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Guias e Dicas
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Religião e Medicina Popular em São Luiz do Paraitinga: Análise da Cultura, Resumos de Cultura

Este documento permite analisar a crença na benzeção como expressão da cultura popular e forma essencial do imaginário de grupos específicos. A pesquisa explora a relação entre a benzeção e o catolicismo popular, medicina popular, e a participação do estado na regulação dessas práticas. O texto utiliza pesquisas de autores como xidieh (1967), bethencourt (2004), e araújo (1958) para contextualizar a benzeção em portugal e brasil.

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

A_Santos
A_Santos 🇧🇷

4.4

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ELEN CRISTINA DIAS DE MOURA
ENTRE RAMOS E REZAS: O RITUAL DE BENZEÇÃO EM SÃO LUIZ
DO PARAITINGA, DE 1950 A 2008
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ELEN CRISTINA DIAS DE MOURA

ENTRE RAMOS E REZAS: O RITUAL DE BENZEÇÃO EM SÃO LUIZ

DO PARAITINGA, DE 1950 A 2008

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

SÃO PAULO

ELEN CRISTINA DIAS DE MOURA

Entre ramos e rezas: o ritual de benzeção em São Luiz do Paraitinga, de

1950 a 2008.

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Mestre

em Ciências da Religião, sob a

orientação da Profª Drª Maria José F.

Rosado Nunes

São Paulo 2009

À minha falecida avó Adelaide, que inspirou essa pesquisa sobre o ritual de benzeção. Aos meus amados pais, André (in memorian) e Maria do Carmo, que me ensinaram as lições mais belas sobre a vida.

AGRADECIMENTOS

A pesquisa acadêmica quase sempre é uma jornada árdua e solitária, no entanto, o apoio, o carinho e o auxílio de determinadas pessoas, contribuem para que ela se torne uma realização.

Para não cometer injustiças, gostaria de agradecer a todas as pessoas que estiveram ao meu lado e contribuíram para a concretização dessa pesquisa: família, companheiro e amigos (as).

Aos meus pais, pelo apoio e confiança em minha capacidade. Às minhas irmãs Lúcia, Sônia, Sandra, Tânia e Veridiana pelo apoio incondicional.

Em especial, ao meu irmão Paulo, que enriqueceu o trabalho com suas observações e correções.

Ao meu companheiro Bruno que esteve ao meu lado enquanto pesquisava, estudava e escrevia.

Um agradecimento especial à professora Maria José F. Rosado-Nunes por ter orientado meu trabalho, mostrando-me os caminhos da pesquisa científica.

Aos professores do Departamento de Ciências da Religião da PUC-SP, que muito me ensinaram e contribuíram para o meu aprimoramento como pesquisadora.

Aos professores Silas Guerriero e Elda Rizzo de Oliveira, que participaram da banca de qualificação e forneceram importantes encaminhamentos para este estudo.

À Maria Isabel, pelas muitas conversas amigas. Às amizades que fiz nesses dois anos como aluna da pós-graduação. Aos benzedeiros e benzedeiras de São Luiz do Paraitinga que abriram as portas de suas intimidades para que essa pesquisa fosse realizada.

Aos moradores de São Luiz do Paraitinga que me acolheram e disponibilizaram as informações necessárias para os objetivos desse trabalho.

À CAPES, por ter concedido o auxílio de bolsa flexibilizada que tornou possíveis esses dois anos de pesquisa na PUC-SP.

ABSTRACT

The dissertation “Between Ramos and Prayers: blessing practice in São Luiz do Paraitinga, from 1950 to 2008” is the result of a two year research performed in the city of São Luiz do Paraitinga on blessing ritual. Our goal was to study this popular form of cure to check the transmission resources, the ruptures and the continuities in the ritual along time and the relation established among faith healers and the local priests.

By following the everyday routine of Catholic communities in cities of little and average size, we verify the men and women effective participation involved in religious practices of not official blessings. They are faith healers, people with a special power, able to control the forces able to cause physical, emotional and spiritual unbalances. By means of blessings, they guarantee the operation of the wished normality, breaking itself with the threatening unbalance of the existence. In spite of being to the process margin of the institutionalized religion, faith healers occupy highlight role and enjoy of certain authority in their communities.

