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A importância da educação como capital humano e seu impacto na economia, além de discutir a relação entre educação e renda individual e familiar. Também aborda a influência da educação no desemprego e no crescimento econômico. O texto destaca a necessidade de investimento em educação para o desenvolvimento do país, apesar da resistência social em reconhecer a educação como prioridade absoluta.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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A primeira menção escrita de que a educação é como uma ferramenta que expande a produtividade do trabalhador vem da Riqueza das nações, de Adam Smith. O tema feneceu e somente na década de 1960 a idéia de educação como capital humano tomou corpo e as pesquisas empíricas se multiplicaram. Em anos poste- riores, duas edições do prêmio Nobel consagraram a teoria do capital humano [Schultz (1973 a e b ) e Becker (1968)]. Desde então, proliferaram os trabalhos empíricos sobre o assunto e os novos resultados não parecem se desviar de uma norma já bem entendida. Mostram sempre que tratamos a educação como capital e usamos as ferramentas clássicas para estimar o retorno econômico desse investimento – as taxas obtidas são pelo menos tão altas quanto as encontradas para o capital físico. Também no Brasil, a partir da década de 1960, aparecem estudos dedicados a estimar os retornos aos investimentos em educação. Seus resultados 1 são bas- tante consistentes entre si e não diferem muito daqueles obtidos em outros países. Sabe-se então com segurança que as pessoas com níveis mais altos de educação têm maior probabilidade de receber salários mais elevados. Esses resultados se repetem ao longo do tempo e mostram que em média, no Brasil, a cada ano adicional de estudo, tem-se acréscimo de renda de mais de 10%. E esse retorno está entre os mais elevados do mundo. Mas a educação não está relacionada apenas à remuneração do indivíduo. Relaciona-se também com o desemprego. Em 2002, um indivíduo com nível médio incompleto tinha 17,6% de probabilidade de estar desempregado. Ao completar o ensino médio, suas chances de desemprego caíam para 10,9%. E caso tivesse o superior incompleto, era de apenas 5,4% [ver Educação & Conjuntura (2004, p. 4)]. Portanto, educação é também excelente seguro-desemprego. E isso é especialmente
A teoria do capital humano foi incorporada na moderna teoria econômica por Jacob Mincer, e popularizada por Theodore Schultz e Gary Becker, ambos ganhadores do prêmio Nobel de economia, nas décadas de 1950 e 1960. A idéia fundamental da teoria é que o trabalho corresponde a mais do que apenas um fator de produção, devendo ser considerado um tipo de capital: o capital humano. Esse capital é tão mais produtivo quanto maior for sua qualidade, e esta é dada pela intensidade de treinamento técnico- científico e gerencial que cada trabalhador adquire ao longo de sua vida. Assim, a melhoria da qualidade do capital humano não apenas melhora o desempenho individual de um trabalhador – e, por conseguinte, sua remuneração –, como é fator decisivo para a geração de riqueza e de crescimento econômico. Por essa razão, políticas que visam elevar a qualidade do capital humano – como, por exemplo, a melhoria nos sistemas educacionais – são vistas como preferidas e mais eficazes para reduzir níveis de pobreza e de desigualdades sociais, assim como para promover o desenvolvi- mento econômico.
importante quando o mercado de trabalho passa por períodos de ajustamento tal qual o Brasil experimentou desde o início da década de 1990, como será visto especificamente nos Capítulos 4 a 7 deste livro.
Há, contudo, uma inferência da teoria que é bem mais frágil. Observou-se uma forte tendência de tomar os benefícios individuais da educação e extrapolá- los para a sociedade. O perigo aqui é o que se denomina falácia de composição. O que é verdade para o indivíduo – maior escolaridade implica mais renda pessoal
Esse impasse metodológico deu mais força aos estudos comparativos entre países, na busca de explicação para o efeito da educação sobre o desenvolvimento. Muitos pesquisadores saíram atrás de estatísticas que permitissem comparar níveis de renda per capita com níveis de educação. Os estudos mostram que países mais educados têm mais renda [Hannum e Buchmann (2003), Bailey e Eicher (1993) e Krueger e Lindahl (2004)]. Igualmente interessante é verificar que pontuação nas provas internacionais de rendimento educativo se correlaciona positivamente com taxas de crescimento do PIB per capita [Barro e Lee (2000, p. 13)]. Resultados equivalentes foram encontrados no Brasil, por exemplo, quando se examina o capital humano entre unidades da federação (UF). O fator preponderante para explicar o crescimento do PIB entre estados é o capital humano. A cada ano adicional de escolaridade média da UF está associada uma elevação de 36% a 38% do PIB [Souza (1999)].
