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Semelhanças entre Tratamento Psicanalítico Contemporâneo e Caso Dora, Notas de estudo de Psicanálise

Neste documento, o autor revisita o famoso caso de tratamento psicanalítico de freud, o caso dora, e busca encontrar semelhanças estruturais com os casos contemporâneos de tratamento psicanalítico. Ele também discute como o caso dora trouxe críticas à psicanálise e como essas críticas se relacionam com os parâmetros dos casos hoje comuns na clínica psicanalítica.

O que você vai aprender

  • Qual foi a importância do Caso Dora para a psicanálise e para o tratamento psicanalítico contemporâneo?
  • Quais foram as principais questões do tratamento de Dora, segundo Freud?
  • Como a apreensão freudiana sofreu dos constrangimentos e dos limites característicos da psicanálise?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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PSIC. CLIN., RIO DE JANEIRO, VOL.15, N.2, P.X – Y, 2003
• 137
ISSN 0103-5665
PSIC. CLIN., RIO DE JANEIRO, VOL.19, N.1, P.137 – 154, 2007
• 137
ISSN 0103-5665
“DORACONTEMPORÂNEAE A CRISE TERAPÊUTI-
CA DA PSICANÁLISE
Luiz Augusto M. Celes*
RESUMO
O artigo revisita o Caso Dora, de Freud, com o objetivo de pontuar sua
contemporaneidade. Sustenta-se o argumento de que os impasses da psicanálise, revelados
pela conclusão precipitada da análise dessa jovem da Viena de 1900, são tão questionadores
e críticos à função terapêutica da psicanálise como o são os chamados casos difíceis da
contemporaneidade. Discutem-se as mudanças ocorridas do método de tratamento anun-
ciadas no caso Dora e sua falência diante desse caso de histeria. Mostra-se o privilégio
concedido por Freud ao conhecimento do psiquismo, como meio de solução das dificulda-
des da psicanálise. Concluindo, sugere-se que foi o caráter pulsional da sexualidade o mo-
tivo dos empecilhos da análise de Dora, tendo os aspectos da interpretação da sexualidade
e das relações de objeto tido menor peso para seu desfecho. Estende-se essa compreensão
para as demandas contemporâneas de psicanálise.
Palavras-chave: Caso Dora, Freud, psicanálise contemporânea, método de tratamento
ABSTRACT
CONTEMPORARY “DORA” – AND THE THERAPEUTIC CRISIS OF PSYCHOANALYSIS
This paper revisits Freud’s Case of Dora to point out its contemporariness. It sustains that
psychoanalysis’ deadlocks, as revealed by the sudden conclusion of the analysis of this young
Viennese in 1900, are as questioning and critical to the therapeutic function of psychoanalysis
as the so called difficult contemporary cases. The changes in the treatment method announced in
the Case of Dora, as well as its failure in this case of hysteria, are discussed. The privilege given
by Freud to knowledge of the psychic as the means of solving psychoanalysis’ deadlocks is shown.
* Psicanalista; Professor Titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psico-
logia da Universidade de Brasília; Doutor em Psicologia Clínica; Especialidade em Psicologia
Clínica (Conselho Federal de Psicologia).
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PSIC. CLIN ., R IO DE JANEIRO, VOL.15, N.2, P.X – Y, 2003

ISSN 0103-5665 • 137

PSIC. C LIN ., RIO DE J ANEIRO, VOL .19, N.1, P.137 – 154, 2007

ISSN 0103-5665 • 137

“DORA” CONTEMPORÂNEA – E A CRISE TERAPÊUTI-

CA DA PSICANÁLISE

Luiz Augusto M. Celes *

RESUMO

O artigo revisita o Caso Dora, de Freud, com o objetivo de pontuar sua contemporaneidade. Sustenta-se o argumento de que os impasses da psicanálise, revelados pela conclusão precipitada da análise dessa jovem da Viena de 1900, são tão questionadores e críticos à função terapêutica da psicanálise como o são os chamados casos difíceis da contemporaneidade. Discutem-se as mudanças ocorridas do método de tratamento anun- ciadas no caso Dora e sua falência diante desse caso de histeria. Mostra-se o privilégio concedido por Freud ao conhecimento do psiquismo, como meio de solução das dificulda- des da psicanálise. Concluindo, sugere-se que foi o caráter pulsional da sexualidade o mo- tivo dos empecilhos da análise de Dora, tendo os aspectos da interpretação da sexualidade e das relações de objeto tido menor peso para seu desfecho. Estende-se essa compreensão para as demandas contemporâneas de psicanálise. Palavras-chave: Caso Dora, Freud, psicanálise contemporânea, método de tratamento

A BSTRACT CONTEMPORARY “DORA” – AND THE THERAPEUTIC CRISIS OF PSYCHOANALYSIS This paper revisits Freud’s Case of Dora to point out its contemporariness. It sustains that psychoanalysis’ deadlocks, as revealed by the sudden conclusion of the analysis of this young Viennese in 1900, are as questioning and critical to the therapeutic function of psychoanalysis as the so called difficult contemporary cases. The changes in the treatment method announced in the Case of Dora, as well as its failure in this case of hysteria, are discussed. The privilege given by Freud to knowledge of the psychic as the means of solving psychoanalysis’ deadlocks is shown.

