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Neste texto, o autor discute a importância da estrutura social na antropologia social, considerando-a como a ciência natural teórica da sociedade humana. Ele usa o termo 'estrutura social' para denotar a rede de relações existentes entre pessoas e grupos. O autor enfatiza que a estrutura social é a parte fundamental da ciência, pois todos os fenômenos sociais observados em qualquer sociedade não são resultado imediato da natureza humana individual, mas sim do resultado da estrutura social. Ele também discute as diferentes maneiras de entender o conceito de estrutura social e os diferentes ramos da antropologia social relacionados a este conceito.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
A. R. Radcliffe-Brown
Sugeriram-me alguns de meus amigos que eu devia aproveitar esta ocasião para oferecer algumas observações acerca do meu ponto de vista em Antropologia Social; e, desde que em minhas lições, que tiveram início em Cambridge e na Escola de Economia de Londres, faz trinta anos, eu venha consistentemente acentuando a importância do estudo da estrutura social, a sugestão feita era que eu devia dizer alguma coisa sobre o assunto. Espero que me perdoe o começar eu por uma nota de explicação pessoal. Apontaram-me mais de uma vez como pertencendo à chamada "Escola Funcional de Antropologia Social" e mesmo como seu chefe, ou um de seus chefes. Essa escola funcional não existe, em realidade; é um mito inventado pelo professor Malinowski. Eis o que ele próprio disse a respeito: “o pomposo título de Escola Fun- cional de Antropologia foi por mim atribuído de certo modo a mim mesmo, e, em grande parte, mercê de meu próprio senso de irresponsabilidade". A irresponsabilidade do professor Malinowski deu resultados infelizes, desde que espalhou sobre a Antropologia densa névoa de discussão a respeito do "funcionalismo". O professor Lowie declarou que, entre outros, o expoente máximo do funcionalismo no século XIX foi o professor Franz Boas. Não creio que haja qualquer sentido especial, a não ser o puramente cronológico, em que se possa dizer que eu seja o sucessor do professor Boas ou o predecessor do professor Malinowski. A afirmação de que sou "funcionalista", ou, igualmente, a afirmação de que não sou, parecer-me-ia não encerrar nenhum significado definido. Não há, na Ciência Natural, lugar para "escolas" naquele sentido, e considero a Antropologia Social como um ramo da Ciência Natural. Todo cientista parte do trabalho de seus predecessores, encontra problemas que ele julga terem significação e, pela observação e pelo raciocínio, esforça-se por dar sua contribuição a um corpo crescente de teoria. A cooperação entre os cientistas resulta do fato de
(^1) “On Social Structure", de A. R. Radcliffe-Brown, reimpresso de The Journal of the Royal Anthropological Institute , Vol. LXX, Parte I, 1940. Traduzido por Asdrúbal Mendes Gonçalves e publicado aqui com a permissão, gentilmente concedida, do autor e de The Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland.
trabalharem eles nos mesmos ou correlatos problemas. Essa cooperação não resulta na formação de escolas, no sentido em que há escolas de filosofia ou de pintura. Não há, na ciência, lugar para ortodoxias e heterodoxias. Nada é mais pernicioso na ciência do que tentar estabelecer a adesão a doutrinas. O mais que pode um cientista fazer é assistir o estudante, ensinando-o a compreender e usar o método científico. Não se trata, para ele, de fazer discípulos. Concebo a Antropologia Social como a Ciência Natural teórica da sociedade humana, isto é, a investigação dos fenômenos sociais por métodos essencialmente semelhantes aos que se usam nas ciências Físicas e Biológicas. Estou inteiramente de acordo, se quiserem, em chamar a matéria de "Sociologia comparada". É o assunto em si que importa e não o nome que se lhe dá. Como sabem, há alguns antropólogos que sustentam não ser possível, ou pelo menos nada adiantar, aplicar aos fenômenos sociais os métodos teóricos da Ciência Natural. Para essas pessoas a Antropologia Social, como a defini, é algo que não existe, e nunca existirá. Para elas, é claro que as minhas observações não terão sentido, ou pelo menos o sentido que lhes dou. Enquanto eu defini a Antropologia Social como o estudo da sociedade humana, há alguns que a definem como o estudo da cultura. Poder-se-ia pensar que essa diferença de definição é de pouca importância. Em realidade, ela conduz a duas espécies diferentes de estudo, entre