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Análise dos defeitos do negócio jurídico no Novo Código Civil brasileiro, Provas de Direito

Este documento analisa as novidades e insuficiências do novo código civil brasileiro em relação aos defeitos do negócio jurídico, como a lesão e o estado de perigo, mantendo a fraude contra credores como causa de anulabilidade. Além disso, discute a classificação de vícios da vontade e a distinção entre validade e eficácia dos negócios jurídicos.

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Jacirema68
Jacirema68 🇧🇷

4.5

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DOS EFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO NO NOVO CÓDIGO
CIVIL
Humberto Theodoro Jr. *
Sumário: 1. Intróito. 2. Defeitos do negócio jurídico. 3.
A eficácia do negócio jurídico. 4. A patologia do negó-
cio jurídico. 5. O negócio judico e os planos de sua
atuação. 6. Plano da existência. 7. Plano de validade.
8. Plano de eficácia. 9. cios verificáveis em cada pla-
no. 10. Diferença entre invalidade e ineficácia. 11.0
erro de nominar a fraude contra credores de
anulabilidade e não de ineficácia. 12. Em síntese. 13.
Os vícios de consentimento e a anulabilidade do ne-
gó cio ju rídic o. 13.1. Teoria da v onta de real. 13.2. Teo-
ria da declaração. 13.3. Teorias da responsabilidade e
da confiança. 13.4 Teoria da confiança. 14. A posição
do novo Código brasileiro; 15. Resumo; 16. Abstract.
1. INTRÓITO
O tema dos defeitos do ato jurídico" prepara a abordagem legal das invalidades
- nulidade e anulabilidade.
O Novo Código Civil, já aprovado no Congresso Nacional, evoluiu grandemente
nesse campo de defeitos do negócio judico inserindo, no direito positivo, novas e.
relevantes figuras como a lesão (art. 157) e o estado de perigo (art. 156), atenden-
do, dessa maneira, a norios anseios sociais.
Deslocou, também, com inegável acerto, a simulação do campo das
anulabilidades para o das nulidades (art. 167).
Cometeu, todavia, um desservo ao direito civil brasileiro, ao manter a fraude
contra credores dentre as causas de anulabilidade do negócio jurídico (arts. 128 a
Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG. Desembargador Aposentado do TJMG Doutor em Direito. Advogado
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DOS EFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO NO NOVO CÓDIGO

CIVIL

Humberto Theodoro Jr. *

Sumário: 1. Intróito. 2. Defeitos do negócio jurídico. 3. A eficácia do negócio jurídico. 4. A patologia do negó- cio jurídico. 5. O negócio jurídico e os planos de sua atuação. 6. Plano da existência. 7. Plano de validade.

8. Plano de eficácia. 9. Vícios verificáveis em cada pla- no. 10. Diferença entre invalidade e ineficácia. 1 1. erro de n o m in a r a frau d e co n tra cre d o re s de anulabilidade e não de ineficácia. 12. Em síntese. 13. Os vícios de consentimento e a anulabilidade do ne- gócio jurídico. 13.1. Teoria da vontade real. 13.2. Teo- ria da declaração. 13.3. Teorias da responsabilidade e da confiança. 13.4 Teoria da confiança. 14. A posição do novo Código brasileiro; 15. Resumo; 16. Abstract.

1. INTRÓITO

O tema dos “defeitos do ato jurídico" prepara a abordagem legal das invalidades

  • nulidade e anulabilidade. O Novo Código Civil, já aprovado no Congresso Nacional, evoluiu grandemente nesse campo de defeitos do negócio jurídico inserindo, no direito positivo, novas e. relevantes figuras como a lesão (art. 157) e o estado de perigo (art. 156), atenden- do, dessa maneira, a notórios anseios sociais.

Deslocou, tam bém, com inegável acerto, a sim ulação do campo das anulabilidades para o das nulidades (art. 167).

Cometeu, todavia, um desserviço ao direito civil brasileiro, ao manter a fraude contra credores dentre as causas de anulabilidade do negócio jurídico (arts. 128 a

Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG. Desembargador Aposentado do TJMG Doutor em Direito. Advogado

165), já que os rumos traçados pelo direito comparado contemporâneo e a lição

da doutrina nacional desde muito catalogam a impugnação pauliana no âmbito da

ineficácia, e não da invalidade.

