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Este texto discute as forças que dirigem a escola, desmascara a aparente neutralidade da mesma, traz a tona que a escola é produto e produtora de desigualdade social, e analisa o papel do estado na sociedade capitalista. O autor argumenta que o estado é um órgão de dominação de classe e que a hegemonia das classes dominantes sobre a classe subalterna se manifesta principalmente na escola.
Tipologia: Provas
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Não perca as partes importantes!
Rio Claro 2015
Orientador: José Euzébio de Oliveira Souza Aragão
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau de licenciado em Educação Física.
Agradeço
Rose, irmãos, pais e avós.
Ao Movimento Estudantil, que foi onde tive as mais ricas experiências e aprendizagens, e sem o qual de nada seriam úteis os anos de graduação,
Aos companheiros de luta da Moradia Estudantil,
Julian, Luiz Paulo e Renan, companheiros de república,
Professores como Rosa Maria, Aragão, Leila, Luizinho, Maria Antonia, extremamente significantes para mim, que não se deixam levar pela mediocridade docente que prevalece na universidade e que agradeço por terem contribuído em minha passagem pela instituição,
Colegas de sala, que colaboraram em diversas discussões e pontos de vista,
Colegas de Super Férias (SESI) e de Madalena,
Monitores e coordenadores de Rep. Lago, foi onde tive a oportunidade de exercer pela primeira vez um papel de protagonismo educacional e lá aprendi a importância de “sempre buscar deixar as coisas melhores do que as encontramos”,
Amigos que fizeram parte dessa etapa que se encerra aqui e que de alguma maneira me acrescentaram e contribuíram em algo.
A escola possui um papel fundamental em nossa estrutura social contemporânea ocidental. Ela interage dialeticamente com nossa sociedade sendo um local reprodutor e alterador de valores, crenças e hábitos em que quase todos frequentam por mais de uma década. Este Trabalho de Conclusão de Curso tem como objetivo trazer reflexões sobre a função da escola, a quem ela serve e porque, analisando a música “Estudo Errado” de Gabriel, o Pensador, dialogando com autores que abordam a escola em uma perspectiva crítica, como os críticos- reprodutivistas, Althusser e Bourdieu, mas também com Gramsci, Foucault, entre outros. Os questionamentos sobre a função da escola e seus interesses constantemente são feitos de maneira superficial e se aprofundados poderiam colaborar para uma maior criticidade e transformação do cotidiano e da prática escolar. A pesquisa se desenvolverá em uma abordagem qualitativa e a metodologia utilizada será pesquisa bibliográfica, análise documental, através da análise de conteúdo. Meu intuito com este trabalho é discorrer sobre as forças que direcionam a escola, desconstruir a aparente neutralidade que a escola possui no imaginário popular e trazer a tona que a escola é produto de um conflito social.
Palavras-chave: Educação. Capitalismo. Críticos-reprodrutivistas. Gabriel, o Pensador.
É necessário para todos que farão parte do processo educativo escolar, ter a clareza de que a escola é um dentre tantos outros âmbitos da sociedade com capacidade educativa. Ela não está desvinculada das ruas, da família, das mídias, do Estado, da política constitucionalizada, da luta de classes, etc. Para melhor compreendê-la é necessário que estudemos o seu entorno, suas determinações, as integrações com os demais processos sociais. Sem o conhecimento de tudo que está interligado é impossível conhecer plenamente o objeto. Sem analisar a sociedade e suas determinações, é impossível ter uma análise que não seja superficial e leviana sobre a escola. Sem compreender o todo é impossível agir corretamente sobre as partes. É necessário ter clareza sobre a dialética Sociedade-Escola.