as quais dificilmente se obteria acordo na formulação dos problemas. Quanto à definição preliminar de fenômenos sociais, parece suficientemente claro que o de que temos de nos ocupar são as relações de associação entre organismos individuais. Numa colméia há relações associativas da rainha, as operárias e os zangões. Há a associação de animais num rebanho, e a da gata com seus gatinhos. Trata-se de fenômenos sociais; não creio que alguém os chamará de fenômenos culturais. Na Antropologia, é claro, só nos ocupamos com seres humanos, e na Antropologia Social, como a defino, o que temos de investigar são as formas de associação que se encontram entre seres humanos. Consideremos quais são os fatos concretos, observáveis, com que se ocupa o antropólogo social. Se nos dispomos a estudar, por exemplo, os habitantes aborígines de uma parte da Austrália, encontramos certo número de seres humanos individuais num certo ambiente natural. Podemos observar os atos de comportamento desses indivíduos, inclusive, é claro, seus atos de linguagem, e os produtos materiais de ações passadas. Não observamos uma "cultura", visto como
que sejam Adão e Eva no Paraíso) só existe como parte de uma vasta rede de relações sociais, envolvendo muitas outras pessoas, e é essa rede que eu considero como o objeto de nossas investigações. Sei, é claro, que o termo "estrutura social" é usado em vários sentidos diferentes, alguns muito vagos. Isto se verifica, infelizmente, com muitos outros termos comumente usados pelos antropólogos. A escolha de termos e suas definições é questão de conveniência científica, mas, uma das características de uma ciência, logo que tenha passado o primeiro período formativo, é a existência de termos técnicos usados no mesmo sentido preciso por todos os estudiosos dessa ciência. Pesa-me dizer que, por esse teste, a Antropologia Social não se revela ainda como ciência formada. Tem-se, pois, de escolher, para certos termos, definições que pareçam ser as mais convenientes para os fins de análise científica. Há alguns antropólogos que usam o termo "estrutura social" para referir-se somente aos grupos sociais persistentes, como nações, tribos e clãs, que retêm sua continuidade, sua identidade como grupos individuais, apesar das mudanças na sua composição. O Dr. Evans-Pritchard, no seu admirável recente livro sobre os Nuer, prefere empregar o termo "estrutura social" nesse sentido. A existência desses grupos sociais persistentes é por certo um aspecto extremamente importante da estrutura. Mas, eu acho mais útil incluir sob o termo "estrutura social" muito mais do que isso. Em primeiro lugar, considero como parte da estrutura social todas as relações sociais de pessoa a pessoa. Por exemplo, a estrutura do parentesco de toda sociedade consiste em certo número de relações didáticas, como entre pai e filho, ou entre o irmão da mãe e o filho da irmã dele. Numa tribo australiana, toda a estrutura social está baseada numa rede dessas relações de pessoa a pessoa, estabelecidas através de conexões genealógicas. Em segundo lugar, incluo em "estrutura social" a diferenciação de indivíduos e de classes pelo seu papel social. As posições sociais diferenciais de homens e mulheres, de chefes e subalternos, de empregadores e empregados, são tanto determinantes de relações sociais quanto se pertencessem a diferentes clãs ou diferentes nações. No estudo da estrutura social, a realidade concreta de que cuidamos é o conjunto de relações realmente existentes, em dado momento, e que ligam certos seres humanos. É sobre isso que podemos fazer observações diretas. Mas não é isso que tentamos descrever em sua particularidade. A ciência (no que a distingue
da história ou da biografia) não cuida do particular, do único, mas somente do geral, das espécies, dos acontecimentos que ocorrem mais de uma vez. As relações reais de Pedro, João e Antônio, ou o comportamento de Juca e Zeca podem ser anotados no nosso caderninho de notas e servir de exemplos para a nossa descrição geral. Mas o de que necessitamos para fins científicos, é uma descrição da forma da estrutura. Por exemplo, se numa tribo australiana eu observo, em certo número de casos, o comportamento, uma com as outras, de pessoas que se acham na relação de irmão da mãe e filho da irmã, é a fim de poder registrar o mais precisamente possível a forma geral ou normal dessa relação, abstração feita das variações de casos da realidade concreta realmente existente, para ser diretamente particulares, se bem que levando em conta essas