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Este documento discute a história da reforma sanitária no brasil, com ênfase na extensão da cobertura de serviços de saúde coletiva e na teoria e prática da saúde coletiva. O texto aborda os movimentos sociais que articularam-se contra as políticas autoritárias e privatizantes de saúde, resultando na reforma sanitária brasileira. Além disso, ele discute as estratégias combinadas de ações do estado, comunidade, indivíduos, sistema de saúde e parcerias intersetoriais para promover a saúde coletiva. O documento também aborda a história do conceito de saúde coletiva no brasil, com referências às conferências internacionais sobre promoção da saúde e às críticas anteriores aos modelos de saúde previdenciário e de saúde pública.
Tipologia: Notas de aula
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Universidade Federal Fluminense Instituto de Saúde Coletiva Departamento de Saúde e Sociedade Graduação em Farmácia
Niterói 2019 (^1) São pequenos textos não autorais, organizados em forma de resumo, extraídos de outras fontes que estão indicadas. Servem de orientação para estudo inicial na disciplina de Fundamentos de Saúde Coletiva, curso de Farmácia, da UFF.
esfera de determinação dos adoecimentos e possibilidades de saúde, na prevenção das doenças e na promoção da saúde, assim como esfera própria de intervenção, para além de, e em, uma articulação com a medicina como intervenção nos casos individuais (Vieira da Silva et al., 2014). Trata-se, pois, de um olhar alternativo à redução biomédica em que se estruturou o saber e a prática da medicina, ainda que com explorações diversas quanto ao sentido da valorização do social. Arouca aponta aqui duas dimensões da Medicina Social: a formulação de propostas de intervenção na vida social e na medicina baseadas na conexão saúde-sociedade e a proposta de estabelecer um ramo de estudos dessa específica conexão, seja nas questões de adoecimento, seja nas de produção da assistência médica e das práticas profissionais nos serviços. Além de uma crítica a certa medicina - cara, fragmentada e com poucos resultados para a saúde da população - estava em pauta também uma discussão em torno da extensão da cobertura dos serviços de saúde para a população. De acordo com Nunes (1994), assistia-se ao início da crise do modelo de saúde pública desenvolvimentista, que havia postulado que um dos efeitos do crescimento econômico seria a melhora das condições de saúde. Isso é particularmente válido para o Brasil do período, que, apesar de passar por um momento de crescimento econômico, não via resultados disso refletidos nas condições de vida de sua população. Nos anos 1970, houve, no âmbito internacional, um fortalecimento da discussão sobre a extensão da cobertura dos serviços de saúde, de modo que, na Assembleia Mundial de Saúde, em 1977, foi lançado o lema "Saúde para todos no ano 2000" (Paim; Almeida Filho, 1998). A Saúde Coletiva Paim e Almeida Filho (1998) apontam influências mútuas entre o desenvolvimento de um projeto de campo de conhecimento chamado Saúde Coletiva e os movimentos pela democratização no Brasil, especialmente o da reforma sanitária. Vieira-da-Silva et al. (2014) reforçam o final da década de 1970 como período de institucionalização da Saúde coletiva como campo, utilizando como marco o surgimento do termo Saúde Coletiva no Brasil e a criação da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), não negando, no entanto, as raízes apontadas por Nunes em períodos anteriores. Em um cenário de crise no setor da saúde na segunda metade da década de 1970, "ocorreu um renascimento dos movimentos sociais, envolvendo a classe trabalhadora, setores populares, intelectuais e profissionais da classe média" (Paim, 2008, p. 77). No âmbito da saúde, esses movimentos articularam-se, tornando-se forças sociais contrárias às políticas de saúde autoritárias e privatizantes, dando origem ao processo de reforma sanitária brasileira, que vinha sendo gestada nos períodos anteriores.
