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Este documento discute o papel do fotojornalismo na construção de sentido em veículos impressos jornalísticos de grande circulação. O autor aborda a complexidade de classificar as fotografias jornalísticas e propõe abordar o conceito de fotojornalismo em sentidos amplo e restrito. O texto se concentra no fotojornalismo de grandes jornais diários e analisa o caráter testemunhal e informacional da fotografia.
Tipologia: Notas de aula
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JORNALISMO
Este texto busca atentar para a importância do fotojor- nalismo enquanto forma de representação visual na mídia impressa na atualidade. Mais especificamente, procura-se pensar o papel da relação fotografia-jornalismo nos proces- sos de construção de sentido existentes nos veículos impres- sos jornalísticos de grande circulação. Neste percurso são explorados alguns aspectos e características da linguagem fotojornalística, bem como sua inserção no contexto midiático e social.
This article underlines the importance of photojournalism as a form of visual representation on daily newspapers. More specifically, it considers what role the relationship between photography and journalism has in the processes of meaning production in newspapers of wide circulation. With this purpose in mind, we will explore some of the aspects and characteristics of the photojournalistic language, as well as its insertion in the media and in the social context.
GRIS/UFMG
NA MÍDIA IMPRESSA em geral, atualmente, a fotografia é a forma de representação visu- al mais utilizada. Para além dos recursos gráficos ( layout , tipografia, cores etc.), a fo- tografia salta aos nossos olhos como men- sagem, como texto visualmente relevante e carregado de sentido. A fotografia não está ali por acaso. Ela tem uma função, aparece em um formato, possui uma intenção. A própria maneira como está impressa resul- ta de uma série de negociações – às vezes tensas e conflituosas – que envolvem um complexo processo de produção editorial. No mercado da mídia impressa – e no seu alcance dentro da sociedade – desta- cam-se os veículos jornalísticos. Um rol de revistas e jornais povoa as bancas, além de se tornarem disponíveis em espaços públi- cos e privados. Em muitos formatos, ende- reçados a públicos distintos, jornais e revis- tas têm funções e objetivos informacionais diferentes, o que pesa no seu processo pro- dutivo, nas mensagens (no conteúdo de seus produtos finais), na sua periodicida- de, no seu valor. Diante deste contexto, é sempre bom lembrar das várias faces que a realidade que nos cerca pode assumir. Em cada veículo de comunicação há uma pro- posta de leitura sobre o mundo, sobre um aspecto dele. Em cada publicação há uma espécie de construção própria da realida- de. Olhando jornalisticamente para este universo pode-se dizer: em cada um desses veículos há uma tentativa de se circunscre- ver o real, às vezes buscando dar conta de seu todo – como o fazem (ou tentam fazer) os jornais diários – ou de algum de seus aspectos (caso das revistas especializadas, por exemplo). Desta forma, compete ao lei- tor olhar para cada um destes veículos di-
mensionando suas várias facetas, procuran- do entender a conexão existente entre a(s) realidade(s) da vida cotidiana e as leituras ou as imagens construídas sobre ela(s) nos jornais e revistas que tem sob os olhos. De alguma maneira, os meios de co- municação moldam o horizonte de conheci- mento do leitor sobre um determinado nú- mero de realidades, sejam elas realidades atuais ou do passado – e até mesmo, “reali- dades do futuro”, ainda inexistentes. Ao ressaltar a presença e o papel da mídia na vida cotidiana, construindo experiência e apreendendo sentidos sobre o mundo, Ro- ger Silverstone diz: “Nossa mídia é onipre- sente, diária, uma dimensão essencial de nossa experiência contemporânea. É im- possível escapar à presença, à representa- ção da mídia” (SILVERSTONE, 2002, p.