By talking about blessing ritual, we intend to contribute for the manifestations comprehension of the popular culture in a contemporary context. It is a research on the people and their manifestations, that is, of common people that bring in the everyday experiences an adaptation context to the lived reality.

Concerning methodology, we employ magician's and priest concepts developed by Weber (1999), and of religious field, formulated by Bourdieu (2007), to explain the relation established among faith healers and the local priests. The information collection was made by means of the field research with some city inhabitants, besides priests and faith healers. To analyze the interviews content, we used the resources offered by the content analysis method.

Key words: faith healers, priests, popular culture, popular catholicism.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13

Capítulo I BENTO OU BENZIDO: ETIMOLOGIA, CONCEITOS E DEFINIÇÕES ..................... 24

  1. Benção, bem dizer, benzer: clareando o significado. ........................................ 24
  2. Benzer: nas teias do ritual ................................................................................. 30 2.1. Eu te benzo, eu te livro, eu te curo: o poder das orações. .......................... 34 2.2. A linguagem dos objetos ............................................................................. 37 2.3. Os males e a cura ....................................................................................... 42 2.4. A transmissão do dom................................................................................. 44
  3. Cultura popular e religião .................................................................................. 46
  4. A benzeção, uma manifestação do catolicismo popular .................................... 49
  5. Benzeção: aproximações e distanciamentos entre a Medicina popular e a medicina erudita. ................................................................................................... 53 Capítulo II SALUDADORES, BENZEDEIROS E BENZEDEIRAS: A CONSTRUÇÃO DO RITUAL AO LONGO DA HISTÓRIA. ...................................................................................... 57
  6. A prática de benzeção: da metrópole à colônia ................................................ 57
  7. Mentalidade medieval: um palco entre o bem e o mal ....................................... 58
  8. De saludadores a benzedeiros(as): a trajetória da benzeção nos processos inquisitoriais em Portugal, a partir da obra de Francisco Bethencourt ................... 64
  9. Degredados, escravos e nativos: a benzeção na colônia .................................. 74
  10. Médicas sem diploma: a atuação de parteiras, curandeiras, benzedeiras na colônia, entre os séculos XVI e XVII. ..................................................................... 84
  11. Séculos XIX e XX: curandeiros, médicos, charlatões e novas terapias ............. 88 Capítulo III SÃO LUIZ DO PARAITINGA: UM VALE DE BÊNÇÃOS ........................................... 96
  12. Origem e formação da cidade............................................................................ 96
  13. São Luiz do Paraitinga sob o olhar de Alceu Maynard de Araújo .................... 107
  14. Os caminhos da benzeção: reconstrução da prática de benzeção nos últimos anos. .................................................................................................................... 132 Capítulo IV

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Evolução da população rural, urbana e rural em São Luiz do Paraitinga, de 1950 a 2000. ........................................................................................................ 106 Tabela 2: Imagens constantes no livro de Araújo (1958 ......................................... 115 Tabela 3: Benzedeiros citados por Araújo (1958): indicadores sociais ................... 133 Tabela 4: Benzedeiros citados por Araújo (1958): dados sobre o ritual .................. 133 Tabela 5: Benzedeiros(as) atuantes na década de 50, identificados a partir da pesquisa de campo com antigos moradores: indicadores sociais ....................... 136 Tabela 6: Benzedeiros/benzedeiras que não foram citados por Araújo (1958): dados sobre o ritual ........................................................................................................ 137 Tabela 7: Benzedeiros/benzedeiras antigos: indicadores sociais. .......................... 138 Tabela 8: Benzedeiros(as) antigos(as): dados sobre a religião, o ritual e a transmissão do dom............................................................................................. 139 Tabela 9: Benzedeiros e benzedeira antigos que transmitiram o dom .................... 141 Tabela 10: População residente por religião em São Luiz do Paraitinga (1991-2000). ............................................................................................................................. 156 Tabela 11: Benzedor e benzedeiras atuais: dados gerais (sexo, cor, estado civil, filhos e grau de alfabetização) ............................................................................. 160 Tabela 12: Benzedor e benzedeiras atuais: dados sobre os locais de residência atual, local de profissionalização religiosa e local de origem. .............................. 160 Tabela 13: Benzedor e benzedeiras atuais: dados profissionais............................. 162 Tabela 14 - Benzedor e benzedeiras atuais: dados sobre religião .......................... 163 Tabela 15: A relação entre o benzedeiro e as benzedeiras atuais com os sacerdotes católicos. .............................................................................................................. 164 Tabela 16 - Benzedeiro e benzedeiras atuais: dados sobre o ritual. ....................... 165 Tabela 17 - Benzedeiro e benzedeiras atuais: dados sobre a religião, o ritual e a transmissão do dom............................................................................................. 166

