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Renold Blank, pela paciência, apoio, competência e testemunho de amor à teologia e ao Reino de Deus. Por fim, a todos aqueles que partilham comigo a ...
Tipologia: Notas de aula
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Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Renold Blank.
“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultastes estas coisas aos sábios e doutores e as revelastes aos pequeninos. Sim, Pai, porque foi do teu agrado” (Mt 11,25-26).
“Abrirei a boca em parábolas; proclamarei coisas ocultas desde a fundação do mundo” (Mt 13,35).
“Ele era a luz verdadeira que ilumina todo homem; ele vinha ao mundo. Ele estava no mundo e o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o reconheceu” (Jo 1, 9-10).
“Em o nome de Deus, eu vou começar: sem Sua ajuda, nada se fará. Mas Deus auxiliando, tudo aliviará. É portanto, o melhor que eu posso tentar. Em nome de Deus, vou começar”! (Karl Barth).
A Deus, por ter me dado gratuitamente o dom maravilhoso da vida! Obrigado Senhor!
Ao meu pai João Carlos de Godoy e a minha mãe Valdice Maria de Godoy.
Às minhas irmãs Edenilsa de Fátima e Eremildes Cristiane.
Obrigado por me amarem e me respeitarem como sou!
Às pessoas que me apóiam e me incentivam na pesquisa teológica. Particularmente às
amigas Maisa Araújo, Agnes Elizabeth do Canto Albertoni e à eterna Sandra Maria
Calixto ( in memoriam ).
À Pontifícia Universidade Católica e aos meus professores.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Renold Blank, pela paciência, apoio, competência e
testemunho de amor à teologia e ao Reino de Deus.
Por fim, a todos aqueles que partilham comigo a extraordinária aventura da vida e
acreditam no Reino de Deus: a mímesis perfeita do amor. Por aqueles que optaram pela
sequela Christi , fazendo da própria vida um sacrifício de amor em prol da cultura do
Evangelho. Obrigado por serem profecia, testemunho e contemplação da luz de Cristo
para o mundo.
JQR The Jewish Quarterly Review
JRAS Journal of the Royal Asiatic Society of Great Britain and Ireland
JTS Journal of Theological Studies
LG Constituição Dogmática Lumen Gentium
KAT Kommentar zum Alten Testament
MGWJ Monatsschrift für Geschichte und Wissenschaft des Judentums
NDTB Nuovo Dizionario di Teologia Biblica
NRT Nouvelle Revue Théologique
NTS New Testament Studies
RB Revue Biblique
RBit Rivista Bíblica Italiana
REB Revista Eclesiástica Brasileira
RecSR Recherches de Science Religieuse
RHR Revue de l’Histoire des Religions
RelS Religious Studies
Ribla Revista de Interpretação Bíblica Latinoamericana
RQ Revue de Qumran
RSPT Revue des Sciences Philosophiques et Théologiques
RTL Revue Théologique de Louvain
RTP Revue de Théologie et de Philosophie
SCh Sources Chrétiennes
SC Constituição Sacrosanctum Concilium
ST Studia Theologica
TEB Tradução Ecumênica Bíblica
TLZ Theologische Literaturzeitung
TQ Theologische Quartalschrift
TZ Theologische Zeitschrift
UF Ugarit-Forschungen
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNIMEP Universidade Metodista de Piracicaba
VieSpir La Vie Spirituelle
VT Vetus Testamentum
WZ Wisseschaftliche Zeitschrift
WZU Wisseschaftliche Zeitschrift Univ. Halle
ZAW Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft
ZNW Zeitschrift für Neutestamentliche Wissenschaft
ZST Zeitschrift für systematische Theologia
Este estudo analisa o sacrifício de Cristo como superação do sacrifício antigo, a
partir do paradigma do mecanismo vitimário explicado pelo antropólogo franco-
americano René Girard. A tese afronta o tema do sacrifício na perspectiva girardiana,
evidenciando a evolução do seu pensamento: partindo do processo mimético que
culmina na concepção clássica do bode expiatório como exorcização da violência
comunitária, chega a uma concepção mais dialética, na qual mantendo a teoria arcaica,
destaca a novidade cristã do sacrifício, enquanto dom de si mesmo pela vida do outro.
