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Este documento discute a responsabilidade civil pelas coisas caídas ou lançadas, analisando a semelhança entre a modalidade de quase-delito romano effusum et deiectum e a concepção moderna de responsabilidade civil pelas coisas inanimadas no artigo 938 do código civil português. O texto também aborda a responsabilidade do estado e de prestadores de serviços públicos, bem como a responsabilidade indireta e a responsabilidade pelo fato das coisas inanimadas. A origem da teoria da responsabilidade pelo fato das coisas remonta à jurisprudência francesa.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Dissertação apresentada ao curso de Pós- Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre, sob a orientação do Professor Titular Luiz Carlos de Azevedo
À minha mãe, exemplo de vida a ser seguido, por estar sempre presente com seu amor e tornar possível o sonho que agora realizo. Ao Marcelo, por estar sempre ao meu lado, batalhando carinhosamente pelo meu sucesso. Ao meu mestre, Prof. LUIZ CARLOS DE AZEVEDO, por toda a dedicação e atenção dispensadas, pelo incentivo incondicional e por partilhar humildemente seu incomensurável saber.
I. INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem por escopo demonstrar a semelhança de tratamento entre a modalidade de quase-delito romano effusum et deiectum e a moderna concepção de responsabilidade civil pelas coisas caídas ou lançadas, presente no artigo 938 do Código Civil.
Para a vertente comparação, serão analisadas, inicialmente, as fontes das obrigações no Direito Romano, enfatizando-se o estudo dos quase-delitos. E, no tema dos quase-delitos, priorizar-se-á a exposição do effusum et deiectum e suas principais implicações durante o período clássico.
Feito esse estudo, será explicitado o tratamento da responsabilidade civil na atualidade, ressaltando-se a análise da responsabilidade civil pelas coisas caídas ou lançadas, disciplinada pelo artigo 938 do Código Civil.
Por fim, efetuar-se-á uma comparação entre o quase-delito supracitado e o mencionado artigo 938 do diploma civil, demonstrando-se as principais semelhanças existentes, bem como eventuais disparidades de tratamento.
Pretende-se, com tal confronto, demonstrar a permanência, na atualidade, do tratamento que o direito romano concedia ao quase-delito effusum et deiectum no período clássico. Dessa forma, malgrado haja um extenso lapso temporal entre esses institutos, muitas de suas características parecem ter persistido e influenciado o ordenamento de inúmeros países.
II. O TRATAMENTO DOS QUASE-DELITOS NO DIREITO ROMANO
São encontradas, nos textos romanos, três classificações de fontes da obrigação: duas atribuídas ao jurisconsulto Gaio e uma atribuída a Justiniano.^1
Gaio:
a) Institutas III, 88: Nunc transeamus ad obligationes. Quarum summa diuisio in duas species diducitur: omnis enim obligatio uel ex contractu nascitur uel ex delicto. (Agora, passemos às obrigações, cuja principal classificação é de duas espécies: toda obrigação ou nasce de um contrato ou de um delito);
b) Libro segundo aureorum (D. XLIV, 7, 1, pr.): Obligationum aut ex contractu nascuntur aut ex maleficio aut proprio quodam iure ex uariis causarum figuris. (As obrigações ou nascem de contrato ou de delito ou, por certo direito próprio, de várias figuras de causas).
Justiniano :
c) Institutas III, 13, 2: Sequens diuisio in quattor species diducitur: aut enim ex contractu sunt aut quasi ex contractu aut ex maleficio aut quasi ex maleficio. (A divisão seguinte as classifica em quatro espécies: ou nascem de um contrato ou de um quase contrato ou de um delito ou de um quase delito).
Observa-se, portanto, a existência de três classificações das fontes das obrigações. Gaio, inicialmente, com fundamento nas Institutas III, 88, entende serem apenas duas as fontes das obrigações: o contrato e o delito. Entretanto, em um momento
(^1) JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, Direito Romano , v. II, 3ªed., Rio de Janeiro, Forense, 1986, p. 34.
II.1.3. Delito:
Os delitos aqui tratados eram os atos ilícitos que vinculavam o ofensor ao ofendido, obrigando o primeiro ao pagamento de uma pena. Quatro eram as espécies de delitos privados reconhecidos pelo ius civile como fontes de obrigações: furto, rapina, dano e injúria. 6
II.1.4. Quase-delito:
Os quase-delitos não possuíam características próprias, embora fossem, como os delitos, sancionados com o pagamento de uma pena. Aqui estavam abrangidas as hipóteses do juiz qui litem suam facit , do effusum et deiectum, do positum et suspensum e da responsabilidade dos nautae , campones e stabularii. 7
(^6) PIETRO DE FRANCISCI, Sintesis Histórica del Derecho Romano , Madrid, Revista de Derecho Romano, 1938, p.