Renda Individual de todas as Fontes e Renda Familiar de Pessoas com Diversos Níveis Educacionais
0
Fonte: Schwartzman (2001). (^) Renda individual Renda familiar
Elementar (até 4 anos) Primeiro grau Segundo grau Superior Pós-graduação
GRÁFICO 1
com que ela muda. Quando muda pouco, é sempre possível ensinar alguém a fazer o serviço à perfeição, mesmo que esse alguém não seja muito educado. Mas quando a tecnologia muda permanentemente, como é o caso atual, a velocidade de adaptação depende do nível de escolaridade. Isso porque, antes de tudo, a educação é o ingrediente que concede ao indivíduo maior capacidade para aprender ao longo da vida. Dada uma ocupação estável, há tempo para aprender a executá-la. Mas se a tecnologia e os equipamentos mudam o tempo todo, só quem tem mais educação consegue aprender o novo em um ritmo aceitável.
É ilustrativo voltar a idéias muito simples acerca de educação e produtividade. Quando se toma a trajetória dos rendimentos individuais ao longo da vida pro- dutiva, encontra-se um quadro muito claro. Para cada nível de educação, há uma curva bem definida e com inclinação diferente. Os analfabetos terminam sua vida produtiva com praticamente o mesmo nível de rendimento com que come- çaram a trabalhar, isto é, a curva é quase paralela ao eixo do tempo. Os que têm o fundamental começam com um pouquinho mais de rendimento e vão aumen- tando seus salários pela vida afora, porém em ritmo lento. Os que completaram o médio, embora tenham adiado sua entrada no mercado de trabalho para continuar na escola, aceleram os acréscimos de rendimento ao longo de suas vidas. Para quem obteve o diploma superior, o perfil idade-renda é ainda mais inclinado.
Quanto mais complexa a tecnologia e quanto mais rapidamente ela mudar, mais chances há de se usarem os talentos cultivados pela via da educação. Isso significa mais diferença de rendimentos entre os que têm educação e os que não têm.
Como anteriormente afirmado, não apenas a escolaridade média é importante, mas também sua distribuição. O Brasil, por exemplo, tem quadros de bom nível, mas convive com enorme desigualdade educacional, conforme foi discutido no capítulo 8 da edição de 2005 desta série. A enorme base da pirâmide tem um nível de educação que não chega a sete anos de escolaridade (Tabela 1). Considerando-se que são menos de sete anos de péssima escola, isso é muito pouco.
Em geral, o trabalhador com escolaridade igual à média do país não tem autonomia para buscar informações, para receber instruções mais complexas ou produzir comunicações escritas de certa complexidade. Não é capaz de aprender por conta própria, sem a tutela e a mediação de professores e tutores. Tem grande dificuldade para tomar decisões complexas, com muitas variáveis envolvidas e para as quais se requer certo nível de abstração. Além disso, como a maioria dos empregos depende cada vez mais de empresas pequenas ou microempresas, o baixo nível educacional dos seus proprietários e funcionários os isola da moder- nidade, da informação, dos bons hábitos de trabalho.
O resultado da baixa escolarização é que, de maneira mais ou menos geral, a população brasileira é formada por pessoas que podem ser tuteladas e podem até atingir bons níveis de produtividade, mas têm baixa capacidade para realizar tarefas mais complexas, liderar, criar novo conhecimento e tomar decisões que exigem capacidade analítica mais sofisticada. Isso é particularmente grave em um ambiente econômico que crescentemente depende do emprego gerado no conjunto de micro e pequenas empresas.
O país fez muito nas últimas décadas em matéria de educação. Mas hoje há relativo consenso de que o baixo nível educacional da nossa força de trabalho é um dos fatores limitativos do crescimento. Essa conclusão é freqüentemente de- safiada porque é custoso entender como antes o Brasil podia crescer com pouca educação e agora não pode mais. Enquanto persistir a dúvida, continua-se enre- dado em uma armadilha, pois não haverá consenso social de que a educação é prioridade absoluta no país. Exigirá assim maior esforço de convencimento das autoridades governamentais da importância da educação no processo de desen- volvimento e tornará mais difícil a luta por uma educação de qualidade.