  • Psicanalista; Professor Titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psico- logia da Universidade de Brasília; Doutor em Psicologia Clínica; Especialidade em Psicologia Clínica (Conselho Federal de Psicologia).

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The paper concludes that the major obstacle in Dora’s analysis was the instinctual character of sexuality, rather than the interpretation of sexuality and of object-relations. This comprehension is extended to the contemporary demands for psychoanalysis. Keywords: The Case of Dora, Freud, contemporary psychoanalysis, treatment method

Numa passagem com respeito ao caso Dora (Freud, [1905] 1972), Lewin (1973) comenta a inviabilidade da solução sugerida por Freud, que previa o casa- mento de Dora com o Sr. K. como meio de realização de seu desejo inconsciente, dada a improbabilidade do divórcio, na Viena daquela época, entre este cavaleiro e a Sra. K. Anteriormente, (Celes, 1995), utilizei tal passagem como testemunho suplementar do desejo de Freud com respeito ao desfecho que esperava da histe- ria e, especificamente, do tratamento de Dora. A lembrança de tal passagem retorna-me quando volto a me debruçar sobre o caso Dora para desenvolver uma outra antiga idéia, a saber, a de que esse caso pode ser aproximado dos casos contemporâneos de psicanálise. Ou seja, reconsiderar “Dora” 1 em face do tratamento do que se convencionou chamar de novas demandas de psicanálise, que seriam características da contemporaneidade, com o intuito de a elas apro- ximar o caso de Freud. Parece um disparate sustentar o argumento da contemporaneidade de “Dora”, pois ele está fortemente determinado pela época de “Dora”. Entretanto, não va- mos pesquisar o que é contemporâneo ao caso Dora, mas sim objetivamos encon- trar em “Dora” semelhanças estruturais com o que chamamos de casos contempo- râneos de tratamento psicanalítico e, não menos importante, mostrar que esse caso trouxe certa critica à psicanálise, conforme parâmetros ou critérios que se aproximam dos propostos pelos casos hoje comuns na clínica psicanalítica. O caso Dora foi tão controverso e trouxe tantas questões ao tratamento, ensejando mudanças significativas na psicanálise, quanto se julga ser o caso nos tratamentos dos casos contemporâneos chamados difíceis. Não se tratará aqui de tentar uma aproximação dos quadros clínicos, mas de comparar a questão que tais casos sus- citam para o objetivo terapêutico da psicanálise. Sabe-se que a clínica psicanalítica atual justifica suas mudanças, por vezes profundas, na novidade das demandas imprecisamente chamadas contemporâne- as, que não se assemelhariam às demandas neuróticas, predominantemente histé- ricas, que Freud teria enfrentado em sua clínica. As novas demandas, creditadas a características gerais e específicas de nossa própria época, revelariam estruturações particulares que a clínica freudiana com seu método característico não alcançaria tratar. Com isso, “novos desenvolvimentos em psicanálise”^2 se fizeram necessários