Como explicitado anteriormente, no direito clássico, o ius civile reconhecia como fontes de obligationes apenas os delicta , que eram os seguintes delitos privados: furtum , rapina , injuria e damnum injuria datum.
Todavia, restava evidente a necessidade de se ampliar o rol de delitos que autorizavam a responsabilização de seu autor, a fim de que novos atos ilícitos fossem sancionados. Na lacuna do ius civile , competia aos pretores a punição de vários atos considerados ilícitos pela consciência social. Na ausência de ação específica para a reparação do mal, o pretor concedia à vítima a actio doli. Nos casos de violência, ou metus , poderia a parte lesada intentar a actio metus , também contra os terceiros que não participaram da violência, mas dela tiraram vantagens. Igualmente, aquele que tivesse corrompido um escravo alheio respondia pela actio servi corrupti e, se condenado, pagaria o dobro da diminuição do valor sofrido pelo escravo. 8
Coube, finalmente, às Institutas de Justiniano, o agrupamento de certos delitos reconhecidos pelo direito pretoriano na categoria dos quase- delitos, cuja característica comum era, apenas, a origem histórica, ou seja, o único liame existente entre eles era o fato de provirem do direito pretoriano.^9 Nessa categoria, portanto, foram incluídos fatos que, embora não fossem classificados como delitos, originavam os efeitos próprios dos atos delitivos e, principalmente, a obrigação de reparar os danos. 10
(^8) ALEXANDRE CORRÊA - GAETANO SCIASCIA, Manual cit., p. 227. (^9) VINCENZO ARANGIO-RUIZ, Instituzioni di Diritto Romano , 10ª ed., Napoli, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1949, p. 295. No mesmo sentido, LUIS ALBERTO PEÑA GUZMÁN e LUIS RODOLFO ARGÜELO, Derecho Romano , Buenos Aires, Tipográfica Editora Argentina, 1962, p. 421. Interessante, neste passo, a ressalva feita por J. ARIAS RAMOS, em Derecho Romano , II-III, 6ªed., Madrid, Revista de Derecho Privado, 1954, p. 695, no sentido da inconsistência dessas figuras denominadas quase-delitos, por serem previstas condutas muito diferentes, que ora se consubstanciavam em dolo, ora na ausência de culpa, bem como conseqüências díspares, tais como a morte ou o simples perigo de dano. 10 RODOLFO SOHM, Instituciones cit., p. 424.
D. 50. 13. 6 - Gaius libro tertio rerum cottidianarum sive aureorum :“ Si iudex litem suam fecerit, non proprie ex maleficio obligatus videtur: sed quia neque ex contractu obligatus est et utique peccasse aliquid intellegitur, licet per imprudentiam, ideo videtur quasi ex maleficio teneri in factum actione, et in quantum de ea re aequum religioni iudicantis visum fuerit, poenam sustinebit”.
D. 5, 1, 15, 1 : Ulpianus libro 21 ad edictum : “pr. Filius familias iudex si litem suam faciat, in tantam quantitatem tenetur, quae tunc in peculio fuit, cum sententiam dicebat. 1. Iudex tunc litem suam facere intellegitur, cum dolo malo in fraudem legis sententiam dixerit (dolo malo autem videtur hoc facere, si evidens arguatur eius vel gratia vel inimicitia vel etiam sordes), ut veram aestimationem litis praestare cogatur”. 15
II.2.1.2. Positum et suspensum
Segundo essa modalidade, quem quer que conservasse, num edifício, um objeto colocado ou suspenso, que pudesse cair sobre a via pública, atingindo um transeunte, poderia ser acionado por qualquer cidadão mediante uma actio de positis et suspensis , com o intuito de condená-lo ao pagamento de uma multa no valor de 10. sestércios, sem qualquer perquirição acerca de sua intenção.^16 Ressalte-se, por fim, que a mencionada ação não seria intentada contra aquele que havia colocado ou suspendido um objeto, mas contra o morador do edifício. 17
(^15) “Si um juez, hijo de familia prevarica al dictar la sentencia, queda obligado en la cuantía del peculio. Se entiende que un juez prevarica cuando hubiera dictado sentencia com dolo y en fraude de la ley (se considera que procede con dolo si se le probase un evidente favor, enemistad o soborno), y se le obliga a responder del verdadero importe del litígio (Ulp. 21 ed.)”. A. D’ORS, F. HERNANDEZ-TEJERO, P. FUENTESECA, M. GARCIA- G 16 ARRIDO y J. BURILLO, El Digesto de Justiniano cit., p. 241. 17 ALEXANDRE^ CORRÊA^ - GAETANO^ SCIASCIA,^ Manual^ cit., p. 227. BIONDO BIONDI , Instituzioni cit., p. 405. Ao tecerem considerações acerca dessa modalidade de quase-delito, G. LEPOINTE e R. MONIER, Les Obligations en Droit Romain et dans l’ancien Droit Français , Paris, Librairie du Recueil Sirey, 1954, p. 328, ressaltam que um edito anterior a Cícero já defendia que a conduta de colocar um objeto em local que pudesse causar dano àquele que passava era punida com uma pena no montante de 10. sestércios.