Figura 3 - DZ, benzedeira em São Luiz do Paraitinga, segurando um terço de capiá

  • LUÍS DO PARAITINGA.
    • São Luiz do Paraitinga. 1. O popular e o oficial: a relação entre padres, benzedeiros e benzedeiras em
      1. Campo religioso em São Luiz do Paraitinga
      1. Benzedeiros e benzedeiras: representantes do catolicismo popular.
      1. Padres: os representantes do catolicismo oficial.
      1. A relação entre padres e os(as) benzedeiros(as) em São Luiz do Paraitinga.
  • CONSIDERAÇÕES FINAIS
  • ANEXOS
    • ANEXO A
    • São Luiz do Paraitinga Questionário para coleta de dados sobre os(as) antigos(as) benzedeiros(as) em
    • ANEXO B
    • Roteiro de questões feitas: benzedeiros/benzedeiras e padres
    • ANEXO C.............................................................................................................
    • Perfis: benzedeiro e benzedeiras atuais
  • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
  • Figura 1 - DZ, benzendo uma criança LISTA DE ILUSTRAÇÕES
  • Figura 2 - Sementes de capiá
  • Figura 4 - DV segurando o terço, ao lado da Bandeira do Divino
  • Figura 5 - DR ao lado do altar e da Bandeira do Divino
  • Figura 6 - Poejo, utilizado para cólica infantil
  • Figura 7- Carqueja, bom para males do fígado
  • Figura 8 - A Redenção de Cã, 1895. Modesto Brocos.
  • Figura 9 - Fachadas de Casas em São Luiz do Paraitinga
  • Figura 10 - Fachadas de Casas em São Luiz do Paraitinga
  • Figura 11- Fachada de casa em São Luiz do Paraitinga...........................................
  • Figura 12 - Mapa de acesso à cidade
  • Figura 14 - Rio Paraitinga
  • Figura13 - Vista panorâmica de São Luiz do Paraitinga
  • Figura15: Capela das Mercês
  • Figura 17 - Detalhe de um vitral da Igreja do Rosário
  • Figura16 - Igreja do Rosário
  • Figura18 - Igreja Matriz
  • Figura 19 - Discurso de Araujo, s/d
  • Figura 20 - Araújo (sem identificação do local e data)
  • Figura 21 - Benedito Pinto
  • Figura 22 - Raizeiro
  • Figura 23 - Raizeiro
  • Figura 24 - Raizeiro
  • Figura 25 - Vicente Gomes (o segundo ajoelhado)
  • Figura 26 - Pedrinho Arruda
  • Figura 27 - Maria do Melado
  • Figura 28 - Comadre Zeca
  • Figura 29 - D.Maria Monteiro...................................................................................
  • Figura 30 - Salvador Vicente

INTRODUÇÃO

Esta dissertação foi resultado de dois anos de pesquisa realizada na cidade de São Luiz do Paraitinga, uma cidade de pequeno porte no Vale do Paraíba, a 170 km de São Paulo. O objetivo foi estudar a prática da benzeção^1 para verificar os recursos de transmissão do dom e a relação estabelecida entre os(as) benzedeiros(as) e os padres locais.

Meu contato com a benzeção iniciou-se bem cedo, no seio da família. Convivendo entre católicos, kardecistas e umbandistas, fui introduzida a vários rituais e tradições diferentes, dentre eles, a benzeção. Minha avó, nascida em uma tribo no Acre, fruto da união entre uma índia e um seringueiro, personificava por si só o hibridismo cultural brasileiro. D. Adelaide, mulher simples, com pouco estudo e muitos filhos para criar, era católica de formação, mas espírita de coração. Em seu dia-a-dia, aplicava a velha sabedoria popular sobre ervas, raízes, banhos e decifrava sonhos bem como outros sinais do destino. Era capaz de adivinhar se a criança seria menina ou menino só de olhar para a barriga da futura mãe. Benzia espinhela caída, ventre-virado, quebranto ou mau-olhado. Mulher forte, desta que costumamos ver pelo Brasil a fora e que inspirou grande parte da atual pesquisa.

