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Exegese Bíblica de Gênesis 19.1-11
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Pesquisa exegética apresentada à Faculdade Luterana de teologia – FLT, como atividade complementar referente à avaliação intermediária. Orientador: Prof. Dr. Roger M. Wanke SÃO BENTO DO SUL 2018
AT Antigo Testamento ARA Bíblia de Almeida Revista e Atualizada^1 BJ Bíblia de Jerusalém D Deuteronomista E Eloísta J Javista NTLH Nova Tradução na Linguagem de Hoje NT Novo Testamento NVI Bíblia na Nova Versão Internacional P Escrito Sacerdotal v. verso (^1) Com exceção da tradução do texto hebraico, as citações bíblicas foram feitas de acordo com a versão ARA.
Angústia, ansiedade, criminalidade, impaciência, pobreza, poluição, pressa, sujeira, velocidade, abuso, caos, barulho, medo, tumulto, trânsito; o mal. Dentre outras características esses são sinônimos de muitas cidades espalhadas pelo planeta. As cidades são lugares de moradia comum, convívio com o diferente, com o estranho, com a incerteza. Ao mesmo tempo pessoas migram para as cidades em busca de vidas melhores, salários melhores, comodidades, facilidades, organização, segurança e sonhos. Uma mescla muito distinta de sentimentos, expectativas e realidades são encontradas nas cidades. Há cidades melhores que outras, mais desenvolvidas, ricas, com saneamentos acessíveis a todas as partes da cidade. Todavia, não existe cidade sem habitantes, sem pessoas, sem vizinhos, sem ruas, sem esquinas, sem entradas e saídas. Junto às portas, portões, entradas as relações humanas se desenvolvem, acontecem. A vida gira em torno desses lugares diariamente. Ló era seminômade e após muito tempo rebanhando seus caprinos no campo foi para uma cidade. Quem sabe Ló, como muitos, estava desesperançado e procurou uma boa e rica cidade para morar com sua família. Ló encontrou uma casa para sua família, esposa e duas filhas. Com o passar dos anos Ló se tornou alguém influente, aristocrata, um juiz em sua cidade. Quanta responsabilidade! Ló era alguém diferente, quem sabe por seu comportamento ético, quem sabe por ser estrangeiro. Contudo Ló não era natural daquela cidade, estava somente com sua família, mas não tinha parentes por perto, estava sozinho, sem identidade, sem raízes, sem história, sem referência. Talvez os habitantes da cidade fossem hostis a Ló. Seus vizinhos tinham condutas estranhas, faziam coisas que desagradáveis. Certo dia Ló recebeu uma notícia trágica. Ló estava vivendo em uma cidade condenada. Sodoma estava à beira do colapso, não diante de uma catástrofe natural simplesmente. Ló precisa sair às pressas. Sabendo da situação, o tio de Ló, Abraão, intercede junto a Deus para que seus parentes sejam salvos. Os vizinhos de Ló eram tão maldosos que Deus precisou intervir para que a sua maldade não se multiplicasse e contaminasse outras pessoas. Nas próximas páginas a história de Ló que conduz o leitor a outro tempo, meio social e cultural. Uma época bem distante e estranha à atualidade. Tempo e espaço onde Deus manifestou sua vontade, se relacionou com pessoas e esteve com elas tanto nas intempéries da vida quanto na tranquilidade, que é normalidade da vida. Ademais Deus se faz presente hoje. Que pela história de Ló possa proporcionar um encontro com Deus!