Além de atribuir efeitos impróprios à natureza dos negócios viciados, reúne o

Código fenômenos heterogêneos sob a denominação única de “defeitos do negó-

cio jurídico". Na verdade, nada há em comum entre os vícios de consentimento

(ou de vontade) - erro, dolo, coação etc. e os vícios funcionais (ou sociais), como

a fraude contra credores.

Nos vícios de consentimento o ato é defeituoso porque a vontade do agente

não se forma corretamente, já que não fora o defeito de que se ressentiu no pro-

cesso de formação, manifestar-se-ia, certamente, de maneira diversa. Ou seja,

sob influências que atuam anormalmente sobre seu psiquismo, o comportamento

do agente “difere daquele a que sua vontade livre e consciente o conduziria’’1. Já

na fraude contra credores (assim como na simulação), a declaração de vontade

não se afasta do propósito que efetivamente o agente teve ao praticá-la. “O negó-

cio jurídico porventura configurado resulta do livre e consciente desejo dos con-

tratantes”, de sorte que “inexiste disparidade entre o querido e o declarado”2. A

sanção que, na espécie, se aplica ao negócio não é em proveito de um dos contra-

tantes, mas de terceiro ou terceiros atingidos pelos efeitos do ato fraudulento. Daí

porque não há defeito algum na formação do negócio, quer quanto aos seus ele-

mentos essenciais, quer quanto aos requisitos de validade entre as partes. A cen-

sura da lei se volta apenas para um plano exterior ao negócio, o de seus reflexos

sobre o meio social. Por isso se costuma qualificar a fraude como vício social.

Como explicar, então, o agrupamento de figuras tão díspares como os vícios de

consentimento e os vícios sociais no mesmo segmento dos defeitos do negócio

jurídico? Simplesmente porque, na ótica do Código de 1916, todos eles conduziri-

am a uma só sanção: a anulabilidade.

Mas, tão diferentes eram os dois fenômenos, que mesmo submetendo-os ao

regime comum das anulabilidades, não pôde o Código velho deixar de reconhecer

1 SILVIO RODRIGUES, Dos Vícios de Consentimento, 2‘ ed., Sio Paulo, Saraiva, 1982, n.° 2, p. 5 2 SILVIO RODRIGUES, ob cit., n." 2, p. 6

ter os efeitos de início produzidos.

Para o Código, como se vê, o negócio é válido ou inválido. Se é válido, apresen- tar-se-á em condições de produzir todos os efeitos jurídicos dele esperados. Se é inválido, ou não produzirá efeito algum (nulidade), ou poderá ser ulteriormente privado de seu efeito (anulabilidade). Enfim, o sistema adotado resume-se a ter como base o binômio “validade-invalidade", no plano geral, e o acanhado confron- to entre “nulidade” e “anulabilidade", no plano restrito da invalidade.

Há nessa sistemática uma confusão, intolerável para o grau atual de desenvol- vimento da ciência do direito, entre “invalidade” e “ineficácia", porque na vetusta ótica do Código, não há como negar efeito, no todo ou em parte, a um negócio jurídico como o praticado sob a fraude senão imputando-lhe a mácula da invalidade, ou seja, tratando-o como ato nulo ou anulável.

Realmente, no final do Século XIX, quando CLÓVIS BEVILAQUA redigiu o pro- jeto que, em 1916, viria a converter-se no primeiro Código Civil Brasileiro, a teoria da eficácia e da ineficácia, ainda não estava suficientemente explorada e sistema- tizada. Por isso, se jogava apenas com as idéias de validade e nulidade, dentro das quais deveriam acomodar-se todas as situações de negócios jurídicos impo- tentes à plena geração de efeitos.

Reconhecia, então, o autor do Projeto do velho Código que a teoria das nulida- des ainda se apresentava vacilante na doutrina, circunstância que aliada à falta de nitidez dos dispositivos legais, à ausência de princípios diretores do pensamento em função legislativa, vinha dando a esse assunto “um aspecto particularmente rebarbativo”4.