Um marco de grande importância na reforma sanitária brasileira foi a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, que amplia o conceito de saúde até então adotado como referência. A visão da saúde da população como resultante das formas de organização social de produção, tal como concebida pela Medicina Social e pela Saúde Coletiva, acabou sendo, por meio da reforma sanitária, assimilada pelo arcabouço legal no Brasil (Paim, 2008, p. 306). Características da Saúde Coletiva A Saúde Coletiva é um campo de conhecimento e âmbito próprio de práticas, de natureza transdisciplinar, cujas disciplinas básicas são a epidemiologia; a política, o planejamento e a gestão em saúde; e as ciências sociais em saúde. a. Epidemiologia A epidemiologia é o estudo dos fatores que determinam a frequência e a distribuição das doenças nas coletividades humanas. Tem por foco o estado de saúde da população, isto é, condições de saúde de grupos populacionais específicos e tendências gerais do ponto de vista epidemiológico, demográfico, socioeconômico e cultural. b. Política, planejamento e gestão em saúde Tem por foco os serviços de saúde, abrangendo o estudo do processo de trabalho em saúde, investigações sobre a organização social dos serviços e a formulação e implementação de políticas de saúde, bem como a avaliação de planos, programas e tecnologia utilizada na atenção à saúde. Objetiva propor alternativas para melhoria dos sistemas e serviços e para a consolidação da saúde como um direito de todos os cidadãos. c. Ciências Sociais em Saúde Campo do conhecimento que estuda as relações sociais, culturais, econômicas e políticas na sociedade moderna aplicada à área da saúde. Tem como objetivo compreender a construção social do processo saúde-doença. Tem por foco o saber sobre a saúde, incluindo investigações históricas, sociológicas, antropológicas e epistemológicas sobre a produção de conhecimentos neste campo e sobre as relações entre o saber “científico” e as concepções e práticas populares de saúde, influenciadas pelas tradições, crenças e cultura de modo geral. Enquanto prática, a Saúde Coletiva propõe um novo modo de organização do processo de trabalho em saúde que enfatiza a promoção da saúde, a prevenção de riscos e agravos, a reorientação da assistência a doentes, e a melhoria da qualidade de vida, privilegiando mudanças
Capítulo II Conceito de Saúde Por envolver diferentes dimensões e aspectos constitutivos, torna-se bastante difícil uma definição de saúde. Ao contrário da doença, cuja explicação foi perseguida de modo incessante pelo homem, a saúde parece ter recebido pouca atenção de filósofos e cientistas. Nesse sentido, não temos a pretensão de encontrar uma acepção única, mas sim de apresentar e confrontar diferentes olhares que se propõem à difícil tarefa de compreensão desse fenômeno. Posto isso, para pensarmos o conceito de saúde, é preciso abordar, também, as concepções de doença. Assim, neste texto, procuramos discutir as concepções e modelos explicativos de saúde e de doença ao longo da história. A maneira como as pessoas e os grupos sociais concebem a doença, a saúde, as suas causas e a relação entre os dois processos. Ainda que não se ache relevante tal exercício, é importante lembrar que mesmo no nosso dia-dia expressamos compreensões sobre saúde e doença. Quando são exibidas reportagens ou propagandas na televisão sobre alimentos, produtos de beleza, remédios e comportamentos saudáveis; quando buscamos diagnósticos e tratamentos cada vez mais específicos; quando organizamos nosso cotidiano em função de nosso bem-estar; ou ainda quando optamos por um determinado estilo de vida, estamos sempre nos referindo a uma determinada compreensão de saúde e de enfermidade. Por outro lado, as políticas e as práticas desenvolvidas nos serviços de saúde, conscientes ou não, estão relacionadas diretamente a determinadas concepções de saúde-doença-cuidado vigentes. Segundo Scliar (2007) o conceito de saúde é reflexo da conjuntura social, econômica, política e cultural. Não será um conceito único para todos. Dependerá da época, do lugar e da classe social; dos valores individuais, concepções científicas, religiosas, filosóficas. Da mesma forma, a doença também terá diferentes concepções.
