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A PSICOLOGIA DAS LINHAS DO TEMPO. 1. 1 ______. Desde quando o tempo existe? O tempo é a insônia da eternidade. Mario Quintana.
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
ESTÁ NA HORA!? A PSICOLOGIA DAS LINHAS DO TEM PO (^1)
O tempo é a insônia da eternidade. Mario Quintana
Uma das coisas que gosto de fazer quando inicio um assunto é falar de histórias e falar da história. Eu me refiro a contar histórias, algumas experiências pessoais que têm a ver com o que estou narrando, e de contar a história. A história do que se relaciona com o que vamos estudar. Quando penso na história, no que nos antecedeu e em como chegamos ao que temos hoje, sinto-me mais próximo da fluidez e da presença do tempo na vida.
(^2) GEORGE VITTORIO SZENÉSZI
Às vezes penso que aprendi um pouco disso com meu pai. Ele foi um amante da História – e de Filosofia, de Teologia, de Biologia, sem falar da Mecânica e da Eletrônica. Era do tipo de pessoa que corrigia até enciclopédia. Um dia um amigo apareceu em nossa casa para vender uma – seu novo emprego. Meu pai folheou alguns volumes e abriu as páginas da história do Egito. Leu por alguns minutos e disse sem a menor cerimônia: “Aqui tem três erros”. O amigo, um português honesto e muito ético, anotou as observações de meu pai e levou-as à editora. Algum tempo depois a editora confirmou: os erros eram de fato erros. E então surgiu o segundo e inesperado problema. O amigo de meu pai ficou seriamente perturbado. Perdeu algumas preciosas noites de sono dividido entre seu lado ético e responsável e a necessidade de ter um emprego. Abominava a idéia de vender uma obra que continha erros. E eram erros sobre o passado. Com o tempo eu o compreendi. Era como alterar a árvore genealógica da humanidade. Não sei como ele resolveu aquilo, mas para mim uma técnica sem sua história é como alguém sem sua árvore genealógica – fica faltando parte de sua identidade.
Pensando sobre o tempo
A busca pela compreensão do tempo e pela idéia de se ter um meio que possa representar a experiência do desenrolar dos eventos não é recente. Aliás, nem um pouco recente. E sempre complexa. O tempo certamente é a dimensão menos compreendida da vida e falar sobre ele nos coloca diante de um dos maiores mistérios da natureza. De alguma forma totalmente presente, sempre totalmente presente, imerso e envolvendo a vida humana em todas as
(^4) GEORGE VITTORIO SZENÉSZI
horas e seus períodos de atividade e sono e suas variações de temperatura corporal, pressão sanguínea e atividade hormonal; está nos momentos de restauração, de alerta e de produtividade dos ciclos ultradianos^3. Está na linguagem dos tempos verbais, na idade das pessoas e vinculado à experiência dos relacionamentos, da rejeição e do ódio, do amor e da ternura. Está como organizador fundamental das atividades, na ordem social, nos transportes, nos custos de produtos e na prioridade de serviços; na avaliação de obras de arte e de obras da construção civil; na avaliação da aparência humana e na avaliação da saúde e de sua recuperação; nos planos para o futuro e nas atividades de amanhã; na valorização de uma peça de teatro pelo tempo em cartaz, na preparação para uma atividade esportiva e no esforço para alcançar a perfeição nos ensaios para um concerto. Está no poder pessoal – ser dono do próprio tempo – e no poder sobre outras pessoas – fazendo-as esperar, apressando-as, dizendo “tempo é dinheiro” ou oferecendo-o como mostra de dedicação ou como um presente^4. Está no momento da derrota e no êxtase da vitória. Está no arrependimento, na saudade, na ansiedade da espera e na paz da oração. Você está sempre envolvido e encharcado pelo tempo. O tempo penetra em toda rede cultural e em todo tecido social, em cada uma de suas células, em cada bit de informação de seus pensamentos e em cada onda de energia de suas emoções. E, mais do que estar presente, como dizia Kant, o tempo é “a condição formal a priori de todos os fenômenos”^5. Essa onipresença é desafiadora. Afinal, o que é o tempo? O que é esse meio que, mais que estar presente, parece abraçar e conter toda a vida em si? E por contê-la e
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ser dela indissociável, posso me perguntar – não seria ele mesmo a própria vida? A busca de sua definição começa abrindo um espaço para muitas idéias. Para o homem comum, o tempo é aquilo que o relógio e os calendários mostram, indicando sua posição num dia, mês ou ano, medindo a duração de eventos e quando cada um começa ou termina. Do ponto de vista científico, diz Roeckelein^6 que para um psicólogo o tempo é uma dimensão da consciência, a maneira pela qual ordenamos nossas experiências. Para um físico o tempo é uma das três quantidades básicas pela qual o universo é descrito em termos físicos (as outras são comprimento e massa). Para um filósofo o tempo é uma diversidade de muitas outras