Esse é, portanto, o grande desafio do presente capítulo. A Seção 2 faz um apanhado do que se sabe sobre a inclusão social por meio da educação e, além disso, resume o histórico da educação no Brasil. Na Seção 3 são apontados e discutidos os principais aspectos do desenvolvimento e do desempenho do ensino fundamental no Brasil, com ênfase nos desafios que apresenta. A seção seguinte aborda o polêmico tema do ensino superior, discutindo diversos tópicos a ele
TABELA 1 Média de Anos de Estudos segundo Grupos de Idade Anos de estudo 2001 2004 Média Brasil 6,1 6, 10 a 14 anos 3,9 4, 15 a 17 6,6 7, 18 ou 19 7,9 8, 20 a 24 8,0 8, 25 a 29 7,5 8, 30 a 39 7,1 7, 40 a 49 6,4 6, 50 a 59 5,0 5, 60 anos ou + 3,3 3, Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2004.
QUADRO 2 Educação e Violência Episódios de violência e criminalidade afloram a todo momento na sociedade brasileira, gerando um sem-número de discussões e tentativas de interpretação. Infelizmente, a compreensão do fenômeno da criminalidade ainda está em sua infância. Daí a persistência de idéias simplistas, meias verdades ou equívocos. Em particular, há duas explicações imprecisas, para não dizer desalinhadas com o mundo real. A primeira explica a violência pela falta de escolaridade da população. A segunda atribui tudo à pobreza. Para entender as fragilidades de tais explicações, basta comparar os índices de criminalidade das capitais brasileiras. Capitais violentas como Rio de Janeiro, São Paulo ou Vitória, para os padrões brasileiros, além de não serem pobres, têm níveis elevados de educação. Em contraste, os níveis mais baixos de criminalidade se encontram em Teresina, uma das capitais mais pobres do país e onde a escolaridade está também entre as mais baixas. Portanto, há que se procurar outras causas. Possivelmente, a mais persuasiva é a conexão entre violência e o ritmo do fluxo migratório rural-urbano. As cidades cujas respectivas popu- lações cresceram em ritmo acelerado dificilmente conseguiram evitar a degradação do seu tecido social – conforme mostra o Capítulo 5 da edição de 2005 desta série. Esse inchaço das megalópoles desestrutura a vida de grupos mais vulneráveis e cria o caldo de cultura da criminalidade e violência. Tais problemas são agravados pela associação de governos fracos com a expansão do crime organizado. A educação parece ter um impacto crítico, mas aparece somente no longo prazo. Sabe-se que a criminalidade é função inversa do nível individual de escolaridade. Isso se deve à maior empregabilidade daqueles mais escolarizados, bem como à introjeção mais profunda de valores de cidadania. Portanto, se educação é ineficaz no combate à violência e à criminalidade no curto prazo, aprimorá-la é uma política essencial de qualquer solução duradoura para essas questões, exigindo, porém, prazo mais longo de implementação. É importante frisar também que ela tem de ser parte de um pacote integrado de ações.
no Brasil, destacando a forte conexão entre esse segmento e a provisão de pro- fessores para a rede pública e, sobretudo, privada de terceiro grau. A penúltima seção aborda as variadas formas da educação e da formação profissional e técnica no Brasil, situando-as na perspectiva do mercado de trabalho nacional. Por fim, na sétima e última seção procura-se o encontro do segmento educacional com o mercado de trabalho, tema central deste livro.
Todos os debates sobre as conseqüências da educação têm dois lados. Há o im- pacto direto sobre a economia, já discutido aqui, e há a questão da eqüidade ou justiça social, em que – para o bem ou para o mal – a educação conta.
Em uma sociedade com economia tradicional, desde que minimamente aberta, uma pessoa talentosa e com iniciativa pode vencer na vida. Ao cabo de alguns
anos, pode aprender um ofício; se for alfabetizado, pode abrir um pequeno negócio. Contudo, a modernidade traz a necessidade de muito mais educação em pratica- mente todas as posições que estão acima do patamar inferior.
A sociedade brasileira já atravessou esse umbral de modernidade. A conse- qüência é que, por meio da escolaridade, foram criados os mais variados filtros para o progresso individual. O acesso a melhores posições requer cada vez mais escolaridade. No mais das vezes, os filtros de escolaridade refletem necessidades reais no seu desempenho. Contudo, universaliza-se o paradigma de filtrar o acesso aos empregos pela escolaridade, mesmo para as ocupações que realmente pres- cindem dela. Lixeiro não precisa ir à escola para fazer seu trabalho. Na prática, entretanto, os concursos o exigem. Para o argumento aqui desenvolvido, o que interessa não são as razões para exigir escolaridade, mas o fato de que isso está acontecendo, e de forma cada vez mais generalizada.