Saviani classifica as visões sobre a escola, como ele mesmo diz a “grosso modo”, de duas maneiras. O primeiro grupo, o grupo das teorias não críticas, considera a sociedade como harmoniosa, e que a escola possibilita corrigir os desvios de conduta praticados por alguns, poucos ou muitos, indivíduos. Um ambiente onde os indivíduos se enquadram, e os que não se enquadram neste fluxo correto, se marginalizam, tornando-se um problema, e que, marginalizados, devem se reintegrar através da escola à sociedade. A escola, para esse grupo, possui a capacidade de homogeneizar a população e promover um corpo social coeso, um organismo sadio. Possui a capacidade de evitar a desunião da sociedade. Essa concepção considera a escola como um ambiente autônomo da sociedade, como se ela apenas direcionasse a sociedade, e não os sofresse nenhum direcionamento. Desconsideram totalmente a dialética sociedade-escola e escola-sociedade. (SAVIANI, 2008, p. 3-4)
O segundo grupo, o grupo das teorias crítico-reprodutivistas, considera a escola como um componente de um sistema maior. Para estes, a sociedade é composta por classes antagônicas, e assim, essencialmente marcada pelos seus interesses antagônicos que se manifestam principalmente nas condições
de produção da vida material. A educação seria completamente dependente da estrutura social, e não considerada como algo vindo de fora, como acredita o primeiro grupo. Consideram a escola mais do que sujeita as determinações sociais, mais do que uma reprodutora de desigualdade, a consideram como uma produtora, acentuando tais desigualdades. A escola é um mecanismo excludente responsável por uma marginalidade cultural e, mais precisamente, escolar. Ao contrário do primeiro grupo, consideram as condições socioeconômicas determinantes no processo de ensino-aprendizagem escolar. (SAVIANI, 2008, p. 4-5)
É partindo dos pressupostos de alguns autores pertencentes ao segundo grupo, dos críticos reprodutivistas, como Pierre Bourdieu e Louis Althusser, e de autores que antecedem os críticos reprodutivistas, como Marx, Lênin e Gramsci, e de mais alguns autores como Foucault, Saviani e Mészáros que buscarei construir uma linha de raciocínio que traga a tona as determinações impostas pelo capitalismo à escola. Este trabalho tem como objetivo discorrer sobre as forças que direcionam a escola, desconstruir a aparente neutralidade que a escola possui no imaginário popular, trazer a tona que a escola é produto de um conflito social que é estrutural na sociedade capitalista e que a escola é produto e produtora de uma desigualdade social, e por conseqüência, de uma luta de classes.
Inicialmente este trabalho surgiu de outro trabalho, que pode ser considerado um protótipo deste, que analisava a música „estudo errado‟^1 , do cantor e compositor Gabriel, o Pensador com o livro „Aparelhos Ideológicos de Estado‟ de Louis Althusser para a matéria de sociologia da educação. Durante a produção deste primeiro trabalho pude constatar a complexidade do tema e que embora Althusser seja um autor riquíssimo para analisarmos a escola, ele com certeza não esgota todos os processos e fenômenos que explicam os
(^1) do álbum “Ainda é só o começo” (1995)
Capítulo I – Estado, Educação e Escola
Neste capítulo, mais teórico e denso, parto do senso comum tentando desmistificar algumas “verdades”. Dividido em três tópicos, partiremos do papel da mídia na construção da consciência dos indivíduos, adentrando na estruturação econômica da sociedade e construção do Estado, até chegarmos especificamente na escola e seus desdobramentos. Entre essas duas extremidades do capítulo serão abordadas questões como as relações de produção material, ideologia, aparelhos ideológicos e repressivos de Estado, entre outros, para visualizarmos de maneira crítica a complexidade do contexto escolar, e podermos adentrar de fato na escola e sua relação dialética com a sociedade.
Um paradigma vem sendo propagado pela mídia tradicional brasileira e tem ganhado corpo no senso comum. Esse paradigma consiste na responsabilização dos problemas sociais aos políticos e governantes. Nas televisões, rádios e jornais, bombardeiam incessantemente os sujeitos responsáveis por gerenciar o Estado brasileiro acusando-os de corrupção e mau gerenciamento e que devido a isso surge a precarização da saúde, baixos salários, crise educacional, entre outros. Analisando atentamente a mídia tradicional, fica claro o interesse desses meios de comunicação em polarizar as necessidades sociais em dois extremos: primeiro os “detentores do poder”, os políticos, os que compõem o Estado, corruptos e mal intencionados que se unem contra o povo; o segundo, a sociedade civil, o povo, que trabalha arduamente pra sustentar o país e pagar impostos que o primeiro extremo –os políticos- irá roubar através de impostos e corrupção. Essa falsa polarização torna-se presente no senso comum devido ao tempo que somos expostos a essa maneira de ver as relações. Entretanto, nos atentando para além das aparências e analisando a fundo a exposição dos fatos pela mídia tradicional é possível ver o porquê e a quem interessa a falsa polarização entre políticos e população.