Em minhas lembranças, Dona Adelaide pegava-me pelos pés e sacudia pelo ar, batendo suavemente nas solas, fazendo sobre elas o sinal da cruz. Ficar de cabeça para baixo e ouvir aquele som de prece sussurrada foi uma das mais surpreendentes experiências religiosas que tive a oportunidade de presenciar. Sua casa estava aberta e, aqueles que precisavam, sabiam onde e quando encontrá-la. Mas, também havia muitos silêncios e segredos. Afinal, o mistério faz parte da construção da reputação da benzedeira. O tempo passou, D. Adelaide se foi, mas deixou o dom na família, hoje assumido pelo filho mais novo, meu tio Zé. No final, ela parou de benzer, negou o espiritismo e morreu católica, deixando para nós a forte lembrança de sua prática.

(^1) Em nossa pesquisa optamos por empregar os termos “benzeção”, “benzimentos” e “benzeduras” para nos referir à prática dos(as) benzedeiros(as), conforme o uso popular, mesmo que em alguns dicionários nãoconstem esses termos.

Quantos já não participaram de uma experiência como essa ou presenciaram algo semelhante? Em todos os cantos do Brasil encontram-se homens e mulheres que se dedicam à benzeção das muitas pessoas que os procuram, porque a fé pode variar, mas o princípio se mantém. Benzer-se ou benzer o outro faz parte de nossa cultura e a crença no poder de benzedeiros(as) está fortemente arraigada no imaginário popular.

Com relação ao local escolhido para ser o foco da pesquisa, a cidade de São Luiz do Paraitinga, meu interesse começou há cerca de dez anos, quando estive pela primeira vez no local para fazer a observação de uma festa tradicional da cidade, a Folia do Divino Espírito Santo. A dimensão do evento e o esforço dos habitantes em preservar suas tradições, realmente me impressionaram. Passei a freqüentar o local e, ao identificar na cidade a tradição de benzedeiros(as), decidi escolhê-la como local para a pesquisa.

São Luiz do Paraitinga localiza-se no Vale do rio Paraitinga, entre Taubaté e Ubatuba, possui cerca de 620 km² e uma população de 10.429 habitantes (Censo 2000), sendo as principais atividades econômicas a agricultura e a pecuária leiteira. Incrustada em um “mar de morros”, a cidade possui uma topografia montanhosa e serrana com uma altitude média de 742 metros, o que proporciona ao lugar um clima agradável classificado como temperado com inverno seco.

Tombada como patrimônio histórico estadual pelo CONDEPHAAT desde 1977, a cidade possui 90 casarões que compõem o maior conjunto arquitetônico do Estado. Apesar de sofrer muitas reformas e servir como moradias ou pontos de comércio, o casario mantém a fachada original, representativa dos estilos dos séculos XVIII e XIX, a época áurea do café na região.

A cidade investe na realização de importantes festas que compõem um vasto calendário. Dentre as festas, destacam-se: o Festival de marchinhas carnavalescas (janeiro/fevereiro), Carnaval (fevereiro/março), a Folia do Divino Espírito Santo (maio/junho) mencionada anteriormente, a Festa de São Luiz de Tolosa, o padroeiro da cidade (agosto), a Festa de Santa Cecília, a padroeira dos músicos (novembro) e, por fim, Presépios e Pastoras (dezembro/janeiro). Todos esses eventos, associados às belezas naturais da região, como cachoeiras e trilhas, garantem a presença constante de turistas ao longo do ano, o que incrementa a economia local.

resultante deste processo me fez compreender que, para a pesquisa de campo, deve-se estar preparado(a) para o imprevisto e aproveitar todas as oportunidades como se fossem únicas, pois muitas vezes elas o são.

