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Religião e Literatura: Análise de Vian no Caso de Colin e Chloé, Exercícios de Tradução

Este documento analisa a crítica observada na obra de vian em relação à religião, através do caso de colin e chloé. O texto aborda a mudança de substantivos, a atitude dos representantes da igreja e a estética surrealista. Além disso, são discutidos os aspectos da filosofia de sartre e a reflexão de colin sobre a religião católica.

O que você vai aprender

  • Como a estética surrealista se manifesta na história?
  • Como a crítica é observada no caso de Colin e Chloé?
  • Quais mudanças de substantivos são discutidas no texto?
  • Qual é a importância da religião na obra de Vian?
  • Quais são as reflexões de Colin sobre a religião católica?

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Birinha90
Birinha90 🇧🇷

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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
GLENDA VERÔNICA DONADIO
ELEMENTOS POÉTICOS E SURREALISTAS EM
L’ÉCUME DES JOURS (1947), DE BORIS VIAN
ARARAQUARA S.P.
2019
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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP

GLENDA VERÔNICA DONADIO

ELEMENTOS POÉTICOS E SURREALISTAS EM

L’ÉCUME DES JOURS (1947), DE BORIS VIAN

ARARAQUARA – S.P.

GLENDA VERÔNICA DONADIO

ELEMENTOS POÉTICOS E SURREALISTAS EM L’ÉCUME DES JOURS (1947), DE BORIS VIAN Dissertação de Mestrado apresentada ao Conselho do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Estudos Literários. Linha de pesquisa: Teorias e Crítica da Narrativa Orientadora: Profª Drª Andressa Cristina de Oliveira Bolsa: CNPq ARARAQUARA – S.P. 2019

GLENDA VERÔNICA DONADIO

ELEMENTOS POÉTICOS E SURREALISTAS EM L’ÉCUME DES JOURS (1947), DE BORIS VIAN Dissertação de Mestrado, apresentada ao Conselho do Programa de Pós em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras

  • UNESP/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Estudos Literários. Linha de pesquisa: Teorias e Crítica da Narrativa Orientadora: Profª Drª Andressa Cristina de Oliveira Bolsa: CNPq Data da defesa: 03/05/ **MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

Presidente e Orientador:** Profª Drª Andressa Cristina de Oliveira (UNESP/FCLAr)


Membro Titular: Prof. Dr. Adalberto Luís Vicente (UNESP/FCLAr)


Membro Titular: Profª Drª Norma Wimmer (DLM/Ibilce) Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara

A meus pais, Marcela e Conrado.

« Par un mot tout est sauvé. Par un mot tout est perdu. » (André Breton)

RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo o estudo da obra de Boris Vian, intitulada L’Écume des jours (1947), por meio da análise de seu caráter poético e do trabalho com a linguagem realizado pelo autor. Busca também demonstrar a herança surrealista presente na narrativa e visa apontar como esta ainda se filia ao surrealismo, mesmo tendo sido produzida anos após o auge do movimento. O embasamento teórico da pesquisa abrange uma contextualização teórica e histórica do período – pós-guerra, 1945 – no qual a obra foi escrita. Na sequência, são apresentados os principais elementos, características e ideais do movimento surrealista, segundo as obras, sobretudo, de Lima (1995) e Chénieux-Gendron (1992). Estes aspectos são apontados e analisados de acordo com trechos da obra, buscando verificar como esta se filia ao surrealismo. Por fim, são apresentados os conceitos que elucidam o gênero híbrido da narrativa poética, consoante às ideias de Tadié (1994), e outros textos referentes à poesia, os quais permitem o reconhecimento dos recursos poéticos empregados ao longo da narrativa. Estes apontamentos são demonstrados posteriormente na obra em questão, uma vez que o uso de figuras de linguagem, ritmo e musicalidade ao longo da narrativa é essencial para Vian. Palavras-chave: Boris Vian. Narrativa poética. Surrealismo.