Lembra CLÓVIS que nas origens romanas o sistema era extremamente singe- lo: se o ato fora praticado contra prescrição legal, era nulo, o que equivalia dizer, não tinha existência para a lei5. O rigor da lógica jurídica esposada pelo preceito

4 CLÓVIS BEVILAQUA,Francisco Alves, 1975, § 65, p. 254 Teoria Geral do Direito Civil, atualizada por CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Rio de Janeiro Ed Rio-Liv

5 F i mperial (Cód 1, 14, 1.5)m quae lege fieri prohihentur si fuerint fa d a , non solo imtilia. sed pro infectis, eliam habenlur - i o que se proclama no direitoi r

se manifestou inconveniente em várias situações, pelo que o direito pretoriano cuidou de abrandá-lo, por meio de distinções que conduziram a reunir em setores diferentes os atos “nulos de pleno direito", cuja ineficácia não dependia de resci- são, e os “atos defeituosos”, cuja nulidade dependia de sentença para ser reco- nhecida.

Foi essa doutrina que, predominando ainda ao tempo da elaboração do Projeto Beviláqua, se tornou o critério legal de catalogar as invalidades adotado pelo Có- digo Civil de 1916. Reconhecia, porém, CLÓVIS que, sem embargo da opinião unânime sobre a existência dos dois tipos de nulidade, não existia entre os doutrinadores um consenso sobre quais atos deveriam entrar numa classe ou noutra, nem tampouco sobre o critério de distribuição, nem ao menos sobre se as duas categorias seriam, realmente, suficientes “para conter todos os atos, a que a ordem jurídica recusa apoio”6.

Ciente de que os atos ineficazes não poderiam limitar-se às categorias da nu- lidade e da anulabilidade, o Projeto contemplava também a figura dos atos inexistentes, preconizada por AUBRY et RAU. Na concepção de CLÓVIS, o ato inexistente é mais do que ato nulo, porque não tem sequer a aparência de um ato jurídico de seu gênero. No entanto, o Código preferiu ignorar a categoria da inexistência para contemplar, no campo da ineficácia, apenas a nulidade e a anulabilidade, agrupando analiticamente as hipóteses enquadráveis em cada uma das categorias legais.

Explica o autor do Projeto que o critério adotado foi o de considerar a nulidade como um gênero que admite duas espécies, conforme o grau de intensidade do fenômeno. Por nulidade em sentido lato deve-se entender “a declaração legal de que a determinados atos jurídicos se não prendem os efeitos ordinariamente pro- duzidos pelos atos semelhantes”. A privação de efeitos é uma pena aplicada a quem pratica o ato violando a lei. Consiste essa pena justamente na “privação dos direitos ou vantagens, que o ato teria conferido se fosse conforme a lei“7.

No entanto, a reação da ordem jurídica contra o ato nulo não se dá sempre com

6 CLÓVIS BEVILÁQUA, Teoria Geral, cil., § 65, p. 255 7 CLÓVIS BEVILAQUA, Teoria Geral, cil., § 65, p. 257

pôde atribuir a certas “anulabilidades” do Código sua verdadeira natureza, que

seria a de ineficácia relativa ou inoponibilidade, malgrado a terminologia inade-

quada e superada do velho diploma legâl.

Sem embargo de tal esforço científico, que logrou respaldo significativo na ju-

risprudência, o novo Código vem à luz no Século XXI repetindo, ipsis litteris, o

anacrônico e superado regime de anulabilidades do estatuto de 1916. Ou seja, o

vício social - fraude contra credores - continua arrolado como causa de

anulabilidade, ao lado de vícios de consentimento como o erro, o dolo e a coação,

muito embora nada tenha em comum com eles, nem no mundo fático, nem no

jurídico.

Ignorou o legislador do Século XXI toda a conquista da ciência do direito do

Século XX em torno da sistematização dos planos de atuação da vontade no

campo jurídico. Isto, porém, não impede que os fenômenos ligados aos efeitos do

negócio jurídico sejam catalogados e analisados cientificamente pelo jurista. O

erro do legislador não tem a força de mudar a natureza das coisas. Se a lei não

sabe distinguir entre entidades tão diferentes como são a anulabilidade e a inefi-

cácia relativa, cabe ao intérprete fazê-lo.