coisas. E ainda, comenta ele, entre todos esses eruditos, nenhum deles é capaz de ter uma definição satisfatória para o outro – ou mesmo para eles mesmos. Lembra Roeckelein que parte da dificuldade de se ter uma definição única é devida ao fato de que a entidade conhecida como tempo pode se referir a noções diferentes, ainda que de alguma forma relacionadas: uma é a noção de intervalo, que se refere à duração do tempo que, por exemplo, em termos físicos pode ser medido em dias e horas ou em tempos psicológicos pode ter extensão dependente do estado do sujeito. Outra noção se refere à época , que corresponde a determinada localização ao longo de um intervalo do tempo como, por exemplo, uma certa data ou um período como a.C. – antes de Cristo – ou a Renascença_._ Mas você pode ir mais longe se observar a diversidade de definições e acepções encontradas num dicionário. O Novo Dicionário Aurélio^7 fornece quinze definições para o verbete tempo :
“1.A sucessão dos anos, dos dias, das horas, etc., que envolve, para o homem, a noção de presente, passado e futuro. 2.Momento ou ocasião apropriada (ou
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homem desde muito cedo pensou em contar o tempo. Evoluímos das marcas nos ossos para os relógios de sol e de água, passamos pela ampulheta e pelos relógios com pesos, pêndulos e molas. A sofisticação e a tecnologia dos anos recentes deram origem aos relógios de quartzo que desde o final da década de 60 começaram a substituir os relógios mecânicos nos pulsos de cada um. E antes, a partir da década de 50, os relógios atômicos a césio, com sua precisão de um nanossegundo por dia, começaram a guiar os padrões internacionais de tempo^9. A busca pela contagem do tempo e de sua precisão às vezes contrasta com uma das experiências mais desconcertantes da ventura humana – a maneira com que pessoalmente experimentamos o tempo. Responda à pergunta: quanto tempo leva para você esperar por um minuto? Se você acha essa pergunta parecida com “qual o comprimento de uma corda de um metro?”, pense no seguinte: quanto tempo levou aquele minuto em que você, com seu coração batendo forte 100 vezes por minuto, esperou enquanto aguardava que ela (ou ele) dissesse se ia ou não sair com você naquela noite? E quanto tempo levou aquele minuto em que você estava animadamente conversando com ela (ou ele) duas horas depois da decisão de saírem juntos? Quantas vezes você já não notou que cada minuto dura um tempo diferente, dependendo do que você está fazendo? Quantas eternidades e quantas frações de segundo já não duraram os minutos da sua vida? Agora considere: se você está dormindo, para onde vai seu tempo? Não parece que ele desaparece? Você deixa de saber o que é o tempo desde o momento em que cessa seu encadeamento de idéias e você dorme, até o momento em que ele se reinicia quando você toma
(^8) GEORGE VITTORIO SZENÉSZI
consciência de que está acordando. Da mesma forma você não nota o tempo quando você está distraído fazendo algo, como seu passatempo favorito (não vem daí o nome de “passa tempo”?). O tempo só existe para você se você prestar atenção nele. É diferente de sua altura, que não muda se você prestar atenção nela. Você pode bater com a cabeça no umbral de uma porta se ela for mais baixa que você e se você não olhar para ela. Prestar atenção à sua altura não a diminui nem a aumenta. Já o grau de atenção que você dá ao tempo pode fazê-lo maior ou menor. Quanto mais imerso você está num momento, mais esse momento perde sua duração para você. O tempo pode passar alucinadamente quando você está totalmente envolvido ou não presta atenção nele – “puxa, nem vi o tempo passar!”. Por outro lado, quando você presta atenção nele o tempo pode se tornar lento, às vezes exasperantemente lento. E ele se estica incrivelmente quando você espera por algo... olhando para o relógio. Quando me tornei adulto comecei a notar algo estranho. E continuo notando cada vez mais à medida que a cada aniversário e a cada velinha a mais sobra menos espaço em cima do bolo. E é uma experiência universal: porque quando eu era criança o ano era muito mais longo do que os anos de hoje? Agora mal um ano começa e dali a pouco está terminando. Os trezentos e sessenta e cinco dias ainda estão valendo, as vinte e quatro horas permanecem, não ouvi nenhuma notícia de mudança nos movimentos de rotação e translação da Terra, mas o tempo é menor. Agora que eu presto mais atenção ao tempo do que quando criança, ele está mais
(^10) GEORGE VITTORIO SZENÉSZI
respeito da natureza do tempo, sua localização, sua medida, sua representação, sua experiência. Na filosofia, na antropologia, na sociologia e na psicologia há muito se discute o tempo, os eventos e como eles se relacionam. A intuição ou compreensão do tempo como uma seqüência, um intervalo, um movimento, um ambiente, uma linha, um processo – ou nada disso – , está instalada no pensamento da humanidade.