Na idade média (séculos V a XV), duas concepções sobre a natureza da doença conviveram em relativa harmonia: A teoria humoral - dos médicos eruditos (formados nas escolas) – que explicava o adoecer aos humores do corpo e do ambiente (Rezende, 2009). Mas, ainda que mantidos os princípios hipocráticos neste período, o cristianismo ganhou força com sua teoria do Objetivo: Apresentar e confrontar diferentes olhares da compreensão dos conceitos de saúde ao longo dos anos.
clero que atribuía o adoecer à vontade divina, um castigo ao pecador, ou penitência purificadora imposta a uma pessoa de bem, que assim se tornaria santo (Oliveira; Egry, 2000). No período do Renascimento e no Iluminismo (séculos XVI a XIX) temos uma intensificação do comércio; há um declínio do poderio da nobreza e da igreja e um intenso desenvolvimento do conhecimento no campo da filosofia, das artes e das ciências (exatas, naturais e humanas). O que traz mudanças na maneira de compreender o mundo e nas ideias sobre a natureza e a origem das doenças. Teoria humoral: Normalmente atribuída a Hipócrates (século IV a.C.) era baseada nos opostos: frio-quente e seco- úmido. Nela temos os quatro elementos: água (fria e úmida), terra (fria-seca), ar (quente e úmido) e fogo (quente e seco). Estes, por sua vez, estão relacionados com os fluídos do corpo (humores) e as possíveis doenças, com as eras da vida, com os temperamentos e com estações do ano. A saúde está relacionada ao equilíbrio dos humores corporais: sangue (quente e úmido); fleuma (fria e úmida), a bílis amarela (quente e seca) e a bílis negra (fria e seca). A doença é decorrente do excesso, falta ou acúmulo destes em lugares errados do organismo. Nesse tempo duas concepções explicavam o aparecimento dessas doenças: a teoria miasmática e a teoria contagionista. A tese miasmática associava a “corrupção do ar” (geradora de miasmas) e a insalubridade das cidades como origem do problema. Certas impurezas existentes no ar (miasmas), que se originavam a partir de exalações de pessoas e animais doentes, emanações dos pântanos, de dejetos e substâncias em decomposição cuja presença era detectada através do mau cheiro causavam doenças. Acreditava-se que ao impedir a propagação dos maus odores, seria possível prevenir ou evitar epidemias. Essa teoria “não científica, curiosamente, foi responsável pelo surgimento do movimento higienista no período, que salvou milhões de vidas. Teoria miasmática: por exemplo, o termo "malária", tem origem em mala aria (maus ares), acreditando-se que esta doença era causada pela presença de "mau ar", já que na época acreditava-se que as zonas pantanosas produziam gases e que as populações que habitavam esses locais facilmente adoeciam com malária. Não existia nenhuma preocupação com insetos, ratos ou outros animais, pois ninguém imaginava que eles pudessem transmitir enfermidades. A teoria contagionista explicava que “sementes do contágio”, capazes de multiplicar no organismo de doentes, seriam transmitidas de um sujeito a outro pelo contato direto ou pelo ar. Oliveira e Egry (2000) ressaltam que essas tentativas de explicar o contágio através de pequenas partículas invisíveis que causavam doença deu início a era bacteriológica, com as descobertas de Pasteur, Koch e outros. No final do século XIX (1878), Pasteur demonstra, com o uso do microscópio, que cada doença infecciosa é provocada por microrganismo específico. Esta descoberta dá origem à “ teoria do germe ” (ou microbiana) o que contribuiu para a identificação de inúmeros agentes etiológicos, responsáveis por diversas doenças (carbúnculo, peste bubônica, gonorreia, febre tifoide, tuberculose, cólera, brucelose, cancro mole, febre puerperal, entre outras). O estudo das doenças agrega elementos laboratoriais (uso do microscópio) reforçando a teoria do germe (ou microbiana)