e eles comeram. 4 Antes de eles terem se deitado, os homens da cidade, os homens^13 de Sodoma desde o mais jovem ao mais velho, todos os habitantes^14 , rodearam^15 a casa. 5 Eles vieram a Ló e disseram a ele: – – “onde estão os homens que, à noitinha, entraram em tua casa^16? Traze-os^17 a nós, nós queremos conhecê-los!”^18 6 E Ló foi até eles à entrada e fechou^19 a porta atrás dele. 7 E disse: – – “por favor, meus irmãos, não façais mal”^20. 8 – – “Notai, agora, tenho duas filhas, as quais não conheceram homem, vede, fá-las-ei vir para fora^21 , a vós e façais com elas conforme quiséreis^22 , somente com esses^23 homens não façam coisa alguma, porque eles vieram à sombra do meu teto”^24. 9 E eles disseram: – – “sai” e disseram^25 : – – “este um veio para ficar “pães ázimos”; NTLH por “pães sem fermento”; NVI por “pão sem fermento”. A expressão denota rapidez no preparo dos pães. (^13) O aparato crítico mostra uma suposta repetição desnecessária ( glossa ) dos termos ~Od>s yE v>n:a, pois o verso já elucidaria de quem se está falando com a frase: “homens da cidade”. Nesse sentido, a repetição provavelmente quer dar ênfase nos sujeitos. As versões ARA e BJ traduzem a repetição “homens de Sodoma”. A versão NVI interpreta: “os homens de toda parte da cidade” e NTLH : “todos os homens de Sodoma”. Aqui optou-se por manter o texto massorético “homens de Sodoma”. (^14) Literalmente: “todo o povo de todo lado” indicando que todos os habitantes cercaram a casa de Ló. ARA traduz por: “todo o povo de todos os lados”. BJ : “todo o povo sem exceção”. NTLH encurta um pouco o texto: “todos os homens de Sodoma”. NVI : “todos os homens de toda parte da cidade de Sodoma”. (^15) Verbo no tronco Nifal (reflexivo) que indica literalmente "tornar-se de posse de outra pessoa". É como se o autor quisesse exprimir a quantidade de pessoas que vieram até a casa de Ló. Cf. HOLLADAY, 2010, p. 358. ARA , NTLH e NVI traduzem por “cercar”; BJ por “a casa foi cercada”. (^16) Traduz-se como a versão ARA. Porém, a pergunta dos sodomitas é traduzida diferentemente pelas outras versões. BJ : “Onde estão os homens que vieram para tua casa esta noite?”. NTLH : “Onde estão os homens que entraram na sua casa esta noite?”. NVI : “Onde estão os homens que vieram à sua casa esta noite?”. (^17) Verbo no tronco Hifil (causativo ativo) que expressa o ato de causar, de forçar a saída de forma intencional. Cf. HOLLADAY, 2010, p. 198. (^18) Verbo coortativo. Será esclarecido mais tarde. O verbo auxiliar “querer” foi acrescentado à esta tradução para exprimir o sentido hebraico. NTLH traduz “queremos ter relações”, assim como NVI : “para que tenhamos relações”. ARA e BJ traduzem no subjuntivo e interpretam traduzindo pelo verbo “abusar”. (^19) O verbo wrgs no Pentateuco Samaritano (⅏) plural ou no imperativo. No entanto, nenhuma das versões comparadas aderem à chamada do aparato crítico, tampouco a tradução própria. Neste caso, os massoretas provavelmente fizeram a correção do verbo. A forma plural ou imperativa não faria nenhum sentido sintático no contexto desse versículo. (^20) A forma hebraica é um jussivo pelo fato de ser acompanhada de (אַל־נָא). O jussivo expressa desejo, vontade e até ordem, Cf. GUSSO, Antônio Renato. Gramática instrumental do hebraico / Antônio Renato Gusso. 2 ed. Ver. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 187. NTLH traduz por: “não cometam esse crime”; NVI traz “não, meus amigos! Não façam essa perversidade!” (^21) Verbo Hifil (causativo ativo). Cf. HOLLADAY, 2010, p. 198. O uso do verbo Hifil expressa a intenção de Ló de causar a saída das filhas. ARA e BJ traduzem por “vo-las trarei”; NTLH e NVI “vou trazê-las”. (^22) Expressão idiomática: “conforme nos vossos olhos”. A versão ARA traduz por “tratai-as como vos parecer”; BJ “fazei-lhes o que bem vos parecer”; NTLH : “façam com elas o que quiserem”; NVI “que vocês façam com elas o que bem entender”. (^23) No Pentateuco Samaritano (⅏) consta o pronome relativo hlah, enquanto o texto massorético pode ter interpretado o verso no acréscimo do nome próprio lEa"h. De qualquer modo, nenhuma das versões comparadas segue o texto massorético. Assim, a tradução própria adere ao Pentateuco Samaritano. (^24) Expressão idiomática. Prefere-se aqui a forma literal hebraica, o significado da expressão será trabalhado adiante. ARA traduz por “se acham sob a proteção do meu teto”; BJ “entraram sob a sombra do meu teto”; NTLH usa a expressão “e eu tenho dever de protegê-los”; NVI “porque se acham debaixo da proteção do meu teto”. (^25) A Septuaginta (G) omite o verbo rma, nota-se que é uma repetição. BJ adota a omissão da Septuaginta, as outras versões comparadas ( ARA , NTLH , NVI ) não seguem a omissão, tampouco a tradução própria. A repetição do verbo dá a impressão de continuidade na fala dos sodomitas, a versão ARA deixa essa ideia de continuidade transparecer traduzindo por “e acrescentaram”.
