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A Educação e a Formação Humana: A Importância da Razão e da Vida Ética na Filosofia Grega, Notas de aula de Ética

Este texto discute a importância da educação na formação humana, enfatizando a natureza humana racional e irracional, e a necessidade de desenvolver a razão para atingir a vida boa. O autor aborda a importância da filosofia grega, especialmente a nicomachean ethics e a politics, na compreensão da educação e da formação. Além disso, ele discute a natureza da escola e da formação cultural e ético-política, e a importância da vida política e da amizade na construção da comunidade.

O que você vai aprender

  • Qual é a importância da vida política e da amizade na construção de uma comunidade?
  • Como a filosofia grega enfatiza a necessidade de desenvolver a razão para atingir a vida boa?
  • Quais obras da filosofia grega discutem a natureza da educação e da formação?
  • O que é a paideía e como ela influencia a formação cultural e ética?
  • Qual é a importância da educação na formação humana, de acordo com a filosofia grega?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Vasco_da_Gama
Vasco_da_Gama 🇧🇷

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Luciene Maria Bastos
Escola em Aristóteles: instituição de formação
cultural e ético-política
Goiânia
2014
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Luciene Maria Bastos

Escola em Aristóteles: instituição de formação

cultural e ético-política

Goiânia

Luciene Maria Bastos

Escola em Aristóteles: instituição de formação

cultural e ético-política

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Educação. Orientador: Prof. Dr. Ildeu Moreira Coêlho Linha de Pesquisa: Fundamentos dos processos educativos

Goiânia

À Rachel, amiga de vida e de ofício, que semeou a ideia e participou da construção do projeto desse doutorado.

Impossível compor um poema a essa altura da [evolução da humanidade. Impossível escrever um poema – uma linha que seja [- de verdadeira poesia. O último trovador morreu em 1914. Tinha um nome de que ninguém se lembra mais. Há máquinas terrivelmente complicadas para as [necessidades mais simples. Se quer fumar um charuto aperte um botão. Paletós abotoam-se por eletricidade. Amor se faz pelo sem-fio. Não precisa estômago para digestão. Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta muito para atingirmos um nível razoável de cultura. Mas, até lá, felizmente, estarei morto. Os homens não melhoraram e matam-se como percevejos. Os percevejos heróicos renascem. Inabitável, o mundo é cada vez habitado. E se os olhos reaprendessem a chorar seria um [segundo dilúvio. (Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade

Existem três fatores para os homens se tornarem bons e íntegros: natureza, hábito e razão. Em primeiro lugar, é preciso nascer como ser humano e não qualquer outro animal; e, além disso, com uma certa qualidade de corpo e alma. Há qualidades que de nada servem à nascença porque os hábitos modificam-nas: a natureza fê-las capazes de serem modificadas, pela força do hábito, para melhor ou para pior. Os outros seres animados vivem por impulso natural, embora sejam tenuemente guiados pelo hábito. Mas o homem, para além da natureza e do hábito, é também guiado pela razão que só ele possui; por isso estes três fatores devem estar sintonizados. Muitas vezes os homens, com efeito, são levados a não seguir a natureza e o hábito, se a razão os persuade de que outro caminho é melhor. Definimos já, pois, que condições é necessário terem os cidadãos, para serem mais facilmente moldados pelo legislador. Tudo o mais diz respeito à educação; aprenderão em parte pelo hábito, em parte por instrução.

Aristóteles

Resumo

BASTOS, Luciene Maria_. Escola em Aristóteles:_ instituição de formação cultural e ético-política. 2014. 158f. Tese (Programa de Pós-Graduação em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2014.