De acordo com o paradigma biomédico ter saúde é estar livre de doença, dor ou defeito. É isso que torna a condição humana normal "saudável". O foco do modelo está sobre os processos físicos, tais como a patologia, a bioquímica e a fisiologia de uma doença, não leva em conta o papel dos fatores sociais ou subjetividade individual. Ênfase nos avanços tecnológicos para diagnóstico e tratamento. Até meados do século XVIII, a doença era vista como uma entidade que subsistia no ambiente como qualquer outro elemento da natureza. Por influência de outros campos disciplinares, como a botânica, as doenças foram agrupadas em um sistema classificatório fundado nos sintomas. A organização dessa taxonomia, embora tenha proporcionado bases racionais para a escolha terapêutica, não logrou estruturar um modelo capaz de dar respostas às epidemias cada vez mais frequentes nas cidades modernas, que viviam o industrialismo e o capitalismo emergente. A ruptura desse sistema teórico será realizada com o advento da clínica moderna. O hospital, anteriormente concebido como lugar de exclusão dos doentes e miseráveis do meio social e de exercício de caridade, transforma-se, gradativamente, em local de cura. A substituição do poder religioso pelo dos médicos na organização do hospital, o esquadrinhamento e a divisão de seu espaço interno – permitindo a separação de doentes classificados de acordo com os sintomas – e o registro sistemático e permanente das informações dos pacientes, dentre outros fatores, foram fundamentais para essa mudança. À medida que as doenças passam a ser acompanhadas estatisticamente, o hospital também se transforma em espaço de produção de conhecimento e de ensino para os médicos-aprendizes. A clínica passa a buscar uma linguagem objetiva, capaz de descrever o ‘signo original’ de forma menos abstrata possível. O sintoma passa a representar a linguagem primitiva do corpo. Com o aprofundamento dos estudos anatômicos, as dissecções de cadáveres passam a procurar a doença no corpo (e não fora dele) a partir de seus sinais, e o desenvolvimento da anatomia patológica torna-se um dos principais alicerces da medicina moderna. Saúde e bem-estar O esforço de Cooperação Internacional estabelecido entre diversos países no final da Segunda Guerra Mundial deu origem à criação, em 1948, da Organização Mundial da Saúde (OMS), agência subordinada à Organização das Nações Unidas. Em seu documento de constituição, a saúde foi enunciada como “um completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Ao reagrupar as diferentes dimensões em que se insere a vida humana, essa perspectiva evidencia uma tentativa de superar a visão negativa da saúde propagada pelas instituições médicas. Apesar do avanço, várias críticas incidiram sobre este conceito.
Por um lado, foi apontado o seu caráter utópico, inalcançável. A expressão ‘completo estado’, além de indicar uma concepção pouco dinâmica do processo – uma vez que as pessoas não permanecem constantemente em estado de bem-estar – , revela uma idealização do conceito que, tornado inatingível, não pode ser usado como meta pelos serviços de saúde. Por outro lado, afirma- se a sua carência de objetividade: fundado em uma noção subjetiva de ‘bem-estar’, implicaria a impossibilidade de medir o nível de saúde de uma população. Saúde e qualidade de vida O tema da influência da saúde sobre as condições e a qualidade de vida, e vice-versa, tem ocupado políticos e pensadores ao longo da história. Já no século XVIII, quando ocupava as funções de diretor geral de saúde pública da Lombardia austríaca e professor da Faculdade de Medicina, Johann Peter Frank escreveu, no seu célebre “A miséria do povo, mãe das enfermidades”, que a pobreza e as más condições de vida, trabalho, nutrição etc. eram as principais causas das doenças, preconizando, mais do que reformas sanitárias, amplas reformas sociais e econômicas (Sigerist, 1956). Chadwick, na primeira metade do século passado, referindo-se à situação de saúde dos ingleses, afirmava que a saúde era afetada – para melhor ou para pior – pelo estado dos ambientes social e físico, reconhecendo, ainda, que a pobreza era muitas vezes a consequência de doenças pelas quais os indivíduos não podiam ser responsabilizados e que a doença era um fator importante no aumento do número de pobres (Rosen, 1979). Segundo Sigerist (1956), Chadwick não queria apenas aliviar os efeitos das más condições de vida e saúde