[...] na representação ideológica que a burguesia faz de si mesma para si mesma e para as classes exploradas, [...] o aparelho ideológico de Estado dominante nas formações sociais capitalistas é o aparelho ideológico de Estado político, ou seja, o regime de democracia parlamentar oriundo do sufrágio universal e das lutas partidárias. (ALTHUSSER, 1985, p.77)
Aos olhos inocentes, a mídia tradicional parece ser heterogênea. Podemos ter essa impressão observando a grande quantidade de canais de televisão, de estações de rádio, de sites e jornais que temos disponíveis para nos mediar entre os acontecimentos e a notícia, mas é notável a convergência da maioria desses meios para as mesmas opiniões. Procurando saber quem está por trás de toda a mídia tradicional chegamos a algumas famílias e grupos que detém o controle da maioria dos meios de comunicação de grande alcance do nosso país. São famílias e grupos que possuem fortunas e o monopólio dos meios de comunicação. Os meios de comunicação que esses poucos possuem são utilizados para mediar o fato acontecido para chegar até a população, fazendo valer seus interesses pré-determinados, para que possam manter e aumentar não apenas seu poder político-econômico, mas também o poder político-econômico aos grupos em que são atrelados. Desinformam a população, mistificam e ocultam acontecimentos, manipulando fatos conforme os interesses dessa pequena parcela, numericamente falando, da sociedade civil.
A chamada mídia tem um papel de intermediação que a gente talvez não possa dizer que é inocente, mas não parte dela realmente, [...] é de um pequeno número de agências internacionais da informação, estreitamente ligadas ao mundo da produção material, ao mundo das finanças, e que controla de maneira extremamente eficaz a interpretação do que está se passando no mundo e de uma forma que se torna clara quando a gente pega os jornais e vê a repetição quase que servil das mesmas fotografias, as mesmas manchetes, mesmas idéias, mesmos debates, que indicam que alguma coisa está por trás de tudo isso (Encontro com Milton Santos..., 2006, 36min38s).
Essa classe também é composta por outras frações, como o agronegócio, a construção civil, a indústria farmacêutica, entre outras.
A história de toda sociedade até nossos dias é a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre e oficial, em suma, opressores e oprimidos sempre estiveram em uma constante oposição;
O Estado não é, pois, de forma alguma, um poder imposto à sociedade de fora para dentro; tampouco é “a realização da idéia moral” ou “a imagem a realidade da razão”, como afirma Hegel. É antes, um produto da sociedade num determinado estágio de desenvolvimento; é a revelação de que essa sociedade se envolveu numa irremediável contradição consigo mesma e que está dividida em antagonismos irreconciliáveis que não consegue exorcizar. No entanto, a fim de que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos conflitantes não se consumam e não afundem a sociedade numa luta infrutífera, um poder, aparentemente acima da sociedade, tem-se tornado necessário para moderar o conflito e mantê-lo dentro dos limites da “ordem”. Este poder, surgido da sociedade, mas colocado acima dela e cada vez mais se alienando dela, é o Estado... Na medida em que o Estado surgiu da necessidade de conter os antagonismos de classe, mas também apareceu no interior dos conflitos entre elas, torna-se geralmente um Estado em que predomina a classe mais poderosa, a classe econômica dominante, a classe que, por seu intermédio, também se converte na classe politicamente dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração da classe oprimida. O Estado antigo era acima de tudo, o Estado dos proprietários de escravos para manter subjugados a estes, como o Estado feudal era o órgão da nobreza para dominar os camponeses e os servos, e o moderno Estado representativo é o instrumento de que serve o capital para explorar o trabalho assalariado. (ENGELS, 1981 apud CARNOY, 1990, p. 69)
O Estado é então uma organização que age como apaziguadora entre as classes sociais, sempre tendendo às classes dominantes.
Para Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de submissão de uma classe por outra; é a criação de uma „ordem‟ que legalize e consolide essa submissão, amortecendo a colisão das classes. (apud LENIN, 1917, p. 27)
O Estado tem a função de acalmar os ânimos da luta de classes, curvando-se aos interesses da classe dominante. Ele não age como conciliador. Não é possível conciliar classes antagônicas, com interesses antagônicos. Ele é o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das classes, aparecendo onde e na medida em que os antagonismos de classes não podem objetivamente ser conciliados. (LENIN, 1917, p. 27)
O Estado surge das condições materiais da sociedade, de sua base econômica. A base econômica (ou estrutura) são as forças produtivas, as relações de produção, as condições materiais, que farão emergir a superestrutura, que compreende o aparato jurídico, o Estado, as ideologias, a
consciência humana. Todas as relações sociais são sedimentadas e direcionadas em função da base econômica.