Vamos, pois, fazer a distinção que o legislador não soube captar, ou o que é

pior, conhecendo as categorias, não cuidou de observá-las com o indispensável

rigor.

3. A EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO

O negócio jurídico traduz, como se sabe, a atuação da vontade autônoma do

agente como fonte de relações jurídicas, não só, porém, no sentido de criá-las

originariamente, mas também de modificá-las, transferi-las, conservá-las ou

extinguí-las9.

O negócio jurídico pertence à categoria do fato jurídico (evento que produz

efeito no mundo das relações jurídicas) e dentro dela integra a espécie do ato de

9 VICENTE RÁO, Ato Jurídico, Sâo Paulo, Saraiva, 1979, p. 32 e segs.

vontade. Não é, porém, qualquer ato de vontade, mas “uma manifestação de vontade qualificada, ou uma declaração de vontade10. Para ter-se configurado o negócio jurídico não basta que a vontade seja revelada por uma atitude externa do agente, “é preciso que ela tenha querido se produzir externamente como von- tade constitutiva de direito”, no dizer de SALEILLES”.

Sob este ponto de vista, o negócio jurídico configura causa eficiente de cons- tituição, modificação, transferência ou extinção de relações jurídicas. E, por sua vez, a relação jurídica constituída, modificada, transformada ou extinta, deita suas raízes na vontade declarada e forma o seu conteúdo com preceito ou conjunto de preceitos que se traduzem na imputação de deveres e poderes relativos a uma determinada situação de fato.

A relação equacionada pelo negócio jurídico, assim, transita pelos dois planos com que o direito sempre opera: o do ser e o do dever ser. Em primeiro lugar, o negócio jurídico envolve uma relação fática em torno de interesses humanos; mas simultaneamente, essa relação alcança significados próprios dos conceitos ontológicos do plano jurídico: deveres, faculdades, poderes, direitos subjetivos etc.

Dentro dessa perspectiva do dever ser, a finalidade (causa final) de todo ne- gócio jurídico é a produção de determinados efeitos típicos do plano do direito. A eficácia do negócio jurídico consiste justamente na efetiva produção dos efeitos para os quais foi concebido. Opera ele como fonte de direito entre as partes12.

Há, outrossim, dois graus de eficácia para o negócio jurídico: o estático e o dinâmico. No primeiro, a vontade negociai cria a relação jurídica (isto é, consti- tui, modifica, transfere ou extingue uma relação de direito) e fixa sua idoneidade

10 ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Negócio Jurídico: Existincia, Validade e Eficácia, 31ed., Slo Paulo, Saraiva, 2.000, § 3", p. 17 11 ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, ibidem 12 Há quem recuse ver no negócio jurídico a criação de normas jurídicas, porque o preceito que emerge do contrato, por si só, não é preceito jurídico. Sua força de preceito se dá por um processo de recepção do ordenamento jurídico. Do negócio jurídico, na visão de CARIOTA FERRARA só podem surgir relações jurídicas e não preceitos (II Negoiio Giuridico nel Dirillo Privato Italiano, 5* ed., Napoli Morano p. 104), KELSEN, todavia, vê na regulação pelas próprias partes de suas mútuas relações, inerente ao negócio jurídico, a figura dé "normas criadas pela via jurídico-negocial" (KELSEN, Teoria pura do Dirtilo, 2* ed., Coimbra, Arménio Amado, 1962, vol. 2, p 123 e s.). Seriam os negócios jurídicos, na concepção Kelseniana, fontes de normas jurídicas nâo-autônomas, porque seu efeito depende de combinação entre elas e as normas gerais estatuídas pela lei. Mas, não se pode recusar que no âmbito das relações contratuais, embora não autônomas surgem por força da convençlo, "normas jurídicas concretas" a serem obrigatoriamente cumpridas pelas partes.

A eficácia pressupõe a validade do negócio jurídico, mas não apenas a valida- de; exige, também, a idoneidade funcional inerente à autonomia privada.