com outras mídias. Além disso, deve-se di- mensionar o que há de específico e caracte- rístico nestes produtos: o que dizem, o que representam e o que constroem na vida co- tidiana, pois nela estão inseridos, tornan- do-a mais complexa. Destacando a fotografia nesses veícu- los, devem ser relembradas as palavras de Susan Sontag: “[...] a importância da ima- gem fotográfica como o meio através do qual um número cada vez maior de even- tos penetra nossa experiência é, finalmente, apenas um produto paralelo da sua capaci- dade de propiciar-nos conhecimentos dis- sociados da experiência e independentes dela” (SONTAG, 1981, p. 150). Para a auto- ra, a fotografia redefine o conteúdo de nos- sa experiência cotidiana e acrescenta vastas quantidades de material (pessoas, coisas, eventos etc.) que jamais chegamos a ver ou presenciar. As palavras de Sontag nos re- metem para uma função importante do fo- tojornalismo. Nesse sentido, no jornal, as imagens funcionam como ponte entre o acontecimento e o leitor, permitindo a esse imaginar o cenário e de alguma forma a ação que ali ocorre. A pensar nesse caráter da fotografia, deve-se ter em mente as formas como a foto se presentifica em nossa vida e como suas especificidades são determinantes. Mas como classificar as fotografias na ampla gama de imagens fotográficas espalhadas pelas revistas e jornais impressos? O que há nelas de específico? Como tais especifi- cidades se apresentam na construção de sentido realizada por estas imagens? Se for feita uma espécie de radiografia de todas as fotografias presentes nessas mídias pode-se, a princípio, criar uma divisão bi- polar. De um lado estariam todas as foto- grafias jornalísticas, ligadas aos textos (ma- térias, reportagens, colunas) e do outro, as fotografias publicitárias, presentes nos anúncios destes veículos. Feita essa separa- ção, fica claro que ao se referir a fotojorna- lismo, fala-se de um determinado tipo de fotografias. Este trabalho quer pensar esta categoria fotográfica, além de procurar
sa forma, ao pensar o fotojornalismo, toma- se a fotografia como notícia. Trabalhar com esse caráter informacional torna-se essenci- al. A fotografia jornalística é notícia que possui informação sobre algum aconteci- mento, transmitindo e comunicando algo. Mas, antes de aportar no fotojornalismo, deve-se transitar pela mídia impressa para a qual dirigimos nosso olhar.
1 O jornalismo e o jornal impresso: um modo de narrar o mundo
Para delimitar as funções ou o papel de- sempenhado pelo jornalismo deve-se che- gar a uma série de atributos. Muitos auto- res que estudam o jornalismo – conceitua- ções, técnicas, linguagem – atribuem a essa prática uma variedade de características. Dessa forma, chegar a uma idéia única so- bre a questão pode ser problemático. Ape- sar disso, não há como negarmos que, em geral, o jornalismo e mais especificamente os jornais possuem como função preponde- rante “relatar a realidade” através das notí- cias; transformar os acontecimentos da vida cotidiana em fatos a serem noticiados, em informação a ser veiculada^6. Segundo Nel- son Traquina, o jornalismo pode ser expli- cado ou sinteticamente definido “[...] pela frase de que é a resposta à pergunta que muita gente se faz todos os dias – o que é que aconteceu/ está acontecendo no mun- do?” (TRAQUINA, 2004, p. 20). O jornalis- mo, nesse sentido, é a atividade de “contar estórias”, onde o contador é o jornalista e cuja transmissão se dá através de um veí- culo que, no nosso caso, é o jornal impres- so. A ação do jornalista, assim, está na no- vidade, no curioso, no acontecimento (na- quilo que se torna acontecimento para ele). O jornalismo está atento aos fatos que ocor- rem no mundo, está ligado aos sujeitos e às suas relações. Ele é mediador de experiên- cias e partilhas. Possui e constrói um tem- po e um lugar, assim como faz parte de um lugar e de um tempo.
