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Este artigo busca distinguir o dispositivo escolar hegemônico na modernidade do que é hegemônico na contemporaneidade. Enquanto o primeiro era indissociável da ressurreição da política nos tempos modernos, o segundo é do declínio da política e da consequente ascensão da tecnoburocracia e da tecnociência nas últimas décadas do século xx. O objetivo é desimbolizar a escola, adaptando-a aos imperativos da tecnoburocracia e do mercado em termos aparentemente democráticos.
Tipologia: Trabalhos
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Douglas Emiliano Batista Resumo. Este artigo procura distinguir o dispositivo escolar que foi hegemônico na modernidade daquele que é hegemônico na contemporaneidade: enquanto o primeiro era indissociável do ressurgimento da política nos primórdios dos tempos modernos, o segundo o é do declínio da política – e da consequente ascensão da tecnoburocracia e da tecnociência – nas últimas décadas do século XX. Nesses termos, o dispositivo escolar hegemônico na contemporaneidade vem sendo consumido para melhor se consumar, o que significa que a escola admitida hoje como ideal é a que se faz onipresente (consumada) na proporção em que é também radicalmente desescolarizada (consumida). Trata-se de dessimbolizar a escola (no que concerne, por exemplo, à transferência do aluno ao professor) para adequá-la aos imperativos visados pela tecnoburocracia e pelo mercado nos termos aparentemente democráticos do gozo de uma inclusão total. Desse modo, o dispositivo escolar acaba sendo consumido e consumado na medida em que seu objetivo já não é tanto formar sujeitos e cidadãos do Estado- Nação, mas conformar indivíduos e consumidores de um mundo global. Palavras-chave: dispositivo escolar moderno; dispositivo escolar contemporâneo; declínio da política; dessimbolização da escola contemporânea.
ver, que se considere uma distinção basilar. É preciso distinguir o dispositivo escolar hegemônico na contemporaneidade, que se tornou prevalente desde as últimas décadas do século XX e cuja lógica tem se acirrado ao longo do tempo, e o dispositivo escolar que foi hegemônico na modernidade, na segunda metade do século XIX e primeiras décadas do XX. Em outras palavras, é imprescindível diferenciar, por um lado, o dispositivo escolar contemporâneo, que vem sendo consumado e consumido desde o final do século XX e, por outro, o moderno, dispositivo que foi universalizado em inúmeros países (muito embora não no Brasil) no avançado século XIX e início do XX 2. Em suma, distinguir a escola contemporânea (ou escola da modernidade tardia) e a moderna (ou Escola da República) é muito relevante pela seguinte razão: enquanto a contemporânea (con)forma primordialmente indivíduos e consumidores globais, a moderna
formava primordialmente sujeitos e cidadãos do Estado-Nação, tal como se pode depreender a partir de Dufour (2005). Ou mais especificamente: a escola contemporânea é tributária, talvez sobretudo, do declínio da política e da consequente ascensão da tecnoburocracia e da tecnociência na segunda metade do século XX. Já a escola universal, aquela moderna ou republicana, foi tributária da elevação da política a uma nova dignidade no século XVIII (o século das revoluções), ou sob outra perspectiva, tal escola foi tributária até mesmo do ressurgimento da política ainda no Renascimento, como ensina Claude Lefort (1999). Com base em tal diferenciação, eu pretendo agora abordar alguns aspectos da escola contemporânea. A meu ver, o dispositivo escolar hegemônico na contemporaneidade é consumido e consumado (ou que vem se consumando e se consumindo desde o final do século XX, como já referido). E tanto é assim que se espera hoje em dia da escola que ela seja integral, porém desconstruída (consumada e consumida). Isto é, espera-se que ela opere em regime de tempo integral, mas conquanto seja radicalmente desconstruída. Em outros termos, espera-se que a escola de hoje seja onipresente (com a ajuda da internet), mas desde que ela seja também profundamente desescolarizada (consumação e consumição). Como se observa, a escola contemporânea porta as marcas sintomático-sociais da miséria neurótica, uma vez que conjuga sem mais a onipotência da consumação e a impotência da consumição. Eis que a escola consumida e consumada se encontra extraordinariamente idealizada, imaginarizada. E em função disso, tudo se espera hoje da escola, mas conquanto ela se converta numa antiescola. Todavia, quando tudo se espera da educação, talvez nada ou quase nada se espera da política. Nesse sentido, pode-se afirmar que a idealização da escola contemporânea talvez derive fundamentalmente da declinação da polis. Com vistas a ilustrar essa tese, eu gostaria de analisar um pequeno excerto do artigo de Cláudia Costin (2017) que foi publicado na Folha de S.Paulo recentemente: “num país cada