“A invalidade ou nulidade é uma espécie de ineficácia, não, porém, a única, já que um negócio originariamente válido pode tornar-se em seguida inefi- caz por razões supervenientes, relativas à sua base objetiva, extrínsecas à estrutura negociai como tal.”1 5

Não é suficiente, em suma, a existência de um negócio válido parater-se asse- gurada a produção de seus desejados efeitos. Podem existir condições a serem cumpridas antes que a eficácia se torne efetiva.

Fatores de eficácia, portanto, são dados que condicionam a produção do efei- to do negócio jurídico sem integrarem a sua composição. São “algo extrínseco ao negócio, algo que dele não participa, que não o integra, mas contribui para a obtenção do resultado visado”, como se passa, por exemplo, com os efeitos dos “atos subordinados a condição suspensiva” 16, em caráter geral, ou com a restri- ção dos efeitos dos atos de fraude contra credores, em relação apenas aos tercei- ros prejudicados.

4. A PATOLOGIA DO NEGÓCIO JURÍDICO

A expressão “patologia do negócio jurídico”, cunhada porTRABUCCHI, reúne as várias hipóteses em que se pode verificar o impedimento à eficácia do negó- cio17.

De início é preciso lembrar que o fenômeno da ineficácia pode ser encarado em dois sentidos diferentes. Em sentido lato, a ineficácia compreende todas as situações nas quais o negócio não produz os seus efeitos, pelas mais variadas razões, inclusive a nulidade. Já a ineficácia em sentido estrito ocorre quando o negócio, mesmo sendo válido, não é, por si, suficiente para fazer nascer os efeitos

15 ZANNONI, ob. cit., p. 127 j 16 ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Negócio Jurídico, cit , p. 54 17 Istituzioni di diritto civile, 38* ed., Milano, 1998, n.# 79, p. 182

previstos. A ineficácia gerada pela invalidade pertence ao plano estático da rela- ção jurídica e a ineficácia em sentido estrito, ou funcional, opera no plano dinâmi- co.

Uma vez que o negócio in concreto pode não produzir ou deixar de produzir, no todo ou em parte, seus desejados efeitos, sem que se ponha em discussão a sua validade originária, não é correto reunir os vícios dos negócios jurídicos nos limi- tes do binômio nulidade - anulabilidade, como equivocadamente insiste em fa- zer o novo Código Civil.

Muitas vícios do negócio jurídico não pressupõem defeito estrutural da relação jurídica, mas advém de avaliação negativa do confronto de interesses instalado supervenientemente e in concreto durante o curso de cumprimento das avenças18.

O que, portanto, a moderna concepção do direito civil preconiza é a divisão do fenômeno da ineficácia em vários grupos, ou seja:

a) a nulidade

b) a anulabilidade

c) a ineficácia originária

d) a ineficácia sucessiva.

Assim, tomando-se como base o sistema do moderno Código Civil italiano, pode-se afirmar que os vícios de consentimento produzem anulabilidade, mas a lesão conduz à rescisão por ineficácia originária, e o desequilíbrio das presta- ções correspectivas durante a vigência do contrato conduz à sua resolução por ineficácia sucessiva.

Por outro lado, como a ineficácia pode ser total ou parcial, isto é, pode referir-se a sua repercussão sobre todos os interessados ou apenas sobre um ou alguns interessados, há defeitos do negócio que não conduzem nem à sua anulação nem

18 LINA BIGLIAZZI GERI etalii, Diritto Civile, Torino, UTET, 1997, v. 1.2 - F atti e atti giuridici , n.# 37, p. 853

existência, o da validade e o da eficácia. Ou seja: para existir, o negócio jurídico reclama elementos essenciais; para valer, tem de satisfazer os requisitos que a ordem jurídica determina; e para atingir a concretude dos efeitos desejados, hão de atuar os fatores exigidos para a eficácia21. A não-integração dos elementos materiais do plano da existência, assim como dos requisitos jurídicos da validade ou dos fatores da eficácia, conduz à frustração do resultado buscado pelo agente.

A patologia do ato jurídico ocorre quando a vontade manifestada é insuficiente para produzir, no todo ou em parte, absoluta ou relativamente, o efeito visado pelo autor da declaração de vontade. As conseqüências dessa patologia, no entanto, não são iguais nos diversos planos já apontados.