Como a pesquisa consistiu na observação e análise da transmissão do ritual de benzeção em uma cidade específica, levando-se em conta o contexto no qual os sujeitos encontram-se inseridos, trata-se de um estudo de caso. Laville & Dione (1999) conceituam e apontam a vantagem desse tipo de abordagem metodológica:

[...] na possibilidade de aprofundamento que oferece, pois os recursos se vêem concentrados no caso visado, não estando o estudo submetido às restrições ligadas à comparação do caso com outros casos. Ao longo da pesquisa, o pesquisador pode, pois, mostrar-se mais criativo, mais imaginativo; tem mais tempo para adaptar seus instrumentos, modificar sua abordagem para explorar elementos imprevistos, precisar alguns detalhes e construir uma compreensão do caso que leve em conta tudo isso, pois ele não mais está atrelado a um protocolo de pesquisa que deveria permanecer o mais imutável possível. (Leville & Dionne, 1999, p. 156)

A partir da observação de um caso específico, pode-se chegar a conclusões iniciais que contribuam para a compreensão do fenômeno como um todo. Em São Luiz do Paraitinga, encontram-se variantes verificáveis em muitas comunidades de pequeno porte do Brasil; por isso, o acompanhamento deste caso pode trazer significativas contribuições para o estudo do ritual de benzeção. Procurei não adotar uma postura generalizante e reducionista; pelo contrário, o objetivo foi apenas levantar hipóteses que podem vir a ser úteis nos estudos acerca deste objeto.

As perguntas que nortearam a pesquisa foram: como, ao longo de cinco décadas, a tradição da benzeção persistiu em São Luiz do Paraitinga e foi transmitida dentro de um contexto de predominância do catolicismo oficial? Qual a relação estabelecida entre os(as) benzedeiros(as) e os padres locais?

Para tanto, utilizei-me de diferentes técnicas para a coleta de dados como: viagens para a documentação fotográfica, a gravação “in loco” de entrevistas (algumas semi-estruturadas e outras fechadas) e a observação participante. Foram realizadas várias viagens entre janeiro de 2007 e janeiro de 2009, em média duas vezes por ano – geralmente em julho, dezembro ou janeiro. A opção por entrevistas

semi-estruturadas^2 deve-se ao fato de que, no caso estudado, é menos constrangedor e mais elucidativo um roteiro de questões sem impor opções de respostas. Dessa forma, os (as) entrevistados (as) sentiram-se à vontade para formular uma resposta pessoal, valendo-se de termos comuns ao seu vocabulário típico, garantindo uma resposta que expressasse o que pensavam (aproximadamente) sobre a questão formulada. Além disso, a escolha por entrevistas e não de questionários, viabilizou adaptações na reformulação de questões para atender às necessidades e dúvidas dos entrevistados, sem falar da perda de uniformidade que cria um ambiente mais agradável para a coleta de dados^3.

A coleta de informações foi feita a partir de testemunhos extraídos de três frentes ou grupos de trabalho distintos. O primeiro grupo contém as informações sobre os atuais praticantes da benzeção, a partir de entrevistas semi-estruturadas realizadas com os mesmos, seguindo um roteiro prévio (Anexo B). Foram ouvidas três benzedeiras e um benzedeiro, com a faixa etária entre 60 e 84 anos, identificadas com as iniciais DZ, DV, SD e DR. São pessoas de baixa renda, vivendo da própria aposentadoria ou, no caso de uma delas, de benefícios deixados pelo companheiro.

O segundo grupo inclui os dados sobre os antigos benzedeiros e benzedeiras, levantados a partir dos parentes e moradores residentes no local há mais de cinqüenta anos. Neste caso empregou-se o mesmo modelo de entrevistas citadas anteriormente, só que utilizando perguntas mais objetivas (Anexo A). Ao todo, foram ouvidos quinze moradores que conheceram um(a) ou mais benzedeiros(as) citados na obra de Araújo (1958).

No último grupo, situam-se os padres e algumas pessoas envolvidas diretamente com a Igreja local. Nesse caso, também foram empregadas entrevistas semi-estruturadas (Anexo B). Participaram da pesquisa dois padres, identificados como P1 e P2, sendo um já aposentado e outro atuante no início de nosso trabalho; e duas mulheres católicas, DM e DD, que acompanharam bem de perto a trajetória dos clérigos.