instituído. Mas se trata, por outro lado, do pesadelo consumado daqueles que prezam a formação escolar pública. Em face disso, talvez valha a pena relembrar aqui o alerta já dado por Dufour (2005): desterritorializar a escola é fazer o jogo da economia neoliberal. Retomando o fio da meada, creio que seja bem razoável asseverar que a idealização da escola contemporânea decorre então do Real do declínio da polis no avançar do século XX. Entretanto, talvez se possa inferir ainda que tal idealização decorre também de uma frustração imaginária em torno da vida adulta em geral (e da vida adulta na polis em particular). Quanto ao Real do declínio da política desde a segunda metade do século XX, ele é indissociável da ascensão da tecnoburocracia e da tecnociência 4. A tecnoburocracia implica, pois, a anulação da política. E isso ocorre precisamente porque a poiesis tecnoburocrática e tecnocientífica consome a práxis política. Ou seja, as decisões políticas passam a ser tomadas primordialmente por especialistas, tecnocratas e tecnocientistas, em detrimento dos debates públicos e da persuasão política entre adultos (isto é, entre cidadãos formados). Entretanto, é preciso aqui destacar que, enquanto a política esteve libidinalmente investida na modernidade (desde pelo menos o final do século XVIII até meados do século XX), a práxis pública fez contrapeso à tecnoburocracia, ao cientificismo e até ao mercado, contrapeso esse que foi arrefecido na contemporaneidade e que, no mais, acabou conferindo a esta última um caráter monolítico, monocromático; e isso enquanto a modernidade, talvez, tenha sido mais ambivalente ou dialética (em decorrência da própria Dialética do Esclarecimento que a estruturava). De mais a mais, uma vez que a polis declinou e a tecnoburocracia e a tecnociência ascenderam na segunda metade do século XX, não é então de surpreender que a escola contemporânea tenha sido tomada por imperativos tecnoburocráticos, tecnocientíficos e até mesmo neoliberais. Não é tampouco de surpreender que ela esteja tão imaginarizada (isto é,
que ela vise o todo, a massa, a plena unidade social, como se verá melhor na sequência). Em síntese quanto a esse ponto: No que toca ao Real, o adulto contemporâneo inconscientemente pretende sanear o impossível da política (ainda que esta esteja declinada) por meio da educação (educação que, por óbvio, também é da ordem do impossível). E por isso, resta convocar os tecnocratas, os tecnocientistas e os impostores de plantão para supostamente sanear o impossível da educação (o que implica, assim, uma espécie de impossibilidade ao quadrado). No que toca ao Imaginário, pode-se afirmar que quando a política passou a ser vivida no registro da impotência, a educação passou então a ser vivida no registro da onipotência. E daí, portanto, que a escola contemporânea deva pretensamente se consumar na onipotência. E ela se consuma gozando de uma pretensa inclusão do todo, de uma inclusão sem limites, sem exceções. Essa escola visa, pois, o todo das crianças, o todo dos jovens e, tendencialmente, até o todo social… desde os bebês à terceira idade. Nesse sentido, tem-se hoje uma escola amplamente desescolarizada, mas uma sociedade extremamente escolarizada! E uma sociedade escolarizada só pode ser infantilizada em função da renúncia adulta à política. Eis que estamos mesmo no tempo da criança generalizada, da criança pública. Mas por outro lado, decorre desse gozo (de uma suposta inclusão total) que a escola deva se consumir na impotência. Afinal, para que pretensamente inclua o todo, a escola deve ser desconstruída, desescolarizada, deve se converter numa antiescola etc. Em suma: a escola deve ser consumida para melhor se consumar , e isso porque ela não poderia supostamente incluir o todo sendo tradicional ou republicana , dado que esta não visava primordialmente o todo (como se verá à frente). E disso resulta, pois, que a escola contemporânea deva se submeter à injunção superegoica de pretensamente inovar, inovar e inovar (a fim, é claro, de que o todo supostamente caiba no interior da escola). Um ponto importante quanto à consumição da escola contemporânea é que ela é exatamente o que torna a escola incestuosa. Afinal, para consumir a escola é imprescindível: a. horizontalizar a dita relação professor e aluno ou dessimbolizar o laço transferencial entre professor e aluno;