SUMÁRIO

  • INTRODUÇÃO
    1. A PRODUÇÃO LITERÁRIA DE BORIS VIAN
  • 1.2 A literatura francesa no período do pós-guerra
    1. O SURREALISMO
  • 2.1 A poética surrealista
  • 2.2 O amor
  • 2.3 A crítica social
  • 2.4 O humor literário
    1. A NARRATIVA POÉTICA
  • 3.1 A linguagem
  • 3.2 O espaço
  • 3.3 O tempo
  • 3.4 O mito na narrativa poética
  • CONSIDERAÇÕES FINAIS
  • REFERÊNCIAS

INTRODUÇÃO

1. A PRODUÇÃO LITERÁRIA DE BORIS VIAN

Boris Vian nasceu em Ville d’Avray, França, em 10 de Março de 1920. Apesar de ter sido engenheiro de formação, enveredou-se pelo meio artístico, iniciando sua carreira como músico, tocando trompete nos estabelecimentos do bairro Saint-Germain- des-Prés em Paris. Ademais, também foi novelista ( Les Fourmis (1949), Le Loup-garou (1945- 1953), entre outras); dramaturgo ( L'Équarrissage pour tous (1947), Les Bâtisseurs d'Empire ou Le Schmürz (1959), por exemplo); poeta ( Cent sonnets (1944), Je voudrais pas crever (1951-1959), etc.); cenógrafo; tradutor e, por fim, compositor: redigiu inúmeras canções, dentre as quais Le Déserteur (1954) foi a mais célebre. A faixa foi composta ao fim da primeira guerra da Indochina (1946-1954) e possui conteúdo explicitamente antimilitarista, razão de muita polêmica na época. Sua reprodução nas rádios foi proibida, especialmente por conta do último verso, considerado antipatriota: “ Et je dirai aux gens: / Refusez d'obéir / Refusez de la faire / N'allez pas à la guerre [...] Monsieur le Président / Si vous me poursuivez / Prévenez vos gendarmes / Que je n'aurai pas d'armes / Et qu'ils pourront tirer. ” (“Eu direi às pessoas: / Recusai-vos a obedecer / Recusai-vos a fazê-lo / Não vão à guerra [...] Senhor Presidente / Caso o senhor me persiga / Previna seus guardas / Que eu não portarei armas / E que eles poderão atirar.”). Como romancista, publicou volumes poéticos e burlescos com seu nome de batismo, como L'Écume des jours (1947), L'Automne à Pékin (1947) L'Herbe rouge (1950) e L'Arrache-cœur (1953) e, por outro lado, com o pseudônimo de Vernon Sullivan, publicou quatro espécies de pastiches do roman noir^1 , sombrios e corrosivos, dentre os quais J'irai cracher sur vos tombes (1946), que foi um grande sucesso comercial. Além da temática do amor e da morte, suas obras atacam a moral, a religião, o trabalho, o exército e até mesmo a psicanálise, como acontece em L'Arrache-cœur (1953). (^1) O roman noir pode ser considerado um subgênero do romance policial , que agrupa o roman d’énigme e o roman à suspense. Alguns elementos temáticos que o caracterizam são a presença de um universo violento, um olhar trágico e pessimista sobre a sociedade e um engajamento político e social. Constitui-se em um tipo de romance policial que fornece uma visão realista das condições sociais e da criminalidade. O subgênero foi amplamente desenvolvido nos Estados Unidos no ano de 1950. Cf. https://fr.wikipedia.org/wiki/Roman_noir