dos pobres ingleses, mas sim transformar suas causas econômicas, sociais e físicas. Da mesma forma, há muito tempo tem sido questionado o papel da medicina, da saúde pública e, num sentido mais genérico, do setor saúde no enfrentamento do que seriam as causas mais amplas e gerais dos problemas de saúde, aquelas que fugiriam ao objeto propriamente médico da questão saúde. Virchow, na Alemanha, por exemplo, nos anos que precederam a revolução de 1 848, liderou um poderoso movimento de reforma médica, através do qual defendia que a medicina é uma ciência social e a política não é mais do que a medicina em grande escala (Sigerist, 1956). Particularmente da América Latina, a péssima distribuição de renda, o analfabetismo e o baixo grau de escolaridade, assim como as condições precárias de habitação e ambiente têm um papel muito importante nas condições de vida e saúde. Em um amplo estudo sobre as tendências da situação de saúde na Região das Américas, a OPAS (1998) mostra, de forma inequívoca, que os diferenciais econômicos entre os países são determinantes para as variações nas tendências dos indicadores básicos de saúde e desenvolvimento humanos. A redução na mortalidade infantil, o incremento na esperança de vida, o acesso à água e ao saneamento básico, o gasto em saúde, a
determinantes, propõe a articulação de saberes técnicos e populares, e a mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados, para seu enfrentamento e resolução. Decorridos mais de 30 anos da divulgação da Carta de Ottawa (WHO, 1986), um dos documentos fundadores da promoção da saúde atual, este termo está associado a um conjunto de valores: qualidade de vida, saúde, solidariedade, equidade, democracia, cidadania, desenvolvimento, participação e parceria, entre outros. Refere-se também a uma combinação de estratégias: ações do Estado (políticas públicas saudáveis), da comunidade (reforço da ação comunitária), de indivíduos (desenvolvimento de habilidades pessoais), do sistema de saúde (reorientação do sistema de saúde) e de parcerias intersetoriais. Isto é, trabalha com a ideia de responsabilização múltipla, seja pelos problemas, seja pelas soluções propostas para esses. A promoção da saúde vem sendo interpretada, de um lado, como reação à acentuada medicalização da vida social e, de outro, como uma resposta setorial articuladora de diversos recursos técnicos e posições ideológicas. A Carta de Ottawa define promoção da saúde como o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo (WHO, 1986). Inscreve-se, desta forma, no grupo de conceitos mais amplos, reforçando a responsabilidade e os direitos dos indivíduos e da comunidade pela sua própria saúde. No Brasil, o conceito de saúde atual, que tem base nas conferências internacionais sobre promoção da saúde, foi formulado na histórica 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília, em 1986. Também conhecido como ‘conceito ampliado’ de saúde, foi fruto de intensa mobilização, que se estabeleceu em diversos países da América Latina durante as décadas de 1970 e 1980, como resposta aos regimes autoritários e à crise dos sistemas públicos de saúde (Batistella,
2007). Representou uma conquista social ao transformar-se em texto constitucional. O conceito ampliado de saúde nos diz que: Em sentido amplo, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. Sendo assim, é principalmente resultado das formas de organização social, de produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida (Brasil, 1896, p. 4). Este conceito procura resgatar a importância das dimensões econômica, social e política na produção da saúde e da doença nas coletividades. Contrapondo-se à concepção biomédica, baseada na primazia do conhecimento anatomopatológico e na abordagem mecanicista do corpo. Assim, o texto constitucional de 1988, irá refletir este ambiente político de redemocratização do País e a força do movimento sanitário na luta pela ampliação dos direitos sociais. A Constituição Federal de 1988, artigo 196, nos diz que: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação. Este é o princípio que norteia o Sistema Único de Saúde (SUS).