variações. Essa distinção importante entre a estrutura, como realidade concreta observada e a forma estrutural, como aquilo que o trabalhador "de campo" descreve, pode tornar-se talvez mais clara, se considerarmos a continuidade da estrutura social através do tempo, continuidade essa que não é estática, como a de um edifício, mas dinâmica, como a da estrutura orgânica de um corpo vivo. Durante toda a vida de um organismo está sua estrutura constantemente se renovando, e, de modo semelhante, a vida social renova constantemente a estrutura social. Assim, as relações reais de pessoas e grupos de pessoas mudam de ano para ano, ou mesmo de dia para dia. Novos membros entram na comunidade, por via de nascimento ou imigração; outros dela saem, por morte ou emigração. Há casamento e divórcios. Amigos podem tornar-se inimigos, os inimigos podem fazer as pazes e tornarem-se amigos. Mas, enquanto a estrutura real muda desse modo, a forma estrutural geral pode permanecer relativamente constante durante maior ou menor período de tempo. Assim, se eu visitar uma comunidade relativamente estável e a visitar novamente após o intervalo de dez anos, verificarei que muitos de seus membros morreram e outros nasceram; os membros ainda vivos estão dez anos mais velhos e as relações entre eles podem ter mudado de muitas maneiras. Entretanto, posso achar que as espécies de relações que me é dado observar diferem muito pouco das que observara dez anos antes. A forma estrutural pouco mudou. Mas, por outro lado, a forma estrutural pode mudar, às vezes gradualmente, às vezes com relativa subtaneidade, como nas revoluções e nas conquistas militares. Porém, mesmo nas mais revolucionárias transformações, mantém-se alguma continuidade de estrutura.
vida da pessoa. Como pessoa, o ser humano é objeto de estudo para o antropólogo social. Não podemos estudar pessoas senão em termos de estrutura social, nem podemos estudar a estrutura social senão em termos das pessoas que constituem as unidades de que ela se compõe. Se me disserem que o indivíduo e a pessoa são, afinal de contas, em realidade a mesma coisa, eu lembraria o credo cristão. Deus é três pessoas; mas dizer que Ele é três indivíduos, é ser culpado de uma heresia que custou a vida a muitos homens. Entretanto, a incapacidade de distinguir o indivíduo e a pessoa não é apenas heresia em religião; é pior do que isso, é fonte de confusão em ciência. Já defini suficientemente, espero, o objeto, do que considero como ramo extremamente importante da Antropologia Social. O método que deve ser adotado resulta imediatamente dessa definição. Ele deve combinar com o estudo intensivo das sociedades uma a uma (isto é, os sistemas estruturais observáveis em comunidades particulares), a comparação sistemática de muitas sociedades (ou sistemas estruturais de tipos diferentes). O uso da comparação é indispensável. O estudo de uma sociedade tomada isoladamente pode prover materiais para o estudo comparativo, ou pode dar ensejo a hipóteses, as quais precisam então ser postas à prova pela referência a outras sociedades; não pode dar resultados demonstrados. Nossa primeira tarefa, está claro, é aprendermos o mais possível acerca das variedades ou diversidades dos sistemas estruturais. Isto requer a pesquisa "de campo". Muitos autores de descrições etnográficas não procuram dar-nos um relato sistemático da estrutura social. Mas alguns antropólogos sociais, aqui e na América, reconhecem a importância desses dados, e o seu trabalho está nos fornecendo, para o nosso estudo, um corpo de material que aumenta constantemente. Além disso, já não se limitam as suas pesquisas às chamadas sociedades "primitivas", mas estendem-se a comunidades em regiões como a Sicília, Irlanda, Japão, Canadá e Estados Unidos. Contudo, se quisermos ter uma morfologia comparativa real das sociedades devemos ter em vista construir alguma espécie de classificação de tipos de sistemas estruturais. Trata-se de uma tarefa complexa e difícil, à qual eu mesmo dediquei minha atenção durante trinta anos. Essa tarefa é das que necessitam da cooperação de certo número de estudiosos e penso que posso contar com os dedos aqueles que no momento estão nela ativamente interessados. Não obstante, creio que está havendo algum progresso. Contudo, esse trabalho não produz resultados