6. PLANO DA EXISTÊNCIA

O ato antes de ser encarado como ato jurídico deve existir como realidade material, isto é, como conjunto de dados fáticos que corresponda ao tipo jurídico ( fattispecie ). Se nem ao menos esses dados mínimos de natureza material ocor- reram e a fattispecie não se configurou sequer aparentemente, o caso é de inexistência do ato jurídico e não apenas de nulidade22.

No universo dos negócios jurídicos, os elementos necessários à sua configu- ração são de duas categorias: os gerais, comuns a todos os negócios (ex.: não há negócio jurídico sem agente e sem declaração de vontade); e os categoriais exigidos para cada tipo de negócio (não há, v.g., compra e venda se não houver o consenso sobre a coisa e o preço)23. A falta ou deficiência de elementos aciden- tais, podem refletir sobre a validade ou eficácia, mas não acarreta a inexistência do negócio jurídico. É em face dos elementos essenciais, portanto, que se pode cogitar de inexistência.

Tomem-se, por exemplos, o casamento e o contrato de compra e venda. No

21 "Elemento é tudo aquilo de que algo mais complexo se compõe"... "requisitos (de requirire, requerer, extinguir) sflo condições, exigências que se devem satisfazer para preencher certos fins, e, finalmente, fatores são "tudo que concorre para determinado resultado, sem propriamente dele fazer parte" (ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Negócio Jurídico, cit., p. 29) 22 EMILIO BETT1, Teoria geral do negócio jurídico, Coimbra, 1970, v. III, n. 58, p. 17- 23 ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Negócio Juridico, cit., § 2o, p. 31/

primeiro, o ato jurídico exige a declaração de vontade de constituir a sociedade conjugal por parte de duas pessoas de sexos diferentes. No segundo caso, o contrato exige, conceitualmente, o concurso de três elementos essenciais: coisa, preço e consenso. Suponhamos que a declaração de vontade de realizar o matri- mônio tenha se dado entre pessoas do mesmo sexo; ou que o comprador e ven- dedor tenham entrado em consenso quanto ao propósito de comprar e vender certo objeto, mas não tenham logrado definir o preço. Nas duas situações não será possível pensar nem em casamento nem em compra e venda, porquanto o suporte fático suficiente não se compôs em nível de permitir que o fenômeno penetrasse no plano da existência, sem o qual não se consegue passar ao plano subseqüente, que é o da cogitação da validade, ou não, do ato intentado pelo agente.

A inexistência, nessa ordem de idéias, é fenômeno do plano do ser. Estando incompleta a figura material do fato típico, o fato jurídico simplesmente não exis- te. Logo, não se há de discutir se é nulo ou ineficaz, nem se exige desconstituição judicial, “porque a inexistência é o não ser que, portanto, não pode ser qualifica- do”24.

Aqueles que se opõem à distinção entre a nulidade e a inexistência costumam afirmar a impossibilidade, ou pelo menos a dificuldade de formular, na essência, as diferenças entre tais figuras. No entanto, há quem aponte essas diferenças de modo satisfatório. Assim, para SANTORO-PASSARELLI nos casos de invalidade, a falta que a configuraria, não impediria a “identificação do negócio ’* já nas hipóte- ses de inexistência, a falta observada “impediria a identificação do negócio", o qual, por isso mesmo, se apresentaria como “juridicamente inexistente'*5 Da mesma maneira, MANUELA. DOMINGUES DE ANDRADE, destaca que a inexistência se consubstancia quando “nem sequer aparentemente se verifica o corpus de certo negócio jurídico”; ou quando, embora exista tal aparência, a realidade não corresponde ao corpus do negócio perquirido26.

24 MARCOS BERNARDES DE MELLO, ob d t., § 21, p. 75 25 Doctrinas Generates del Derecha Civil, Madrid, Ed Rev Derecho Privado, 1964, p. 296 26 Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra, livraria Almedina, 1983, v. 2, n. 196, p. 414

requisito ligado a tal elemento. Assim, não há negócio jurídico sem declaração de vontade. Mas, para ser válido o ato é requisito que a declaração seja feita por pessoa capaz, sem vício de consentimento. Existência e validade são fenômenos distintos, portanto.