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tratamento, na crítica às filosofias da consciência e ao domínio racional, esperado pelo ideal da modernidade, é seqüência dessa compreensão. Em outras palavras, a psicanálise teria, ela mesma, contribuído para a instauração da crítica, bem como da ruptura da modernidade e seu ideal, que conduziu à crise na compreensão do sujeito, das relações entre sujeito e cultura, e até mesmo de toda atividade huma- na^7. Tais transformações caracterizaram o que hoje nos é contemporâneo – esse modo de vida que seria demasiadamente crítico para a existência integrada, acen- tuando sobremaneira o mal-estar constitutivo, o que teria dado ensejo a formas muito inconsistentes de subjetivações, freqüentemente comprometendo-as em cisões como modos característicos de defesas (Fairbairn, [1952] 1999), ou em narcisismos vazios, de morte, como o sugere Green (1988). Nesse sentido e pelo menos parcialmente, a psicanálise teria contribuído para a constituição da própria demanda que a conduziu a se modificar, ensejando novos desenvolvimentos^8. Embora seja fato correntemente sabido que a psicanálise e a história da cul- tura ocidental, particularmente urbana, tenham andado de mãos dadas, e embora também se saiba que borderline , para resumir num termo as novas demandas e constituições psíquicas, seja apreensão da psicanálise e, em certo sentido, produto de seu trabalho, de seu tratamento, é necessário nuançar a afirmação do parágrafo anterior, sob pena de sermos levados a pensar em um desenvolvimento unitário e linear (da cultura e da psicanálise), o que não condiz com a realidade. Não somen- te a nossa cultura (pós-moderna, ultramoderna) se caracteriza pela diversidade – não obstante certas ideologias predominantes, certas modas, talvez fosse melhor dizer –, mas convém ressaltar que essas modas ou ideologias primam pela “padro- nização na variedade”. A elucidação das características da cultura contemporânea como tal não é assunto deste trabalho, pelo que não será aqui explorada. A atenção voltada então à psicanálise conduz à percepção de sua multiplici- dade – contrariando talvez as expectativas quanto às certezas dos “novos desenvol- vimentos”. A psicanálise, encontramo-la zelando por procedimentos e os reno- vando, repetindo e criando conceitos, concepções e compreensões, que não se sobrepõem de maneira absoluta, não se substituem cabalmente e nem formam sínteses completas ou suficientemente estáveis. A diversidade se revela sob o olhar minimamente crítico. O velho e o novo fazem-se presentes, embora nem sempre convivam, nem, na maioria das vezes, acolham-se uns aos outros. As novidades e as novas interpretações no movimento psicanalítico também ganham perspectivas distintas e variáveis segundo se tome um ou outro parâmetro para apreendê-las. É o caso do que se dá com a sexualidade. Ora rejeitada como fundamento do psiquismo (como, por exemplo, nas obras de W. R. D. Fairbairn, D. W. Winnicott e, menos claramente, em M. Klein, e na grande maioria dos psicanalistas incluí-

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dos no que se convencionou chamar de Teoria das Relações de Objeto), ora aceita, relida ou reinterpretada em termos mais ou menos distintos dos freudianos (com- pare-se, por exemplo, Laplanche (1988) com Green, ([1997] 2000). É o caso também dos privilégios dados aos aspectos do tratamento psicanalítico. Ora se confia na fala e na rememoração, na associação livre (os freudianos otimistas quanto à linguagem, como os compreendeu Kristeva, 1996), ora confia-se no setting , no enquadre, no seu cuidado, na sua disposição e arranjo; ora ainda se atenta à inter- pretação histórica, ora à elucidação da relação analítica atual, etc. Acrescente-se ainda o caso da variedade de concepções do que se trata em psicanálise. Trata-se de curar (Katz, 1992), ou trata-se do estilo, do sujeito como tal (Birmann, 1995)? As psicopatologias, busca-se curá-las, ou dedica-se ao sentido, à compreensão: as psicopatologias ou o humano? No limite, pergunta-se à psicanálise: método terapêutico ou Weltanschauung? As variedades de posições quanto aos três grandes sítios característicos da psicanálise que apontamos, quais sejam, a sexualidade, o tratamento, e aquilo de que se trata, se entrecruzam, desfazendo as intenções de arranjos por oposições. Essa variedade alerta-nos para a dificuldade de circunscrever todos os detalhes, todos os braços que se estendem a partir de cada tendência da psicanálise contem- porânea. No entanto, algumas delimitações se fazem, têm mesmo história no movimento psicanalítico. Também tais delimitações se afirmam sobre alguma oposição dentre as variações em cada sítio da psicanálise, ou associando-se a outro dos sítios. Por exemplo, é clássica a oposição entre relações de objeto e sexualida- de, associando-se um dos termos a específicos métodos de tratamento ( holding , regressão ou, diferente deste, interpretação da transferência, atenção privilegiada à contratransferência, etc), em contraste com outro (fala, associação livre, lingua- gem, interpretação do desejo, etc). Revisitar “Dora” para encontrar nela um caso contemporâneo significa tomá- la em algum aspecto parcial do que se entende por caso contemporâneo. Signifi- cará aproximar “Dora” de uma vertente, de uma ênfase privilegiada da psicanálise atual. Também significará enquadrar “Dora” segundo características das chama- das demandas contemporâneas da psicanálise, algum quadro clínico, estrutura psicopatológica, ou mesmo sintomatologia, embora a tarefa desse enquadramento não seja aqui tomada em detalhes, na medida em que assumimos a compreensão de que a psicanálise afastou-se, já em Freud e talvez a partir de “Dora”, das preo- cupações predominantemente psicopatológicas para a definição e compreensão de seu trabalho de tratamento. O comentário de Lewin (1973), que inscreve “Dora” precisamente em seu tempo, na Viena de 1900, serve-nos de alerta para a dificul- dade de realização do propósito deste texto. É que não é difícil exatamente encon-