No entanto, deve ser melhor dimensionado esse papel do jornalista, a maneira como ele olha para a realidade que o cerca e que realidade é esta. No mundo atual, o jorna- lismo é uma entre várias outras práticas de se ver e contar a realidade. Não há nas soci- edades, no espaço das grandes cidades, por exemplo, somente um narrador, so- mente um contador de estórias. Nas socie- dades hodiernas, o jornal e o jornalista de- vem ser tomados como narradores especi- alizados, mas não são únicos nem exclusi- vos no contexto das várias narrativas e nar- ratividades que circundam a vida atual. E no próprio jornal – tanto nas imagens quan- to nos textos – jornalista e fotógrafo nunca estão sozinhos. As fontes e suas falas, os personagens fotográficos e suas ações, dei- xam clara a existência de um processo nar- rativo dinâmico e polifônico no qual se in- serem os “narradores oficiais” do jornalis- mo. Há no jornal uma narrativa, não há como negar. Mas essa narrativa compõe-se da materialização de várias outras formas de se narrar e se ver o mundo. Os aconteci- mentos para os quais se volta a prática jor- nalística encontram-se (des)organi-zada- mente dispostos na realidade social, mas não são vazios de sentido. Eles incorporam formas e visões de mundo; corporificam tempos 7 e espaços que lhes são também ex- ternos e anteriores; sem, no entanto, deixar de envolvê-los. Assim, o jornalista, como “narrador profissional”, faz convergir para uma esfera de comunicação especializada uma série de elementos já dispostos na tra- ma comunicativa do cotidiano. Nesse sentido, o jornalismo é uma prática especializada, uma forma profissio- nal de narrar o mundo e as várias outras narrativas que dele fazem parte. Na pers- pectiva de Vera França, o jornalismo está enraizado no terreno da palavra humana e constitui-se em uma maneira própria de di- zer a sociedade. A palavra jornalística, sua mensagem, “[...] se constrói como uma pa- lavra especializada que se distancia pouco a pouco de outras dinâmicas de circulação da informação na sociedade” (FRANÇA,
1998, p. 28). A palavra jornalística (que não necessariamente se restringe aos textos) possui meios distintos e próprios de circu- lação, que a tornam, também, mediação. O texto jornalístico – seja ele textual ou visual – reconta a realidade através de um formato próprio, organizando os acon- tecimentos e transformando-os em informa- ção e notícia 8. O acontecimento, por isso, seria a própria realidade, o que nos é exter- no e é por nós experienciado espontanea- mente na movimentação do dia-a-dia. A re- alidade fragmentada e em constante movi- mento faz com que o acontecimento se constitua na matéria-prima que alimenta o fazer jornalístico. O jornalista, olhando para os muitos fragmentos que se apresen- tam visíveis no mundo, faz com que não o acontecimento, mas os acontecimentos (dis- postos de forma aleatória na realidade coti- diana) saiam do seu estado de entropia e se ajustem, coerentemente, em um dispositi- vo 9. “As notícias são o resultado de um processo de produção, definido como a percepção, selecção e transformação de uma matéria-prima (os acontecimentos) num produto (as notícias).” (TRAQUINA, 1993, p. 169) Mais que narrativas comuns, as notícias são resultado de um processo que envolve um conjunto de negociações e disputas 10. E o sentido daí produzido não se esgota somente no produto final, deven- do também ser buscado e apreendido nas interlocuções existentes no seu processo de produção e recepção 11. Por este motivo, mais do que informar, podemos dizer que o jornalismo também comunica, servindo como mediador da/na sociedade, entrela- çando a realidade cotidiana em suas esfe- ras macro e micro, organizando sua cons- tante desordem. Baseado nessa perspectiva, Maurice Mouillaud diz que o processo de produção da notícia não deve ser apreendido como uma interação face a face do jornal em rela- ção ao caos do mundo. Para ele, a mídia em seu conjunto está situada no fim de uma extensa cadeia de transformações que lhe entregam um real já domesticado. “O