O resultado desse processo é que os caminhos para o progresso individual sem escolaridade vão ficando cada vez mais estreitos. Para chegar próximo do topo, praticamente somente os esportes e as artes – ou a beleza – conseguem oferecer chances para quem não tem diplomas. Isso significa que, para a esmaga- dora maioria da população, sua renda será determinada pelo investimento feito em educação. De fato, segundo diversos estudos [ver, entre outros, Menezes-Filho (2001), Ferreira (2000) e Ramos e Vieira (2000)], cerca de 1/4 da disparidade de rendimentos no Brasil pode ser atribuído a diferenciais de educação, e essa pro- porção é ainda maior ao se considerar apenas o rendimento do trabalho.
Diante desse quadro, quem não consegue vencer as barreiras de acesso e de êxito dentro da escola está condenado a baixa mobilidade ocupacional e renda restrita. A Tabela 2 registra duas correlações: entre renda e educação (positiva) e entre idade e escolarização (negativa). Quanto menor a idade, maior a escolarização, o que indica que as gerações mais novas estão se escolarizando mais, e quanto maior a renda, maiores são os percentuais de permanência na escola.
TABELA 2 Brasil: Taxa de Escolarização das Pessoas de 0 a 24 Anos, segundo Grupos de Idade e Quintos de Renda Per Capita – 2003 [em %] Grupo etário 1º quinto 2º quinto 3º quinto 4º quinto 5º quinto 0 a 6 anos (pré-escola) 28,9 33,3 35,1 39,9 50, 7 a 14 95,2 96,0 97,4 97,9 99, 15 a 17 73,6 78,1 81,0 84,2 94, 18 a 24 27,9 28,3 29,1 31,7 51, Fonte: IBGE/Pnad de 2004.
QUADRO 3 Uma Aproximação do Afunilamento Educacional e da Exclusão Um exemplo do afunilamento educação/condições econômicas está apresentado na Tabela 3. Trata-se de exemplo bastante simplificado, pois usa dados de um mesmo ano. Em 2004, 6 milhões de crianças cursavam a 1ª série do fundamental, mas apenas 2,8 milhões concluíram a 8ª série (46,1%), e somente 1,6 milhão (26,6% do total) de jovens levaram a termo o ensino médio.
Um aspecto particularmente grave desse afunilamento é que ele tende a perpetuar as diferenças de renda entre as etnias. Como a maioria dos negros é pobre, fica retida no funda- mental uma proporção bem maior deles do que da população como um todo. Aí está o maior entre todos os nossos problemas de desigualdade entre indivíduos de cor diferente. As pesquisas mostram que é mais por serem pobres do que por serem negros que estes vão ficando para trás na escola, ou seja, o fator mais discriminante é a renda, e não a cor. O Gráfico 2 apresenta a distribuição da população por cor e decis de renda per capita.
TABELA 3 Brasil: Simulação de Rendimento Escolar (Fluxo Estudantil) – 2004 Fundamental 1-4 N Perda (%) Fundamental 5-8 N Perda (%) Ensino médio N Perda (%) Ingressantes 1ª 5.978.272 Ingressantes 5ª 4.763.018 Ingressantes 1ª 3.438. Aprovados 4ª 3.699.857 Aprovados 8ª 2.754.818 Concluintes 3ª 1.815. Perdidos 2.278.415 38,1 Perdidos 2.008.200 42,2 Perdidos 1.622.610 47, Fonte: Ministério da Educação (MEC)/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – Censo Escolar.
Enquanto as informações do gráfico comprovam a forte predominância de pretos e pardos nos décimos inferiores de renda per capita , a Tabela 4 indica que o grupo de cor preta/parda enfrenta maiores dificuldades de progresso no sistema educacional: 31% de seus integrantes ainda estão retidos no fundamental, e outros 50% estão cursando o nível médio. Em suma, continua
Distribuição da População por Cor e Decis de Renda Per Capita- 2003
18
14
6
8
16
10
4 2 (^0) 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º
Fonte: IBGE/Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) de 2004. Cor branca^ Cor preta ou parda
10º
12
[em %]
Décimos de renda
Per Capita
GRÁFICO 2
No limite, um pobre talentoso que conseguisse passar no vestibular de me- dicina em uma universidade pública não poderia se sustentar durante o curso. Daí a observação de que os poucos alunos de classe baixa que ingressam nas universidades públicas o fazem em cursos que não exigem grande comprometi- mento de tempo e dinheiro.