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neas da psicanálise. Trata-se de tempos diversos, de compreensões distintas, o que tornaria essa tarefa irrealizável. Mesmo assim, algumas das características de “Dora” na clínica freudiana mostram, senão a atualidade de Dora (i.e., Ida Bauer), que é o menos interessante para esta discussão, a contemporaneidade do caso como tratamento de psicanálise, no que carrega de desconcertante para seu bom enca- minhamento, para sua potencialidade terapêutica. E não de modo inespecífico ou geral. “Dora” impõe crítica e questão à psicanálise “já desenvolvida”, porém em movimento. “Dora” faz-se limite da psicanálise que não está imóvel, colocando questões, essas sim, próximas às que caracterizam desenvolvimentos da psicanáli- se contemporânea. Entretanto, a questão de “Dora” abarca a teoria, o processo e a técnica (ou método) de tratamento, impondo ou anunciando mudanças imedia- tas e postergadas. O diferencial entre os movimentos iniciados em “Dora” e os atuais situa-se na base ou no fundamento que sustenta as mesmas respostas e, acrescente-se, sua possível relação com a cultura de cada tempo. O caso Dora representa na obra de Freud a retomada das publicações de casos de psicanálises e das considerações sobre as neuroses, ambos aspectos deixa- dos em suspenso desde a derradeira crise terapêutica da psicanálise de 1897. Foi quando Freud, em carta a seu amigo Fliess (citado por Masson, 1985), anunciara sua descrença da neurótica (i.e., da teoria traumática a respeito da neurose) e, simultaneamente, do tratamento que empreendia e da compreensão do processo de cura da neurose. Com a crise da psicanálise até então praticada com base na teoria do trauma sexual, a técnica, a teoria e o fundamento sexual estavam em questão. Segundo essa perspectiva, o caso Dora se configura como a chance de retomada da índole terapêutica da psicanálise – em outro sentido já perdida em seu aspecto definitivo – sob novos termos. Entre 1897 e “Dora” acontecera a “Interpretação dos sonhos” (Freud, [1900] 1976). O caso Dora situa-se como momento oportuno de retomar as discussões sobre a neurose (sua teoria), sobre o tratamento psicanalítico e sobre o fundamen- to sexual dos distúrbios neuróticos, guiados pela luz que a “Interpretação dos sonhos” lançou sobre o inconsciente. Os aspectos que o caso Dora coloca em jogo estão justamente introduzidos no prefácio do caso como os temas centrais e críti- cos do tratamento. A técnica, afirma Freud, “sofreu uma revolução radical” (Freud, [1905] 1972: 10): agora, ao invés de se focalizar e submeter à análise os sintomas, um a um, parte-se da superfície da consciência do analisando, isto é, aplica-se a associação livre no sentido mais pleno, o que, com Green (1988), pode ser inter- pretado como atenção ao “discurso associativo” em oposição ao “discurso narrati- vo-recitativo” (Green, 1988: 72). “Atenção ao discurso” significa mais que uma exigência dirigida ao analisando de que se livre de suas censuras e fale associativa-

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mente. Este último aspecto está presente e se mostra atuante na interpretação dos dois sonhos de Dora, sobre os quais gira grande parte do tratamento. No entanto, é possível compreender e entender que, seguindo a narrativa freudiana do caso, a mudança do método efetivamente ocorrida está além da advertida por Freud. Trata-se de uma mudança, assim significam os seus indícios, ocorrida no ouvinte, no analista. A atenção de Freud ao discurso de Dora testemunha a virada do privilégio da fala do analisando para o privilégio do ouvir do analista como res- ponsável pelo caráter associativo do discurso. É assim que Freud, diante da insis- tência dos pensamentos de Dora a respeito das relações de seu Pai com a Sra. K., apesar de toda a interpretação já acontecida, não duvida de sua paciente, não interpreta qualquer resistência, mas lhe dá fé, buscando as raízes inconscientes de tais pensamentos. A categórica afirmação “Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir pode convencer-se de que os mortais não podem guardar nenhum segredo” (Freud, [1905] 1972: 75) coloca inteiramente à frente do leitor do caso o privilégio do ouvir em detrimento da associação como tarefa exclusiva do anali- sando, não se esperando dele um discurso permanentemente deslizante e sempre associado e freqüente (como sói ser compreendida a associação livre em algumas de suas críticas, tais como as feitas por Ogden, 1996). A recomendação de Freud é de que Dora fale o que lhe estiver mais vivamente presente, significando “fale o que você quiser”. Freud afirma: “deixo o próprio paciente escolher o assunto do trabalho do dia, e desta forma parto de qualquer aspecto que seu inconsciente esteja apresentando à sua percepção no momento” (Freud, [1905] 1972: 10). Afir- mações como essas são tão corriqueiras que, com facilidade, se perde a dimensão da inclusão que assim se dá do ouvir do analista na regra técnica fundamental da associação livre. Permanece, nessa mudança técnica, o fundamento associativo, sendo, porém, dado ao ouvir do analista a sua responsabilidade, e não mais, ou não exclusivamente, às resistências do analisando em falar o que deveria ser dito. Nessa nova política, Freud ouve até mesmo os gestos de Dora, sua brincadeira com a bolsa, por exemplo. É verdade que o privilégio do ouvir requer uma aten- ção especial de Freud, talvez ao mesmo tempo flutuante e atenta – por vezes Freud se alerta de sua desatenção, como na passagem em que se recrimina, pois seus “poderes de interpretação estavam pouco aguçados [num certo] dia” (Freud, [1905] 1972: 57). Para ajudar em seu modo especial de ouvir, Freud apela para outros casos, completa sua interpretação com base na teoria, e até “imagina uma hipóte- se” (Freud, [1905] 1972: 100) de interpretação. Parece que o ouvir de Freud no caso, nesta espécie de “flutuação atenta” – talvez justifique inverter os termos, com a pura finalidade de dar evidência –, o ouvir de Freud, repito, está parcial- mente guiado pela “Interpretação dos sonhos”, guiado para o desejo que a inter-