jornal é apenas um operador entre um con- junto de operadores sócio-simbólicos, sen- do, aparentemente, apenas o último [...].” (MOUILLAUD, 2002, p. 51) Neste sentido, a informação produzida e veiculada pelo jor- nal não é o transporte de um fato 12 mas sim um ciclo ininterrupto de transformações. A informação, materializada na forma de no- tícia, é resultado de uma série de acordos e disputas que se dão desde o momento do acontecimento em si, passando pelos seus agentes e interlocutores (os mais diversos), até chegar aos jornalistas e aos leitores do jornal 13. Estes últimos, também interlocuto- res, um após o outro, informam (no sentido de dar forma) o acontecimento, agregando- lhe sentidos continuamente. Ressalta-se aí, portanto, o papel mediador do jornal e seu lugar numa certa “cadeia comunicativa de sentidos” da qual ele faz parte. Os aconte- cimentos devem ser vistos como também determinados (ou pertencentes) a proces- sos de informação anteriores a eles, existen- tes na dinâmica espaço-temporal da socie- dade. E, devido a tais determinações, os li- mites do acontecimento, como relembra o próprio Mouillaud, não são unívocos. “O acontecimento só é um acontecimento no plural” (MOUILLAUD, 2002, p. 68), cuja moldura, ao enquadrar, já sugere uma ex- pansão. Uma expansão que virá tanto do fazer jornalístico (desdobramentos da notí- cia) quanto dos interlocutores (desdobra- mentos de sentido a partir dos jornalistas e dos leitores do jornal). Sob o prisma da abertura de sentidos existente no processo de fabricação e apre- ensão dos acontecimentos e das notícias, devemos lembrar que os conteúdos discur- sivos dos jornais de modo algum podem ser tomados como neutros ou imparciais. O jornalismo é uma prática social marcada pelo mito da objetividade mas, antes de tudo, é uma forma de olhar e registrar o cotidiano social, a sociedade e o mundo nos quais ele se insere. “Os jornais existem em contextos específicos que vão orques- trar de maneira singular seus elementos constituintes e sua configuração.” (FRAN-
tamanha importância. Estampada no jornal, a fotografia torna-se uma munição para o jornalista, que busca dar sempre veracida- de àquilo sobre o que escreve. Segundo Lo- renzo Vilches, “toda fotografia produz uma ‘impressão de realidade’ que no contexto da imprensa se traduz por uma ‘impressão de verdade’” 16 (VILCHES, 1993, p. 19, tra- dução nossa). A foto funciona no jornal como se fornecesse provas. “Determinada coisa de que ouvimos falar, mas que nos suscita dúvidas, parece-nos comprovada quando dela vemos uma fotografia. Uma das variantes da utilidade da câmara foto- gráfica está em que seu registro denuncia.” (SONTAG, 1981, p. 5) A foto, assim, não é só imagem da notícia. Ela também é notí- cia 17.
A fotografia jornalística é atividade especializada, cujo desempenho en- volve conhecimento muito além do manuseio do processo. Trata-se de se- lecionar e enquadrar elementos se- mânticos de realidade de modo que, congelados na película fotográfica, transmitam informação jornalística (LAGE, 1999, p. 26, grifo do autor).
Assim como na produção textual, a produção jornalístico-fotográfica molda a realidade, partindo dos pressupostos de noticiabilidade existentes, aliando-os a princípios e fundamentos técnicos (angula- ção, lentes, luz, enquadramento etc.). Con- forme aponta Susan Sontag, ao ser “[...] fo- tografada, determinada coisa torna-se parte de um sistema de informações amoldado a esquemas de classificação e armazenamen- to [...]” (SONTAG, 1981, p. 150). O fotojor- nalismo torna acessível em imagens a reali- dade para a qual o jornal se volta, reforçan- do as palavras e contribuindo para a cons- trução de um imaginário a respeito dos acontecimentos traduzidos como fragmen- tos metonímicos do mundo pelo jornal, cri- ando também os próprios acontecimentos fotográficos. “Ali onde o fotógrafo decide apontar sua câmera nasce a cena informati-
va. Isto é tão certo que, se mudarmos o ponto de vista ou a cena, muda o aconteci- mento.”^18 (VILCHES, 1993, p. 141, tradução nossa) A fotografia do jornal nos aproxima de determinado acontecimento, fazendo- nos conhecê-lo e dando-nos a sensação de que dele participamos. Muitas vezes, quan- do pensamos em determinado episódio, são as imagens da mídia que nos vêm à mente como se tivéssemos vivido determi- nada situação. As imagens fotojornalísticas são responsáveis diariamente pela confor- mação e pela criação de cenas que nos dão versões imagéticas da realidade cotidiana que nos cerca. Dessa forma, dentre os instantâneos fotográficos,
a fotografia de imprensa adquiriu, no mundo actual, uma autonomia e um estatuto próprios. O estatuto óbvio de testemunho da actualidade represen- tada é acrescido de cargas valorativas. Este acréscimo ou este excesso de sig- nificações conotadas é, antes de mais, o resultado da sua própria selecção, provém do facto de ser esta e não ou- tra fotografia qualquer que foi tirada, seleccionada e publicada. A fotografia jornalística converte por isso o aconte- cimento fotografado em acontecimen- to notável, em cena emblemática (RODRIGUES, 1994, p. 125).