Nesse aspecto, há um caráter eminentemente discriminatório no nosso ensino. No ensino fundamental público, freqüentado pelos mais pobres, os gastos por aluno são 1/10 do que o governo gasta com suas universidades, freqüentadas predominantemente pelos 40% mais ricos.
Quando examinada a formação profissional, o quadro é mais favorável, ainda que também apresente problemas, como será visto adiante. O Sistema S 5 oferece seus cursos de formação profissional gratuitamente para uma clientela de classe bem mais modesta. Já nos cursos técnicos e de tecnólogos privados, freqüentados por alunos menos pobres na maioria dos casos, há cobrança de mensalidade. Ou seja, há um veio de progressividade desejável de ser encontrado em outros setores, o que raramente acontece. O principal aspecto negativo é ser o Sistema S relativamente pequeno para o tamanho da força de trabalho. Outra questão impor- tante que milita contra a eqüidade do sistema é o fato de que, cada vez mais, os cursos profissionais pressupõem a alfabetização funcional por parte dos alunos, implicando que muitos fiquem de fora apenas por não atingirem o requisito mínimo para ler materiais didáticos e escrever as tarefas passadas pelo professor. Como o analfabetismo funcional é muito elevado, atingindo, segundo algumas es- timativas, 120 milhões de indivíduos, 6 este é o número – ou algo próximo dele – dos que não terão acesso aos cursos técnicos, mesmo gratuitos.
Em resumo, houve uma gigantesca democratização no acesso e na permanência na escola acadêmica e no acesso a cursos oferecidos enquanto complemento. Do ponto de vista da eqüidade, também foi um grande salto. Mas há duas ressalvas.
menos de 20% desse grupo estão no nível de instrução ideal para a faixa etária (nível pós- secundário). Em contrapartida, mais da metade (52,7%) dos que declararam cor branca está no pré-vestibular ou no ensino superior. TABELA 4 Estudantes de 18 a 24 Anos por Cor e Nível de Ensino Freqüentado – 2003 [em %] Cor Total Fundamental Médio Pré-vestibular Superior Preta e parda 3.626.733 30,9 49,8 3,9 14, Branca 4.258.209 11,6 35,3 6,3 46, Fonte: IBGE/SIS de 2004.
Analfabetismo funcional corresponde à situação educacional dos indivíduos que têm menos de quatro anos completos de estudo, segundo o IBGE. O analfabetismo funcional diz respeito à característica de indivíduos que, mesmo sabendo ler e escrever palavras e frases simples, não possuem proficiência e habilidade que lhes permitam atender satisfatoriamente demandas do dia-a-dia, como, por exemplo, compreensão de textos com algum conteúdo técnico ou mais especializado. Em casos mais extremos, o analfabetismo funcional equivale à incapacidade de redação e compreensão de texto, ainda que o indivíduo saiba escrever o nome e algumas palavras.
continuação
crônica inação nos primeiros quatro séculos de vida do país. A escola se difundiu rapidamente na Europa, a partir do século XVIII e, virtualmente, todos os países daquele continente se aproximaram da universalização da escola ainda no século XIX ou início do século XX.
Em contraste, em meados do século XVIII, estima-se que apenas 1 em cada 10 mil brasileiros freqüentava a escola, e que quase 70% de nossa gente eram analfabetos em 1900 [Franco (2005)] (Gráfico 3). É fácil entender as razões para esse atraso, quando consideramos que 2/3 da população de Portugal nessa época também eram analfabetos. Portugal nos legou o que tinha de bom, mas também o que tinha de ruim. No segundo caso, dele herdamos uma fraquíssima tradição educativa.
Portanto, o atraso educacional do Brasil data de fins do século XVIII e início do XIX. Nem precisamos compará-lo com a Europa ou os Estados Unidos. Nossos vizinhos ao Sul, Argentina e Uruguai, começaram um processo sério de escolarização universal ainda na segunda metade do século XIX.
Essa situação permaneceu mais ou menos a mesma até a metade do século passado. O crescimento que se deu depois disso é impressionante, mas não se conseguiu compensar em 50 anos um atraso que se acumulou por séculos. Ao crescer tão rápido, a partir de uma base tão reles, as dificuldades e limitações foram inevitáveis. Portanto, uma primeira conclusão é que o atraso brasileiro na educação é muito mais o resultado da inação por séculos do que do grande avanço, aos trambolhões, dos últimos 50 anos. Mas também no período recente cometeram-se erros.