(como estrangeiro) e insiste em julgar^26 , agora nós faremos mal a ti por causa deles”. Insistiram contra o homem^27 , contra Ló, com força e eles se afastaram para quebrar a porta. 10 E os homens estenderam suas mãos e trouxeram^28 Ló para dentro de casa e eles fecharam a porta. 11 E eles cegaram^29 os homens que estavam à entrada da casa, desde o menor até o maior, e eles se cansaram de procurar a entrada. 1.2 ANÁLISE GRAMATICAL Ao longo da perícope são notados usos frequentes de imperativos que permeiam o diálogo de Ló com seus hóspedes e com seus vizinhos. Ló faz usos de imperativos, mas certamente não tem a intenção de dar ordens, pois Ló está inclinado à terra, antes soa o cuidado com os mensageiros e a precaução que Ló tem diante de seus vizinhos. Na chegada dos mensageiros à porta da cidade Ló lhes dirige a palavra em uma cadeia de imperativos (v.2). Ressalta-se a repetição da partícula נָא denotando ênfase no pedido^30 , pedido e não ordem. Ló convida os mensageiros para virem (ּו סּור ) a sua casa. Então, os hóspedes devem pernoitar (וְלִ֨ינּו ּ֙ ), lavar os pés (ּ֣ורַחֲצ ), na manhã seguinte podem levantar cedo ( כַמְתֶּ֖םהשְּ֙ וְּ֙) e ir para sua viagem (וַהְלַכְת֣ם). Agora, junto à porta da casa de Ló (v.4) os sodomitas ordenam que os mensageiros sejam tragos (הֹוציא֣ם ) a eles (v.5). Ló sai de sua casa (v.6) e pede (נָָ֥א), no v.7, que os sodomitas não cometam uma maldade (ּו תָרָֽע ). Antes Ló oferece suas filhas aos sodomitas e solicita que elas sejam tratadas (ּ֣ווַעֲש ) de modo que lhes convenha. Ló ainda replica que seus vizinhos não tratem mal (ּ֣ותַעֲש ) os seus hóspedes (v.8). Porém, no v.9, os sodomitas mandam que Ló saia ( אָהגש־הָָ֗לְּ֙ ). A gramática hebraica permite explorar além do traduzido na língua portuguesa. No v. a vontade dos sodomitas é explanada pelo verbo no coortativo que expressa “desejo, intenção, auto encorajamento ou determinação do sujeito de realizar certa ação”^31. A tradução da forma é acompanhada, por vezes, de verbos auxiliares para conseguir expressar exatamente o (^26) Infinitivo construto. Conforme a gramática hebraica, o infinitivo construto enfatiza a ação realizada pelo verbo. Cf. KELLEY, 2011 , p. 222. ARA traduz por “pretende ser juiz em tudo”; BJ “quer ser juiz”; NTLH “quer mandar em nós!”; NVI “agora quer ser juiz”. (^27) As versões omitem o termo ׁש בָאִי. (^28) Verbo no tronco Hifil, ou seja, Ló não entrou sozinho, ele foi puxado para dentro. (^29) Expressão idiomática: “feriram com cegueira”. ARA , BJ e NVI traduzem por “feriram de cegueira”; NTLH “fizeram que os homens [...] ficassem cegos”. (^30) Cf. GESENIUS, Wilhelm. Hebräisches und Aramäisches HANDWÖRTERBUCH über das Alte Testament. Begonnen von D. Rudolf Meyer, bearbeitet und herausgegeben von Dr. Dr. Herbert Donner. 18. Auflage.4. Lieferung n – p. Kiel: Springer, 2007, p. 767. (^31) Cf. KELLEY, 2011, p. 16 7.
nome de Javé é utilizado desde o relato da criação. Na obra Javista a maldade humana é destacada, e por mais que Deus exerça juízo, dilúvio, o ser humano faz o bem. Na percepção de Schmidt, há uma estrutura elementar no J: Deus concede elementos para subsistência humana – o ser humano peca por sua maldade – punição – Deus preserva graciosamente a vida e dá a chance de recomeçar^37. A perícope de Gênesis 19.1-11 faz parte da segunda parte do livro: história dos patriarcas^38 que narra a história de Abraão, Isaque e Jacó. Abraão foi chamado por Deus para ser bênção (12.1-2). O patriarca de Israel tem sua história bem detalhada entre os capítulos de Gênesis (12-25). Ló entra em cena dentro de um ato principal focado em seu tio, o grande pai da fé de Israel (Romanos 4.11; Tiago 2.21 etc .). Gênesis relata que Deus criou todas as coisas, este Deus faz história com os patriarcas e somente por causa desse Deus que tudo acontece^39. Assim, Deus também faz história com Ló, mesmo que a perícope de 19.1- 11 esteja diretamente correlacionada à história de Abraão. O texto de Gênesis 19.1- 11 , o capítulo 19 como um todo, está no meio da história do patriarca de modo que os capítulos 18 e 20 poderiam continuar a biografia do patriarca independentemente do capítulo 19. No entanto a perícope explica pequenas deixas que o redator mencionou anteriormente: em 13.10 já falara que o SENHOR destruiu Sodoma e que em 13.13, na terra onde Ló foi habitar, viviam grandes pecadores. Dessa forma, o capítulo 19 é uma justificativa. Há explicações para a realidade do redator, são feitas menções do passado para a compreensão do presente^40. É necessário enxergar o texto panoramicamente, sem extraí-lo de seu contexto.
de Sodoma e se preparam para sair. Tratar-se-á aqui precisamente do primeiro ato (entrada) com duas cenas: junto à porta da cidade transitando a segunda cena para a porta de Ló. I) À porta da cidade a) Chegada, diálogo, recepção, hospitalidade (v. 1- 3 ) II) À porta de Ló a) Diálogo de Ló com os sodomitas (v. 4 - 10 ) b) Os mensageiros ferem os sodomitas (v. 11)
alguns costumes relatados em fontes extra-bíblicas podem ajudar a indicar a época em que os patriarcas viveram. Os textos de Nuzi, datados por volta do século XV, evidenciam alguns hábitos contemporâneos aos dos patriarcas registrados em Gênesis. Abraão temia que seu servo pudesse ficar com sua herança (15.3-4), era costume em Nuzi que os casais estéreis adotassem um filho que os servisse durante a vida e este seria o herdeiro após a morte dos pais adotivos. Nota-se também o caso de Sara que era estéril, em Nuzi havia um contrato social que “obrigava a mulher, se não tivesse filhos, a providenciar uma substituta para seu marido”^50. Certamente Ismael, filho da serva Hagar, seria adotado como filho legítimo e herdeiro do clã, se Isaque não tivesse nascido. 2.2 INTERPRETAÇÕES E ATUALIZAÇÕES Nessa mesma conjuntura político-social é necessário incluir Ló, era o seu contexto. A história de Deus com Ló e com sua família, alguns de seus costumes, e a causa da destruição de Sodoma são analisados abaixo. A perícope 19.1-11 será exposta de acordo com a estrutura, dividida em duas cenas: I) À porta da cidade a) Chegada, diálogo, recepção, hospitalidade (v. 1-3) O texto massorético, v.19.1, descreve que os homens que chegaram em Sodoma eram “mensageiros” ou “anjos” (~yik'a>l;m). O temo ~yik'a>l;m significa “anjo” ou “mensageiro”. Todavia, até agora os homens que estavam com Abraão eram descritos pelo termo ~yIv'n:a. Observa-se que estes homens são chamados de “mensageiros”, apenas em 19.1 e 15. Levando em consideração os diversos textos bíblicos onde o termo $alm é empregado, a tradução unicamente por “anjo” seria um tanto parcial na dimensão sintática. Dessa forma, $alm é alguém que carrega uma mensagem, desempenha uma tarefa particular e/ou representa oficialmente que o envia^51. No v.19.13 os mensageiros finalmente revelam seu objetivo na cidade de Sodoma, eles têm a incumbência de destruí-la e trazem a notícia a Ló de que eles e seus familiares devem deixar (^50) Cf. BRIGHT, 1978, p. 98. (^51) O mensageiro poderia ser enviado por um rei a fim transmitir alguma notícia: 1 Reis 20.2; Isaías 18.2, Jeremias 27.3. O mensageiro poderia ser um espião: Josué 6.25. Cf. BOWLING, Andrew. Mensageiro. In: HARRIS, Laird R. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. R. Laird Harris organizador; tradução Márcio Loureiro Redondo, Luiz Alberto T. Sayão, Carlos Osvaldo C. Pinto. – São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1067.
imediatamente a cidade (19.12,14,15). Os mensageiros são representantes do próprio Deus (hwhy) que os envia para destruir a cidade. Esses homens não são necessariamente seres celestiais, sobrenaturais ou o Anjo de Yahweh, o qual livra Isaque do sacrifício^52. Ainda que os mensageiros, hóspedes de Ló, executavam uma tarefa divina, não eram anjos, de ordem sobrenatural. Nota-se ainda que os mensageiros sobrenaturais “apresentam um aspecto da glória de Deus”^53 , o que não aparece no contexto de Gênesis 19. O livro de Hebreus, no NT, remete à história de Ló incentivando os leitores da carta a praticarem a hospitalidade. Segundo o autor de Hebreus, alguns que foram hospitaleiros receberam anjos (ἀγγέλους) em suas casas (13.2). O reformador Martin Lutero, no contexto do debate da Ceia de Cristo, cita o texto de Gênesis 19 para falar sobre anjos. Segundo Lutero a Escritura fala de pessoas que viram e tiveram contato com anjos, como Abraão e Ló, entre outros, porém não é o enfoque tratar sobre anjos nesse texto^54. Para o comentarista Frey os homens que estavam com Abraão eram anjos enviados de outro mundo como mensageiros de Deus com a intenção de averiguar se há algum justo na cidade, de acordo com a “luta de Deus com Abraão por cinquenta, quarenta e cinco, trinta, vinte, até os dez justos” (tradução nossa)^55. Para Westermann, como Frey, o destino de Sodoma já fora dito previamente em 18.22. Sua impiedade é descrita anteriormente em 18.21, o papel dos mensageiros é de constatar o dado. Os mensageiros chegam à cidade de Sodoma, ~{d.s. Sodoma é mencionada pela primeira vez em 10.19 destacando o limite dos cananeus. Para lá foi Ló e habitou junto à cidade de Sodoma (13.10) que era uma terra fértil como o jardim do Senhor (10b), mas, de antemão, há um comentário sobre a cidade de Sodoma: “ora, os homens de Sodoma eram maus e grandes pecadores contra o SENHOR” (13.13). Sodoma estava localizada ao extremo sul do Mar Morto, conforme Gênesis 14.2,3,10; no entanto, a arqueologia ainda não consente com os argumentos. Tranquilamente Sodoma gozava por ser uma cidade próspera devido aos “depósitos de sal, betume e potássio” (14.10), a cidade tinha riquezas que foram saqueadas no contexto de guerra (14.11). Sodoma era próspera porque estava próxima ao Mar Morto^56. Porém, sua destruição é iminente devido ao seu pecado (18.16-21). Sodoma foi assolada por “enxofre e fogo” (19.24). (^52) Cf. BOWLING, 1998, p. 1068. (^53) Cf. BOWLING, 1998, p. 1068. (^54) Cf. LUTERO, Martin. Da Ceia de Cristo. In: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Volume 4. Debates e Controvérsias II. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1993, p. 323. (^55) Cf. FREY, 1978, p. 112. „Das Ringen Abrahams mit Gott um die fünfzig, fünfundvierzig, dreißig, zwanzig, bis auf zehn Gerechte mitgemacht.“ (^56) Cf. WALTON, John H. Comentário histórico-cultural da Bíblia: Antigo Testamento / John H. Walton, Victor H. Mathhewa, Mark W. Chavalas; tradução de Noemi Valéria Altoé da Silva. - São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 61.
nossa)^64. Todavia, com a destruição da cidade, que fica evidente em 19.34, certamente deve manifestar a boa vontade de Deus para seu povo, os descentes de Abraão não devem seguir os caminhos de Sodoma – os mandamentos de Deus são para a vida^65. Sodoma poderia influenciar os descendentes de Abraão a cometerem seus pecados abandonando assim o seu Deus. Quando os mensageiros chegam à cidade, Ló estava junto ao portão, r:[:v, da cidade. De primeiro momento pode-se pensar que Ló estava passando tempo junto à entrada da cidade^66 , no entanto, o texto bíblico deixa uma informação valiosa para ampliação do entendimento. Os habitantes de Sodoma chamam Ló de juiz (19.9) e o contexto do termo r:[:v expressa justamente que junto às portas das cidades do período veterotestamentário sentavam- se os anciãos, por vezes para julgar as assembleias públicas (também para Frey), bem como para testemunhar transações legais^67. Não somente os anciãos estavam ali, mas era a área de circulação do povo, pois as praças das cidades se encontravam nessa área^68 , para Westermann o portão representa toda a cidade^69. Não menos importante, a lei da hospitalidade era cumprida adjacente à entrada^70. A lei deuteronomística previa que os anciãos do povo tratassem de algumas causas estando eles junto à porta^71 da cidade: Deuteronômio 21.19;22.15. Muitas vezes os profetas mencionam as portas como o lugar dos julgamentos^72. Nesse sentido, o Livro de Rute relata muito bem a resolução de uma causa em Israel^73. Desse modo, Ló, como já dito pelos homens de Sodoma (Gênesis 19.9), exercia possivelmente o cargo juiz da cidade e por essa razão estava junto à porta, ou seja, no tribunal. Também por esta razão, de ser juiz, que Ló cumpriu a lei da hospitalidade oferecendo pernoite aos mensageiros. Já para Kidner Ló era um homem de posição em sua cidade, mas a sua vocação é fracassada ao ser contrastada com José e Daniel^74. De qualquer forma o texto bíblico não exprime um julgamento acerca de Ló, antes (^64) Cf. FREY, 1978, p. 117. „Nur die heiligste Überlieferung – das religiöse Erbe der Vergangenheit, die Sitte des Gastrechts – ist für sie nicht verbindlich“. (^65) Cf. WIESE, Werner. Ética Fundamental. São Bento do Sul – SC: União cristã, 2008, p.138. (^66) Para Gesenius Ló estava lá junto à porta para passar tempo: zur Zeitvertreibe. Cf. GESENIUS, 1962, p. 854. (^67) Cf. MCKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1983, p. 736. (^68) Cf. WALTON, 2018, p. 61. (^69) Cf. WESTERMANN, 2013, p. 176. (^70) Em Gênesis 19.1 e em Juízes 19.15,20 a lei da hospitalidade fora cumprida na praça. (^71) Cf. VAUX, Roland de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 187. Em Gênesis 23 Abraão pede para ser encaminhado a Efrom (23.8), a fim de que este lhe julgue seu pedido de compra, um pedaço de terra para sepultar Sara. O pedido de Abraão é resolvido junto à porta da cidade (23.13,18). (^72) “Aborrecei o mal, e amai o bem, e estabelecei na porta o juízo” (Amós 5.15); “[...] os que põem armadilhas ao que repreende na porta” (Isaías 29.21b); “executai juízo nas vossas portas” (Zacarias 8.16). (^73) Cf. VAUX, 2004, p. 187. Boaz vai até a porta da cidade para tornar-se oficialmente o resgatador de Rute. Junto à porta estão os anciãos e os povos da cidade que se tornam testemunhas de Boaz (4.9). (^74) Cf. KIDNER, Derek. Gênesis: introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 1999, p. 124.
deixa claro apenas que ele estava junto à entrada e que possivelmente era juiz pela declaração de seus vizinhos. Ló vai de encontro aos estranhos e oferece abrigo, todavia, quem é, afinal, Ló? Ló é filho do irmão de Abraão Harã^75. Gênesis 11 conta a genealogia de Ló (11.27), ele é descendente de Sem (11.10-32). Ló está junto com Abraão desde que saíram de Ur dos caldeus (11.31; 12.4- 5), eles peregrinaram para o Egito por causa da fome (12.10), foram para o Neguebe (13.1) e se separaram para que não houvesse discórdia entre eles antes de chegarem em Canaã (13.8). Ló escolheu a terra da Planície do Jordão para habitar, onde ficavam as cidades de Sodoma e Gomorra. Ló se estabeleceu em Sodoma, antes que fosse destruída por Javé (13.10) e ele se tornou provavelmente o juiz da cidade (19.9), mas teve de deixá-la para escapar do juízo de Deus (19.15). Ló tem em sua biografia, além de presenciar uma situação de juízo, o trágico acontecimento com suas filhas, o incesto que dá origem aos povos amonitas e moabitas (19.31- 38). Todavia, a carta de 2 Pedro lembra que na antiguidade Deus não poupou os anjos que pecaram nem as cidades de Sodoma e Gomorra, mas livrou o justo Ló. Os leitores de Pedro também devem permanecer firmes na fé, como Ló que era justo e por isso foi livrado do juízo de Deus (2 Pedro 2.6-7). Ló se prostra na chegada dos mensageiros. O ato de prostrar-se é uma expressão hebraica que significa literalmente “prostrou as narinas em terra” (וַי שְתַָ֥ח ּוּ֙אַפֶַּ֖ים ּ֙אָָֽרְצָה). Curvar-se diante de uma pessoa não significa outra coisa senão demonstrar a intenção totalmente pacífica e respeito. É bem possível que esse gesto fosse comum no Antigo Oriente, conforme alguns textos de El Amarna (XIV a.C.) era recomendado a repeti-lo até sete vezes^76. O gesto de reverência está relacionado à hospitalidade de Ló, não somente um hábito, mas lei que era de extrema importância para povos seminômades. A hospitalidade nestes contextos englobava a pernoite de até três dias, ou mais dependendo da região, alimento para a estadia do hóspede e a proteção dentro da cidade, clã, enquanto este estivesse sob a custódia do anfitrião^77. A narrativa de Abraão mostra claramente como a lei da hospitalidade era praticada. Abraão ofereceu a sua tenda (18.3), oferece água para lavar os pés (18.4), dá comida em abundância^78 para os hóspedes (18.6-8). Do mesmo modo, Ló recebe os visitantes em sua casa e lhes dá água para lavar os pés e comida (19.2-3). O homem de Gibeá também oferece sua casa, comida, bebida e pasto para (^75) Cf. ROTHENBERG, Friedrich Samuel. Geschichte Israels : Biblisches Taschenlexikon. Wuppertal: R. Brockhaus Verlag Wuppertal, 1965, p.133. (^76) Cf. WALTON, 2018, p. 61. (^77) Cf. MCKENZIE, 1984, p. 429. (^78) As três medidas de flor de farinha que devem ser preparadas variam de 7 a 14 grama de farinha trigo, o que é mais que o suficiente para alimentar três pessoas. Cf. WALTON, 2018, p. 60.
Todos os homens de Sodoma cercaram a casa de Ló e queriam conhecer seus hóspedes. O verbo utilizado para descrever a ação é [;d'y. O verbo, que é encontrado muitas vezes no AT^86 , significa “conhecer” ou “saber” literalmente, e é passível de várias traduções^87 de acordo com o contexto^88. [;d'y também pode ser um eufemismo para as relações sexuais^89 , ou seja, conhecer sexualmente : “Adão conheceu sua mulher” (Gênesis 4.1); “Elcana conheceu Ana” (1 Samuel 1.19) etc.^90. Contudo, especificamente, em Gênesis 19.5 e Juízes 19.22 o verbo é sinônimo para relação sexual homossexual ou pederastia^91. O verbo no coortativo, já mencionado acima, denota a intenção sexual dos sodomitas, os quais não querem amigar-se com os mensageiros. Segundo Frey as “reivindicações [dos sodomitas] à vida por desejo e gozo se inflamam pelos mensageiros divinos tão próximos a eles” (tradução nossa)^92. O fato de Ló precisar forçar (Hifil) a saída dos hóspedes, chegar ao ponto de oferecer suas próprias filhas e o agito dos sodomitas para arrombar a porta de Ló mostra que os sodomitas queriam abusar sexualmente dos mensageiros! Aqui se encontra o motivo de destruição de Sodoma, esses são os seus pecados. Conforme Wells, o abuso sexual na região do Antigo Oriente Próximo era apenado com a morte^93. O AT, ao falar de sexualidade, expressa que a sexualidade deve ser vivenciada entre homem e mulher no matrimônio. Mas também não deixa de notar outras relações sexuais ilícitas, como a inversão de papeis, são condenadas em Levítico 18.22 e Deuteronômio 22.5. Kidner ressalta que já no início da Escritura o pecado de sodomia, a intenção dos sodomitas, “é estigmatizado como particularmente odioso”^94. A homossexualidade é condenada e punida com pena de morte segundo Levítico 20.13. A intenção de ultraje dos sodomitas feria o direito do estrangeiro, da hospitalidade, da sexualidade e da honra: o estupro homossexual era uma humilhação às vítimas^95. Ló não põe seus hóspedes para fora, antes ele sai corajosamente. Porém, Ló oferece suas filhas aos sodomitas. É consenso para Frey, Kidner e Westermann que o oferecimento das (^86) Cf. LISOWSKY, Gerhard. Konkordanz zum Hebräischen Alten Testament. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1993, p. 572-580. (^87) Cf. LEWIS, Jack P.; GILCHRIST, Paul R. [;d'y. In: HARRIS, Laird R. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. R. Laird Harris organizador; tradução Márcio Loureiro Redondo, Luiz Alberto T. Sayão, Carlos Osvaldo C. Pinto. – São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 597. Cf. MCKENZIE, 1983, p. 179-182. (^88) Cf. BOTTERWECK. [dy. In: BOTTERWECK; RINGGREN, 1982, p. 480-512. (^89) MILES, Jack. Deus uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 73. (^90) Cf. GESENIUS, 1962, p. 287. (^91) Cf. GESENIUS, 1962, p. 287. (^92) Cf. FREY, 1978, p. 116. „ihre Ansprüche ans Leben auf Luft und Genuß entzünden sich an den ihnen nahegekommenen Gottesboten“. (^93) Cf. WELLS, Bruce. Sex Crimes in the Laws of the Hebrew Bible. In: NEAR EASTERN ARCHAEOLOGY 78: (2015). (^94) Cf. KIDNER, 1999, p. 124. (^95) Cf. FREVEL, Christian. Sexualidade. In: BERLEJUNG, FREVEL, 2011, p. 430.
filhas, mesmo sabendo do risco que elas correm, realça o inestimável valor que os hóspedes tinham para Ló. Para Kidner Ló faz o melhor que pode. Uma hermenêutica feminista do texto pressupõe que Ló estaria distraindo a multidão, cujo o interesse estava nos mensageiros e não nas filhas^96. No entanto, as filhas não deixam de estar em perigo. Frey ainda salienta que a oferta significava o quão sério era a hospitalidade para Ló, da mesma forma como era sério a virgindade das filhas. Porém, nesse momento, a santidade dos hóspedes era mais importante que a castidade das filhas, e essa é a tentativa humana de sair do apuro^97. Para Frey havia um abismo entre Ló e os sodomitas: o senso de hospitalidade, pureza, gênero, matrimônio, posição para com Deus. Ló tinha consciência dessas coisas e vivia de acordo em quem ele cria. O autor ressalta muito bem que as filhas de Ló não eram como os sodomitas, elas eram castas. Mesmo naquele meio, as filhas de Ló estavam guardadas e não eram como as de sua volta, mas nesse momento extremamente delicado Ló mede o que é fundamental. Frey frisa que não é possível fazer uma leitura contemporânea, anacrônica e julgar o que Ló deveria ou não ter feito com a consciência atual de gênero, hábitos e costumes. b) Os mensageiros ferem os sodomitas (v. 11) A oferta de Ló é repelida com ameaça. Ló é acudido pela interferência dos “estranhos”^98 que o puxam para dentro de casa. Após Ló ser salvo por seus hóspedes, os mensageiros “ferem de cegueira” (v.11) os sodomitas de modo que estes não encontraram a porta para arrombá-la Para Frey, justo no segundo antes arrombar a porta Deus age por meio dos mensageiros. Kidner lembra que o pouco de paz que Ló tivera durante algum tempo vivendo ali, fora, agora, destruída pelos anjos. De acordo com Westermann os que estão inclusos na casa provam um milagre, pois eles exprimem: “eles foram tocados pela cegueira!”^99. Ao que parece a cegueira que atingiu os sodomitas era uma cegueira total^100 , no entanto, diferente do que a cegueira senil ou dificuldades na visão. Para Westermann a cegueira, isto é, a expressão idiomática, não corresponde à ablepsia, mas “uma falta temporária da capacidade de ver”^101. Para Kidner é um “estado de ofuscação”^102 como o que o apóstolo Paulo teve no caminho de (^96) Cf. KLEIN, 2017, p. 196. (^97) Cf. FREY, 1978, p. 120. (^98) Cf. WESTERMANN, 2013, p. 176. (^99) Cf. WESTERMANN, 2013, p. 176. (^100) Cf. GESENIUS, 1962, p. 547. (^101) Cf. WESTERMANN, 2013, p. 176. (^102) Cf. KIDNER, 1999, p. 125.