espetaculares e um livro sobre o assunto não seria certamente um "best-seller" antropológico. Devemos lembrar que a Química e a Biologia não se tornaram ciências completamente formadas senão depois de se realizarem progressos consideráveis na classificação sistemática das coisas de que cuidavam; substâncias, no primeiro caso, e animais, no segundo. Além desse estudo morfológico, consistente na definição, comparação e classificação dos diversos sistemas estruturais, há um estudo fisiológico. O problema aqui é o seguinte: como persistem os sistemas estruturais? Quais são os meca- nismos que mantêm em existência uma rede de relações sociais, e como funcionam eles? Usando os termos morfologia e fisiologia, pode parecer que estou retornando à analogia entre sociedade e organismo, tão popular entre os filósofos medievais, adotada e muitas vezes mal empregada pelos sociólogos do século XIX, e completamente repudiada por muitos autores modernos. Mas, as analogias, usadas a propósito, são auxiliares importantes do pensamento científico, e há uma real e significativa analogia entre estrutura orgânica e estrutura social. Naquilo que estou, assim, chamando de fisiologia social, cuidamos não só da estrutura social, mas também de toda espécie de fenômeno social. Moral, direito, etiqueta, religião, governo, e educação − são todos partes do mecanismo complexo pelo qual existe e persiste uma estrutura social. Se adotarmos o ponto de vista estrutural, estudamos essas coisas, não abstrata ou isoladamente, mas nas suas relações diretas e indiretas com a estrutura social, isto é, com referência ao modo pelo qual elas dependem das relações sociais entre pessoas e grupos de pessoas, ou as afetam. Não posso fazer mais aqui do que apresentar algumas breves ilustrações do que isto quer dizer. Consideremos primeiro o estudo da língua. Língua é um conjunto relacionado de usos de linguagem observados dentro de uma comunidade de linguagem. A existência de comunidades de linguagem e seus tamanhos são feições da estrutura social. Por conseguinte, há certa relação muito geral entre a estrutura social e a língua. Mas, se consideramos os característicos especiais de uma língua particular − sua fonologia, sua morfologia e mesmo, em grande parte, o seu vocabulário − não há ligação direta da determinação, quer unilateral ou mútua, entre esses e os característicos especiais da estrutura social da comunidade dentro da qual se fala a língua. Facilmente podemos conceber que duas sociedades possam ter formas muito semelhantes de estrutura social e muitas diferentes espécies de língua, ou
que as atividades de certas pessoas provêm gratificações para outras pessoas. Para dar um exemplo simples, quando um aborígine australiano vai caçar, ele provê carne, não só para si mesmo, mas também para sua esposa e filhos e para outros parentes a quem é seu dever dar carne, quando a tem. Assim, em qualquer sociedade, há não só uma divisão de atividades, mas também uma divisão das gratificações que delas resultam, e uma espécie de mecanismo social, relativamente simples ou, às vezes, altamente complexo, pelo qual o sistema opera. É esse mecanismo, ou certos aspectos dele, que constitui o objeto especial estudado pelos economistas. Eles cuidam de quais as espécies e quantidades de bens que são produzidos, como são distribuídos (isto é, o seu fluxo de pessoa a pessoa ou de região a região), e do modo como deles se dispõe. Assim, as instituições chamadas econômicas são extensivamente estudadas, com mais ou menos completa abstração do resto do sistema social. Esse método produz indu- bitàvelmente resultados úteis particularmente no estudo de sociedades modernas complexas. Sua fraqueza torna-se aparente logo que tentamos aplicá-lo ao intercâmbio de bens nas chamadas sociedades primitivas. O mecanismo econômico de uma sociedade aparece numa nova luz quando é estudado em relação à estrutura social. A troca de bens e serviços depende, resulta, e, ao mesmo tempo é um meio de manter certa estrutura, uma rede de relações entre pessoas e coleções de pessoas. Para os economistas e políticos do Canadá, o potlatch dos índios do noroeste da América era simplesmente louco desperdício e era por isso proibido. Para o antropólogo era o mecanismo para manter uma estrutura social de linhagens, clãs e "metades", com que se combinava um arranjo de posição definido por privilégios. A plena compreensão das instituições econômicas das sociedades humanas requer que elas sejam estudadas de dois ângulos. De um deles, o sistema econômico é encarado como o mecanismo pelo qual se produzem, transportam e transferem, e utilizam os bens de várias espécies e em várias quantidades. Do outro, o sistema econômico é um conjunto de relações entre pessoas e grupos, o qual mantém essa troca ou circulação de bens e serviços, sendo por ela mantido. Deste último ponto de vista, o estudo da vida econômica das sociedades toma o seu lugar como parte do estudo geral da estrutura social. As relações sociais só são observadas e só podem ser descritas com referência ao comportamento recíproco das pessoas relacionadas. A forma da estrutura social tem, portanto, de ser descrita pelos padrões de comportamento a