paixão pela linguagem e pelo jazz, a fantasia cáustica e os mesmos gostos artísticos...” (CAYOL, 2011, p. 6, tradução nossa)^5. Vian encontrou, na pataphysique , uma ciência sobre a qual poderia lapidar e exercer seu trabalho com a linguagem e a criação de imagens de uma maneira mais concreta, consolidando, deste modo, consoante Fréderic Maget, “uma escrita lúdica e inventiva que maneja de modo habilidoso os jogos de palavras e os neologismos, e que mergulha o leitor em um mundo onírico e poético...” (MAGET, 2008, p. 4, tradução nossa)^6. L’Écume des jours foi publicada após a Segunda Guerra Mundial, e, consequentemente, os cenários político e social diferem daqueles vivenciados pelos fundadores do Surrealismo. Porém, é por meio de uma nova reivindicação no meio artístico e, mais especificamente, literário que a obra em questão pode ser abordada, e retomar, de certa forma, os ideais compartilhados com as teorias referidas. Muitas das práticas e dos ideais surrealistas estão presentes na narrativa. No que concerne à potência liberal da linguagem surrealista, há a utilização de neologismos, mots-valises e transposições de sentido em um único vocábulo. Essas invenções permitem a criação de um universo onírico e único. A atmosfera é surpreendente, passível de modificações absurdas, porém, convincentes e, de certo modo, integradas à realidade da obra. Há a criação de novos objetos – fictícios – como, por exemplo, o pianocktail , por meio da criação de novas palavras. As descrições imagéticas também introduzem elementos inusitados e inexistentes fora da narrativa. Dentre esses elementos, há a iluminação, a qual é composta por dois sóis; há animais parcialmente robóticos, vide o coelho de metal que fabrica pílulas; há uma nuvem rosa flutuante que se caracteriza como meio de transporte; há pessoas animalizadas, como a mulher-águia que bota um ovo na pista de patinação; etc. Os neologismos e as associações inusitadas entre as palavras também aditam o caráter cômico e a crítica social ao longo da obra, visto que esses inventos resultam em conceitos risíveis e irônicos. A crítica social existente na história é voltada à religião, às (^5) Trecho original: “c’est en Queneau, de dix-sept ans son aîné, qu’il trouve son père d’élection; Queneau qui, le premier, lui fait confiance et avec lequel il partage non seulement l’héritage de Jarry et l’esprit pataphysique, mais aussi la passion pour le langage et le jazz, la fantaisie caustique et les goûts artistiques.” (CAYOL, 2011, p. 6) (^6) Trecho original: “Une écriture ludique et inventive qui manie avec délice les jeux de mots et les néologismes et qui plonge le lecteur dans un monde onirique et poétique...” (MAGET, 2008, p. 4)

amarras sociais, à recusa ao amor, à negação do erotismo, à condenação da figura da mulher, etc. O repertório dessas criações inclui, por exemplo, o députodrome , local sugestivamente destinado aos deputados; ou, então, os péderastes d’honneur – ao invés de garçons d’honneur – no casamento de Colin. Em relação à religião, a crítica é observada não só no caso da alteração de um substantivo por outro – “ garçon ” por “ péderaste ” – , mas, também, nos trechos que descrevem a mudança na atitude dos representantes da igreja, primeiro no casamento de Colin e Chloé e, em seguida, no enterro da jovem. 1.1 A literatura francesa no período do pós-guerra No contexto social e político pós 1945, consoante Short (1999), a linguagem havia perdido sua substância, ou seja, apresentava-se como algo vazio, uma vez que o mundo real não era mais digno de ser representado, não era considerado belo, apenas uma realidade desordenada, vazia, sem encanto ou esperança alguma. Assim, a literatura do pós-guerra sofreu algumas modificações estéticas, no que diz respeito ao pensamento dos escritores e, também, aos temas recorrentes em suas obras. Isto se deu devido ao fato de que os cenários político e social da época eram extremamente desfavoráveis, gerando, em todos os indivíduos, um sentimento de desesperança e desilusão, conforme apontado por Bersani (1970): 1945: o fim de uma guerra, de fato, mas, também, a descoberta dos campos de concentração, da bomba atômica sobre Hiroshima e, em razão de tamanhos horrores desordenarem as concepções já consolidadas acerca do homem e da linguagem sobre as quais toda uma sociedade estava adormecida, o fim de uma literatura considerada como uma das belas-artes.^11 (BERSANI et al, 1970, p.5, tradução nossa)^7 Em vista dessa situação, no contexto literário francês, uma intervenção por parte da nova geração de autores pertencentes a este cenário era esperada, como também foi projetada pela sociedade a expectativa do surgimento de uma literatura engajada, a qual poderia se tornar uma ferramenta poderosa no que se refere ao combate às injustiças, assim como um meio de realizar reivindicações fundamentais. Acima de tudo, as produções literárias seriam responsáveis, nesse momento, por expressar os anseios de toda uma sociedade em crise. Dito isso, muitos escritores – sem, necessariamente, se (^7) Trecho original: “1945 : la fin d’une guerre, bien sûr, mais aussi la découverte des camps de concentration, la bombe atomique sur Hiroshima, et, parce que de telles horreurs bouleversent les conceptions rassurantes de l’homme et du langage sur lesquelles toute une societé s’était endormie, la fin d’une littérature considérée comme l’un des beaux arts.” (BERSANI et al, 1970, p. 5)