Essa tese, desenvolvida na Linha de Pesquisa Fundamentos dos Processos Educativos, interroga a natureza, o sentido, a ideia, o ser mesmo da escola na formação do homem, questão que deve preceder e iluminar a discussão, a compreensão e a ação, a teoria e a práksis no ensino, na aprendizagem, na formação de professores e nas políticas públicas. Escola e formação, preocupadas sobretudo com a profissionalização técnica, o desenvolvimento de competências, a lógica da economia e do mercado, empobrecem a constituição do humano no homem, de sua dimensão ética. Este trabalho pensa, com a filosofia, as concepções e práticas próprias da escola como organização a serviço dos interesses econômicos dominantes na atual forma de sociedade. O esforço de compreender o sentido e a natureza da educação e da escola, inseparável da vida coletiva, da cultura e da formação, bem como de novos horizontes de pensamento e ação, segue as luzes da Grécia Antiga, em especial nos séculos V e IV a. C. Privilegia a grandeza e o rigor do Corpus Aristotelicum , em especial a Ética a Nicômaco e a Política, sua discussão da práksis, da areté, excelência, virtude moral, da eudaimonía, felicidade, da natureza política do ser humano, fundamental para se pensar o que é a educação, a formação e a escola. O texto está estruturado em três capítulos. O primeiro procura compreender as raízes gregas de nossa concepção de homem, de política, de vida coletiva e de educação, essenciais para se pensar e recriar a escola. Os gregos nos legam a razão política, o primado da vida em comum, consubstancializada pelos laços da philía , amizade, confirmados pelo olhar do outro. O cidadão se sente parte de um todo, ao participar efetivamente da vida pública, assumindo a responsabilidade pelo que é de todos e orientando suas escolhas e ações pela busca do bem comum. Esse modo de vida somente se edifica por meio da educação como paideía , formação cultural e ético- política com vistas na areté , modo excelente de vida. O segundo capítulo discute o homem como ser de lógos, a phrónesis como ato de pensar e deliberar sobre os costumes, as leis e os valores, orientando as decisões e escolhas no sentido da excelência. A finalidade da vida humana supõe a subsunção dos desejos e interesses à razão, e a busca da vida boa , animada pela justiça, pela liberdade, pelo bem comum. Formar o homem, o cidadão que verdadeiramente participa da vida coletiva, buscando sempre o bem comum não é desenvolver habilidades e competências, capacitá-lo para desempenhar funções e cumprir tarefas, ao contrário, é dar forma , atualizar sua autonomia e liberdade, visando à instituição da vida ética, moralmente virtuosa. O terceiro capítulo estuda a vida humana como inseparável da skholé , ócio, liberdade criativa, não premida pelas necessidades. Esse tempo é o fundamento ontológico da escola como instituição de formação do homem excelente, autônomo e livre, comprometido com a vida boa , a vida ética; e que não se deixa reduzir a centro de treinamento e de preparo para o trabalho, ministrando conteúdos supostamente úteis ao mundo da produção.

Palavras-chave: educação; escola; formação; bem comum; excelência, Grécia Antiga.

Sumário

  • Resumo
  • Abstract
  • Introdução
  • Capítulo
  • Antiga A educação, o homem e a vida em comum: o olhar da Grécia
  • Capítulo
  • Télos e formação para a excelência
  • Capítulo
  • Educação, cultura e formação: natureza e sentido da escola .....
  • Considerações finais
  • Referências de epígrafes
  • Referências

Introdução ______________________________________________________________________

Muito se tem falado e discutido sobre os problemas da educação, em geral reduzidos a problemas da escola, da universidade, do ensino, da avaliação da aprendizagem, da política educacional, da gestão da escola e dos sistemas de ensino e das reformas que nele deveriam ser feitas. Corremos, então, sérios riscos, e frequentemente é o que acontece, de nos deixarmos levar pelo quotidiano da escola e suas urgências que tanto nos preocupam, afligem e desgastam. [...] De tanto olharmos para a escola e seus intermináveis problemas, em geral, esquecemos que ela é parte de realidades mais amplas e significativas, de totalidades em movimentos, sem as quais ela perde seu sentido e sua razão de ser, torna-se estreita e pobre, em termos de educação, de cultura, de formação, de realização da existência humana. Coêlho