que se confirmam indivíduos e grupos nas suas inter-relações. Esses padrões são parcialmente formulados em regras que, na nossa própria sociedade, distinguimos como regras de etiqueta, de moral e de direito. As regras, é claro, só existem quando são reconhecidas pelos membros da sociedade, seja no seu reco- nhecimento verbal, quando são formuladas como regras, ou na observância delas no comportamento. Esses dois modos de reconhecimento como sabe todo pesquisador, não são a mesma coisa e ambos têm de ser levados em conta. Se digo que em qualquer sociedade, as regras de etiqueta, moral e direito constituem parte do mecanismo pelo qual certo conjunto de relações sociais se mantém em existência, essa afirmação será, suponho, acoimada de truísmo. Mas, é um desses truísmos que muitos autores que tratam da sociedade humana aceitam verbalmente e, no entanto, ignoram nas discussões teóricas, ou em suas análises descritivas. A questão não é que as regras existem em toda sociedade, mas que o que precisamos saber para a compreensão científica é como essas coisas operam em geral e em casos particulares. Consideremos, por exemplo, o estudo do direito. Se examinardes a literatura sobre jurisprudência, verificareis que as instituições legais são estudadas, pela maior parte, fazendo-se mais ou menos completa abstração do resto do sistema social de que participam. Esse é indubitàvelmente o método mais conveniente para os advogados em seus estudos profissionais. Mas, para qualquer investigação científica sobre a natureza do direito, é insuficiente. Os dados com que joga ó cientista são os acontecimentos que ocorrem e podem ser observados. No campo do direito, os acontecimentos que o cientista social pode observar e toma, assim como dados são os procedimentos que se desenvolvem nos tribunais. Esses são a realidade, e, para o antropólogo social, o mecanismo ou processo pelo qual certas relações sociais definíveis entre pessoas e grupos são restauradas, mantidas ou modificadas. O direito é uma parte do mecanismo pelo qual se mantém certa estrutura social. O sistema de direito de uma sociedade particular só pode ser plenamente compreendido se for estudado em relação à estrutura social, e, inversamente, a compreensão da estrutura social requer, entre outras coisas, um estudo sistemático das instituições legais. Falei a respeito de relações sociais, mas não vos ofereci até aqui uma definição precisa. Existe relação social entre dois ou mais organismos individuais quando há um ajustamento de seus interesses respectivos, pela convergência de interesses, ou pela limitação dos conflitos que possam resultar da divergência de
distinções, usa-se agora para confundir coisas que devem ser distinguidas, porque se emprega muitas vezes em lugar das palavras mais comuns, como "uso", "escopo" e "significado". Parece ser mais conveniente e sensato, bem como mais científico, falar do uso ou usos de um machado ou cavadeira, o significado de uma palavra ou símbolo, o escopo de um ato legislativo, do que usar a palavra "função" para designar essas coisas. "Função" tem sido um termo técnico muito útil em fisiologia e, por analogia com o seu uso nessa ciência, seria meio muito conveniente de exprimir um conceito importante em Ciência Social. Segundo costumo usar a palavra, seguindo Durkheim e outros, eu definiria a função social de um modo de atividade socialmente padronizado, ou de um modo de pensamento, como sua relação com a estrutura social, para cuja existência e continuidade ela contribui. Analogamente, num organismo vivo, a função fisiológica do bater do coração, ou da secreção dos sucos gástricos, é sua relação com a estrutura orgânica, para cuja existência ou continuidade contribui. É neste sentido que me interessam coisas como a função social da punição do crime, ou a função social dos ritos totêmicos das tribos australianas ou dos ritos funerários dos insulares de Andaman. Mas, isto não é o que entendem o professor Malinowski ou o professor Lowie por Antropologia funcional. Além dessas duas divisões do estudo da estrutura social, aos quais