulação san- guínea de toda essa área emocional. Valéria faz contato. Nesse instante, coloca as mãos na testa e conta sobre um estupro que sofreu aos 16 anos. A coordenadora lhe pergunta como deve fazer para se sentir mais segura; sugere que se sente e Valéria concorda que dessa forma sente-se melhor. A participante, por meio do contato que fez com a relação de contato presente entre seu corpo e o corpo do outro (coordenador), rememorou acontecimentos antes tidos como sem impor- tância para seu estado emocional. Estava fisicamente em uma posição vulnerável, diante da coordenadora, e a mudança de postura corporal foi o princípio de uma atitude para se sentir mais protegida. Por meio da tomada de consciência da ques- tão, Valéria, juntamente com o grupo, reconhece sua necessidade de ajuda. Na semana seguinte dá início a um tratamento psicológico individual. Aos poucos, a cada reunião de familiares, traz-nos a notícia de que Paulo tem melhorado sua relação com ela e até consigo mesmo, suas coisas, seu quarto. A visão holística e sistêmica que acompanha ambas as abordagens é o que fundamenta a mudança mais abrangente no sistema familiar. Se entendermos que o sistema é um todo interligado, acreditamos que mudanças ocorridas em um elemento do sistema irão interferir em todo ele. Dessa forma, trabalhar com a família, muitas vezes é trabalhar com um de seus membros.

Gestalt-Terapia e Terapia Sistêmica: o corpo em psicoterapia

4.4 R EFLEXÃO NA RELAÇÃO DIALÓGICA :

UM CAMINHO PARA A SOLUÇÃO DE PROBLEMAS CONCRETOS

Em uma sessão em que participaram apenas duas pessoas, pudemos ver, de forma simples, o diálogo estabelecido na relação. Michele, a primeira a chegar, conta-nos que Tamara pediu ajuda a ela e às outras colegas, para ir até a casa de sua filha para interná-la à força (sairiam após a prática da oficina). Michele afirma que está muito sentida por terem decidido negar tal ajuda. Acharam que não era adequado, já que a filha de Tamara nem as conhecia. Michele não sabia como informá-la sobre a decisão que tomaram; temia que Tamara ficasse chateada com ela e as outras colegas, que não viriam. Enfim, Tamara chegou atrasada, com a sessão já começada, com a participação individual de Michele. Começamos fazendo um aquecimento. Tamara, ao chegar, inseriu-se no trabalho, que propor- cionou a cada uma um maior contato com seus corpos, em separado. Pedimos que cada uma fechasse os olhos e respirasse profundamente. Pedimos também que mexessem os pés, percebendo o movimento de contato com o chão e que em seguida mexessem todo o corpo. Pedimos para que cada uma sentisse o que veio fazer no encontro. Continuamos um trabalho de contato, no qual as participantes tocavam cada uma seu próprio corpo. Pedimos que sentissem, cada uma, o que gostariam de receber da outra e expressassem com o corpo este desejo. As duas se olham e se dão um abraço. Dizemos a elas para sentirem o que precisam fazer e deixarem que isso aconteça. Michele deita-se e Tamara senta-se. Em seguida, da- mos papel e lápis de cera. Foram orientadas a expressarem o que viveram naquele espaço. Sem olharem uma para o desenho da outra, fizeram as duas o desenho de um sol vermelho. Michele fala de seu sol, dizendo que chegou sombria e o sol representava o brilho da luz que foi aparecendo (“A esperança existe!”, diz ), no momento em que abraça Tamara. Afirma que percebeu, ao deitar, que precisava de tranqüilidade para caminhar na vida. Tamara, que fez um sol, não só vermelho, mas azul. Conta que o sol é a “esperança, a claridade interior”. Questionamos a ambas sobre o vermelho presente nos dois desenhos e responderam juntas que diz respeito à “energia que todos precisamos”. Tamara conta que chegou muito confusa, mas o relaxamento a ajudou a sair da confusão. Acha que deve relaxar um pouco. De forma abrangente, pudemos ver o diálogo corporal travado entre as duas participantes. Diálogo em que ambas estavam atentas a seus sentimentos e sensações e, dessa forma, puderam estar atentas ao lugar em que estavam na relação. Da relação de sofrimento em que se encontravam puderam encontrar-se, cada uma isoladamente, para depois se encontrarem entre si, de forma autêntica e responsável. As duas percebendo-se na necessidade de relaxar. O relaxamento é um momento em que se pára de agir, para prestar atenção em coisas como cores e sons. A atenção voltada para elementos como esses remetem-nos para a abstração do problema. A possibilidade de representação do problema/solução em cores, por exemplo, permitirá a transformação abstrata, para, em seguida, abrir-nos a uma transformação concreta, para a solução de um problema. As participantes, com um espaço de relaxamento em que puderam se olhar, uma a outra e a si mes- ma, dialogaram, sem ao menos precisarem falar uma com a outra para concluírem os discursos em questão. A própria falta das outras duas participantes já dizia

Gestalt-Terapia e Terapia Sistêmica: o corpo em psicoterapia

A Gestalt tem uma forma de olhar a pessoa como um todo. Assim, aprofun- damos suas questões existenciais, compreendendo-as no aqui-e-agora em todos os seus aspectos. Todas as formas de expressão (artística, corporal, verbal etc.) são meios de compreensão da pessoa. Portanto, o terapeuta pode entender melhor o significado das questões trazidas pelo cliente.