Desde o fim do século XIX, em razão do desenvolvimento científico e tecnológico, vivemos um período histórico caracterizado pelo crescimento do poder do progresso técnico sobre a vida humana. A produção e a informação globalizadas constituem o motor da atividade econômica e a globalização^1 aparece como revolucionária. A capacidade de produzir mais e melhor assume a feição de progresso, aparentemente ilimitado, prometendo a superação da fome, da miséria, do desemprego, da opressão, enfim, da desigualdade social. Nosso olhar é levado a fixar-se no saber científico conjugado à técnica que, aceleradamente, modifica as formas do viver humano com suas produções inovadoras. Ideologicamente o global passa a ser visto como se fosse abrangente e democratizante, gerando um sentimento de unidade, como se qualquer lugar do mundo fosse ligado aos outros. “Daí a ilusão de vivermos num mundo sem fronteiras, uma aldeia global. Na realidade, as relações chamadas globais são reservadas a um pequeno número de agentes, os grandes bancos e empresas

(^1) Segundo Milton Santos, a globalização é o estágio supremo da internacionalização, cume do processo de intercâmbio entre países envolvidos em todo tipo de troca: técnica, comercial, financeira e cultural. Este processo inicia-se nos séculos XVII e XVIII, período mercantil, expande-se com a industrialização, em fins do século XIX, e, agora, “adquire mais intensidade, mais amplitude e novas feições” (Cf. SANTOS, Milton. O país distorcido , p. 79).

oportunidades a serem ampliadas e aproveitadas nessa sociedade que eles consideram justa. O bom governo seria aquele que, sensível às tendências em curso, promove e garante suas oportunidades”.^6 Para isso, a sociedade incentiva, explícita e implicitamente, uma competição desmedida e desigual em que prevalecem os privilégios da minoria sobre o direito da maioria. O público e o privado se tornam esferas indistintas causando equívoco na compreensão, de um lado, da educação, da cultura e da saúde como esfera do direito, do público e, de outro, dos negócios e dos interesses como esfera do privado. Os valores sociais são dados pelo indivíduo, sendo sua vida regida pela instrumentalização e seu ser confundido com a eficiência do que faz, sua produtividade. Daí o trabalho ser a dimensão mais valorizada. A educação, a escola, a formação e o saber são reduzidos a mercadorias, transformados em capital humano, na lógica da competição e do comércio de bens e serviços. Com efeito, a globalização da economia e a mundialização da cultura têm implicações para a educação e a escola, em especial a imposição da formação do trabalhador flexível e polivalente. A escola assume os interesses e a lógica do mundo da produção, privilegiando o funcionamento, a gestão, a eficiência, a produtividade e os resultados. Com a crença de que deve estar consoante ao desenvolvimento da ciência e das novas tecnologias, ela defende o desenvolvimento das habilidades e competências exigidas por essas realidades. À medida que aparece como um fato, não há como ignorar a globalização; ser contrário é ingenuidade. Ingenuidade maior, entretanto, é cruzar os braços como se nada pudesse ser feito. Não se pode ignorar suas implicações e desafios. Afinal, como construir nossa identidade, nossa autonomia? Como edificar a ética, o bem comum, a democracia? Como a educação e a escola se inserem nesse processo? Mesmo diante de exigências, cada vez maiores, de que a escola seja uma organização eficiente na preparação para o trabalho, continua pertinente e necessária a pergunta: qual o sentido inerente da escola? A questão norteadora da presente pesquisa é a busca da natureza e do sentido da educação e da escola na formação do homem, no processo de humanização que transcende a hominização. Não há dúvidas de que uma formação centrada no âmbito profissional e técnico, aprisionada às finalidades práticas, utilitaristas e imediatas e aos interesses econômicos restringe e fragiliza as dimensões

(^6) COÊLHO, Ildeu M.; GUIMARÃES, Ged. Editorial. Inter-ação. Revista da Faculdade de Educação, UFG, v. 37, n. 2, jul./ dez./ 2012, p. 217.