Às vezes o grau de invalidade não é total (pleno), pois o negócio tem poder de gerar efeitos jurídicos, embora possa ser invalidado a requerimento de um dos seus sujeitos, em virtude de algum vício que não chega ao nível da falta de requi- sito essencial, mas que compromete sua plena eficácia. Configura-se, então, o ato jurídico anulável (Código Civil, art. 147). O coacto não deixa de emitir decla- ração de vontade, mas esta se recente de vício, que, a critério da parte, pode ou não ser invocado para desfazer o negócio defeituosamente praticado.

A nulidade (absoluta ou plena), que é cogitada no art. 166 do novo Código Civil, representa, no dizer de KARL LARENZ, o grau máximo de ineficácia do ato jurídico:

"Los efectos jurídicos pretendidos dei negocio nulo no tienen lugar, en prin- cipio, ni entre los participantes ni en sus relaciones com terceros. El negocio nulo no requiere un acto especial - ya sea una declaración de voluntad a ello dirigida, ya una demanda y una sentencia judicial - para producir la ineficacia. Cualquier persona puede alegar sin más la nulidad de un nego- cio jurídico. Esta se há de tomar en cuenta por el tribunal en el litigio, con tal que resulte de los hechos presentados en el proceso, aunque una de las partes no la alegue.’*

A diferença entre o ato jurídico inexistente e o ato jurídico nulo está em que este existe como fato impotente para produzir efeitos jurídicos, enquanto aquele nem como fato existe31.

Aanulabilidade ou nulidade relativa, representa um grau menor de ineficá- cia, porque o defeito do ato jurídico não o afeta tão profundamente, como a falta de um requisito essencial. Então, o ato jurídico existe e tem aptidão para produzir

30 KARL LARENZ, Derccho civil - Parte general, Madrid, Revista de Derecho Privado, 1978, § 23, p. 623 31 KARL LARENZ, ob. cit, § 23, p. 624

seus efeitos, mas a lei confere a uma das partes a faculdade de requerer a sua anulação, eliminando, retroativamente, todos os seus efeitos. O vício da declara- ção de vontade cria, assim,

“ una specie di situazione di incertezza, di pendenza, di sospensione che si protrae - se il negozio non viene annullato o convalidato - fino a che non sia scaduto il termine di prescrizione p e r fazione di annullamento. Dopo tale data, 1'atto si considera valido, non solo definitivamente per 1’awenire, ma come fosse già nato savro da v i z i (Ou seja: “uma espécie de situação de incerteza, de pendência, de suspensão que se prolonga - se o negócio não vem a ser anulado ou convalidado - até que ocorra o termo da prescrição da ação de anulação. Depois de tal data, o ato se considera válido não só definitivamente para o futuro, mas como se originariamente praticado sem vício”)

Ao contrário da nulidade, a anulabilidade não opera de pleno direito; reclama, portanto, sentença em ação promovida pela parte interessada visando a desconstituição do ato defeituoso33.

8. PLANO DE EFICÁCIA

O negócio nulo não tem força de produzir o esperado efeito da declaração de vontade. O negócio válido tem aptidão para produzir tal efeito, mas pode não fazê- lo, por alguma razão de direito. Assim chega-se ao plano da eficácia, que é aque- le, no mundo jurídico, onde os fatos jurídicos produzem os seus efeitos, criando as situações ou relações jurídicas, dentro daquilo que a vontade negociai projetara34. Vários são os fatores que, segundo a ordem jurídica, condicionam a produção de efeitos do negócio jurídico, ligados ou não aos requisitos da validade.

A ineficácia decorre naturalm ente da nulidade ou da decretação de anulabilidade. O negócio válido, mas sujeito a termo ou condição suspensiva,

32 ALBERTO TRABUCCHI, ob. cit., n. 83, p. 187 33 ALBERTO TRABUCCHI, ob. cit., n. 84, p. 188 34 MARCOS BERNARDES DE MELLO, ob. cit., § 23, p. 77

ção e estas não ocorreram35. Da mesma forma, uma hipoteca não registrada, embora válida e eficaz entre as partes contratantes, nenhum efeito produzirá, pra- ticamente, contra terceiros (Código Civil de 1916, art. 848).