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fazem insignificantes diante da escuta freudiana e de sua conseqüente interpreta- ção. A “revelação” do inconsciente de Dora vai longe, muito mais longe do que se pode esperar de uma análise de três meses. Pode-se sugerir que Freud e Dora se afinaram, harmonizaram-se bem na tarefa de simbolizar o inconsciente, de revelar as cenas de fantasias recalcadas, de dar a conhecer o caráter sexual das fantasias que se mostram como os sentidos dos sintomas de Dora. Essa “petite hysterie” (Freud, [1905] 1972: 21), no entanto e a despeito de toda harmonia, deu traba- lho! Impediu a análise de se concluir, frustrou o analista quando se afirmou sua esperança de um bom fim de análise. Essa pequena histérica dirige-se ao analista dizendo que ele nada descobre de significativo, que ele nada vê. Dora fez de Freud seu objeto de investimento, o que ele interpretou de modo desajeitado e compre- endeu, posteriormente, de maneira parcial. Freud não se deu com sua implicação no desejo de Dora e nem conseqüentemente tomou-a como objeto da análise, senão na forma da questão que esse caso constitui (o que já foi muito, diga-se de passagem, para a psicanálise e seu futuro). Exceto no trabalho de simbolizar, significar ou revelar complexos inconsci- entes, a associação livre encontra seu limite na tarefa de tratamento de cura ( Genesung ). A associação livre fica sobrepujada pela “resistência” que parece vir de outro inesperado lugar, qual seja, das relações de objeto de Dora: a mãe, com psicose de dona de casa – seria como o “objeto não respondente” de Fairbairn ([1952] 1999), ou como a “mãe morta” de Green (1988). Nas palavras de Freud, [ela] “Não compreendia os interesses mais ativos dos filhos e ocupava-se o dia todo em varrer a casa e limpar os móveis e utensílios – a tal ponto que se tornava quase impossível usá-los e desfrutá-los” (Freud, [1905] 1972: 18). Também as relações com a Sra. K., que confiava seus segredos a Dora, tornando-se, assim, sua sedutora (como o “objeto excitante” de Fairbairn, [1952] 1999); com a governanta, que substitui Dora por outro; com o Sr. K., que não tem nada das mulheres (como “objeto rejeitante”, Fairbairn [1952] 1999), e... com Freud, que seduz Dora como meio de provocar seu interesse pela análise (mas que, assim fazendo, não teria atentado para a função superegóica que seria própria ao analista no trato das relações de objeto, segundo Fairbairn, [1952] 1999). A simbolização associativa em seu aspecto terapêutico também foi sobrepujada pelos objetos parciais: o cor- po alvo da Sra. K.; a anatomia feminina das enciclopédias (Freud, [1905] 1972), o próprio dedo que chucha; o lóbulo da orelha do irmão (uma aparente coleção de objetos bons e excitantes); mas também o órgão genital masculino, que, segun- do a interpretação de Freud, excitou-a no abraço do Sr. K. e constituiu-se objeto de sua fantasia, a de felação (como um outro objeto excitante, conforme nomen- clatura de Fairbairn, [1952] 1999), etc. Tais relações de objetos, parciais ou totais,