da escola contemporânea (o que implica, por seu turno, que o desejo de universalização da escola moderna diferia do gozo da consumação da escola em nossos dias). Nesse sentido, a universalização da escola moderna visava todos, em vez de visar primordialmente o todo. Isto é, a universalização visava o coletivo ou a pluralidade mais do que a massa homogeneizada 5. E tanto era assim que a escola moderna não gozava de uma pretensa inclusão total. Ou em outros termos, o desejo de universalização da escola era pautado por um ideal simbólico, uma vez que se tratava de um ideal consciente ou inconscientemente reconhecido como inalcançável (e, portanto, referido inconscientemente à castração), sendo ainda que era sob essa condição que ele balizava os esforços políticos concretos em torno da ampliação da oferta escolar na modernidade. De fato, o ideário simbólico moderno possuía sua cota de eficácia simbólica. E pode-se mostrar isso também das seguintes maneiras: a. Segundo dados estatísticos referidos por Carlota Boto (2001), em 1850 a Suécia, um país reformado e pouco industrializado, possuía uma taxa de analfabetismo da ordem de 10%; já a Prússia, nação mais industrializada que a Suécia, possuía 20% de analfabetismo; e a Inglaterra, país extremamente industrializado, possuía uma taxa de analfabetismo de pouco mais de 30%. Ora, como se vê a partir desses dados elementares, não há relação causal (frise-se: causal) entre industrialização e baixo índice de analfabetismo (índice que, por sua vez, se encontra intimamente relacionado ao nível de escolarização de um país ou Estado- Nação). Bem, se a Suécia, poucas décadas mais tarde, seria ademais o primeiro país europeu a debelar o analfabetismo (mesmo não tendo a referida nação se tornado um líder da Revolução Industrial), isso então indica que o feito educacional em questão dependeu do desejo político de universalizar a escola, ou seja, dependeu da ação política por parte dos cidadãos de uma polis , decisão que se desdobrou a partir da constituição de um Estado- Nação moderno. Em outras palavras, a escolarização decorreu do projeto moderno de vida na polis mais do que dos ditos avanços do mercado à época. Ora, esse dado é, no mínimo,
muito relevante quando se aborda aquilo que é designado, a partir de Lacan, como discurso do capitalista. Isto é, em tempos modernos a política fazia um justo contrapeso ao mercado. Já na modernidade-tardia não é bem assim, desafortunadamente. b. Ainda quanto à eficácia simbólica do ideário moderno, pode-se afirmar que os países que aprofundaram sua experiência política e republicana no século XX são exatamente aqueles que hoje conseguem blindar – até certo ponto, é claro – seus sistemas escolares públicos em face da tecnoburocratização e até mesmo da consumição neoliberal. Bem, infelizmente esse não é o caso do Brasil. Por aqui, nós nos tornamos pós-modernos sem termos sido modernos. E por isso os efeitos da consumação e consumição da escola são em geral muito mais graves. Em outros termos, nossa escola é pós-moderna porque nós somos arcaicos (cf. Calligaris, 1993). Nós supostamente inovamos a escola o tempo todo justamente para que nada de fato se transforme no cenário educacional (e até mesmo no cenário político). Ainda quanto à inclusão não toda por parte da universalização moderna, o ingresso do jovem Freud, aos 9 anos de idade, em uma escola pública vienense constituiu um exemplo significante. Como se sabe, Freud era um rapaz judeu e sem maiores recursos financeiros quando ingressou na escola, em 1865. Em Sobre a psicologia do colegial (1914/2012), o psicanalista retrata a escola pública, na qual estudou até os 17 anos; e em tal artigo Freud também afirmou, tal como é notório, que “... para muitos de nós [alunos] o caminho do saber passava inevitavelmente pelas pessoas dos professores” (p. 420). Ora, esse enunciado equivale a asseverar que nesse dispositivo escolar moderno havia ensino de conhecimentos públicos e, mais ainda, havia lugar para a enunciação do professor, isto é, para a emergência do sujeito 7. Ademais, isso implicava, como não poderia ser diferente, uma inclusão não toda, afinal “Vários [alunos] se detiveram na metade desse caminho, e para alguns
posto que seus professores não se encontravam privados de ensino e de enunciação). E isso equivale a afirmar, decerto, que a escola moderna, no final das contas, não visava propriamente salvar o mundo , mas sim introduzir as crianças e os jovens no mundo (introdução que serve de condição para que estes processualmente mudem sua posição discursiva: de cidadãos em formação para cidadãos formados) 8. Enfim, o que essa reflexão sobre os dispositivos escolares talvez no lembre é, sobretudo, que a dignidade da escola somente será reconhecida na proporção de sua desidealização. Todavia, que a escola não rode assim tão bem – não por impotência, mas por impossibilidade –, é tudo aquilo de que, na contemporaneidade, nada se quer saber no que toca à educação. Daí, é claro, a hegemonia da miséria neurótica por meio da qual a escola contemporânea é consumida para, supostamente, melhor se consumar. Referências Arendt, H. (2000). Entre o passado e o futuro (M. W. Barbosa, trad.). São Paulo, SP: Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1954) Boto, C. (2001). A moderna escola do Estado-Nação: templo da República e da cidadania. Revista Mackenzie de Educação, Arte e História da Cultura, 1(1), 55-64. Calligaris, C. (1993). À escuta do sintoma social. Anuário Brasileiro de Psicanálise, 1(1), 11-22. Costin, C. (2017, 20 de novembro). Educação e eleições formando cidadãos competentes para o século