Eis o tratamento no Digesto:
D. 9, 3, 5, 6 : “Praetor ait: "Ne quis in suggrunda protectove supra eum locum, qua "quo" volgo iter fiet inve quo consistetur, id positum habeat, cuius casus nocere cui possit. Qui adversus ea fecerit, in eum solidorum decem in factum iudicium dabo. si servus insciente domino fecisse dicetur, aut noxae dedi iubebo"”.^18
D. 9, 3, 5, 10 : “Positum habere etiam is recte videtur, qui ipse quidem non posuit, verum ab alio positum patitur: quare si servus posuerit, dominus autem positum patiatur, non noxali iudicio dominus, sed suo nomine tenebitur”.^19
II.2.1.3. Effusum et deiectum
Nas situações em que era derramado um líquido ( effusum ), ou lançado um objeto ( deiectum ) de um edifício sobre a via pública, concedia-se, contra o seu morador, independente de sua culpa, uma ação pretoriana de effusis et deiectis , cujo objeto e condenação variavam de acordo com a situação ocorrida. Se o dano fosse causado em uma coisa, respondia o morador do edifício pelo dobro do valor do prejuízo; se um homem livre fosse ferido, caberia ao juiz a fixação do montante da condenação; e, por fim, se um homem livre perecesse, estaria o morador condenado ao pagamento de uma multa no valor de 50. sestércios, sendo a ação, nesse caso, popular, ou seja, poderia ser proposta por qualquer do povo. 20
Frise-se que, no direito clássico, o morador do edifício não responderia apenas nos casos em que a conduta danosa fosse por ele perpetrada, mas, também, nas hipóteses em que o dano era proveniente da conduta de seu filho ou de seu escravo,
(^18) “Dice el pretor: ‘Que nadie, en cobertizo o alero del tejado sobre el lugar de tránsito o estacionamiento ordinarios, tenga colocado algo cuya caída pueda dañar a nadie’”. A. D’ORS, F. HERNANDEZ-TEJERO, P. F 19 UENTESECA , M. GARCIA-GARRIDO y J. BURILLO, El Digesto de Justiniano cit., p. 396. “Com razón parece que también ‘tiene colocado’ aquel que no lo puso él mismo pero permite que sea puesto por outro. Por lo cual, si lo hubiere colocado um esclavo y el dueño permite siga colocado, el dueño no estará obligado por una acción noxal sino en su propio nombre”. Versão castelhana de A. D’ORS, F. HERNANDEZ- T 20 EJERO , P. FUENTESECA, M. GARCIA-GARRIDO y J. BURILLO, El Digesto de Justiniano cit., p. 397. SALVATORE DI MARZO, Instituzioni cit., p. 415.