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aparentemente fizeram resistência à conclusão da análise, mesmo que tenham sido alvos das interpretações freudianas; mesmo Freud tendo se esmerado em elucidar as características e singularidades das relações de Dora com esses objetos. Nessas interpretações, Freud não se omite de explicar, de apelar para o ego de Dora, de contar estórias de paixões e de desenvolvimentos sexuais: esperados, frustrados, desviados. “Dora” não parece se afastar dos chamados casos contemporâneos, di- fíceis, caracterizados pelas insuficientes relações de objeto, para quais casos o mé- todo deve ser modificado. A esse respeito, até mesmo o “diagnóstico” freudiano de Dora parece não escapar à similaridade com os impasses contemporâneos que conduziram à crítica da chamada psicanálise clássica ou padrão, do seu método de tratamento e do seu alcance. A “pequena histeria” é como Freud classifica Dora. Nem grande histeria, ao modo dos grandes quadros histéricos tão em voga na época, explorados por Charcot em suas exibições teatrais; nem Anna O., com suas alucinações e paralisias. Uma pequena histeria: algumas conversões (ou somatizações?) leves – uma tosse nervo- sa, uma pressão no peito – e um pensamento de caráter obsessivo de queixas contra seu pai. Um “taedium vitae”, uma depressão branda, um descaso pela vida, um sem sentido da vida que não se justifica muito bem. Freud não o leva a sério, talvez pela riqueza das associações e presença de sonhos tão vívidos – e apropria- dos, diga-se, ao esforço interpretativo da análise tal como Freud a compreende então. Não sendo Dora uma histérica clássica, Freud teria se enganado quanto ao tratamento. E, por mais que tenham sido animadas as sessões, o tratamento é interrompido por Dora, à revelia de Freud, e para sua surpresa e desgosto. Em resumo, eis a crise de um tratamento clássico em seu nascedouro. Aparentemente, “Dora” somente se afasta dos chamados casos contemporâ- neos na expectativa de Freud solucioná-lo com a explicitação das cenas de sedução (cena do beijo, cena do lago), que teriam, junto com as fantasias da masturbação infantil, interferido na solução edipiana de Dora, regredindo a sua libido às fixa- ções orais. No entanto e talvez mais fundamentalmente distinta dos casos con- temporâneos seja a confiança que Freud depositava no papel ou função da teoria para a solução das demandas de análise. Como vimos, o caso Dora não se furtou às interpretações e nem mesmo à compreensão das relações de objeto. Diferentemente das críticas que se fazem à análise clássica, não parece ter sido a ausência de atenção às relações de objeto o impedimento da análise, o motivo do rompimento desse tratamento e, talvez mais estruturalmente do que isso, o responsável pela falência (relativa?) da intenção terapêutica da psicanálise. É curioso observar que a transferência que faz Freud rever posteriormente o caso – o fenômeno que teria impedido a análise – é a

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ender hoje, a resposta que Freud mais tardiamente deu à questão das análises: a de sua exeqüibilidade, seus impedimentos e sua conclusão. Aspectos críticos esses que já haviam sido formulados desde 1897, com o fim da neurótica, e que encon- traram em “Dora” uma primeira tentativa de resposta. Tomando em perspectiva o progresso da psicanálise, parece-me justo afir- mar que, com o fim da neurótica, Freud creditou ao conhecimento do psiquismo e dos seus processos a condição para vencer os impedimentos e as resistências à análise que seus pacientes do finalzinho do século XIX já revelavam, como Freud, pesaroso, desabafa com Fliess (citado por Masson, 1985). Assenhorear-se do psiquismo foi efetivamente o caminho tomado por Freud para responder à crise da psicanálise até então praticada, a psicanálise então padrão 10. A “Interpretação dos sonhos” (Freud, [1900] 1976) foi a realização desse caminho. “Dora” foi a sua prova! O caminho tomado por Freud talvez lhe tenha sido um caminho conveni- ente, justamente pela promessa desse assenhoreamento, fato este que revela a ín- dole freudiana. À tal índole, no entanto, devemos a fundação, a manutenção e a vivacidade da psicanálise, não obstante as críticas que se possam fazer ao propósi- to teórico que guia a obra de Freud. Mais significativo para o estado das coisas daquela época parece ter sido o fato de que tal caminho fora indicado pelas histé- ricas que Freud tratara – por seus sonhos, incluindo-se os de Freud. A histeria prometera e cumprira a promessa de dar-se a conhecer. Considerada nesse aspec- to, nem “Dora” opôs impedimento. Dora até mesmo brincara com Freud: “Por quê? Descobriu alguma coisa assim tão importante?” (Freud, [1905] 1972: 102) – interjeição de Dora na véspera de sua despedida da análise. Olhando por essa perspectiva, fica precisa a afirmação de que Freud fora conduzido pela histeria, desde a fundação da psicanálise até a conclusão da “Interpretação dos sonhos” (Freud, [1920b] 1976) e também em “Dora”, à crítica da psicanálise. Entretanto, parece que pouco se aprendeu com o exemplo freudiano, pois a sedução da histeria, esta promessa de gozo em outro lugar, ainda que adjacente, as psicanálises contemporâneas a desprezam – não estariam sujeitadas! Os casos di- tos difíceis, psicóticos, borderlines , narcisistas melhor prometem, mesmo que não seduzam. A promessa sem sedução parece mais manobrável, mas hard , mais real (mais atual), mais concreta ou efetiva, menos fantasiosa, mesmo se muito difícil em sua condução, embora de efeito semelhante, a saber, os mais de cem anos de exemplos de dificuldades das análises em suas conclusões. Os impasses da psica- nálise, de ontem e de hoje, não se parecem restringir simplesmente à questão do método de tratamento. Tampouco se têm deixado resolver pela diferença de ado- ção entre fundamentos sexuais ou de relações de objeto. O impasse sobre o valor terapêutico da psicanálise, se já fora circunscrito desde “Dora”, como espero ter