A pesquisa insere-se no contexto dos estudos sobre a função da religião nas relações
humanas, ou seja, o fenômeno religioso nas relações comunitárias, para, a partir de
Girard, enfocar o “sacrifício de Cristo” como a maior expressão de amor da história,
capaz de redimir o homem pecador. O estudo tem a humilde ambição de mostrar a
extraordinária contribuição da teoria girardiana à teologia. Não apresenta uma discussão
global do pensamento de Girard. Atem-se ao campo bíblico dogmático, verificando a
possibilidade de uma compatibilidade entre a teologia católica e o pensamento
girardiano em um ponto específico e absolutamente qualificante: o termo sacrifício pode
perfeitamente ser aplicado ao evento da paixão de Cristo.
Palavras chaves : sacrifício arcaico, mito, rito, mecanismo vitimário, projeção
da violência, sagrado violento, reino de Deus, mímesis da vida, bode expiatório,
sacrifício de amor, paixão de Cristo e soterologia.
This study examines the sacrifice of Christ as a conquest of ancient sacrifice,
from the paradigm of victimizing mechanism explained by Franco-American
anthropologist René Girard. The thesis affront the theme of sacrifice in perspective
Girard, highlighting the evolution of his thought: from the mimetic process that
culminates in the classic concept of the scapegoat as exorcism of community violence, it
reaches a more dialectic, in which maintaining the archaic theory, highlights the
Christian message of sacrifice as gift of self for the life of another. The research fits into
the context of studies on the role of religion in human relations, that is, the phenomenon
of religion in community relations, to, from Girard, focusing on the "sacrifice of Christ
as the greatest expression of love of history able to redeem sinful man. The study has a
humble ambition to show the extraordinary contribution of theory Girard theology. It
presents an overall discussion of the thought of Girard. Keep is the dogmatic biblical
field, including the possibility of the compatibility between Catholic theology and
thought Girard at a specific point and absolutely qualifying: the word sacrifice can be
perfectly applied to the event of Christ's passion.
Keywords : archaic sacrifice, myth, ritual, victimizing mechanism, projection of
violence, violent holy, kingdom of God, mimesis of life, scapegoat, sacrifice and love
soterologia.
Tal é precisamente o sumo sacerdote que nos convinha: santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, elevado mais alto do que os céus. Ele não precisa como os sumos sacerdotes, oferecer sacrifícios a cada dia, primeiramente por seus pecados, e depois pelos do povo. Ele já o fez uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo. A Lei, com efeito, estabeleceu sumos sacerdotes sujeitos à fraqueza. A palavra do juramento, porém, posterior à Lei, estabeleceu o Filho, tornado perfeito para sempre (Hb 7, 26-28).
Nosso referencial teórico é o paradigma do mecanismo vitimário explicado por René
Girard. Afronta o tema do sacrifício, evidenciando a evolução do seu pensamento. Partindo do
processo mimético que culmina na concepção clássica do bode expiatório como exorcização
da violência comunitária, chega a uma concepção mais dialética, na qual mantendo sua
concepção arcaica, destaca a novidade cristã do sacrifício, enquanto dom de si mesmo pela
vida do outro. A pesquisa tem a ambição de mostrar a extraordinária contribuição da teoria
girardiana à teologia. Insere-se no contexto dos estudos sobre a função da religião nas
relações humanas, ou seja, o fenômeno religioso nas relações comunitárias, e, a partir de
Girard enfocar o “sacrifício de Cristo” como a maior expressão de amor da história, capaz de
redimir o homem pecador.
1 Fenômeno religioso na modernidade
Deus morreu! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolaremos, nós, os assassinos dos assassinos? O que o mundo possui de mais sagrado e possante perdeu seu sangue sob a nossa faca. O que nos limpará deste sangue? [...] Este evento enorme está a caminho, aproxima-se e não chegou ao ouvido dos homens [...] É preciso tempo para as ações, mesmo quando foram efetuadas, serem vistas e entendidas 1.
A modernidade colocou a razão no centro da vida e do mundo. Alimentada pelos
ideais de liberdade e subjetividade das grandes revoluções européias (Revolução Francesa e
Iluminismo), a comunidade científica enfatizou sobremaneira a dimensão racional da
existência humana em detrimento da dimensão simbólica (religiosa) da vida.