essenciais do humano. O ensino e a formação, que antes se situavam em lugar privilegiado, constituindo a finalidade primeva da qual tudo mais derivava, passam a lugar secundário, e a profissionalização, na lógica das necessidades econômicas, assume posição central. Diferente de outros estudos que discutem questões específicas da escola como objetivos, funções, estrutura, processo de ensino, avaliação da aprendizagem, gestão, dentre outras, compreendendo que, embora importantes, essas questões são partes de realidades mais amplas, e entendendo que, para discutir questões específicas, é preciso previamente compreender a escola, esta tese interroga a ideia, o sentido e a natureza da escola, suas exigências e nexos constitutivos. Busca compreender o que é inerente a sua existência mesma, o que a constitui e a distingue de outras realidades, como conditio sine qua non para a discussão e encaminhamento de seus problemas e desafios. Em contraposição ao movimento de adaptação à atual lógica pragmática e instrumentalista, buscou-se ir além das aparências, do imediatismo e interrogar, com a filosofia, as ideias e as práticas ligadas à escola como organização a serviço dos interesses econômicos e tecnológicos da sociedade. Buscar apreender, pelo olhar da filosofia, a totalidade do ser é perguntar qual sua substância, sua natureza, seu sentido. Enquanto a ciência conhece , buscando a verdade dos fatos e processos, a filosofia pensa o ser, a essência, a natureza do real e do imaginário, o que muitas vezes não é visto nem dito, se faz exercício vivo do pensamento. Ao romper com as especulações naturalistas sobre a arkhé da phýsis, Sócrates inicia um novo saber, a sabedoria humana, tà anthropíne sophía, que transcende o sensível, o imediato, buscando alcançar o ser, o que é. Desde Sócrates, sobretudo, a filosofia é, ao mesmo tempo, discurso ligado a um modo de vida e modo de vida ligado a um discurso que se faz palavra viva ao se misturar à vida cotidiana; discurso e modo de vida que exige a conversão do homem ao ser, é diálogo entre mestres e discípulos numa vida comum em que os preceitos se fazem exemplos. Não se pode, então, separar a vida do filósofo de seu discurso, pois ele procura viver conforme seu discurso filosófico.^7 A filosofia exige rigor e lucidez do homem no exame de si mesmo em cada ato, indo além da opinião, da aparência, buscando o sentido, o fim e a gênese das questões essenciais da sociedade, da cultura, da educação, da formação, da escola, enfim, da

(^7) HADOT, Pierre. O que é filosofia antiga ?, p. 17- 21.

educação, a escola e o modo humano de viver junto, trazendo o rigor e a fecundidade do pensamento aristotélico para pensar a contemporaneidade, pensadores como Marilena Chauí, Hannah Arendt, Gilberto Dupas, Newton Duarte e Ildeu Coêlho são referências teóricas buscadas para traçar articulações com as questões atuais. A educação não se separa da vida como prática livre, vivência em comum, criação do modo de vida humano que se reinventa a cada dia na vida do grupo, da pólis e de cada um dos cidadãos e mesmo dos seres humanos. A educação existe sempre onde há seres humanos convivendo uns com os outros, e não apenas na escola, que também não é sua única forma. Quando a constituição de certos tipos de homens se torna problema a ser pensado, pois passa a ser menos prática cotidiana e menos comunitária, a educação se transforma em ensino, surgindo a escola. A prática de ensinar e aprender ganha espaços, tempos, regras, tipos de profissionais e técnicas pedagógicas próprias da escola.^10 Se a escola é uma particularidade da educação, somente pode ser pensada nesse todo. Embora tenha como objeto a escola, o trabalho não esquece que ela é parte de uma realidade mais ampla que teve uma forma excelente de sua realização na paideía grega, verdade histórica cuja grandeza está sempre aí a nos iluminar no pensamento e na ação. Para o grego da Antiguidade clássica a paideía não se separa da vida, das práticas em comum nos ginásios, nas palestras,^11 nas cerimônias, ritos, nos mitos cantados pelos aedos , assim como nas sessões na assembleia. Para esse povo, cultura, educação, civilização e formação fazem parte de um mesmo processo de constituição do homem excelente. Como prâksis, possibilidade a ser atualizada, a se tornar ato, permanente passagem do homem de potência a ato, de ser natural a cultural, de prisioneiro das paixões e desejos à autonomia e à liberdade, a educação supõe inteligência, razão e linguagem, pensamento que interroga e contesta a realidade instituída, tornando possível o surgimento do novo, de uma realidade constituinte e não constituída, pronta e acabada. Educar é trabalhar para realizar a autonomia, a liberdade, a humanidade no homem. Assim, a razão de ser da escola é confirmar a humanidade dos homens, num