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mostrado, estende-se aos atuais casos difíceis. Já Fairbairn ([1952] 1999), que nos anos 40 do século passado propusera uma nova concepção das constituições sub- jetivas, mostra-se muito pouco ou nada otimista quanto ao vigor terapêutico da psicanálise diante da estruturação esquizóide da personalidade, para ele universal e necessária. A discussão sobre a utilidade da psicanálise diante da franca esquizofrenia reproduz-se na atualidade (veja-se, por exemplo, o confronto entre Lucas, 2005 e Michels, 2005). Aliás, pode-se encontrar uma boa e substantiva amostra dos debates a respeito dos alcances da psicanálise em diversos de seus aspectos – o da concepção do psiquismo, o da ação de seus conceitos técnicos, o dos modelos metapsicológicos, etc – no Livro anual de psicanálise XIX , 2005, que, como se sabe, reproduz artigos selecionados do International Journal of Psycho- Analysis , no caso, do ano de 2003. Tanto o caminho da interpretação do sentido traçado por Freud 11 (um cami- nho semântico, semasiológico ou semiótico) como o da interpretação e reconstru- ção das relações de objeto dos contemporâneos parecem manter-se em dificulda- des quanto à conclusão das análises. Embora sejam caminhos que propiciaram desenvolvimentos e progressos na psicanálise, embora tenham aberto novas e vali- osas perspectivas para a compreensão do humano e sua constituição em grupos e sociedades, e embora tenham acrescido métodos e técnicas de intervenção, não superaram de modo conclusivo as insuficiências de término das análises. Compa- rados com a psicanálise do trauma sexual do século XIX – essa que designamos de análise padrão –, os desenvolvimentos que se seguiram nos caminhos sugeridos permanecem carentes de uma solução para as conclusões das análises, para o seu término. A psicanálise continua às voltas com a questão fundamental já lançada em 1897, que diz respeito a como sustentar sua conclusão terapêutica. Não é que faltem reflexões e propostas. Mas estas são tão variadas a ponto de escaparem a formulações sintéticas. A crise da psicanálise do trauma sexual do século XIX anuncia-se até hoje como uma crise definitiva. Talvez se justifique, parafraseando Freud, na natureza do assunto que trata, qual seja, o caráter pulsional da sexuali- dade e de seu estatuto inconsciente. Nesse sentido, seria condição da psicanálise sua permanência nessa crise, renovando suas questões quanto ao impossível de ser dominado, de ser completamente inteligível. Finalmente, parece ser justa a apreciação de que o caminho apontado pela obra freudiana à seqüência de “Dora” tenha mostrado o necessário estado inconcluso dos debates sobre o valor terapêutico da psicanálise em face de seu fim. A expres- são máxima dessa tese, alcançada nos anos 20 do século passado, sustenta uma compreensão econômica (nos termos freudianos) do princípio que funda a cons- tituição psíquica, o trabalho psíquico e os seus processos. Também se junta a isso,

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Katz, C. S. (1992). Freud, o “caso Dora” e a histeria. Em Katz, C. S. (Ed.). A histeria, o caso Dora: Freud, Melanie Klein, Jacques Lacan (pp. 1-99). Rio de Janeiro: Imago. Kohon, G. (2003). O empobrecimento simbólico, um desafio para a técnica psicanalítica. Em Green, A. (Ed.). Psicanálise contemporânea (Revista Francesa de Psicanálise, Núme- ro Especial 2001) (pp. 291-301). Rio de Janeiro: Imago. Kristeva, J. (1996). Sens et non-sens de la révolte. Pouvoirs et limites de la psychanalyse I. (Discours direct). Paris: Fayard. Lacan, J. (1966). Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. ————. (1978). Escritos. São Paulo: Perspectiva. Laplanche, J. (1988). Novos fundamentos para a psicanálise. Lisboa: Edições 70. Lewin, K. K. (1973). Dora revisited. The Psychoanalytic Review , v. 60, n. 4, 519-532. Livro anual de psicanálise XIX, 2005 (IJPA – 2003). Controvérsias psicanalíticas. São Paulo: Escuta. Lucas, R (2005). Controvérsias a respeito da relação entre psicanálise e esquizofrenia. Li- vro anual de psicanálise XIX, 2005 (IJPA – 2003). Controvérsias psicanalíticas (pp. 9-14). São Paulo: Escuta. Marcus, S. (1985). Freud and Dora: story, history, case history. Em Bernheimer, C. & Kahane, C. (Eds.). In Dora’s case. Freud – hysteria – feminism (pp. 56-91). London/New York: Virago/Columbia University. Masson, J. M. (Ed.) (1985). A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess – 1887-1904. Rio de Janeiro: Imago. Michels, R. (2005). A relação entre psicanálise e esquizofrenia segundo Richard Lucas. Livro anual de psicanálise XIX, 2005 (IJPA – 2003). Controvérsias psicanalíticas (pp. 15- 19). São Paulo: Escuta. Ogden, T. H. (1996). Reconsiderando três aspectos da técnica psicanalítica. Revista de Psicanálise de Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre , 3, 421-444. ————. (2003). Uma nova leitura das origens da teoria das relações de objeto. Alter – Jornal de Estudos Psicodinâmicos , XXII, 2, 175-195. Politzer, G. (1975). Crítica aos fundamentos da psicologia I. Lisboa: Presença. Pontalis, J.-B. (1967). A psicanálise depois de Freud. Rio de Janeiro: Vozes, 1972. Winnicott, C. (Org.) (1989). Explorações psicanalíticas: D. W. Winnicott. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