Na Determinação Social da Saúde (Buss; Pellegrini Filho, 2007) o processo saúde-doença é explicado a partir das formas de organização da sociedade (estruturas econômicas e sociais) e da relação entre o natural e o biológico (individual) para analisar o caráter das desigualdades (sociais e sanitárias) e as raízes das iniquidades em saúde. No Brasil, essa abordagem teve início na década de 19 70 com as críticas de Sérgio Arouca ao preventivismo (2003) e com o estudo de Donnangelo (1976) sobre saúde e sociedade, tendo reflexos na constituição do campo da saúde coletiva, da medicina social e do movimento da reforma sanitária. Os determinantes sociais da saúde incluem as condições mais gerais – socioeconômicas, culturais e ambientais – de uma sociedade, e se relacionam com as condições de vida e trabalho de seus membros, como habitação, saneamento, ambiente de trabalho, serviços de saúde e educação, incluindo também a trama de redes sociais e comunitárias (Batistella, 2007). Para Laurell (1982), a concepção de saúde e de doença como ‘processo saúde-doença’ é um modo específico de como ocorre na coletividade o processo biológico de desgaste (momentos particulares de funcionamento biológico diferenciado) com consequências no desenvolvimento regular das atividades cotidianas (processo social de reprodução), que culmina no surgimento da doença. O modo de viver em sociedade determina transtornos biológicos, as ‘doenças’. Portanto, a doença e a saúde constituem momentos diferenciáveis de um mesmo processo expresso por meio de
Partindo de uma concepção ampliada do processo saúde-doença e de seus determinantes, propõe-se a articulação de saberes técnicos e populares, e a mobilização de recursos para seu enfrentamento e resolução. A ideia de promoção procura relacionar saúde e condições de vida, ressaltando a necessidade de uma vida saudável e a importância da participação coletiva e das habilidades individuais neste processo (Freitas; Czeresnia, 2009). Referências Arouca, S. O dilema preventivista contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2003. Batistella, C. Abordagens Contemporâneas do Conceito de Saúde. In: Fonseca, A. F.; Corbo, A. D. (Orgs). O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV, Fiocruz, 2007. p. 5 1 - 86. Batistella, C. Saúde, Doença e Cuidado: complexidade teórica e necessidade histórica. In: Fonseca, A. F.; Corbo, A. M. D. (Orgs.). O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2007. p. 25–49. Brasil. Congresso Nacional do Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Brasil. Ministério da Saúde. Relatório final, 8ª Conferência Nacional de Saúde, 17-21 mar. 1986. Brito, J. et al. Caderno de Textos - Programa de Formação em Saúde, Gênero e Trabalho nas Escolas. 2 ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011. 80 p. Brito, J. et al. Saúde, subjetividade e trabalho: o enfoque clínico e de gênero. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 37, n. 126, p. 316-329, 2012. Brito, J. Saúde. Laboreal, v. 1 3, n. 1, p. 100 - 103, 2017. Disponível em: http://laboreal.up.pt/files/articles/100_103.pdf Brito, J. Saúde. Laboreal, v. 13, no 1, p. 100–103, 2017. Buss, P. M. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciência & Saúde Coletiva, v. 5, n. 1, p. 163- 177, 2000. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413- 81232000000100014 Buss, P. M.; Pellegrini Filho, A. A saúde e seus determinantes sociais. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 17, n. 1, p. 77-93, 2007. Canguilhem, G. O normal e o patológico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. Canguilhem, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. Canguilhem, G. saúde conceito vulgar e questão filosófica. In: Avellar Ribeiro, V. (trad.). Escritos sobre a medicina. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. Dejours, C. Por um novo conceito de Saúde. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 54, n. 14, p. 7-11, 1997. Donnangelo, M. C. F. Saúde e Sociedade. São Paulo: Duas Cidades, 1976. Freitas, C. M.; Czeresnia, D. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009. Lalonde M. A new perspective on health of Canadians. Ottawa information. Ottawa: Canadian Department of National Health and Welfare; 1974. Laurell, A. C. A saúde-doença como processo social. Revista latinoamericana de Salud, v. 2, n. 1, p. 7 - 25, 1982.