Um deles é que, na expansão mais recente, o ensino superior adquiriu certa proeminência em termos de prioridade, expresso pelo enorme crescimento da
Evolução da Taxa de Analfabetismo na População de 15 Anos ou mais - 1900- 80 70
50
60
40 30 20 (^101900 1930 )
Fonte: Franco (2005).
1910 1920 1940 1950 1970 1980 1990
GRÁFICO 3
rede de universidades federais. Foi, porém, um feito impressionante, sobretudo considerando que no seu bojo criou-se a pós-graduação e pesquisa.
O crescimento foi mais rápido do que o do ensino médio, fazendo com que sobrassem as novas vagas criadas nas universidades. De fato, entravam poucos no início da escolarização e muitos ficavam no meio do caminho, de tal forma que o médio permaneceu atrofiado por quase duas décadas (1975 a 1995), gerando uma igual estagnação no crescimento do ensino superior.
Somente nos anos 1990 é que, realmente, tem lugar a grande revolução no ensino básico. Em meados dos anos 1980, 86% da coorte de 7 a 12 anos já estava na escola. Na segunda metade da década, 97% da coorte estavam freqüentando a escola fundamental. Ao mesmo tempo, um enorme contingente de alunos que tradicionalmente estava represado dentro do ciclo fundamental vai progressiva- mente sendo capaz de concluir seus cursos. Programas de correção de fluxo, como a criação do ciclo básico de alfabetização, aumentaram a taxa de cresci- mento nas conclusões em torno de 2% ao ano (a.a.) [Castro (1998, p. 19)].
A expansão das matrículas e a melhoria do fluxo passaram a abastecer o nível médio, que sempre foi ínfimo comparado a outros países. Mas, com o cres- cimento das graduações no fundamental, o médio passa a crescer a um ritmo elevado. Entre o início da década de 1990 e os anos 2000, a matrícula praticamente
TABELA 5 Expansão das Matrículas no Ensino Superior em Relação ao Ensino Médio – 1970- [em mil] Ano Médio Superior Superior/médio 1970 1.119 425 0, 1975 1.936 1.073 0, 1980 2.189 1.377 0, 1990 3.500 1.540 0, 2000 3.680 2.694 0, Fonte: MEC/Inep.
TABELA 6 Evolução das Matrículas no Ensino Médio e Superior 1991 1996 1998 2000 2002 2004 Cresc. (%) Médio 3.770.000 5.739.077 6.968.531 8.192.948 8.710.584 9.169.357 143, Superior 1.565.000 1.868.529 2.125.958 2.694.245 3.479.913 4.163.733 166, Fonte: MEC/Inep.
As estatísticas da educação básica começaram a mudar a partir da segunda metade da década de 1970 e ganharam novo impulso na década de 1990. Em 30 anos, mais do que duplicou o número de matrículas, como pode ser observado no Gráfico 5.
A mudança começou de forma lenta e local, ganhando velocidade no caminho. Primeiro, alguns municípios começaram a reformar seus sistemas educacionais; depois, alguns estados, especialmente Paraná e Minas Gerais, levaram a sério a reforma e criaram novos estilos e fórmulas para aperfeiçoar a educação funda- mental. Mas talvez os motores da mudança tenham sido a abertura e a moderni- zação da economia, as quais geraram uma vigorosa demanda por trabalhadores mais instruídos.
Ensino Fundamental: Taxa de Escolarização Líquida
Fonte: IBGE/Pnad de 2004. Média Brasil
AC (^) AM AP PA RO RR TO AL BA CE MA PB SE RN PI PE ES
MG
RJ
SP
DF
GO
MS
MT
PR
RS SC^9998 97 (^9695) (^9493) (^9291) 90 89
GRÁFICO 4
Evolução das Matrículas no Ensino Fundamental
0
Fonte: MEC/Inep/Diretoria de Estatística e Avaliação da Educação Superior (Daes).
[em mil]
1970 1975 1980 1985 1991 1997 1998 2000 2002 2004
34.229 35.793^ 35.718^ 35.258^ 34.
22.598 24.
Anos
GRÁFICO 5
A melhor notícia da educação brasileira é que as mudanças mais impressio- nantes aconteceram no ensino fundamental. A taxa de graduações subiu e os testes de desempenho indicaram que a qualidade não se deteriorou no processo, como será visto mais à frente. Na Tabela 7 pode-se observar a queda da distorção série-idade – um resultado direto do aumento das graduações.