As relações jurídicas assim como as formas do Estado não podem ser tomadas por si mesmas nem do chamado desenvolvimento geral da mente humana, mas têm suas raízes nas condições materiais de vida, em sua totalidade, relações estas que Hegel... combinava sob o nome de “sociedade civil”. Cheguei também a conclusão de que a anatomia da sociedade civil deve ser procurada na economia política... Na produção social de sua vida, os homens entram em relações determinadas, necessárias, e independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A soma total dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas definidas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona, de forma geral, o processo de vida social, político e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina sua forma de ser mas, ao contrário, é sua forma de ser social que determina sua consciência. (MARX; ENGELS, 1983 apud CARNOY, 1990, p.66)
. O Estado é fruto da base econômica e é inerente às formas de dominação promovidas pela classe dominante e suas condições materiais. Retomando a falsa polarização entre políticos e sociedade civil, fica explícita neste ponto uma teoria de origem do Estado que pode explicar concretamente os problemas sociais, possibilitando desmistificar as inverdades propagadas pela mídia burguesa-latifundiária de que os políticos são os inimigos do povo. O Estado está a serviço da manutenção do status quo , a serviço de uma minoria dominante. Ele emerge da sociedade civil para controlá-la e disponibilizá-la a serviço do capital. O Estado “é apenas um comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia.” (MARX; ENGELS, 2001, p.27)
Mas como essa lógica social consegue se reproduzir e perpetuar? Como a classe trabalhadora não adquire consciência da exploração e opressão que são submetidos e não se organizam para alterar sua realidade? Tentaremos responder no próximo tópico como a classe dominante se apropria da consciência proletária.
Os processos educacionais podem ser classificados da seguinte maneira: educação formal, educação informal e educação não-formal. A educação formal se dá no ambiente escolar. Nela são trabalhados intencionalmente conhecimentos historicamente construídos e sistematizados, passiveis de revisões e modificações, com a interpelação do professor e dentro de um ambiente regido por leis. A educação informal consiste na construção de saberes não sistematizados, não intencionais e não organizados que ocorrem por toda a vida através da interação com grupos sociais, carregados de valores e culturas herdadas historicamente. Por exemplo, as tradições culturais de um grupo, o hábito de ver televisão com a família, o círculo de amizades, etc. A educação não-formal ocorre de maneira não sistematizada, através da interação com o cotidiano, nos momentos em que interagimos com as pessoas e o mundo que nos cercam, preparando os seres humanos para a civilidade. (GOHN, 2006, p. 28-29)
Dependendo da maneira que são abordados determinados saberes, é possível reproduzir ou contrariar alguns paradigmas. Dentro de uma sociedade dividida em classes sociais antagônicas e baseada na exploração do homem pelo próprio homem, como vimos anteriormente, os processos educacionais não são neutros e universais, embora procurem se travestir de tal maneira. Tais processos embutem nos sujeitos o habitus, que é a forma de pensar, sentir, agir e julgar que a estrutura social pré-determina.
Habitus é o produto da interiorização de um arbitrário cultural capaz de se perpetuar após o termino da atividade pedagógica e, assim, perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário cultural. (CUNHA, 1979, p.91)
A atividade pedagógica, promovida pela autoridade pedagógica, é exercida por todos os membros já educados, de uma formação social ou de um grupo (HAECHT, 2008, p.24). Trataremos destes conceitos de modo mais detalhado posteriormente.
Os processos educacionais tradicionais servem aos interesses da camada exploradora e dominante da população. É através da educação que a
classe dominante implanta seus valores na consciência do proletariado, os fazendo acreditar em coisas como “a riqueza é fruto do trabalho”. Sabemos que qualquer trabalhador, um mineiro, um ajudante de pedreiro ou um frentista pode trabalhar até 70 horas por semana que jamais obterá a fortuna que um membro da família Ermírio de Moraes possui. No capitalismo, trabalho gera riqueza para o capitalista e não para o trabalhador, mas tais dogmas estão presentes no senso comum e são tratados como inquestionáveis. Essas mentiras (ou verdades parciais) tendenciosas e descontextualizadas socialmente são reproduzidas através do processo educacional. São elas as ideologias.
Ideologia é uma “representação da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência” (ALTHUSSER, 1985, p85). O termo “ideologia” está presente neste trabalho não no seu sentido popular, criado por Antoine Destrutt de Tracy, referindo-se a qualquer conjunto de idéias, mas no sentido marxiano^3 da palavra, com uma conotação valorativa de negatividade, plenamente vinculada a uma relação de dominação de uma classe por outra através de um conjunto de idéias. Idéias essas que são invertidas e veladas de realidade, naturalizando a dominação sofrida e que tornam universais visões de mundo que beneficiam apenas a classe dominante (IASI, 2011, p.81). Não existe apenas uma ideologia, mas diversas. Existe a ideologia, burguesa, a ideologia religiosa, a ideologia moral, etc., e essas diversas ideologias não são combatidas, contanto que não contraponham aos interesses dominantes. A ideologia é uma expressão das condições materiais dos seres humanos e uma ferramenta que possibilita a manutenção das desiguais apropriações das condições materiais. A ideologia é uma apropriação da consciência dos trabalhadores em detrimento de uma “falsa consciência”, que não os beneficia, muito menos emancipa, os aprisiona.