Um mundo que, de tão diferente seja este do nosso, não o é de forma alguma seu contrário e, sim, seu inverso. Um inverso que revela neste aquilo que o lugar-comum dissimula, isto é, a verdade. (BERSANI et al, 1970, p. 556, tradução nossa)^10 Dessa forma, tornou-se necessário um redescobrimento da linguagem, isto é, recuperá-la em sua essência por meio do resgate de sua “dimensão perdida”. Ocorreu, neste momento, a busca – na arte e na literatura – desta nova abordagem: as palavras seriam abstraídas de seu emprego – na linguagem – , recombinadas, adquirindo, assim, outro potencial, ou melhor, um potencial secundário – outrora esquecido – que agora se tornava primário. Consequentemente, houve a utilização de novos vocábulos, os quais eram aplicados não só com o intento de descrever a superficialidade de um substantivo, mas, também, desenredar suas dimensões metafóricas ocultas. Ademais, para além da linguagem, essa transformação envolvia também a forma de representação do homem – visto até então como um ser totalmente consciente e racional – o qual passaria a ser mais sensível e receptivo a novas sensações e experiências, inclusive àquelas associadas ao inconsciente, assim como a seus impulsos interiores. A representação do homem, aqui, englobaria, notoriamente, uma nova postura por parte do artista, sendo o responsável por este novo conceito. (BRETON, apud SHORT, 1999) Por conseguinte, é possível depreender que a obra de Vian, inegavelmente, traz algo de diferente e, como mencionado anteriormente, algo inovador. Uma das mais marcantes características do autor, o fator responsável por conferir-lhe tamanha singularidade é a linguagem, ou, mais especificamente, o trabalho com a linguagem. Para Vian, a função linguística em seus volumes se estendia para muito além da simples tarefa de contar uma história: esta, por sua vez, era capaz de conferir ao texto um caráter poético, inventivo e original. Sendo assim, é por meio da linguagem que aquele outro universo toma forma: as personagens peculiares, o espaço e tempo passíveis de mudança contínua, os animais falantes e, também, os elementos estáticos que tomam vida. (^10) Trecho original: “Un monde souvent angoissant, parfois chargé d’horreur, mais qui possède toujours un irrésistible pouvoir de séduction. Un monde qui, si différent soit-il du nôtre, n’en est point le contraire, mais l’envers. Un envers qui en révèle ce que l’endroit dissimule, c’est-à-dire la vérité.” (BERSANI et al, 1970, p. 556)

L’Écume des jours , considerada a obra-prima de Vian, configura-se como uma narrativa poética com influência surrealista. A obra conta a história de amor entre Colin e Chloé. A jovem contrai uma doença inusitada após o casamento: um nenúfar no pulmão. A partir de então, todos os esforços do rapaz são voltados para curar sua amada. Toda sua riqueza se esvai nesta empreitada, uma vez que o tratamento, no qual Chloé deveria inalar constantemente diversas espécies de flores, é extremamente dispendioso. Em paralelo, move-se uma série de outros personagens, dentre eles: Chick, melhor amigo de Colin, aficionado pelo escritor Jean-Sol-Partre (espécie de caricatura de Jean-Paul Sartre, referindo-se ao ambiente intelectual da época), apaixona-se por Alise, com quem compartilha o interesse por Partre. Além dessas figuras, há também Nicolas, chef de cozinha de Colin, Isis, amiga dos casais (e companheira de Nicolas) e a rata cinza, animal de estimação do jovem protagonista.