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1500 até o Primeiro Reinado Um país colonizado, basicamente por degredados e aventureiros desde o descobrimento até a instalação do império, não dispunha de nenhum modelo de atenção à saúde da população e nem mesmo o interesse, por parte do governo colonizador (Portugal), em criá-lo. Deste modo, a atenção à saúde limitava-se aos próprios recursos da terra (plantas, ervas) e, àqueles que, por conhecimentos empíricos (curandeiros), desenvolviam as suas habilidades na arte de curar. A vinda da família real ao Brasil criou a necessidade da organização de uma estrutura sanitária mínima, capaz de dar suporte ao poder que se instalava na cidade do Rio de Janeiro. Até 1850 as atividades de saúde pública estavam limitadas à delegação das atribuições sanitárias as juntas municipais e ao controle de navios e saúde dos portos. A carência de profissionais médicos no Brasil Colônia e no Brasil Império era enorme. A inexistência de uma assistência médica estruturada, fez com que proliferassem pelo País os boticários (farmacêuticos). Aos boticários cabiam a manipulação das fórmulas prescritas pelos médicos, mas a verdade é que eles próprios tomavam a iniciativa de indicá-los, fato comuníssimo até hoje. Não dispondo de um aprendizado acadêmico, o processo de habilitação na função consistia tão somente em acompanhar um serviço de uma botica já estabelecida durante um certo período de tempo, ao fim do qual prestavam exame perante a Fisicatura-mor^2 e se aprovado, o candidato recebia a “carta de habilitação”, e estava apto a instalar sua própria botica. Início da República - 1889 até 1930 No início deste século, a cidade do Rio de Janeiro apresentava um quadro sanitário caótico caracterizado pela presença de diversas doenças graves que acometiam à população, como a varíola, a malária, a febre amarela e, posteriormente, a peste, o que acabou gerando sérias consequências tanto para a saúde coletiva quanto para outros setores, como o do comércio exterior, visto que os navios estrangeiros não mais queriam atracar nos portos do Rio de Janeiro em função da situação sanitária existente na cidade. Rodrigues Alves, então presidente do Brasil, nomeou Oswaldo Cruz como Diretor do Departamento Federal de Saúde Pública, que se propôs a erradicar a epidemia de febre-amarela na cidade do Rio de Janeiro. Para organizar os centros urbanos e implementar a reforma sanitária de Oswaldo Cruz, foram feitas algumas mudanças, como a criação da polícia sanitária, quarentena dos (^2) Órgão responsável por conceder autorizações e licenças para a atuação dos terapeutas (curandeiros, terapeutas acadêmicos – médicos e cirurgiões – e práticos – sangradores ou barbeiros, boticários e parteiras).
doentes, vacinação obrigatória, destruição dos cortiços e controle dos vetores de doenças, constituindo o modelo sanitarista na época de Oswaldo Cruz. Este modelo de intervenção ficou conhecido como campanhista e foi concebido dentro de uma visão militar em que os fins justificam os meios, e no qual o uso da força e da autoridade eram considerados os instrumentos preferenciais de ação. A onda de insatisfação se agrava com outra medida de Oswaldo Cruz, a Lei Federal nº 1261, de 31 de outubro de 1904, que instituiu a vacinação anti-varíola obrigatória para todo o território nacional. Surge, então, um grande movimento popular de revolta que ficou conhecido na história como a Revolta da Vacina. Apesar das arbitrariedades e dos abusos cometidos, o modelo campanhista obteve importantes vitórias no controle das doenças epidêmicas, conseguindo inclusive erradicar a febre amarela da cidade do Rio de Janeiro, o que fortaleceu o modelo proposto e o tornou hegemônico como proposta de intervenção na área da saúde coletiva durante décadas. Enquanto a sociedade brasileira esteve dominada por uma economia agro-exportadora, baseada na monocultura cafeeira, o que se exigia do sistema de saúde era, sobretudo, uma política de saneamento destinada aos espaços de circulação de mercadorias exportáveis e a erradicação ou controle das doenças que poderiam prejudicar a exportação. O nascimento da previdência social A acumulação capitalista advinda do comércio exterior tornou possível o início do processo de industrialização no país, que se deu principalmente no eixo Rio-São Paulo. Tal processo foi acompanhado de uma urbanização crescente, e da utilização de imigrantes, especialmente europeus, como mão de obra nas indústrias. Esses traziam consigo a história do movimento operário na Europa e dos direitos trabalhistas que já tinham sido conquistados pelos trabalhadores e, desta forma, procuraram mobilizar e organizar a classe operária no Brasil na luta pela conquista dos seus direitos. Em função das péssimas condições de trabalho existentes e da falta de garantias de direitos trabalhistas, o movimento operário organizou e realizou duas greves gerais no País: uma em 1917 e outra em 1919. Através destes movimentos os operários começaram a conquistar alguns direitos sociais. Nesse movimento, em 24 de janeiro de 1923, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei Eloy Chaves, marco inicial da previdência social no Brasil. Através dessa lei foram instituídas as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP).