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Guias e Dicas
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A Contradição no Sistema do Direito Positivo: Uma Análise da Teoria Jurídica, Resumos de Direito Tributário

Estruturas Lógicas (Lourival Vilanova)

Tipologia: Resumos

2018

Compartilhado em 31/03/2022

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Capítulo IX
SUMÁRIO: 1. Consistência no sistema da Ciên-
cia-do-Direito – 2. Sistemas não-isomórficos – 3.
Pluralismo das dogmáticas ou ciências positivas
– 4. A não-contradição e os sistemas científicos
empíricos – 5. Contradição no sistema do Direi-
to positivo – 6. Leis lógicas e regras – 7. As leis
lógicas como metalinguagem – 8. Um aspecto do
logicismo – 9. Contraditoriedade entre normas
– 10. Unidade gnosiológica e unidade empírica
do direito.
1. CONSISTÊNCIA NO SISTEMA DA CIÊNCIA-DO-
DIREITO
Quando se toma um sistema de proposições referentes
a um determinado universo-de-objetos, se o sistema é cien-
tífico, deve ele apresentar: i) critérios que permitam decidir
se uma dada proposição pertence ou não ao sistema; ii) coe-
rência interna, isto é, compatibilidade entre os elementos
proposicionais integrantes do sistema; iii) completude – o
sistema contém uma proposição ou a contraditória (segundo
R. Blanché, esse requisito metassistemático é “fondée sur le
principe du tiers exclu”; Blanché, L’Axiomatique, pág. 42).
Devemos, previamente, precisar se se trata do sistema-ciência
ou se do sistema-Direito positivo.
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Capítulo IX

SUMÁRIO: 1. Consistência no sistema da Ciên- cia-do-Direito – 2. Sistemas não-isomórficos – 3. Pluralismo das dogmáticas ou ciências positivas

    1. A não-contradição e os sistemas científicos empíricos – 5. Contradição no sistema do Direi- to positivo – 6. Leis lógicas e regras – 7. As leis lógicas como metalinguagem – 8. Um aspecto do logicismo – 9. Contraditoriedade entre normas
    1. Unidade gnosiológica e unidade empírica do direito.

1. CONSISTÊNCIA NO SISTEMA DA CIÊNCIA-DO -

DIREITO

Quando se toma um sistema de proposições referentes a um determinado universo-de-objetos, se o sistema é cien- tífico, deve ele apresentar: i ) critérios que permitam decidir se uma dada proposição pertence ou não ao sistema; ii ) coe- rência interna, isto é, compatibilidade entre os elementos proposicionais integrantes do sistema; iii ) completude – o sistema contém uma proposição ou a contraditória (segundo R. Blanché, esse requisito metassistemático é “fondée sur le principe du tiers exclu”; Blanché, L’Axiomatique, pág. 42). Devemos, previamente, precisar se se trata do sistema-ciência ou se do sistema-Direito positivo.

LOURIVAL VILANOVA Quando traduzimos o sistema da Ciência-do-Direito em nível formal, o sistema formalizado deve, como tipo ideal, apre- sentar esses três requisitos, como condição de sua cientificida- de. Uma ciência jurídica que não disponha de critério que permita decidir se uma proposição pertence ou não ao seu sistema, fica à mercê de proposições provenientes de diversas origens: no seu campo acodem, em atropelo, proposições de conteúdo físico, biológico, psicológico, sociológico ou axiológi- co (filosófico). Quando a teoria pura do Direito define o domínio do Direito como o normativo, põe uma região ontológica defini- da e só permite como pertinente a essa região proposição normativa. Em rigor, a pureza metódica está fundada na es- pecificidade da região fenomenológica da normatividade: o normativo jurídico é irredutível ao puramente factual, seja físico, biológico, psicológico ou sociológico (com a reserva, que fizemos, de que o sociológico é factual relativamente à norma jurídica que o deixa fora de algum pressuposto; por constituição mesma, todo fato social é estruturado normati- vamente, seja norma do uso, do costume, da moral, etc., antes de o ser por norma jurídica). Quanto à consistência interna, a ciência jurídica tem-na como requisito essencial. Uma ciência que permite fundamen- tar quer uma proposição, quer sua contraditória, um sistema S que abriga tanto p como não-p, não pode pretender o valor- -verdade. A inconsistência impede formalmente (logicamente) a verdade sobre o universo-de-objetos antes de atingir esse universo. Antes de alcançar a proposição sintética, includen- te do objeto, já é uma proposição analítica necessariamente falsa. Quando quisermos testar se um pretendido sistema de ciência positiva do Direito é possível logicamente, antes de o ser gnosiologicamente (sintaticamente, antes de o ser seman- ticamente), podemos regredir ao nível da formalização e cons- tatar que para qualquer interpretação que se confira às vari- áveis p e não-p, elas não podem pertencer a um só sistema, por sua recíproca impossibilidade ou mútua excludência.

LOURIVAL VILANOVA determinado predicamento. A impossibilidade ontológica (ontologia, aqui, equivale à teoria geral do objeto ) corresponde a impossibilidade sintática ou formal. Em outros termos. Se tomarmos o que se chama ciência dogmática do Direito (a ciência dos juristas, em sentido estrito) e nos elevarmos à forma ou sistema formal que lhe correspon- de e encontrarmos oposição contraditória entre suas proposi- ções, somente por isso, previamente, saberemos que de sistema científico não se trata. Cabe afirmar com Bochensky Menne: “Sem ausência de contradição (Widerspruchsfreiheit) dis- solver-se-ia em um Sistema a distinção entre expressões verdadeiras e falsas, e nenhuma ciência seria mais possível” (Bochensky Menne, Grundriss der Logistik, pág. 44).

2. SISTEMAS NÃO-ISOMÓRFICOS

Se dois sistemas, como o da Ciência-do-Direito e o do Direito positivo, diferem entre si apenas pelas significações concretas de seus termos, isto é, pelos universos-de-objetos aos quais se referem – no caso, as proposições do sistema da ciência denotam entidades que, também, são (em parte) pro- posições (regras ou normas-de-direito) – mas apresentam a mesma estrutura formal-lógica, diz-se serem isomórficos. Têm a mesma forma lógica. Por isso que são isomórficos, são substi- tuíveis face ao sistema abstrato que os formaliza. Se o sistema formalizado So tem como substituintes S’ e S” , estes são mode- los de So. Modelos, no sentido de valerem como interpretações concretas possíveis de So. Modelos, pois, em acepção logística, nada têm a ver com tipo-ideal, ou o sobretipo para o qual ten- de o sistema como para um término perfeito. Modelos são pontos de partida e de aferimento de todo sistema formal. Um sistema formal ou formalizado é a expressão abstrata, desin- terpretada, desconcretizada, do dado que no caso está repre- sentado pelos sistemas de proposições dirigidos para conhecer ou transformar o mundo de objetos. Sem os sistemas concretos das diversas ciências naturais ou culturais, sem os sistemas que a experiência jurídica oferta,

AS ESTRUTURAS LÓGICAS E O SISTEMA DO DIREITO POSITIVO não caberia elaborar um sistema abstrato. A destinação do processo de formalização é imediatamente atingir os sistemas de proposições e, com isso, mediatamente atingir os objetos das proposições. A separação do logos face à práxis, face ao ôntico, é tarefa metódica, apenas. Por isso, julgamos que uma teoria axiomatizada do Direito (Luigi Ferrajoli, Teoria Assiomatizza- ta del Diritto, págs. 15-17) há de conter não somente a formali- zação da dogmática, mas a formalização do próprio sistema de normas, que tomam a expressão de proposições normativas. Pensamos, assim, completar o excelente estudo de Ferrajoli. O que o autor denomina “teoria do Direito” abrangerá não apenas uma teoria sintática e uma teoria semântica da dogmática (Ciência-do-Direito), mas, ainda, uma teoria sintática e uma teoria semântica do sistema de proposições do Direito positivo. A denominação “teoria del Diritto” é bivalente, por causa da palavra Direito, que tanto significa “ciência”, quanto “Direito positivo”, tanto o sistema de conhecimentos quanto o objeto desse sistema de conhecimentos, que também se estrutura em forma de sistema. Mas, por isso mesmo que não se confundem sistemas de normas válidas e eficazes com o sistema de proposições que têm estas normas por objeto de conhecimento, é de verificar se são sistemas isomórficos. Ainda se o forem, não se confun- dem os dois planos de linguagem, a linguagem da ciência jurí- dica com a linguagem do Direito positivo. Consequentemente, não se confundem a formalização da linguagem científica ( L’ ) com a formalização da linguagem do direito positivo ( L” ). São estratos ou capas distinguíveis na análise regressiva que busca a linguagem formal ( Lo ), possivelmente abrangente de todas as linguagens-objeto. Estas considerações, aparentemente tão distantes da faina do jurista e da realidade, são altamente importantes para evitar que se injete no Direito positivo o que é característica da Ciência-do-Direito ou se confira à Ciência-do-Direito o que pertence ao plano da Lógica do Direito. Evita o cientificismo, num caso; o logicismo, no outro.

AS ESTRUTURAS LÓGICAS E O SISTEMA DO DIREITO POSITIVO Agora, ao ângulo que nos interessa. Se houver tantas dogmáticas quantos sistemas positivos de normas, o even- tual conflito contraditório entre as ciências será aparente. Cada uma valerá em função do sistema positivo que inter- preta e sistematiza. Inexistirá um só ponto objetivo de refe- rência: os objetos são diversos e contradição só poderia ocorrer no interior de uma mesma ciência dogmática (ocor- reriam contradições intra-sistemáticas, não contradições intersistemáticas ). Se, apesar da diversificação de sistemas historicamente existentes, houver ciência jurídica una e, ainda, uma só ciên- cia ( unidade, mais unicidade ), então eventuais contradições ocorreriam no interior de uma só ciência. Parece-nos que a solução se encontra por esta via. O que faz de cada exposição dogmática de um sistema jurídico historicamente dado ser ciência e uma mesma ciência é a presença de um sistema de conceitos e proposições universais que, relativamente à maté- ria empiricamente dada, funcionam como “conceitos funda- mentais”, conceitos estes explicitáveis, postos em evidência através da teoria geral do Direito (que Somló denominou te- oria fundamental do Direito, distinguindo-a da allgemeine Rechtslehre, ob. cit., págs. 8-10, fundando-se na diferença entre conceitos fundamentais e conceitos gerais ). Conceitos como sujeito-de-Direito, relação jurídica, fato jurídico, hipó- tese normativa, consequência normativa, sanção, fonte (nor- mativa) do Direito, etc., são componentes necessários em qualquer exposição dogmática de um dado positivo. Não são meras generalizações empíricas do material instável e múlti- plo da experiência jurídica, como o conceito de Direito sub- jetivo público carecente de objeto no caso de fase jusprivatis- ta ou pré-estatal do Direito. Sujeito-de-Direito, todavia, onde haja norma jurídica, necessariamente existe, como titular ativo ou passivo de uma relação da vida que se tornou relação jurídica (Betti), ou decorrente de posição que o homem toma dentro de uma situação jurídica, ou de situação da vida que a norma fez situação jurídica.

LOURIVAL VILANOVA

4. A NÃO-CONTRADIÇÃO E OS SISTEMAS CIENTÍFICOS

EMPÍRICOS

Um sistema formal requer a coerência formal entre suas proposições. Se houver, dentro dele, demonstráveis ou ver- dadeiras uma proposição e sua contraditória, torna-se incon- sistente e requer a revisão das proposições que funcionam como postulados. Em sistemas empíricos de conhecimentos, sejam ciências naturais, sejam ciências da cultura, a consis- tência formal é um prius lógico, para alcançar o objeto do conhecimento. Se a ciência dogmática do Direito é ou aspira ser ciência, tem de satisfazer a forma-de-sistema: de um todo isento de contradições. Exprime-se em linguagem apofântica, que é necessariamente suscetível de valor-de-verdade, posi- tivo ou negativo. Não em linguagem não-apofântica: de per- guntas, de imperativos ou ordens, de enunciados deontológi- cos (do que deveria ser para ser Direito justo). Por isso, não é compatível, no domínio de um só sistema, inserir proposições descritivas (declarativas, teoréticas) com proposições prescri- tivas (normativas, deontológicas), ou investigar o dado como de lege lata e, ao mesmo tempo, propor, segundo um juízo-de- -valor extra-sistemático (fora ou transcendente ao sistema de Direito positivo), o pertinente ao de lege ferenda. Pontes de Miranda diz acertadamente: o que ficou fora da incidência de regra jurídica é objeto de julgamento da política, da moral ou do cientista, “ e nenhuma influência pode ter na dogmática jurídica ” (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado , pág. 21, tomo I). Observe-se. Se a Ciência-do-Direito for um complexo de enunciados declarativos e prescritivos, faltar-lhe-á um só cri- tério para decidir o valor desses enunciados. O enunciado declarativo (descritivo, teorético) pode ser verdadeiro ou falso, consoante a confirmação ou não-confirmação pelo objeto da experiência; o enunciado prescritivo, nem verdadeiro, nem falso, mas válido ou não-válido, eficaz ou não-eficaz, justo ou injusto. Por isso mesmo, não pode haver contradição entre um e outro, entreA é B ” e “ A não deve-ser B ”. O oposto contraditório

LOURIVAL VILANOVA (isenta de contradições) da ordem jurídica total...”. (Radbru- ch, Introducción a la Ciencia del Derecho, pág. 254) ainda, “que o resultado da ciência jurídica não pode ser um sistema jurí- dico unitário, mas sistemas jurídicos fragmentários, insufi- cientes, incompletos”, está-se percebendo a contraposição entre a ciência segundo um sobre-tipo-ideal e a ciência efeti- vamente dada na história, entre o sistema jurídico positivo ideal e os sistemas jurídicos positivos, existencialmente vin- culados às circunstâncias concretas. O ideal de sistematização é o termo final do processo histórico de racionalização. Por isso, somente como perspectiva formal-lógica é que tomamos o problema do sistema. Como a forma lógica perfeita, que Aristóteles via na estrutura apofântica ( S é P ) e Husserl, de- senvolvendo-a, alcança a forma-de-sistema, ou a forma-das- -formas, como a forma-total-limite. Agora, o que a experiência manifesta é a existência de contradições entre as proposições normativas. Contradições entre normas de um mesmo nível, entre leis constitucionais, entre leis ordinárias, entre regulamentos e entre outros atos normativos. Contradições só elimináveis pelo principio extra- lógico da norma de nível mais elevado sobre a norma de nível inferior, ou pelo critério, também extralógico, da sucessão temporal (norma de mesmo nível revoga norma anteriormen- te ditada); da norma geral que admite a contraposição contra- ditória de uma norma especial, estatuindo para todos os casos compreendidos num conjunto, menos para alguns que se ex- cetuam, mas que pertencem ao conjunto. Se o sistema de Direito positivo fosse sistema científico, necessariamente seguiria a lei lógica de não-contradição. Mas não é sistema científico. Sendo um sistema homogêneo de proposições prescritivas, não pode conter necessariamente a lei lógica, que é teorética, ao lado das demais normas positivas. Assim como um sistema teorético ou descritivo de objetos não pode abrigar proposição descritiva e proposições prescritivas, juízos-de-ser e juízos- de-dever-ser, assim o Direito positivo não pode acolher normas e leis teoréticas. Pode, sim, converter as

AS ESTRUTURAS LÓGICAS E O SISTEMA DO DIREITO POSITIVO leis lógicas em normas. Quer dizer, mudando o estatuto dessas leis teoréticas para a forma de prescrições de conduta: o juiz, o legislador, o intérprete que não é órgão de Estado, devem su- primir a contradição entre normas do mesmo sistema positivo. Neste caso, a lei lógica seria fundamento da norma. Do lado do objeto, teríamos a impossibilidade de aplicação ao mesmo caso de normas incompatíveis.

6. LEIS LÓGICAS E REGRAS

Um sistema de normas jurídicas é um sistema de linguagem, com conotação normativa, referente, denotativamente, a um segmento do mundo-de-fatos. Como linguagem, é suporte de significações. Como linguagem significativa, está sujeita às leis formais das significações, ou dos símbolos abstratos, portadores de categorias de significações que, por serem abstratas, são sig- nificações quaisquer sobre objetos quaisquer. Apenas, essa in- determinação conotativa e denotativa é aparentemente sem objeto. Há um setor do universo de significações (normas) e um setor do universo total, que é o universo-de-objetos especificados por normas, que limitam essa abstrata indeterminação. Mas, desde que as normas (significações) têm por supor- te linguagem ( linguagem não-apofântica , mas linguagem deôn- tica ), inserem-se dentro das leis lógicas. A linguagem do Direi- to positivo procura evitar o sem-sentido. O legislador, ou o juiz ao emitir norma individual, evitam atropelar categorias-de- -significação (ou categorias-de-símbolos) que dêem construções sem-sentido, ou categorias sintáticas que levem às estruturas eivadas de contra-sentido, pois nem uma nem outra são possíveis de efetivação ou cumprimento na ordem dos fatos. Então, a Ló- gica está no interior mesmo do sistema de proposições do Di- reito positivo. Mas, qual o status da Lógica no interior do sis- tema de normas? Se há uma homogeneidade estrutural no universo normativo, as leis lógicas são, também, normas? Se as leis lógicas fundamentais, como a lei de não-contra- dição, a lei-de-exclusão-de-terceiro, fossem normas, então

AS ESTRUTURAS LÓGICAS E O SISTEMA DO DIREITO POSITIVO leis lógicas estão estruturando o sistema jurídico no que este tem de linguagem: a linguagem do Direito positivo evita o sem- -sentido (“o devedor está obrigado a um por consequente”), e o contra-sentido (“a pessoa não deve ser sujeito-de-direito”). O que não impossibilita o Direito positivo, em muitos casos, de converter em conteúdo de regra jurídica uma lei lógica. Assim, na interpretação das normas, o sistema prescreve que se deve ou não deve usar o argumento analógico, que é um processo inferencial mediato. O sistema jurídico toma posição diante de uma lei lógica, em função de valorações implícitas ou explícitas do sistema mesmo. Pode permitir que duas proposições normativas con- traditórias sejam válidas, ou determinar que, no caso de con- tradição, dê-se anulação recíproca, ou se prefira a norma de maior nível na escala normativa, ou a norma mais justa ou oportuna para a solução do conflito.

7. AS LEIS LÓGICAS COMO METALINGUAGEM

O Direito positivo usa linguagem que nem sempre coin- cide em seus conteúdos de significação, com o sentido da lin- guagem da ciência dogmática do Direito – o conceito legal de posse nem sempre é o mesmo conceito científico de posse (“A ciência jurídica não pode limitar-se à precipitação dos precei- tos de Direito em conceitos jurídicos...”, Pontes de Miranda, Systema de Sciencia Positiva do Direito, pág. 356, tomo I). A Lógica é uma linguagem sobre essa linguagem legal, sabemos. Como o é uma linguagem sobre a linguagem da ciência dog- mática do Direito. É uma linguagem formalizada. De sobrení- vel. Então, temos que as leis lógicas são leis formuladas em nível de metalinguagem. Ocupando nível distinto do nível da linguagem do Direito positivo, das proposições normativas desse Direito evidentemente se distinguem. Completemos agora o que já dissemos: a Lógica, sistema formal, ou sistema de linguagem formalizada, pressupõe sím- bolos abstratos e primitivos; cânones prescritivos que digam

LOURIVAL VILANOVA que formações e que transformações (dedutivas) são possíveis ou legítimas com os símbolos (uns, operadores ou constantes, outros, variáveis: de sujeito, de predicado, de proposição). Pois bem. Tais cânones são regras, as regras da combinatória abs- trata dos símbolos. Como regras, são prévias ao sistema da Lógica. Neste sentido, precisamente neste sentido, as regras lógicas do cálculo são metalógicas. Seu tópico é fora do sistema, não no interior dele. Manifestamente, as regras lógicas, como cânones deônticos sobre o cálculo abstrato, que é a Lógica, não se confundem com as leis lógicas usadas como regras jurídicas, ou a título de conteúdo de regras jurídicas, inseridas no interior do ordenamento jurídico. O que antecede é importante para a compreensão do que passamos a comentar.

8. UM ASPECTO DO LOGICISMO

Sem levar em conta a distinção entre leis lógicas e regras ou normas jurídicas que se fundam em leis lógicas, ou as põem como conteúdo de normas, incorre-se em desacerto na teoria do Direito. As leis lógicas são proposições descritivas; as regras, por definição, são prescritivas. O que fenomenologicamente a experiência do Direito me oferece é a existência do Direito como complexo de proposições, como estrutura articulada de linguagem que, por isso mesmo que é linguagem significativa, é apta a compor-se em forma de sistema. Mas de um sistema em que se encontram tanto a observância das leis lógicas como a inobservância das relações que tais leis teoréticas fixam. O Direito é um sistema com contradições. Outro problema é que o Direito não deva conter contra- dições: ali, uma questão fenomenológico-descritiva; aqui, uma questão deontológica (que o Direito deva ser um sistema isen- to de contradições atende ao requisito de racionalidade, de realização da justiça, até mesmo à exigência política de viabi- lidade no mundo social da conduta humana). Por isso, parece- -nos excessiva a conclusão da excelente análise de Schreiber,

LOURIVAL VILANOVA

9. CONTRADITORIEDADE ENTRE NORMAS

Detenhamo-nos ainda um pouco mais na contradição entre proposições normativas, sob o aspecto formal. E sempre tomando Kelsen como ponto referencial da discussão. Confor- me observamos, inexiste contradição lógica entre um enuncia- do ( statement ) que descreve um actual state-of-affairs e outro que estatui o dever-ser, isto é, entre “ A é B ” e “ A não deve-ser B ”. Entre um enunciado que descreve uma conduta como de fato é e outro que estipula como deve-ser, ou entre um enun- ciado apofântico e outro enunciado deôntico, com os mesmos termos sujeito e predicado, diferindo pela presença da cons- tante lógica não (e mais pelo é e pelo “deve-ser” como opera- dores intraproposicionais). Não sendo contraditórios “ A é B ” e “ A não deve-ser B ”, são compatíveis, observa Kelsen ( Gene- ral Theory of Law and State, pág. 41). Há, sim, contradição “between two statements which both assert an ‘is’...”. Kelsen está certo. A lei de não-contradição exprime uma relação de incompossibilidade entre enunciados do mesmo tipo sintático, ou que contenham valores veritativos (verdade/falsidade) ou que contenham as propriedades jurídicas da validade e da não-validade. Entre proposições apofânticas, ou entre propo- sições deônticas, não entre proposições apofânticas e propo- sições deônticas. Com isso, por outra parte, arrima-se o fun- damento pelo qual um comportamento efetivo ( actual beha- viour ) relatado em um enunciado descritivo, em nada afeta o valor jurídico do enunciado prescritivo. Tanto o enunciado apofântico que descreve a conduta real desviante da conduta devida, como o enunciado que prescreve a conduta, podem ser, simultaneamente, verdadeiro, aquele, válido, este. Ver- dade/falsidade, validade/não-validade são valores-de-enun- ciados (ou proposições) entre os quais não pode haver confli- to contraditório. Isto não exclui a possível combinação de proposições descritivas (as da ciência jurídica) com as proposições prescri- tivas do Direito positivo. Assim, enuncio: “de acordo com o sistema S , é válida a norma N ”. Obtenho, então, um composto

AS ESTRUTURAS LÓGICAS E O SISTEMA DO DIREITO POSITIVO lógico formado de um normative-statement com uma norma (Von Wright, Norm and Action, págs. 105-106). Mas, se o enun- ciado normativo e a norma diferem pelos valores (valores apofânticos, naquele, valores deônticos, neste) não podem ser combinados para dar lugar a funções-de-verdade ou funções- -veritativas. As leis sintáticas do cálculo proposicional não o permitem. A norma, no caso, tem o papel de um state-of- -affairs, de uma situação objetiva, da qual se afirma ou se nega que existe (é válida ou não-válida). Dizendo com Von Wright: “ the truth-ground of a normative-statement is the exis- tence of a norm ”. Cada uma das proposições constituintes tem seu específico ontological status por substrato objetivo e tem seus valores próprios. Por isso mesmo, não há a possível con- tradição lógica entre o enunciado ou proposição descritiva com a proposição normativa, objeto. São duas proposições entre as quais o termo formal não, inscrito, não as converte em reciprocamente excludentes. A existência da norma é um fato e a proposição descritiva da norma é verdadeira ou falsa, conforme a norma exista ou não exista. O que é verdadeira ou falsa é a Proposição descritiva sobre a proposição-norma , não a norma mesma, como norma. É impossível, aprioristicamente, excluir a contradição normativa no interior de um sistema de Direito positivo. É um fato que os sistemas de normas jurídicas contêm contradições. É certo, normas explicitadas ou implícitas do sistema provêm os métodos para eliminar as antinomias, mas não é certo que se eliminem todas as antinomias. Muitas proposições são tidas como compatíveis entre si, até que uma interpretação jurispru- dencial revela inconciliabilidade entre preceitos tidos por harmônicos. E nada juridicamente no interior do sistema impe- de que haja mutação interpretativa dos órgãos judiciais. Cada conceito jurídico ou cada enunciado normativo tem um campo de irradiação semântica: as estruturas e as partes lógicas das estruturas ingressam dentro de complexos de significações e nunca uma significação está isolada. Existe em função de uma constelação de outras significações, entre as quais relações de compatibilidade ou de incompatibilidade formais se verificam.