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Memórias e identidade
Pense no seguinte: uma parte considerável de você é uma larga coleção de memórias. Você possui um grande conjunto de fotos e filmes mentais que vem colecionando e interrelacionando desde antes de você ter a menor consciência de você ser você mesmo. E essas lembranças trazem, a cada dia, mensagens sobre quem você é e como você está no mundo. Há alguns anos eu estava ministrando um seminário sobre comunicação a um grupo de profissionais de uma empresa no litoral do Paraná. Estávamos num hotel e o seminário era um programa de três dias sobre elementos de comunicação e liderança gerencial. Um pouco de psicologia para gerentes. Uma das participantes era Cléia, jovem que há cerca de três anos vinha fazendo psicoterapia. Aquele era o terceiro ou quarto grupo da organização a participar do seminário, um programa que normalmente não produzia impactos emocionais profundos nos participantes. Mas com Cléia foi diferente. Seus três anos de psicoterapia tradicional
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haviam aberto uma série de questões pessoais e outra série de perguntas que ainda estavam sem respostas. E durante o seminário seus exercícios e testes de autodescoberta, os comentários e a teoria que eram trazidos foram fazendo um sentido especial para ela. Cléia conseguiu algumas respostas, obteve outros insights e criou novas dúvidas. O suficiente para que fosse ficando emocionalmente cada vez mais mexida até o sábado à noite, quando chegou em casa. O domingo não estava sendo dos mais felizes, com muitas questões rondando sua mente irrequieta. Às três da tarde Cléia resolveu dormir um pouco. Mas antes de dormir pensou “Quando eu acordar vou ser outra pessoa!”, uma resolução para que o sono fizesse seu trabalho de encontrar mais respostas, integrar as descobertas e acabar com aquela profunda inquietação interna. Às 18 horas ela acorda e olha para os lados. Não reconhece o local onde está. Pensa em si – e não sabe quem é. Quer se lembrar do que aconteceu antes de dormir e não consegue, seu passado está em branco. Ela agora é alguém que não sabe quem é e nem sabe onde está! Foi só aos poucos, nas quatro horas seguintes, que Cléia lentamente foi relembrando os fatos e recuperando a si mesma. Às 22 horas já tinha se reencontrado e reconstituído sua história. Ela era ela de novo. Quando três semanas depois Cléia me contou sua história, comentei: “Você decidiu ser outra pessoa e seu inconsciente simplesmente fez o que você pediu. Você só se esqueceu de um detalhe – decidir quem você gostaria de ser!” A teoria é que você sabe que você é você porque tem sua história armazenada no seu cérebro e de alguma forma em seu inconsciente. São as “contas de sensações” de William James, ligadas umas às outras, que dão a você a
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Notas
Santo Agostinho de Hipona, Confissões , XI, 14.
Edward T. Hall, The dance of life , (1989), p.230.
Ritmos ultradianos são ciclos contínuos ao longo do dia, programados geneticamente, de 90 a 120 minutos de atividade seguidos de 15 a 20 minutos de descanso. Veja Ernest L. Rossi (1991).
Veja um estudo sobre tempo e poder no jogo da espera em A geography of time , de Robert Levine (1997) p. 101-126.
Immanuel Kant, Critique de la raizon pure , “Esthétique trancendentale”, apud Comte-Sponville (2006) p. 23.
Roeckelein, Jon E. The concept of time in psychology: A resource book and annotated bibliography. Westport, CT: Greenwood, 2000, p.1.
Novo Dicionário Eletrônico Aurélio. Versão 5.0. Editora Positivo, 2004.
Veja uma interessante perspectiva apresentando nove tipos de tempo relógio que podemos viver trazida por Edward T. Hall em The dance of life (1989).
Veja History of the hour: Clocks and modern temporal orders, de Dohrn- van Rossum (1996) para uma história dos relógios e da contagem do tempo, das mudanças na consciência do tempo e do controle social através do uso do tempo. O tempo na história , de G. J. Whitrow (1993), nos apresenta a influência geral do tempo sobre a atitude mental e o modo de vida em diferentes eras e civilizações desde a pré-história.
Bergson, Henri Louis. O Pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 107.