chamei de morfologia social e fisiologia social, há uma terceira, a investigação dos processos pelos quais mudam as estruturas sociais, de como surgem novas formas de estruturas. Desse importante ramo do estudo, só tenho tempo para dar um exemplo, colhido no campo da Sociologia colonial. Suponhamos que nos interesse estudar e compreender o que está acontecendo, atualmente, numa colônia ou dependência, inglesa ou francesa, da África. Antigamente, a região era habitada por africanos que tinham sua própria estrutura social. Agora, nova e mais complexa estrutura social foi ali introduzida. A população abrange presentemente certo número de europeus - funcionários do governo, comerciantes, missionários e, em alguns casos, colonos. A nova estrutura política é uma estrutura em que os europeus têm grande soma de controle, e geralmente representam importante papel na nova estrutura econômica. O característico marcante dessa espécie de estrutura social é que europeus e africanos constituem classes diferentes, com diferentes línguas, diferentes costumes e modos de vida, e diferentes séries de valores e idéias. É exemplo extremo de uma
sociedade composta de elementos heterogêneos. Assim sendo, tem certa instabili- dade devida à falta de ajustamento de interesses divergentes. A fim de compreender essas mudanças sociais que se estão operando numa sociedade dessa espécie, parece-me essencial estudar toda a série de relações entre as pessoas envolvidas. Essa espécie de estudo foi empreendida por alguns de nós na África do Sul faz 20 anos e está ainda sendo continuada, com proveito, penso eu. Há alguns anos, como resultado talvez da nova definição dada da Antropologia Social, como o estudo, não da sociedade, mas sim da cultura, pediram- nos que abandonássemos essa espécie de investigação em favor do que chamam agora de estudo do "contato cultural". Em lugar do estudo da formação de novas sociedades compostas, supunham que encarávamos o que acontecia na África como um processo em que uma entidade chamada cultura africana entra em contato com uma entidade chamada cultura européia ou ocidental, produzindo ou devendo produzir uma terceira entidade, que será descrita como cultura africana ocidentalizada. A mim isso me parece uma série fantástica de abstrações. A cultura européia é uma abstração e o mesmo acontece com a cultura de uma tribo africana. Acho fantástico imaginar essas duas abstrações entrando em contato e, por um ato de geração, produzindo uma terceira abstração. Há contato, mas é entre seres humanos, europeus e africanos, e ele se realiza dentro de uma disposição estrutural definida. Sabeis que em certos círculos antropológicos, a expressão "antropólogo evolucionista" é quase um termo injurioso. Contudo, ela é aplicada sem muita discriminação. Assim, Lewis Morgan é apontado como sendo evolucionista, se bem que rejeite a teoria da evolução orgânica e creia, em relação à sociedade, não na evolução, mas no progresso, que ele concebe como constante aperfeiçoamento material e moral da humanidade, desde os instrumentos da pedra bruta e a promiscuidade sexual até as máquinas a vapor e o casamento monogâmico de Rochester, Nova York. Mas, mesmo evolucionistas como Boas acreditam no progresso. Creio que é conveniente usar o termo "progresso" para indicar o processo pelo qual os seres humanos atingem maior controle sobre o ambiente físico, mediante o aumento do conhecimento, e o aprimoramento técnico, com as invenções e descobertas. Um dos mais recentes notáveis resultados do progresso é o modo como somos agora capazes de destruir, do ar, consideráveis porções de
Carecemos de tempo, nesta ocasião, para discutir a relação que existe entre o estudo da estrutura social e o estudo da cultura. Interessante tentativa para reunir os dois estudos é a que fez, no seu livro Naven , que vos recomendo, o senhor Gregory Bateson. Não procurei tratar a Antropologia Social como um todo e com todos os seus vários ramos e divisões. Esforcei-me somente para dar-vos uma idéia muito geral da espécie de estudo a que julguei cientificamente proveitoso consagrar parte considerável e sempre crescente de meu tempo e energia. A única recompensa que procurei, creio havê-Ia alcançado de certo modo − algo da espécie de penetração da natureza do mundo de que participamos, a qual só a paciente busca do método da ciência natural pode proporcionar.
Extraído de: PIERSON, Donald. 1970. Estudos de organização social – Tomo II: leituras de sociologia e antropologia social. São Paulo: Martins. p. 156-173.