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Franz Kafka O Processo, Notas de aula de Direito

Detenção. 9. Conversa com a Senhora Grubach, depois com a Menina Bürstner. 26. Primeiro interrogatório. 40. Na sala de audiências deserta.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Nazario185
Nazario185 🇧🇷

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Franz Kafka
O Processo
Tradução de
João Costa e Delfim de Brito
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Franz Kafka

O Processo

Tradução de João Costa e Delfim de Brito

Índice

 - Breve notícia bibliográfica - Detenção - depois com a Menina Bürstner Conversa com a Senhora Grubach, - Primeiro interrogatório - O estudante – as Secretarias Na sala de audiências deserta. - O flagelador - O tio – Leni 
  • O advogado. O industrial. O pintor
  • O comerciante Block. Fim do mandato do advogado - Na catedral - Fim - Fragmentos - A amiga de B. - O procurador - Indo a casa de Elsa - Querela com o director interino - A casa - Viagem a casa da mãe - Apêndice

Mas este último não se expôs muito tempo ao seu olhar; voltou-se para a porta e entreabriu-a para dizer a alguém que, visivelmente, se encontrava mesmo ali atrás:

  • Ele quer que Anna lhe traga o pequeno-almoço. Um riso breve ecoou então na sala contígua; ao ouvi-lo, ficava-se com a certeza de que várias pessoas tinham partici- pado nele. Embora o desconhecido não pudesse revelar assim nada que ele não soubesse já, insistiu em dizer a K. num tom de declaração:
  • É impossível.
  • Seria a primeira vez – disse K. saltando da cama para enfiar rapidamente as calças. – Vou ver que espécie de gente se encontra aqui ao lado, e como é que a Senhora Grubach me vai explicar este incómodo. Para dizer a verdade, ocorreu-lhe logo ao espírito que não deveria ter dito isto em voz alta, e que reconhecia assim de certo modo um direito de olhar ao desconhecido; mas isto não lhe parecia agora muito importante. No entanto, foi assim que este se apercebeu das suas intenções, porque disse:
  • Não prefere permanecer aqui?
  • Não quero permanecer aqui nem que o senhor me dirija a palavra, enquanto não se tiver apresentado.
  • Foi com boa intenção – disse o desconhecido ao mesmo tempo que abria a porta. Na sala contígua, onde K. entrou mais devagar do que desejava, tudo parecia, à primeira vista, exactamente como na véspera à noite. Era o salão da Senhora Grubach, talvez houvesse hoje naquela divisão sobrecarregada de móveis, de napperons , de porcelanas e de fotografias, um pouco mais de espaço do que habitualmente, mas não se dava por isso ime- diatamente, ainda menos porque a diferença principal resul- tava da presença de um homem sentado próximo da janela aberta, com um livro, e que erguia agora os olhos.
  • Deveria ter permanecido no seu quarto! Franz não lho disse?
  • Sim, e o que é que o senhor quer? – replicou K., cujo olhar se desviou do recém-chegado para o denominado

Franz, que tinha ficado no limiar da porta, regressando, depois, novamente ao outro. Através da janela aberta, ainda se avistava a velha senhora que, com uma curiosidade deveras senil, se havia aproxi- mado da janela, agora mesmo em frente, para continuar a observar tudo.

  • Vou dizer à Senhora Grubach… – principiou K., pare- cendo fugir à influência dos dois homens, todavia a boa dis- tância dele, e quis avançar.
  • Não – disse o homem próximo da janela, atirando o livro para cima de uma mesa e levantando-se. – O senhor não tem o direito de ir-se embora, porque está detido.
  • Tem todo o ar disso – retorquiu K. – Mas então por- quê? – perguntou em seguida.
  • Não fomos encarregados de lho dizer. Vá para o seu quarto e espere. O processo judicial acaba de ser instaurado, e saberá tudo na altura oportuna. Ultrapasso a minha mis- são ao falar-lhe tão amistosamente. Mas espero que ninguém, excepto Franz, me ouça, e aliás também ele o trata simpati- camente, à revelia do regulamento. Se continuar a ter tanta sorte como para a designação dos seus guardas, pode ficar sossegado. K. queria sentar-se, mas reparou agora que nada mais havia na sala, além da cadeira perto da janela.
  • Em breve compreenderá quanto tudo isto é verdadeiro
  • disse Franz avançando na sua direcção ao mesmo tempo que o outro homem. Este último, em particular, era nitidamente mais alto do que K. e não parava de bater-lhe no ombro. Ambos exami- naram a camisa de noite de K. e disseram que teria agora de usar uma muito menos delicada, mas que eles guardariam aquela com todo o resto da sua roupa, e lha devolveriam se o seu caso terminasse bem.
  • Mais vale dar-nos as suas coisas do que deixá-las no depósito – disseram eles –, porque no depósito muitas vezes desaparecem e, além disso, vendem todas as coisas decor- rido um certo tempo, sem se preocuparem que o respectivo processo esteja ou não concluído. E como estes processos se