A foto jornalística, como notícia, dita visualmente a informação, legitimando algo que devemos saber e que está marca- do para ser percebido. A moldura jornalística realizada pela fotografia opera simultaneamente, no senti- do apontado por Maurice Mouillaud: um corte e uma focalização. Um corte porque separa um determinado espaço, separan- do-o daquilo que o envolve; uma focaliza- ção porque, “[...] interditando a hemorragia do sentido para além da moldura, intensifi- ca as relações entre os objetos e os indiví- duos que estão compreendidos dentro do campo e os reverbera para um centro”
(MOUILLAUD, 2002, p. 61). O repórter fo- tográfico – assim podemos chamar também o fotojornalista – institui uma cena do acon- tecimento, isolando um fragmento da expe- riência (no espaço e no tempo), separando- o de seu contexto, permitindo sua conser- vação e seu transporte. Neste sentido, o fotojornalista realiza constantemente, na formatação visual da informação, um enquadramento. Conforme proposto por Jacques Aumont (2001), todo enquadramento estabelece uma relação en- tre um olho fictício – o do pintor, da câma- ra, da câmara fotográfica – e um conjunto organizado de objetos no cenário 19. No jor- nal, o enquadramento é temático. Enqua- dra-se editorialmente. Há jornais que prefe- rem mostrar a ferida e jornais que preferem mostrar o curativo. A fotografia jornalística é parte de um conjunto de mensagens ma- terializadas em um veículo chamado Jor- nal, cada qual com sua linha editorial, o que reflete diretamente sobre a produção fotográfica. Junto a sua bagagem cultural, ideológica, política, o fotógrafo é orientado a todo momento pela linha editorial do veí- culo em que trabalha, pela pauta prevista pela editoria daquela cobertura. A fração da realidade a ser captada por ele 20 possui uma enorme carga semântica intencional, embora o resultado expressivo da fotogra- fia seja muitas vezes espontâneo 21. “Os fo- tojornalistas trabalham com base numa lin- guagem de instantes, numa linguagem do instante, procurando condensar num ou em vários instantes, ‘congelados’ nas imagens fotográficas, toda a essência de um aconte- cimento e seu significado.” (SOUSA, 2004, p. 13) Lorenzo Vilches nos diz que o aspecto semântico da imagem jornalística é consti- tuído pelos códigos de conteúdo que orga- nizam as formas de expressão em unidades de leitura. O plano da expressão, em outras palavras, organiza a “visibilidade” do texto visual, enquanto que o plano do conteúdo organiza sua “legibilidade” ou compreen- são. Ao leitor do jornal caberá buscar o con- teúdo implícito e explícito da fotografia
veiculada. Por este motivo, conclui Vilches: “A foto de imprensa se apresenta como uma enciclopédia onde leitores diversos podem buscar significados diversos segun- do seus interesses” 22 (VILCHES, 1993, p. 84, tradução nossa). Em toda sua reflexão, o autor ressalta a importância da leitura foto- gráfica na apreensão dos significados exis- tentes nas fotos dos jornais. Para ele, as fo- tos são como textos que se oferecem para serem lidos. E, ao lermos tais imagens, mais que ver a verdade das coisas, nós as percebemos; e a percepção é um processo criativo no qual nós promovemos a relação de nossas referências materiais, sociais e afetivas^23. Sendo assim, a estrutura da imagem jornalística é por vezes complexa e, por isso, a mesma se configura como um pro- duto de diversas transformações discursi- vas. Buscar nas fotos jornalísticas a repre- sentação de sujeitos sociais é saber lidar com realidades históricas que, marcadas pela dinâmica dos meios de comunicação impressa, são atualizadas e re-significadas diariamente. O jornal, ao veicular imagens, possui objetivos e sabe o que pretende mostrar. As fotografias jornalísticas não são inocentes: elas traduzem um acontecimen- to, construindo-o. Recortam uma realidade, são notícia e transmitem informação. Além disso, funcionam, assim como o jornal e seus textos, como mediadoras e peças im- portantes para a construção de uma ima- gem (no sentido de um imaginário) sobre algo específico; sobre uma realidade espe- cífica.