(^10) BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação , p. 7- 35. (^11) A educação em Atenas, no período clássico, baseava-se na ginástica e na música, educação física e espiritual. A partir dos sete anos a criança recebia a educação física do paidotríbes, παιδοτρίβης, em campos de jogos denominados “palestras”, παλαίστρα (onde, algumas vezes, também aprendiam a tocar cítara e flauta), depois passavam para os “ginásios”, lugares mantidos pela cidade, onde se praticava exercícios de salto, corrida, luta, dardo e disco (Cf. MARROU, Henri- Irénée. História da educação na Antiguidade , p. 75).

movimento permanente entre o instituído e o instituinte, formando seres autônomos e livres, homens que questionem as ideias, os conceitos, os argumentos que se tornaram ideologias incontestes, o que leem, a prática, a experiência, a realidade, inventando o mundo das coisas e dos homens, o que é substancialmente diferente de naturalizar a vivência, observando o mundo funcionar. Para que os homens possam pensar e criar a existência da vida boa , coletiva e pessoal, precisam ser iniciados na cultura, saber ler e escrever articulando as ideias a partir da compreensão do sentido dos termos, dos argumentos, sem esquecer-se das questões fundamentais das ciências, das artes, da linguagem, da tecnologia e da filosofia. Formar o homem excelente é o que se espera da educação e da escola, à luz do legado ético-político da Grécia Antiga. A elas cabe realizar no homem o mais elevado ideal de humanização, que não se conjuga com a exploração do homem pelo homem, com a injustiça, a desigualdade, o consumo exacerbado. Michel Freitag distingue a instituição social da organização social afirmando que as duas têm naturezas diferentes.^12 A primeira tem sua referência na própria sociedade, se define pela universalidade numa criação permanente dos princípios, valores e leis legitimados pela coletividade num processo histórico instituinte. Daí serem inerentes à instituição as contradições próprias da divisão social e política. Ao passo que a segunda tem a si mesma como referência, pertence à lógica da adaptação, prioriza os meios visando a atingir um objetivo particular, daí se definir pela instrumentalidade, funcionalidade e eficiência. A partir da distinção feita por Freitag, Chauí demonstra a transformação da instituição social em organização social no âmbito da escola, especificamente, da universidade.^13 Pensando nessa perspectiva, é possível compreender que, no contexto contemporâneo, ao incorporar as ideias, valores e práticas próprias ao mundo da produção e do consumo, a escola se reduz a uma organização , assim como a fábrica e a empresa. Como organização, prioriza a socialização do saber, sobretudo o científico, e das informações, visando à preparação para o trabalho e, como resultado, o sucesso na acumulação de bens e poder, entendido como felicidade. O objetivo é que, da educação infantil à pós-graduação, se transmita às novas gerações os produtos da ciência, da tecnologia, das letras, das artes, da

(^12) FREITAG, Michel apud COÊLHO, Ildeu M. Qual o sentido da escola ?, p. 61-71. (^13) CHAUÍ, Marilena de Souza. Escritos sobre a universidade , p. 184-193.