era totalmente desinteressante do seu ponto de vista; em contrapartida – sem que, aliás, tivesse por hábito extrair a lição das suas experiências –, recordava-se de certos casos, em si sem importância, nos quais, ao contrário dos amigos, havia adoptado cientemente uma conduta pouco prudente, sem de modo algum encarar as possíveis consequências, e nos quais fora castigado pelo resultado. Isto não devia vol- tar a acontecer; em todo o caso, desta vez, se era uma comé- dia, ora bem, desempenharia nela o seu papel. Por enquanto ainda estava livre.

  • Com licença – disse enquanto deslizava precipitada- mente por entre os guardas para regressar ao quarto.
  • Tem um ar sensato – ouviu atrás de si. Mal chegado ao quarto, puxou bruscamente as gavetas da secretária; estava ali tudo muito bem arrumado, mas, na sua agitação, não encontrou logo os documentos de identi- ficação que precisamente procurava. Acabou por encon- trar o registo da matrícula da bicicleta, e ia mostrá-lo aos guardas, mas o documento pareceu-lhe demasiado insigni- ficante: continuou a procurar e encontrou a sua certidão de nascimento. Na altura em que entrou de novo na sala contí- gua, a porta à sua frente abriu-se e a Senhora Grubach mos- trou tenção de entrar. Só a viram um instante porque, mal reconheceu K., foi invadida por um embaraço evidente, apresentou as suas desculpas e desapareceu, fechando a porta com grandes precauções. K. teve apenas o tempo de dizer:
  • Vamos, entre! De pé no meio da sala, com os documentos, o olhar ainda pregado na porta que não se tornara a abrir, foi arrancado ao seu torpor por um apelo dos guardas, sentados à mesinha em frente da janela aberta e, K. deu agora conta, a devorar o seu pequeno-almoço.
  • Porque é que ela não entrou? – perguntou.
  • Não é permitido – disse o mais alto. – Afinal o senhor encontra-se sob prisão.
  • Como posso eu encontrar-me sob prisão? E desta maneira, quem pode estar?
  • Cá o temos agora a recomeçar – disse o guarda en- quanto molhava uma fatia de pão no pequeno boião de mel.
  • Nós não respondemos a esse género de perguntas.
  • Vão ter de responder – disse K. – Aqui estão os meus documentos, mostrem-me agora os vossos e, antes de tudo, o mandado de prisão.
  • Ó meu Deus! – disse o guarda. – Como é incapaz de adaptar-se à situação e parece determinado a irritar-nos inu- tilmente, a nós que, entre todos os outros, somos sem dúvida os mais próximos de si!
  • Ele tem razão, creia – disse Franz que, em vez de levar à boca a chávena de café que segurava na mão, lançou a K. um olhar que talvez quisesse dizer algo, mas incompreensí- vel. K. trocou involuntariamente vários olhares com Franz, depois, e apesar disso, começou a desdobrar os seus docu- mentos enquanto dizia:
  • Aqui estão os meus documentos de identidade.
  • Que quer que façamos com eles? – exclamou então o guarda alto. – O seu comportamento é pior do que o de uma criança. Que pretende então? Quer apressar o fim do seu maldito grande processo, discutindo a identidade e o man- dado de prisão connosco, os guardas? Somos apenas funcio- nários, quase incapazes de nos entendermos com documen- tos de identidade e cujo único elo com o seu caso é ficarmos de guarda dez horas por dia à sua casa, sendo pagos para isso. Eis tudo quanto somos; todavia, somos capazes de per- ceber que as altas autoridades que servimos, antes de orde- narem uma tal detenção, se informam pormenorizadamente dos motivos da prisão e da pessoa do acusado. Não existe erro possível. As autoridades de que dependemos, tanto quanto as conheço, e apenas conheço os escalões mais baixos, não são do género de ir procurar a culpa no seio da população; pelo contrário, como diz a lei, é a culpa que as atrai, e elas devem então mandar-nos, os guardas. É a lei. Onde poderia haver erro?
  • Ignoro tal lei – disse K.
  • Tanto pior para si – disse o guarda.