(^2) Série de perguntas abertas, realizadas verbal e diretamente, seguindo uma ordem prevista, na qual o (a) pesquisador (a) pode acrescentar esclarecimentos. (^3) Em muitos casos, as pessoas ouvidas não entendiam o sentido da pergunta, o que exigiu intervenções da pesquisadora a fim da facilitar a compreensão do que se pretendia indagar.

as categorias são previamente selecionadas, mas podem sofrer alteração ao longo do processo, deixando-nos a liberdade para transformá-las ao longo da pesquisa (Leville & Dionne, 1999). As categorias estabelecidas foram:

a-) A transmissão do dom. b-) A forma como o ritual é realizado atualmente e como foi há cinqüenta anos. c-) A memória que se manteve dos(as) antigos(as) benzedeiros(as). d-) As relações de poder entre os(as) atuais benzedeiros(as) e os padres locais.

Em seguida, o material foi submetido à análise, na qual busquei articular o fenômeno estudado a teorias previamente escolhidas, fornecendo-me indícios importantes sobre a convivência entre padres e benzedeiros(as). Sendo a benzeção um fenômeno social, procurei analisá-la a partir dos recursos oferecidos por três disciplinas que interagem na área das Ciências da Religião: Sociologia, Antropologia e História.

Para responder à questão central desta pesquisa, apropriei-me dos conceitos clássicos da sociologia weberiana e de outros propostos pela teoria da economia das trocas simbólicas de Bourdieu (2007). Weber (1999) identifica, com relação à política, três formas de dominação: a dominação legal com administração burocrática; a dominação tradicional, que inclui a gerontocracia, o patriarcalismo e o patrimonialismo; e, por fim, a dominação carismática. Outros conceitos apresentados por Weber (1999), e que foram explorados, são os de mago e sacerdote. Tais definições foram necessárias para compreender como se constituíram as formas de dominação dos padres e dos(as) benzedeiros(as).

Representante da sociologia do conhecimento, Bourdieu (2007) afirma que as relações existentes entre homens e mulheres dentro de uma sociedade constituem- se em relações de poder que reproduzem o sistema de dominação de um grupo social sobre o outro. A sociedade é concebida como palco de disputas pelo poder simbólico entre dominantes e dominados, sendo ela dividida em diversos campos como o político, o social, o econômico, o artístico e o religioso. O autor reconhece

como campos, os espaços nos quais se desenvolvem as atividades humanas pautadas pelas disputas de poder. Esses espaços possuem uma autonomia relativa com relação às transformações político-econômicas que se desenrolam no interior da sociedade, sendo que a história de cada um se faz por meio de lutas entre grupos que disputam o poder no interior dos campos. No âmago da disputa entre os pólos, encontram-se o processo de legitimação de bens simbólicos e o sistema de filtragem que determinam os que devem ascender ou não no campo. Tanto um grupo quanto o outro, concentra seus recursos na maximização de seu capital, no entanto, o alcance do investimento varia de acordo com a posição social e o potencial dentro do campo. O posicionamento ocupado pelo sujeito social está condicionado à posse de determinados capitais - cultural, social, econômico, político, artístico entre outros - e ao habitus - interiorização das estruturas objetivas das condições de classe ou de grupos sociais que gera estratégias, respostas ou preposições objetivas, e subjetivas, para a resolução de problemas postos de reprodução social.

Ao identificar a religião como um sistema simbólico estruturado, entendo que, no interior do campo religioso, encontram-se diferentes instâncias religiosas (indivíduos ou instituições) que disputam entre si o monopólio da gestão de bens de salvação e do exercício legítimo do poder religioso.

Para analisar o campo religioso da cidade em questão, trabalho com dois conceitos: os sacerdotes, como representantes da instância dominadora dos serviços religiosos, e os magos ou feiticeiros, como os agentes relacionados ao grupo dominado. Sendo a Igreja Católica a instância religiosa que exerce o monopólio em São Luiz do Paraitinga, o termo sacerdote se refere aos padres locais. Considero como práticas mágicas aquelas que visam atender às necessidades concretas e específicas, parciais e imediatas dos indivíduos; são inspiradas pela intenção de manipulação da natureza; e se encontram fechadas no formalismo ritualístico voltado para as relações de custo-benefício ou de “tomá lá dá cá” conforme define Bourdieu (2007, p. 45). Esses traços fundam-se em condições de existência ligados às classes dominadas, ou seja, menos favorecidas, pautadas pela urgência econômica e necessidades imediatas dos indivíduos. Nesta categoria, encaixam-se os(as) benzedeiros(as), agentes de cura na religiosidade popular.