deiectum effusumve sit sive quid positum suspensumve habuerit, cuius casus periculosus est, Iuliano placuit in patrem neque de peculio neque noxalem dandam esse actionem, sed cum ipso filio agendum”. 24
II.2.1.4. Receptum nautarum, cauponum, stabulariorum
Os comandantes de navio, os donos de estalagem ou de estrebaria respondiam in duplum pela perda ou dano sofrido pela coisa que estivesse depositada em seu poder ou pelo furto perpetrado por seus prepostos contra os hóspedes. 25 As Institutas de Justiniano consideraram tal responsabilidade derivada da culpa in eligendo e, por isso mesmo, quasi ex delicto. 26
Conferia-se à vítima uma ação in factum contra o intendente do navio, hospedaria ou estábulo, a fim de obter uma condenação in duplum. Nos casos de furto, além dessa ação contra o intendente, poderia a vítima intentar ação penal contra o ladrão. 27
Assim era tratada tal modalidade no Digesto:
D. 44, 7, 5, 6 : “ Item exercitor navis aut cauponae aut stabuli de damno aut furto, quod in nave aut caupona aut stabulo factum sit, quasi ex maleficio teneri videtur, si modo ipsius nullum est maleficium, sed alicuius eorum, quorum opera navem aut cauponam aut stabulum exerceret: cum enim neque ex contractu sit adversus eum constituta
(^24) “También parece obligarse como por um malefício aquel de cuya vivienda, ya se própria, ya sea arrendada, ya habite en ella gratuitamente, sea arrojado un cuerpo sólido o líquido que dane a alguien; y no se considera obligado propiamente por maleficio porque muchas veces es por culpa de otro, como su esclavo o su hijo. A él se parece aquel outro que tiene colocada o colgada alguna cosa sobre um lugar por el que se suele pasar, de forma que podría dañar a alguien com su caída; así, pues, si um hijo de familia viviera separado de su padre y cayera de su vivienda um cuerpo sólido o líquido colocado o colgado algo cuya caída podiera resultar peligrosa, creia Justiniano que no se debía dar la acción de peculio o como noxal contra su padre, sino que debía demandarse al mismo hijo”. Versão castelhana de A. D’ORS, F. HERNANDEZ-TEJERO, P. FUENTESECA, M. GARCIA-GARRIDO y J. B 25 URILLO , El Digesto de Justiniano cit., p. 475. 26 EBERT^ CHAMOUN,^ Instituições^ cit., p. 414. 27 SALVATORE^ DI^ MARZO,^ Instituzioni^ cit., p. 416. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, Direito Romano cit., p. 284.
haec actio et aliquatenus culpae reus est, quod opera malorum hominum uteretur, ideo quasi ex maleficio teneri videtur”.^28
CLÁSSICO
O quase-delito effusum et deiectum previa a possibilidade de responsabilização de um indivíduo ainda que este não tivesse agido com dolo, ou tampouco com culpa, ainda que in eligendo. De fato, afiguravam-se os primeiros traços de uma responsabilidade que independia de qualquer comprovação acerca do elemento subjetivo, visando-se, primordialmente, à segurança dos demais membros da sociedade.
Com efeito, se do telhado ou da janela de um edifício fosse derramado um líquido ( effusum ), ou lançado um objeto ( deiectum ), sobre um lugar aberto ao público, poderia ser intentada, contra o seu habitante, uma actio de effusis et deiectis , cujas conseqüências variavam de acordo com a hipótese verificada.^29 Tal ação não seria intentada automaticamente contra o proprietário do edifício, mas sim contra aquele que efetivamente o habitava, qualquer que fosse o seu título.^30
Cumpre salientar que, no período clássico, a responsabilidade do habitante exsurgia ainda que um terceiro tivesse levado a efeito a conduta danosa.
(^28) “ Asimismo el proprietário de una nave, una hostería o un establo se considera que queda obligado como por maleficio a causa del daño o el hurto que se ha cometido em la nave, la hostería o el establo, siempre que no haya maleficio por sua parte, sino de alguno de aquellos que trabajan para él en aquellos lugares; como esta acción no se da contra ellos por un contrato, pero hay por su parte alguna culpa en servirse de gente mala, por ello se considera que se obliga como por maleficio (Gai 3 res cott.)”. Versão castelhana de A. D’ORS, F. HERNANDEZ- T 29 EJERO , P. FUENTESECA, M. GARCIA-GARRIDO y J. BURILLO, El Digesto de Justiniano cit., p. 476. Vale relembrar as conseqüências advindas da queda de um objeto ou do derramamento de um líquido: (i) se o dano fosse causado em uma coisa, o habitante responderia pelo dobro do valor do prejuízo; (ii) se fosse ferido um homem livre, ao juiz competia a fixação do montante da condenação; (iii) se um homem livre morresse, o morador seria condenado ao pagamento de uma multa no valor de 50.000 sestércios, podendo a ação, nesse caso, ser proposta por qualquer do povo. 30 G. LEPOINTE et R. MONIER, Les Obligations cit., p. 328. No mesmo sentido, A. HAIMBERGER, Il Diritto Romano Privato e Puro , Napoli, Gabriele Rondinella, 1863, p. 422, ao cuidar da ação proveniente do quase- delito relativo ao effusum et deiectum , assegura a possibilidade de sua propositura contra o habitante do edifício, sem qualquer distinção acerca de o mesmo ser proprietário ou tão-somente utilizar o imóvel de forma gratuita.
III. RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITO, EVOLUÇÃO E CLASSIFICAÇÕES NO
ATUAL ORDENAMENTO BRASILEIRO
Na definição de SAVATIER, a responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o dano causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou de coisas que dela dependam. 33
Nesse conceito, como bem adverte EUGENIO BONVICINI, não se deve incluir apenas a responsabilidade subjetiva por fato ilícito, excluindo-se a objetiva e, tampouco, considerar-se somente a responsabilidade extracontratual, excluindo-se a contratual. Com o termo “responsabilidade civil”, deve-se entender a imputação em sentido lato, “nelle sue diverse qualificazioni, nei confronti di um evento di danno”. 34
Como asseveram HENRY Y LÉON MAZEAUD – ANDRÉ TUNC, traçar a evolução geral da responsabilidade civil permite compreendê-la melhor e mensurar mais claramente sua importância. Tal estudo é fundamental para que possamos entender o porquê das atuais soluções conferidas aos mais diversos casos concretos. 35
Ao se analisar a evolução do conceito de responsabilidade civil e sua conseqüente sanção, constatam-se sucessivas mudanças de paradigmas, impulsionadas pelos novos anseios sociais.
(^33) Traité de la Responsabilité Civile , t. I, Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1939, p. 1. (^34) La responsabilità civile , t. I, Milano, Dott. A. Giuffrè, 1971, p. 5. (^35) Tratado Teórico y Práctico de la Responsabilidad Civil Delictual y Contractual , T. I, v. I, 5ªed., traducción por Luis Alcalá-Zamora y Castillo, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1965, p. 35.
III.2.1. Vingança Privada
A princípio, imperava a vingança privada. Vislumbra-se, nessa fase, a primitiva idéia de repressão a um dano realizada pela própria vítima, ou por seus parentes, ou até mesmo pelos demais membros do grupo. Procurava-se retribuir o mal com um novo mal, mediante uma regra de disciplina coletiva. 36
Seria, na lição de ALVINO LIMA, uma vingança pura e simples, feita pelas próprias mãos da vítima de uma lesão, que teria o direito de devolver ao agressor o dano sofrido, pouco importando, nessa época, o motivo pelo qual fora perpetrada a agressão.^37 Não se perquiria a causa do dano e, tampouco, a forma como este se deu, pois a sua simples ocorrência já implicava na imediata possibilidade de vingança. A responsabilidade do autor era, portanto, puramente objetiva, decorrendo da simples produção do prejuízo. 38
Como advertem HENRI Y LÉON MAZEAUD – ANDRÉ TUNC, o problema permaneceu, na origem, fora da influência do direito, sendo que, nem os costumes, nem as leis, preocupavam-se em disciplinar os danos causados aos particulares. A liberdade dos indivíduos limitava-se, tão-somente, à força de seus semelhantes. No entanto, a força incitava a força e, aquele que sofrera o dano, logo se vingava de seu agressor, restando, então, reparado o dano. 39
Dessa reação espontânea levada a efeito pela própria vítima, em que se retribuía o mal sofrido, passou a vingança privada para o domínio jurídico,
(^36) G. LEPOINTE et R. MONIER, Les Obligations en Droit Romain et dans l’ancien Droit Français , Paris, Librairie du Recueil Sirey, 1954, p. 18. Bem acrescenta VICENTE DE PAULO VICENTE DE AZEVEDO, Crime-Dano- Reparação cit., p. 22, que: “Tratava-se, não só de retribuir o mal pelo mal, mas ainda de uma questão de defesa: aquele que mais feroz se mostrasse no repelir a ofensa, mais respeitado se tornava, e impunha-se pela ameaça”. 37 Culpa e Risco , São Paulo, Revista dos Tribunais, 1960, pp. 20-21. Ao tecer considerações acerca da vingança privada, enfatiza WILSON MELO DA SILVA, O dano moral e a sua reparação , 2ªed., Rio de Janeiro, Forense, 1969, p. 25, que a “alegria demoníaca da vindita talvez fosse, naqueles tempos, a mais eficiente maneira de se neutralizar, até certo ponto, a dor da vítima”. 38 39 LEONARDO^ A.^ COLOMBO,^ Culpa Aquiliana^ (Cuasidelitos) , Buenos Aires, La Ley, 1944, p. 81. Tratado cit., p.36.