N OTAS

(^1) “Dora” (entre aspas) diz do caso de tratamento empreendido por Freud, cujo acesso se faz pela sua narrativa. Dora, como pessoa, codinome de Ida Bauer, está fora de nosso alcance.

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Essas formas de grafia e essas observações talvez sejam desnecessárias, não fosse o (mau) hábito de pensarmos o caso como o neurótico, o enfermo, nos termos de Freud, e de não raro tomarmos a narrativa do caso como referindo-se ao analisando e não como narrativa do tratamento. (^2) Título do 44º Congresso da IPA, realizado no Rio de Janeiro em julho de 2005: “Trauma:

novos desenvolvimentos em psicanálise”. (^3) Para a última distinção, ver Kohon (2003). A caracterização desses quadros contemporâneos

é vasta, dissonante e se encontra disseminada em textos psicanalíticos das mais diversas índo- les, embora não se possa afirmar que estejam presentes em todos eles. Ao longo do presente trabalho, um e outro dos textos que as caracterizam serão citados. No entanto, parece-me que tal dissonância e tal dispersão fazem parte do quadro (do charme) contemporâneo da psica- nálise. (^4) São relevantes as críticas e propostas desenvolvidas por W. Ronald D. Fairbairn (1889-1964)

e D. W. Winnicott (1896-1971), para citar somente alguns autores chaves, ou cabeças de chaves, como se diz no futebol. Por outro lado, as psicanálises aqui chamadas de contempo- râneas têm suas raízes nessas modificações. Embora o texto já devesse permitir a apreensão de sua concepção, elas podem ser, para uma maior delimitação, caracterizadas como as psicaná- lises que se movimentam em torno da concepção essencial das relações de objeto e nela se justificam. É verdade que isso não traz grande precisão, pois se trata de uma grande variedade de abordagens psicanalíticas (Ogden, 2003). Também se pode consultar Green (2003). (^5) São muitas e fartamente conhecidas as obras de sociólogos, antropólogos, historiadores, filó-

sofos e psicanalistas que tratam e desenvolvem teses e argumentos sobre as condições singu- lares da vida contemporânea e seus efeitos sobre as estruturações subjetivas. No Brasil, as obras de Maria Rita Kehl, Joel Birmann, Jurandir Freire Costa, Luís Cláudio Figueiredo, Sérvulo Augusto Figueira, Renato Mezan, dentre outros, são significativas. No que diz res- peito mais especificamente às transformações ou aos desenvolvimentos ocorridos na psicaná- lise, pode-se incluir ainda obras de Chaim Samuel Katz, Daniel Kupermann, a dos psicana- listas das Sociedades de Psicanálise vinculadas à IPA; os seguidores mais ou menos expressos do kleinismo, de Bion; alguns desenvolvimentos lacanianos, etc. (^6) A interpretação da psicanálise como possuindo uma meta educativa se sustenta nas idéias da

ação reconstrutiva da psicanálise. Aqui se incluem pretendidas reconstruções das relações de objetos e até de laços sociais. Nessas compreensões psicanalíticas estão subentendidos “déficits” de subjetivações, idéia esta que não é do feitio freudiano. (^7) Vem a propósito reproduzir uma avaliação feita por Lacan ([1966] 1998): “o freudismo, por

mais incompreendido que tenha sido, por mais confusas que sejam suas conseqüências, apa- rece, a todo olhar capaz de entrever as modificações que vivemos em nossa própria vida, como constituindo uma revolução inapreensível mas radical. Acumular os testemunhos é