Em termos genéricos e muito placativos, as mais expressivas consequências dessa
mudança de paradigma podem ser descritas da seguinte maneira: a modernidade decretou a
morte de Deus (Nietzsche). Neste mundo da razão absoluta o sagrado não seria mais
(^1) NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo: Hemus, 1981. p. 125.
necessário. A descoberta da subjetividade humana leva à crítica da religião. O fenômeno
religioso é visto como expressão do imaginário ilusório 2.
A religião foi apontada como fator de alienação e dominação. Sua origem e função
social foram explicadas como impulsos de mecanismos psicológicos, sociais e ideológicos.
Foi interpretada como alienação anti-humana (Feuerbach) e acusada de legitimar as estruturas
sociais injustas do capitalismo (Marx). Foi concebida como fator desagregador e niilista da
humilhação moral do ser humano (Nietzsche). Da mesma forma, também foi analisada como
ilusão transcendental e regressão infantil causada pelos impulsos e estruturas do inconsciente.
A ideia de Deus é o deslocamento para uma figura paterna ampliada. As religiões são uma
tentativa de apaziguar o sentimento filial de culpa em relação ao pai. As ideias religiosas são
ilusões, realizações dos mais antigos, fortes e permanentes desejos da humanidade (Freud).
Interessante a posição de Gianni Vattimo comentando a crise da metafísica e o
posicionamento de Girard.
É diante desse pano de fundo que se apresenta hoje todo o fenômeno religioso. Girard mostrou, a meu ver, de forma convincente que se existe uma verdade divina no cristianismo, esta consiste precisamente no desvendar-se dos mecanismos violentos do qual nasce o sacro da religiosidade natural, ou seja, o sacro que é característico do Deus da metafísica 3.
1.1Fenômeno religioso na pós-modernidade
A revolução tecnológica que caracterizou a virada do milênio, por muitos, interpretada
como aurora da pós-modernidade, apresenta o surgimento de novos paradigmas que
progressivamente “sepultam” os conceitos da modernidade 4. A pós-modernidade marca a
“ revanche do sagrado ” diante da secularização em declínio, verifica-se uma verdadeira
explosão de religiosidade, que surge com novas faces.
Atualmente, apresenta-se a religião no conjunto do saber pós-moderno. Há um
processo de desconstrução dos grandes relatos religiosos 5 , da moral tradicional e, ao mesmo
tempo, nota-se a estruturação de novas articulações simbólicas, que manifestam a realidade
psicológica, existencial e sócioeconômica da vida humana na pós-modernidade.
(^2) Cf. LIBANIO, João Batista. Teologia da Revelação a partir da Modernidade. São Paulo: Loyola, 1992. p. 120. (^3) VATTIMO, Gianni. Depois da Cristandade: por um cristianismo não religioso. Rio de Janeiro: Record, 2004.
p. 53. (^4) Cf. DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. 8. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. p. 89. (^5) Cf. LYOTARD, Jean François. O Pós-Moderno. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993. p. 69.
verdade é que, embora jamais hesitasse, fui avançando um pouco às cegas, como que empurrado pela coisa 9.
O desejo é matriz do fenômeno religioso. O homem girardiano age sempre desejando
ser outro, que é ao mesmo tempo o seu modelo e o seu rival: eis o foco da inveja, do ódio, da
vingança e de todas as formas de exclusão. O desejo é a matriz da violência que alimentada
pelo ódio progressivo dos rivais, numa relação de reciprocidade negativa, envolve toda a
comunidade, ameaçando a ordem social e a própria sobrevivência do grupo. Somente o
sacrifício de uma vítima inocente: o bode expiatório pode aplacar os sentimentos de ódio e
rivalidade disseminados em toda a comunidade. O sacrifício do bode expiatório reporta
“paraíso perdido” e daí, a mesma comunidade, que assassinou a vítima anteriormente
considerada culpada por todas as mazelas da sociedade é misteriosamente divinizada pelos
seus próprios assassinos. Eis o sagrado violento: paradigma religioso explicado pelo
antropólogo franco-americano René Girard.
Neste contexto de diversas interpretações dadas ao fenômeno religioso, temos o
paradigma do mecanismo vitimário explicado por René Girard. A religião primitiva está
ligada à violência e os mitos primitivos escondem a violência do assassinato fundador como
purificação da comunidade. O rito atualiza o mito e a religião nasce do sacrifício violento da
vítima. As sociedades primitivas sacrificavam vítimas inocentes para restaurar a ordem social.