(^3) Referente à obra de Marx
é necessariamente estratégia política, sendo a educação decisiva na luta de classes. (FREITAG, 1980, p.34)
Um conceito importante para compreendermos a contribuição à reprodução do status quo da educação, é o conceito de „hegemonia‟ de Gramsci.
Hegemonia é o predomínio ideológico das classes dominantes sobre a classe subalterna na sociedade civil, suas tentativas bem sucedidas em usar a liderança política, moral, e intelectual para impor sua visão de mundo como inteiramente abrangente e universal, e para moldar os interesses e as necessidades de grupos subordinados (CARNOY, 1990, p.95). O conceito pode ser bastante similar com o de „ideologia‟, pois intrínseco a ele está também a assimilação de valores não pertencentes à classe proletária, mas representa um processo mais amplo. Hegemonia é a predominância da ideologia na sociedade. De maneira análoga, se no que diz respeito à geopolítica o EUA é um país hegemônico, no campo político inconsciente da sociedade civil a ideologia é hegemônica. Hegemonia é a supremacia da ideologia.
Vale salientar que essa relação não é totalmente estática, ela move-se em constante deslocamento perante as circunstâncias históricas, as exigências e ações reflexivas dos seres humanos (CARNOY, 1990, p.95). Um bom exemplo para essa afirmação é o julgamento que a burguesia faz dos atos de “vandalismo” nas recentes manifestações populares brasileiras, levando-se em consideração que é a mesma classe burguesa que promoveu o episódio denominado „queda da Bastilha‟ na Revolução Francesa. Quem diria? A burguesia já foi uma classe revolucionária!
É fundamental para a existência humana a produção material das coisas. Em casa possuímos geladeira, fogão, televisão, mesa, etc. É necessário que em algum lugar do mundo alguém faça os produtos, que obviamente necessitam de parafusos, chapas plásticas e metálicas, acabamentos, que para serem fabricados precisam de ferro, cobre, aço, etc.
Para os produtos serem fabricados, é necessário que tenha algumas condições pré-estabelecidas. Se o capitalismo fosse uma árvore, é possível que a reprodução das condições de produção fosse o tronco dessa árvore, o que a sustentaria e a manteria de pé. “Até uma criança sabe que uma formação social que não reproduz as condições de produção ao mesmo tempo em que produz, não sobreviverá nem por um ano” (MARX apud ALTHUSSER, 1985, p. 53). Essa reprodução das capacidades é necessária para que o sistema continue se perpetuando materialmente e ideologicamente. A esse processo paralelo à produção, que proporciona a perpetuação do sistema capitalista (ou de qualquer outro sistema vigente) atribui-se o nome de reprodução das condições de produção. A reprodução das condições de produção ocorre através da reprodução dos meios de produção, das condições materiais de produção, da reprodução da força de trabalho (estas formam as forças produtivas) e da reprodução das relações de produção (ALTHUSSER, 1985, p.54-56).
Os meios de produção são a matéria prima, o maquinário, o galpão da fábrica, a terra para o plantio, etc. São as necessidades que se reproduzem no âmbito local da empresa. Mas também são necessárias matérias que extrapolam a localidade, dependendo de outras produções, o que caracteriza as condições materiais de produção. Sem a reprodução destes a produção torna-se inviável.
[...] o Sr. X, capitalista, que produz tecidos de lã em sua fábrica, deve “reproduzir” sua matéria-prima, suas máquinas, etc... Porém quem as produz para a sua produção são outros capitalistas: o Sr. Y, um grande criador de ovelhas da Austrália; o Sr. Z, grande industrial metalúrgico, produtor de máquinas, ferramentas, etc, devem por sua vez, para produzir esses produtos que condicionam a reprodução das condições de produção do Sr. X, reproduzir as condições de sua própria condição, e assim infinitamente, tudo isso numa proporção tal que no mercado nacional (quando não no mercado mundial^4 ), a demanda de meios de produção (para a reprodução) possa ser satisfeita pela oferta. (ALTHUSSER, 1985, p.55)
(^4) Contemporaneamente, devido a globalização, essa relação ocorre majoritariamente em escala mundial.