AS ESTRUTURAS LÓGICAS E O SISTEMA DO DIREITO POSITIVO não deve-ser B ”. Em rigor, é uma forma composta (o corres- pondente a uma função veritativa ): uma forma lógica contendo conectivos ou constantes e variáveis, resultando no que Husserl denominou um contra-sentido analítico. Apesar dessa contra- posição lógico-formal, Kelsen recusa-lhe a aplicação da lei de não-contradição. Como representam estruturas formalizadas de qualquer proposição normativa do Direito (simplificada- mente, pois a proposição jurídica é hipotética ou implicacional; não categórica) e carecem de valor-de-verdade (verdade/falsi- dade), resulta, na teoria pura, que a lei de não-contradição lhes é estranha. A lei lógica aplica-se à forma “ A é B ” e “ A não é B ”: às proposições descritivas, e não às proposições prescritivas. Carece de sentido próprio dizer de uma norma que é verda- deira ou é falsa, consoante a conformidade ou a desconformi- dade da conduta efetiva com a norma. Não se lhe aplica, acres- centemos, nem o critério de verificação empírica dos enuncia- dos descritivos de realidades, nem o critério lógico da consis- tência dos enunciados formais. Observe-se atentamente. Apesar disso, a Ciência-do-Di- reito, consoante Kelsen, não admite contradições normativas no interior do sistema do Direito positivo. Ora, contradições existem. Diz Ramon Capella: “Que várias normas sejam con- traditórias entre si é um fato que não exclui sua própria natu- reza e que pode dar-se no mundo” (Capella, El Derecho como Lenguaje, pág. 64). Kelsen parece partir da hipótese de que, se a ciência ju- rídica aceitar as contradições normativas no Direito positivo, não poderá constituir-se como um sistema de conhecimento autoconsistente. A incoerência ou a inconsistência do sistema normativo do Direito positivo transferir-se-ia para a Ciência- -do-Direito. Em outros termos: a inconsistência, que está no objeto-do-conhecimento, transita ao conhecimento-do-objeto. Todavia, o que a ciência faz é tomar o dado e descrevê-lo em proposições teoréticas. O dado é o sistema S , que, admitamos, contém N e não- N. Sobre o sistema-objeto fala o sistema-da- -ciência, mediante proposições descritivas. Estas, explícita ou

LOURIVAL VILANOVA implicitamente, se compõem de cláusula “de acordo com o sistema S ” (em conformidade com, ou consoante o sistema de Direito positivo). Agora, não incorrerá em contradição afirmar: “de acordo com o sistema S , são válidas (ou existentes no sis- tema) as normas N e não- N ”. O que a proposição afirma é a existência de normas simultaneamente válidas, mas contradi- tórias. As duas normas em conflito se convertem em conteúdo objetivo de um só juízo-de-existência. Esse conteúdo objetivo, correlato ontológico do juízo como estrutura de significação (A. Pfaender, Lógica, págs. 41-43), tem o mesmo status de ob- jeto da proposição que sobre ele se faz: é, fenomenologicamen- te, objeto ideal-lógico. Haveria contradição se a ciência jurídi- ca afirmasse que “de acordo com o sistema S a norma N é vá- lida e de acordo com o sistema S a norma N não é válida”. Te- ríamos duas proposições, pertencentes ao sistema da Ciência- -do-Direito, reciprocamente excludentes. Em linguagem for- mal: p e não- p são contraditórias porque reciprocamente se excluem, ou cada uma é a simétrica contraditória da outra. Pertencendo ao mesmo sistema científico S, introduzem incon- sistência, o que o inabilita de logo, a ser verdadeiro empirica- mente.

10. UNIDADE GNOSIOLÓGICA E UNIDADE EMPÍRICA

DO DIREITO

Quando Kelsen assevera que uma ciência normativa não pode admitir contradição entre normas que pertencem ao mesmo sistema (“Die normative Erkenntnis dultet keinen Widerspruch zwischen zwei Normen desselben Systems”, Reine Rechtslehre, pág. 89) está transportando a consistência ou não-contradição, que é condição formal da unidade gnosio- lógica do conhecimento científico do Direito, para o próprio Direito positivo. Deixando de parte a análise kelseniana sobre as contradições do Direito positivo, que são apenas aparentes ( sham ) para essa análise, tenhamos em conta o seguinte: é possível um sistema de normas jurídicas abrigar contradições. Não podemos, aprioristicamente, dizer que seja impossível. É