retê-lo se abrisse a porta do quarto contíguo, ou mesmo a porta do vestíbulo; talvez a solução mais simples de toda esta história fosse extremá-la. Mas talvez então eles lhe pusessem as mãos em cima e, uma vez vencido, perderia também a superioridade que ainda conservava apesar de tudo, em certa medida, perante eles. Foi por isso que, pre- ferindo a certeza da solução que o curso natural das coisas forçosamente traria, voltou para o quarto, sem que outra palavra fosse pronunciada por ele ou pelos guardas. Atirou-se para cima da cama e apanhou na mesinha-de- -cabeceira uma bela maçã que tinha posto de lado na vés- pera à noite para o seu pequeno-almoço. Agora ia reduzir- -se a esta maçã; em todo o caso, como se certificou quando a mordeu com avidez, ela era muito melhor do que o pequeno-almoço provindo de um café miserável que teria podido obter através das boas graças dos guardas. Sentia-se em forma, confiante; claro que não estava no seu posto no banco, essa manhã, mas atendendo à posição relativamente elevada que ali ocupava, isso ser-lhe-ia facilmente descul- pado. Deveria apresentar o verdadeiro motivo? Encarava fazê-lo. Se não o acreditassem, o que seria compreensível no caso presente, poderia invocar o testemunho da Senhora Grubach ou então o dos dois velhos do outro prédio, que estavam sem dúvida a encaminhar-se para a janela da frente. K. admirava-se ou pelo menos achava espantoso, na lógica dos guardas, que estes últimos o tivessem deixado voltar para o quarto onde ficou sozinho, quando havia a grande possibilidade de se suicidar. Para dizer a verdade, pergun- tava a si mesmo ao mesmo tempo, desta vez na sua própria lógica, que motivo poderia ter para agir assim. Porque esta- vam os outros dois sentados na sala contígua e tinham apreendido o seu pequeno-almoço? Teria sido a tal ponto absurdo suicidar-se que, mesmo se quisesse fazê-lo, o ab- surdo da coisa tê-lo-ia tornado incapaz. Se a limitação inte- lectual dos guardas não houvesse sido tão manifesta, pode- ria supor-se que também eles, fortalecidos pela própria convicção, não viam nenhum perigo em deixá-lo sozinho. Se lhes apetecesse, podiam agora vê-lo dirigir-se para um

pequeno armário onde conservava uma boa aguardente, e esvaziar um primeiro copinho para substituir o seu pequeno-almoço, antes de confiar a um segundo copinho a missão de dar-lhe coragem, isto por pura precaução, para o caso improvável de que tivesse necessidade dela. Foi então que um apelo proveniente da sala contígua o fez sobressaltar, ao ponto de os dentes embaterem no copo.

  • O inspector chama-o – ouviu. Apenas o grito o assustou, aquele grito brusco, desabrido, militar, do qual não teria julgado capaz o guarda Franz. Quanto à ordem em si, recebia-a de boa vontade. «Enfim!», exclamou para consigo como resposta; fechou o armário e correu logo para a sala contígua. Os dois guardas estavam ali de pé e empurraram-no para o quarto, com toda a naturali- dade.
  • Mas em que anda a pensar? – exclamaram. – É de camisa que tenciona apresentar-se perante o inspector? Ele mandá-lo-á moer de pancada, e nós de acordo!
  • Deixem-me, vão para o Diabo! – exclamou K., que eles já haviam empurrado até ao guarda-fato. – Se me surpreen- dem na cama, não devem esperar encontrar-me em traje de gala.
  • É inútil – disseram os guardas, que se mantinham sem- pre muito calmos, quase tristes até, quando K. se punha a gri- tar, e conseguiam assim perturbá-lo ou trazê-lo mais ou menos à razão.
  • Ridículas cerimónias! – resmungou mais uma vez, mas pegara já num casaco pousado em cima da cadeira e manti- nha-o no ar há alguns instantes nas duas mãos, como para submetê-lo ao julgamento dos guardas. Estes menearam a cabeça.
  • Tem de ser um casaco preto – disseram. Ao ouvir estas palavras, K. atirou o casaco para o chão e disse, sem ele mesmo saber em que sentido o dizia:
  • No entanto ainda não estamos na audiência plenária. Os guardas sorriram, mas contentaram-se em repetir:
  • Tem de ser um casaco preto.
  • De bom grado, se é o meio de acelerar o processo – disse K.