o bom e belo nas inúmeras criações humanas, em benefício do tempo acelerado da produção, da eficiência própria dos negócios. Aceitar a escola como organização que objetiva transmitir e socializar o saber historicamente acumulado e sistematizado, preparando os alunos para o mundo do trabalho, é retirar sua autonomia, aprisioná-la aos ditames do mercado de trabalho; enfim, empobrecê-la e limitá-la, destruindo seu sentido. Sua finalidade é mais ampla. O que justifica a existência da escola é a formação, intencional e sistemática, de sujeitos da cultura , homens que apreendam o saber como criação historicamente situada, seus pressupostos e implicações. Como instituição que interroga a existência das coisas naturais e humanas, a escola realiza o saber como realidade viva a provocar a inteligência humana no trabalho de compreensão das ideias, conceitos, concepções e práticas dadas como perenes e indiscutíveis. Nela, o trabalho pedagógico supõe a iniciação rigorosa e crítica ao mundo da cultura, das criações humanas, ao interrogar as realidades física e humana: o que é a natureza, o homem, a democracia, a igualdade, a excelência humana, o trabalho, o progresso e a felicidade? A tese está dividida em três capítulos. No primeiro, intitulado A educação, o homem e a vida em comum: o olhar da Grécia Antiga , buscou-se contextualizar a Grécia na Antiguidade clássica, mostrando o modo de vida grego. Ao investigar o sentido da educação e da escola na contemporaneidade, voltando o olhar para a paideía grega, não se procura um modelo estático a ser imitado, como se fosse um absoluto, mas pretende-se compreender as raízes de nossa concepção de educação, formação e escola, os pressupostos, as exigências e as implicações da formação excelente, no trabalho de pensar e recriar a escola e a formação nos dias atuais. A ideia é volver o olhar para a paideía grega, compreender as lições do passado abrindo novas perspectivas de compreensão, questionamento e ação no mundo da educação, da cultura, da formação e da escola, buscando uma forma melhor de vida coletiva. A consciência dessa busca é o que constitui sua fertilidade e atualidade. Na Grécia Antiga encontramos o “gérmen” da civilização e do pensamento ocidental, das formas de apreensão do mundo e de existência humana. O povo grego criou, então, a paideía como educação e formação para a vida em comum, a vida pública, mais digna e merecedora de maiores cuidados do que a vida privada. A ideia é cuidar do bem comum que se alicerça na relação de amizade, cujo cerne é o sentimento de que cada homem individualmente se realiza pelos olhos do outro. O ideal de uma pólis justa e excelente não se separa da

formação do homem justo e excelente e da educação que se perfaz como caminho para a perfeição. A paideía tem, pois, como finalidade formar o homem virtuoso, excelente, que participa da constituição da boa politeía , da cidade fundada na amizade, no equilíbrio, na isonomia, na isegoría e na justiça. Essa formação se inicia com o conhecimento do mundo, das coisas, do homem e da vida em comum; passa pelo domínio do que há de bárbaro em cada um e na relação com os outros, com vistas na atualização das possibilidades desse ser de lógos , razão, de palavra, de pensamento e de ação nas dimensões da política, da ética, caráter, da moral, costumes, da excelência na pólis. O que existia na Grécia Antiga, e os modernos perderam, é a consciência dos valores essenciais à vida política, à vida coletiva; a preocupação com a formação ampla do homem, a formação do homem político. A vida dos indivíduos, em especial a vida coletiva está relacionada à formação de determinado tipo de homem e de sociedade. Daí que, para discutir o sentido da escola, buscou-se compreender o que é o homem, sua razão de ser, sua finalidade intrínseca, o que faz a vida ser humana, coletiva , e não apenas social, pois o que nos une não é um simples instinto gregário. Aristóteles insiste que a vida em comunidade implica atitude política em sentido forte, compreensão do bem e do mal para o homem, do que é melhor para a coletividade, bem como agir visando à coisa pública , o que é de todos, o direito, o princípio e a prática da responsabilidade inerente à instituição social. Assim, a educação e a escola centradas na formação profissionalizante, tendendo a buscar cursos rápidos e condensados, preocupados sobretudo com a parte técnica, exigência da atual etapa da produção capitalista, são próprias da sociedade e do homem atuais que têm no trabalho, no prazer imediato e no consumo de mercadorias seu bem maior, sendo a felicidade entendida como ter e consumir, questão essa discutida no segundo capítulo, Télos e formação para a excelência. Sendo o homem um ser composto de corpo e alma, matéria e forma, e sua alma constituída de racionalidade e irracionalidade, ele é um ser que está sempre em conflito. Sendo ao mesmo tempo um ser natural e, portanto, submetido às necessidades físicas e biológicas, às sensações e desejos, e um ser racional que transcende a animalidade, os instintos, alçando-se ao plano espiritual do pensamento, da razão, a contradição e a ambiguidade são próprias do homem e determinantes da complexidade do ato ético, cuja condição reside na orientação do desejo pela razão e não em sua absoluta negação. A excelência no humano é complexa e contraditória, envolve a luta diária e permanente para educar os