O desejo mimético, que conduz a rivalidade extrema entre as pessoas gerando ódio, inveja,
rancor, vingança e, sobretudo, um insaciável desejo de violência, culmina no linchamento
coletivo do bode expiatório.
Partindo da literatura, passando pela mitologia grega, dialogando com os principais
mestres da filosofia, da psicologia e da sociologia, chega-se à tradição judaico-cristã. René
Girard descobre que a tradição judaico-cristã é uma experiência profundamente nova, que
revolucionou as relações humanas. A partir do texto bíblico, demonstra objetivamente, que o
Deus da Bíblia não é o sagrado violento, que nasce do linchamento coletivo do bode
expiatório, mas é o Deus transcendente e misericordioso, solidário com as vítimas inocentes
do mundo. O ponto culminante dos estudos girardianos sobre a religião é o sacrifício de
Cristo, enquanto plenitude da revelação de Deus e do homem ao próprio homem, capaz de
desvendar aos olhos humanos essa realidade milenar e inconsciente, denominada por Girard
como mecanismo vitimário. Concluo dando a palavra ao próprio Girard.
(^9) ASSMANN, Hugo (org.). René Girard com Teólogos da Libertação: um diálogo sobre ídolos e sacrifícios.
Petrópolis: Vozes; Piracicaba: UNIMEP, 1991. p. 46.
Tenho sido levado a desenvolver cada vez mais uma teoria geral da religião centrada sobre o sacrifício, ou melhor, sobre uma hipótese a respeito da origem do sacrifício. Quando me ocupei do assunto, inicialmente não tinha tal intenção. Estou totalmente convencido de que teorias gerais são vistas com grande suspeita atualmente, e eu poderia ainda compartilhar de tal suspeita se minha própria pesquisa não tivesse dado uma irresistível guinada para o tipo de empreendimento do qual aprendi a desconfiar. Reagi fortemente contra muitos aspectos, continuo influenciado por ele. Creio que é possível recuperar a dimensão genérica sem perder o aspecto positivo do estruturalismo 10.
2 Objetivos da tese
Quero trabalhar para compreender o processo de superação do sacrifício do âmbito
mitológico-ritual para o âmbito cristão. Buscar caminhos capazes de mostrar o valor cristão
do sacrifício, pois permanece uma realidade central da tradição cristã e da vida humana.
Há uma longa história de antropólogos, sociólogos e teólogos que se dedicaram ao
tema do sacrifício. Contudo, nas últimas décadas, quem colocou o tema no centro do mundo
cultural de maneira abrangente e objetiva foi indiscutivelmente René Girard. A sua
particularíssima noção de sacrifício foi continuamente retomada, discutida e criticada em
vários ambientes acadêmicos. Girard agitou os ambientes acadêmicos a partir dos anos
setenta. No Brasil, o acontecimento marcante foi o encontro de Girard com os teólogos da
libertação realizado em Piracicaba de 25 a 29 de julho de 1990.
A tese mostra a clássica oposição girardiana entre “sacrificial” e “não sacrificial”,
aspecto normal para todos aqueles que afrontam o paradigma girardiano. Contudo, há uma
oposição entre duas formas de “sacrifício” em Girard? Sim, é exatamente isso. Uma
oposição entre “sacrifício arcaico” e “sacrifício de Cristo” pertence a Girard, houve uma
evolução no seu pensamento, fator praticamente desconhecido nos ambientes acadêmicos
brasileiros, posto que, não temos nenhuma publicação nesta área.
Acredito que a retomada do tema do sacrifício a partir de Girard vale a pena, pois pode
oferecer uma perspectiva nova na compreensão do próprio autor e uma contribuição peculiar
na reflexão do tema do sacrifício, de modo particular sobre a necessidade em estabelecer uma
distinção entre sacrifício no sentido histórico-cultural e sacrifício de Cristo. Uma segunda
motivação de caráter mais genérico, é que o pensamento antropológico girardiano abre uma
perspectiva extremamente original e interessante para uma conexão entre a mensagem cristã e
(^10) ASSMANN, Hugo. O pensamento de René Girard desperta interesses diferenciados. In: ASSMANN, Hugo
(org.). René Girard com Teólogos da Libertação: um diálogo sobre ídolos e sacrifícios. Petrópolis: Vozes, Piracicaba: UNIMEP, 1991. p. 99.