A Terapia Sistêmica tem um olhar para o sistema mais amplo, em que está inserido o sujeito. Um olhar que vê o mundo em volta. Entende-se aqui que o sujeito é social e parte do que está sendo ou vivendo está nas suas relações com o mundo. O olhar sistêmico, então, permite-nos ver a vida da pessoa, sua relação na família e na sociedade, como coisas integradas, unidas, relacionadas.

A Gestalt aprimora-se em um trabalho de consciência do corpo, do com- portamento, dos sentimentos e sensações. Em contrapartida, a Teoria Sistêmica aprimora-se na compreensão das inter-relações existentes entres os sujeitos e com o mundo. O que o entrecruzamento dessas duas práticas vai nos trazer é uma maior qualidade de consciência de quem somos e como somos no mundo. Neste processo de compreensão, assumimos a autoria de nossa própria história e nos permitimos mudar, o que é necessário para alcançar nossos objetivos por um caminho mais feliz.

Diante do que foi explicitado, podemos aprofundar o encontro dialógico das duas abordagens, fazendo uma analogia entre a idéia de “diálogo” de ambas. O diálogo, tendo o propósito de construção, considera a tomada de consciência e a reflexão como complementos importantes para a mudança. Elementos comple- mentares que dialogam, dando-nos um resultado novo, diferente.

A tomada de consciência, importante conceito da Gestalt-terapia, esteve relacionada, na prática, à idéia de reflexão proposta pela Terapia Sistêmica. Os grupos de familiares indicaram um caminho possível para a tomada de consciên- cia por meio do trabalho corporal, possibilitando uma maior elaboração daqueles que participaram deste trabalho. As mulheres que freqüentaram a Oficina de Cor- po puderam participar mais efetivamente das reflexões dos grupos de familiares. Ao cuidarem de si, entrando em contato com o seu corpo, tomaram consciência de importantes aspectos de sua relação subjetiva com o mundo no qual vivem. Como conseqüência, na oficina do corpo, pudemos conciliar as duas abordagens, influenciando a busca de uma nova posição nos grupos de familiares.

Na técnica de fazer perguntas, utilizada tanto nos grupos de familiares quanto na oficina de corpo, reconhecemos tanto a reflexão quanto a tomada de consciência. Consideramos que ambas estão relacionadas e contribuem para um trabalho mais efetivo. É necessário, entretanto, que haja um maior aprofunda- mento teórico na relação desses dois conceitos, já que pensamos que um processo de reflexão não é necessariamente acompanhado de uma tomada de consciência.

A reflexão da Terapia Sistêmica caracteriza-se por ser uma reflexão de fora, isto é, após um momento de ouvir e sentir, a reflexão é realizada pela equipe reflexiva, enquanto a família e o terapeuta de campo ouvem, para, em seguida, comentarem a reflexão. Já a tomada de consciência da Gestalt é experimentada

Marília Toscano de Araujo Gurgel

de dentro para fora, no olhar e sentir o próprio movimento no processo. Por isso, ao fim deste trabalho, perguntamo-nos sobre as implicações teórico-práticas desta diferença de movimento. Não vemos como uma oposição e sim como propostas diferenciadas que na nossa prática foram complementadas. Por exemplo: quando sugerimos que um corpo olhe o outro se movimentar como se fosse o seu, traba- lhamos a consciência de fora para dentro. Assim, inserimos aquele que observa em um momento de envolvimento, seguido de reflexão de todos no grupo. A re- flexão é importante como um trabalho de elaboração de novas perspectivas, mas uma indagação deve ser feita: quando a reflexão (de fora) torna-se uma tomada de consciência (de dentro)? Seria preciso continuar pesquisando.

Vemos que muitas composições podem ser criadas com esses dois concei- tos e com a técnica de fazer perguntas. Sugerimos que tanto um trabalho relacio- nal, realizado pela equipe e proposto pela Terapia Sistêmica, quanto a tomada de consciência, que se centra na subjetividade, podem constituir uma aborda- gem terapêutica. Desse modo, deixamos nossa experiência como um exemplo de construção, na comunhão dessas duas abordagens. Acreditamos que outras com- posições possam ser feitas e bons trabalhos possam ser realizados na descoberta dos processos de conhecer e mudar o próprio mundo.

N OTAS

(^1) Este método segue o conceito de circularidade de Cechin (PALAZZOLI, M. et al., 1980), que acredita que fazendo as mesmas perguntas circularem por todos os membros da família, propiciamos, nós terapeutas, um espaço de reconstrução da “verdade” desse grupo. (^2) Na terapia Sistêmica o método de formulação de perguntas foi criado por Michael White (1998) e tem como objetivo estimular a reflexividade, além de informar aos membros presentes a respeito do sujeito questionado. (^3) Dados retirados do caderno de relatórios feitos simultaneamente aos atendimentos de grupo de familiar do CAD (relatório do dia 27 de maio de 2002). (^4) Caracterizadas, na Terapia Familiar Sistêmica, como uma mesma pergunta feita a diferentes membros da família. (^5) A quarta participante referida para a análise final da pesquisa entrou na quarta sessão da oficina, tratando-se também de um novo membro da reunião de familiares. (^6) Grupo musical indiano.