2.1 Di·logos entre a foto e o texto verbal
O jornal é por nós entendido como um veí- culo de comunicação dotado de estratégias comunicativas que se articulam na co-pre- sença texto e imagem, assim como na dia- gramação destes elementos na página. Todo esse conjunto, a composição por ele estabelecida, faz com que as fotografias
boa legenda é aquela que funciona como “um convite ao leitor para explorar melhor a imagem, descobrindo-lhe os significados menos evidentes, mas nem por isso menos importantes” (GURAN, 1992, p. 58). As manchetes, entendidas aqui por nós como títulos e subtítulos, cumprem um papel próximo ao desempenhado pela le- genda. “Em alguns casos, o título do assun- to funciona como uma legenda: é o caso das grandes manchetes.” (LIMA, 1988, p.
forma (linguagem, composição, relação com os textos e as formas produtivas), con- teúdo (o acontecimento, a informação, a no- tícia) e seus sentidos (relações entre as mensagens – presentes nos formatos e nos temas – e os contextos de produção e re- cepção), caberia então dimensionar para qual(quais) realidade(s) se voltaria a cons- trução jornalística. A apreensão dessas rea- lidades será fundamental para aqueles que se aventurarem na pesquisa fotojornalísti- ca. O fotojornalismo possui como pano de fundo a vida social, diariamente re-elabora- da pelo discurso visual jornalístico. Por isso, dimensionar o processo de represen- tação aí inserido e os contextos para os quais ele se dirige será sempre um esforço instigante, urgente e da maior importância.
Notas
1 O autor complementa: “Passamos a depender da mídia, tanto impressa como eletrônica, para fins de entreteni- mento e informação, de conforto e segurança, para ver algum sentido nas continuidades da experiência e tam- bém, de quando em quando, para as intensidades da experiência” (SILVERSTONE, 2002, p. 12).
2 Tal interesse segundo o autor pode variar de um para outro órgão de comunicação social e não tem necessaria- mente a ver com critérios de sociabilidade dominantes.
3 Sousa acrescenta que “enquanto a ‘fotografia de notíci- as’ é, geralmente, de importância momentânea, repor- tando-se à ‘atualidade’, o fotodocumentarismo tem, tendencialmente, uma validade quase intemporal” (SOUSA, 2000, p. 12-13).
4 Em reflexão posterior, Sousa (2004) aproxima-se desta nossa idéia fotojornalística. Segundo ele, “de forma prá- tica”, podemos considerar as fotografias jornalísticas como sendo “aquelas que possuem ‘valor jornalístico’ e que são usadas para transmitir informação útil em con- junto com o texto que lhes está associado” (SOUSA, 2004, p. 11). Para o autor, “valor jornalístico” diz respei- to a critérios específicos de valorização da informação que, independentemente do órgão de comunicação, di- zem respeito às valorações empregadas consciente ou in-
conscientemente pelos jornalistas na construção das no- tícias. Nesse sentido, encaramos os fotojornalistas tam- bém como repórteres fotográficos.
5 “De qualquer modo [...] a finalidade primeira do fotojornalismo, entendido de forma lata, é informar.” (SOUSA, 2004, p. 11)
6 Em nosso estudo vamos trabalhar com as noções de notícia, fato, acontecimento baseando-nos sempre em pressupostos das teorias da comunicação e do jornalis- mo, de forma a evitar questões relativas a estes termos e que estejam ligadas a outros campos das ciências sociais e humanas.