Na verdade, a queda nas taxas de repetência reflete vários fatores, entre eles, diferentes políticas de correção de fluxo que se disseminaram a partir de meados da década de 1990, decorrentes da comprovação de que a repetência é, em si mesma, uma das principais causas da repetência. 8
O consenso anterior que responsabilizava o aluno pelo fracasso escolar come- çou a ser substituído pelo princípio de que a escola e o professor só dão certo quando
QUADRO 4 Classes de Aceleração Entre 1999 e 2000, a Secretaria de Ensino Fundamental (SEF) do MEC analisou e recomendou o total de 1.174 projetos de prefeituras municipais e secretarias estaduais de Educação. Com esses projetos, foram atendidos 537.367 alunos de 1 a^ a 4 a^ séries, com distorção de dois ou mais anos, e capacitados 32.894 professores, para atuarem nas classes de aceleração. Nesse mesmo período, o MEC realizou a primeira avaliação do programa, e verificou que: a ) o número de escolas com classes de aceleração passou de 1.993, em 1997, para 8.044, em 1999 – um aumento de 300% de escolas, em dois anos; b ) triplicou o número de alunos beneficiados, de 158 mil, em 1997, para 443 mil, em 1999; e c ) o número de professores treinados para tais ações saltou de 13.318, em 1997, para 29.343, em 1999. A partir de 1999, as classes de aceleração começaram a decair, mas ainda somavam 1.072.648, em 2002. A reinserção dos egressos desse programa nas turmas regulares pode ser difícil para professores, alunos e egressos, e não há estudos de acompanha- mento. A questão que permanece é: Quais são as medidas cabíveis sendo adotadas para elimi- nar as causas, e não apenas corrigir as distorções associadas à cultura/pedagogia da repetência?
TABELA 7 Taxa de Distorção Idade-Série no Ensino Fundamental Série 1982 1991 1996 2000 2001 2003 Variação 1ª 71,9 59,5 40,0 27,8 25,3 19,3 -52, 2ª 76,5 62,6 44,1 35,7 31,9 26,6 -49, 3ª 77,2 63,3 46,4 41,6 38,0 31,7 -45, 4ª 76,6 62,7 46,6 42,5 39,4 33,3 -43, 5ª 80,4 70,2 55,6 50,4 50,0 43,4 -37, 6ª 80,2 68,6 53,2 47,5 45,0 41,7 -38, 7ª 79,8 67,4 49,2 48,6 47,5 42,2 -37, 8ª 48,6 45,7 40, Dif. 1ª e 8ª 7,9 7,9 9,2 20,8 20,4 21, Fonte: MEC/Inep.
prêmios, bem como penalidades para o desempenho. Não é preciso implantar um sistema for- mal de pagamento por mérito para ter mecanismos que sinalizam e favorecem o bom desem- penho dos professores. O mecanismo de seleção inicial dos professores oferece uma excelente oportunidade de pescar os melhores candidatos – o que equivale a premiar o seu mérito. A carreira docente define o grau de estabilidade no emprego que tem o professor. Nesse âmbito, os extremos não são desejáveis. O professor bóia-fria não é uma boa solução. Mas a completa estabilidade, como é quase universal na América Latina, tira do administrador qualquer poder para lidar eficazmente com um professor negligente ou incompetente. É interessante notar que o Estado de Pernambuco criou uma carreira CLT para os professores estaduais. Tal iniciativa dá a eles um nível intermediário de estabilidade, favorecendo muito mais a qualidade do seu desempenho. Finalmente, há o clássico sistema de inspeção , praticamente marginalizado na maioria dos países da América Latina, embora exista na Argentina e no Uruguai. São poucos os países da América Latina que implementaram programas de incentivos para docentes. Mas o número de experimentos cresce. O México, por exemplo, introduziu uma nova carreira de magistério, aplicando incentivos econômicos e morais. Já a Colômbia tem regras meritocráticas para regular o ingresso à carreira, bem como os mecanismos de permanência, promoção e demissão do cargo. No Chile, foram criados incentivos para os docentes e implan- tado sistema de informações que permite comparar o trabalho desenvolvido pelas escolas. A situação do Brasil é variada, com soluções e fórmulas dentro de um sistema educativo onde participam municípios, estados e governo federal. Vale a pena mencionar alguns casos. No Ceará , entre 1992 e 1996, foram criados testes de português e matemática para avaliar a educação no estado. As 50 melhores escolas recebem um prêmio em dinheiro. As 50 seguintes recebem também um prêmio, equivalente à metade do valor das 50 primeiras. O Estado do Paraná criou um