mais ampla entre os elementos da imagem, o que proporciona um aumento significativo da percepção. Nesse ponto, cabe a diferenciação entre uma simples revelação visionária e a vidência poética; no segundo caso, a erupção imagética advém da permuta entre os significantes, ou seja, a visão surge e é concretizada no ato da criação poética. A imaginação não é limitada pela realidade e pode ser estimulada por meio de ligações aparentemente gratuitas. Entretanto, essa gratuidade é meramente superficial, uma vez que a linguagem poética oculta uma relação de sentido entre os elementos utilizados na associação de palavras inicialmente desconexas. Desse modo, há um caminho repleto de desvios a ser percorrido, até que seja efetivada a correspondência entre dois termos. É necessária a liberação do formalismo para que a poesia não se configure apenas como um jogo entre palavras, porém, concomitantemente, há de se levar em conta que a adequação aos conformismos ideológicos se constitui na negação dessa mesma poesia. Dessa forma, a criação poética se configura como o elo entre a realidade cotidiana e o sonho, o qual evita a interpretação da transcendência da linguagem como um dogmatismo hipotético, mágico ou religioso. (ALQUIÉ, 1966, p. 39). A reverberação da relação entre som e sentido culmina na revelação do significado pelo significante, e, conforme aponta Durozoi “a figura prediz sua própria descriptografia, a prática sua própria teoria, a poesia sua própria filosofia.” (DUROZOI, 1972, p. 242)^12. O estudo dos procedimentos pelos quais a poesia surrealista empreende uma desrealização do mundo – a qual se concretiza pela ruptura da exposição lógica entre os objetos – coloca à prova a cristalização de tudo que é considerado racional na linguagem. Para os surrealistas, a consciência primária, na qual se estabelece a relação original entre o espírito e as coisas, só pode ser recuperada caso haja a destruição de todo e qualquer resultado advindo da solidificação (racional e verbal), a qual é vivenciada pelos indivíduos por meio de experiências localizadas na realidade imediata. O texto poético tem a capacidade de realizar uma transformação mediante a emoção que suscita; é nele que se exerce a liberdade e os desejos tomam forma. Com isso, o poeta não é um mero esteta ou um artista e, sim, aquele que assegura, revela e (^12) « Le chiffre suppose son déchiffrage, la pratique sa théorie, la poésie sa philosophie. Il n’est pas d’autre écriture que dialectique. » (DUROZOI, 1972, p. 242)

realiza a vida em toda sua autenticidade. O poeta passa a ser um indivíduo que suscita pensamentos inusitados e atitudes excêntricas. Com isso, o ato poético se torna uma prática que desvela a personalidade em sua integridade e autenticidade, a qual permite a ação sobre o outro no nível enigmático da comunicação. A atividade de escrita poética isolada, em uma torre de marfim, cede espaço para a injeção da poesia na vida cotidiana, ambas interconectadas, o que ocasiona o surgimento contínuo de novas inquietações. Para Breton, a poesia carrega a mensagem da felicidade humana e detém a essência da liberdade, à medida que faz uso da linguagem como expressão dos seres e criação dos objetos. Por conseguinte, a linguagem surrealista se adapta melhor à estrutura do diálogo, já que o encontro entre dois indivíduos ocasiona o surgimento de imagens ainda mais inesperadas. Logo, o surrealismo poético busca restabelecer a verdade absoluta por meio do diálogo, e cada interlocutor elabora seu próprio solilóquio sem, necessariamente, impor sua verdade ao próximo. De acordo com Breton, “as palavras e as imagens são somente oferecidas como trampolins ao espírito daquele que escuta” (BRETON, 2011, p. 47). A contribuição do movimento vanguardista para a poesia contemporânea engloba o fato de os surrealistas explorarem diversos níveis do inconsciente – anteriormente inexplorados – , e ampliarem o conceito de imagem e metáfora “por renovarem a linguagem poética, ao levar adiante as propostas simbolistas de subversão da sintaxe.” (GOMES, 1994, p. 31). Logo, a harmonia de um poema está muito além da mera composição erudita de consoantes, sílabas e palavras e é concretizada por meio da unificação de todos esses outros elementos. A poesia é, portanto, responsável por estabelecer uma ponte que vai de um sentido a outro, do objeto à imagem, da imagem à ideia e, por fim, da ideia ao fato específico. Vista como uma rota para a liberdade, ela é capaz de promover encontros desconcertantes em um mundo onde as necessidades temporais são momentaneamente isoladas. Desse modo, a aparente incoerência proveniente da heterogeneidade das imagens surrealistas só é mantida se vista pela ótica de classificação voltada para aquilo que seja considerado “útil”. Porém, a sensibilidade aguçada do poeta realiza analogias profundas, que denunciam a unidade do espírito encontrada na multiplicidade da matéria, conforme aponta Gomes (1994):