7 Mesmo abordando essa questão por uma outra ótica, é interessante ressaltarmos a proposição de Jacques Aumont em relação ao tempo e ao acontecimento. “Pode-se então dizer que, se a duração é a experiência do tempo, o próprio tempo é sempre concebido como um tipo de representação mais ou menos abstrato de conteúdos de sensações. Ou seja, o tempo não contém os aconteci- mentos, é feito dos próprios acontecimentos, na medida em que esses são apreendidos por nós.” (AUMONT, 2001, p. 107).
8 Nelson Traquina acrescenta sobre isso a seguinte idéia: “As notícias não podem ser vistas como emergindo na- turalmente dos acontecimentos do mundo real; as notí- cias acontecem na conjunção de acontecimentos e de tex- tos. Enquanto o acontecimento cria a notícia, a notícia também cria o acontecimento” (TRAQUINA, 1993, p. 168). O autor reforça o papel do jornalismo na leitura do mundo, a informação como aquilo que o jornalismo jul- ga importante e como aquele que ele in-forma.
9 Segundo Maurice Mouillaud, o discurso do jornal está encaixado em um dispositivo. “Os dispositivos são os lugares materiais ou imateriais nos quais se escrevem (necessariamente) os textos [...].” (MOUILLAUD, 2002, p. 34). Nessa perspectiva, o texto seria qualquer forma (de linguagem, icônica, sonora, gestual etc.) de inscrição conformada na estruturação espaço-temporal do dispo- sitivo.
10 “As exigências organizativas e estruturais e as caracterís- ticas técnico-expressivas próprias da realidade de cada meio de comunicação de massa são elementos funda- mentais para a determinação da reprodução da realida-
de social fornecida pelos mass media. ” (WOLF, 2001, p. 185).
11 “[...] o jornal, o acontecimento e o leitor são três instânci- as que se mantêm juntas no interior da mesma presen- ça.” (MOUILLAUD, 2002, p. 73).
12 Mouillaud trabalha com os conceitos de “acontecimento” e “fato” como sinônimos: “[...] o acontecimento é a som- bra projetada de um conceito construído pelo sistema de informação, o conceito de fato” (MOUILLAUD, 2002, p. 51).
13 Devemos sempre ter em mente o processo de produção jornalística como um processo tenso, conflituoso, permeado por embates e obstáculos de diversas ordens e de diversas instâncias. Como aponta o jornalista Clóvis Rossi, “entre a ocorrência de um fato e a sua veiculação, seja por jornais ou revistas, seja pela televisão, percorre- se um caminho relativamente rápido, se medido em ho- ras, mas bastante tortuoso e complexo” (ROSSI, 2000, p. 17).
14 “A noticiabilidade é constituída pelo conjunto de requisi- tos que se exigem dos acontecimentos – do ponto de vista da estrutura do trabalho nos órgãos de informação e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas – para adquirirem a existência pública de notícias.” (WOLF, 2001, p. 190).
15 Inseridos nos requisitos de noticiabilidade, segundo Mauro Wolf (2001), estão os valores-notícia ( news values ). Baseado nas reflexões da teoria jornalística do news- making , o autor aponta que estes valores constituem crité- rios de relevância para a tarefa jornalística de se dimensionar quais acontecimentos devem ser transfor- mados em notícia, assim como se classificar hierarquica- mente tais notícias. Wolf ainda aponta que tais valores- notícia não são abstratos, estão ligados a uma certa cul- tura profissional e podem mudar com o tempo. Além disso, segundo ele, os valores-notícia derivam de pressu- postos implícitos ou de considerações relativas ao con- teúdo das notícias, à disponibilidade do tratamento informacional do acontecimento, ao público e à concor- rência; sendo que em cada um destes há uma série de variáveis a serem consideradas. Sobre os valores-notícia, ver também CORREIA (1997, p. 137-166).
16 “[...] toda fotografía produce una ‘impresión de
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