sistema de avaliação do ensino, por meio de um boletim da escola. Os resultados são comparados com escolas no mesmo município, o que ajuda a reduzir o efeito de variáveis extra-escolares. Embora não fossem criados prêmios ou honrarias, foram distribuídas cópias do referido boletim para 1,3 milhão de pais, e também para as escolas. Não obstante os seus méritos técnicos e a engenharia de criação de um instrumento de pressão política por parte dos pais, o novo governo abandonou o sistema. Sergipe opera um sistema interessante de incentivos aos bons professores. Com o apoio da Universidade de Brasília, foi criado um sistema de avaliação baseado em um questionário para os professores, a avaliação dos seus supervisores e as notas dos alunos em testes. Entre outros prêmios, 20% dos melhores mestres ganham ao fim do ano metade do preço de um computador novo e um financiamento subsidiado para o pagamento da outra metade. Ainda é cedo para avaliar os resultados do programa. O Rio de Janeiro tem o projeto Nova Escola, ainda em implantação. Trata-se de um programa amplo de avaliação, sendo completo, sofisticado e abrangente; porém, caro. Tem ainda os seus problemas, mas pode ser aprimorado. O sindicato dos professores vem protestando, tentando obstar a implantação de um sistema de avaliação de desempenho. Apesar dos protestos e das dificuldades técnicas, alguns resultados iniciais são muito promissores. Apesar da juventude desses programas, o fato é que os experimentos de remunerar o de- sempenho se multiplicam, se tornam mais sólidos e começam a aparecer alguns resultados positivos, o que permite antever que a idéia de premiar o bom desempenho do professor torna-se cada vez mais factível.
continuação
para professores. Em termos gerais, em um país no qual as despesas do governo tendem a ser regressivas, o Fundef destaca-se como poderoso contra-exemplo.
Esse conjunto de desenvolvimentos, combinado com a introdução do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em 1990, e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 1998, evidencia que o principal problema do ensino fundamental começou a ser resolvido.
Dado que houve uma virtual universalização do acesso e permanência na escola, isso foi, sem dúvida, um enorme salto na eqüidade do sistema. Atualmente ninguém fica de fora – exceto talvez em certos bolsões de pobreza no interior do Nordeste. Não foi fácil, porém, superar as estruturas sociais responsáveis pela nossa entrada tardia no mundo da educação. Ainda mais difícil será superar as forças mais nebulosas que fazem com que os resultados acadêmicos dos mais pobres se dis- tanciem daqueles obtidos pelos ricos. E isso também ocorre mundo afora. O Coleman Report mostrou que, mesmo com a fortuna gasta pelos Estados Unidos com educação básica, as escolas norte-americanas tendem a aumentar um pouco a diferença entre raças. O mesmo foi observado em Israel. Diante disso, o que se pode desejar é que, entre o primeiro dia de aula e o dia da formatura, as distâncias aumentem o mínimo possível.
Análises dos dados levam à conclusão de que para os mais pobres a experiência escolar é um salto em um mundo desconhecido e difícil. Não têm familiaridade com livros e com a língua escrita. Seu vocabulário é muito menor. Os métodos de ensino foram feitos para a geração escolar anterior, de classe média. Os primeiros resultados foram ruins, acumulando frustrações. O que vai acontecendo é bem conhecido. As notas fracas aumentam a probabilidade de reprovação e acabam por atrasar a trajetória escolar, aumentando o desvio série-idade. Para muitos, o abandono é inevitável. E isso ocorre, em geral, a partir dos 14 anos, quando escola e trabalho concorrem pelo tempo e preferência dos jovens. 10
A Tabela 8 ilustra as perdas de matrículas ao longo do ensino básico. Vê-se que a quantidade de concluintes do ensino médio em 2003 não passa de 30,4% da que ingressou na 1 ª^ série do fundamental no mesmo ano. Feita uma simulação com os números de 2003, são obtidos os seguintes percentuais de perdas de alunos: do total de ingressantes na 1 ª^ série do fundamental, 38% não concluem a 4 ª^ série e 54% não concluem a 8 ª^ série; dos ingressantes no ensino médio, 47,5% não terminam a 3 ª^ série.