9. VÍCIOS VERIFICÁVEIS EM CADA PLANO

No plano da existência, não se cuida de validade, nem de eficácia. O contraste possível é apenas entre existir ou inexistir.

No plano da validade, não entra o fenômeno da existência ou inexistência. Co- gita-se de algo que exista e que pode valer ou não valer para os fins jurídicos a que o negócio se endereçou. Nesse plano, portanto, o contraste possível é ape- nas entre validade e invalidade (nulidade).

Já no plano da eficácia, não mais se cogita de existência nem de validade, mas tão somente de estar o negócio em situação de produzir ou não, no todo ou em parte, o resultado jurídico para o qual foi praticado. A contraposição admissível será, portanto, entre ato eficaz e ato ineficaz.

10. DIFERENÇA ENTRE INVALIDADE E INEFICÁCIA

A aplicação da sanção da ineficácia, e não da invalidade, decorre de uma valoração da lei em torno dos interesses a resguardar numa prevista conjuntura em que certo negócio jurídico se desenvolve.

Feito o cotejo entre o tipo ou gênero de negócio e a situação especial cogitada, a lei exprime “uma valoração negativa que é, de certo modo, o reverso da outra, positiva, que a lei faz relativamente ao negócio-tipo a que liga a produção de no- vas situações jurídicas”36. Daí a restrição que se faz, diminuindo a área de inci- dência dos efeitos próprios do tipo legal respectivo.

A distinção entre o ato inválido (nulo ou anuláve!) e o ato ineficaz revela-se, na

35 MESSINEO, Doctrina general dei Contrato, Buenos Aires, EJEA, 1986, t. II, p. 311-312 • 36 EMÍLIO BETTI, Teoria geral do negócio juridico, Coimbra, Ed. Coimbra, 1970, v. 3, III, n. 57, p. 11

moderna ciência jurídica, como indispensável, dado ser irrecusável a substanci- al diferença de natureza e conseqüências das duas figuras jurídicas37.

A invalidade, para BETTI, “é aquela falta de idoneidade para produzir, por for- ma duradoura e irremovível, os efeitos essenciais do tipo”, como sanção à inobservância dos requisitos essenciais impostos pela lei. Já a ineficácia qualifi- ca-se, ao contrário, como característica de um ato “em que estejam em ordem os elementos essenciais e os pressupostos de validade, quando, no entanto, obste à sua eficácia uma circunstância de fato a ele extrínseca”38.

No campo vasto da ineficácia, assume relevo marcante a figura da ineficácia relativa ou inoponibilidade, que se configura quando, no sistema da lei, “um ato, não privado de validade, pode ser ineficaz apenas a um ou outro interessado, em atenção especial de alguma deficiência sua”39. Adverte TRABUCCHI que de ma- neira alguma se deve confundir essa figura com a da invalidade do negócio, por- que o negócio validamente concluído não perde sua substância, embora, em face de outros fatores, não produza todos os seus efeitos40.

Em suma, a lei conceitua como ineficácia relativa o caso em que considera o ato “ineficaz apenas em relação a uma determinada pessoa, conservando-se para os demais, não obstante ineficaz”41. Enquanto a anulação do ato viciado apaga todos os seus efeitos, reduzindo as partes ao estado anterior à sua prática (Códi- go Civil, art. 158), o reconhecimento da ineficácia conserva as partes do negócio jurídico na mesma situação em que o ato as colocou.

Nosso Código Civil de 1916, redigido em época em que a categoria da ineficá- cia ainda não se achava cientificamente bem elaborada entre os juristas, englo- bou como caso de anulabilidade, por exemplo, a fraude contra credores, que os códigos posteriores vieram a tratar como hipótese de típica ineficácia relativa.

37 EMÍLIO BETTI, ob. cit., loc. cit. 38 EMÍLIO BETTI, ob cit., loc cit. 39 ALBERTO TRABUCCHI, ob c it, n. 81, p. 184 40 ALBERTO TRABUCCHI, ob. c it, loc cit 41 KARL LARENZ, ob. cit., p 647