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Este artigo apresenta um estudo de caso de uma paciente em luto por um filho, utilizando como base teórica a psicologia cognitivo-comportamental. O objetivo é apresentar a intervenção do caso clínico, mostrando a lista de distorções cognitivas vinculadas ao luto, o desafio de pensamento disfuncional, escores de inventários utilizados e cartão de enfrentamento construído com a paciente. O protocolo escolhido valoriza três esferas da vida do paciente: aprendizado de novas habilidades cognitivas e comportamentais, reformulação dos papéis sociais das pessoas envolvidas no luto e respeito pelo curso natural do luto.
Tipologia: Esquemas
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(^1) Pós-graduanda - Departamento de Psicologia
Correspondência: Universidade Estadual de Maringá. Av Rio Branco, 354 sala 806, Florianópolis, SC, Brasil.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 7 de abril de 2016. cod. 421. Artigo aceito em 26 de novembro de 2016.
Palavras-chave: Protocolo de luto; Terapia cognitivo-comportamental; Luto materno.
Keywords: Grief protocol; Cognitive behavior therapy; Maternal grief.
DOI: 10.5935/1808-5687.
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Existem muitas formas de se perceber a morte, mas, ao se falar em luto, inevitavelmente se fala em tristeza, e a forma como as pessoas vivenciam essa tristeza precisa ser compreendida considerando prioritariamente a civilização, a cultura, a religião e a idade da pessoa enlutada. Isso decorre do fato de a morte ter diferentes significados em diferentes contextos culturais. O grau de parentesco, o gênero, o tipo de morte, os vínculos e os recursos internos disponíveis a cada indivíduo influenciam na sua forma de vivenciar a tristeza e a situação do luto (Parkes, 1998). Fazendo uma retrospectiva histórica, tem-se que a morte já foi considerada um acontecimento natural e tranquilo do qual todos participavam, e todos se sentiam autorizados a expressar seus sentimentos vinculados à perda. Os moribundos pressentiam suas partidas e faziam seus próprios rituais de despedida. No entanto, a morte era percebida como um fracasso em relação à vida que se findava, devido à impotência diante dela (Ariès,2014). As interpretações religiosas dadas ao morrer variam com a cultura. Assim, no budismo a morte não é o fim, mas a continuação de um ciclo existente entre vida e morte; no hinduísmo também se interpreta a morte como um recomeço, em que a reencarnação é o passo seguinte, mesma interpretação dada pelo espiritismo. Portanto, a morte como “fim” não existe para essas religiões. No Brasil, a maior parte da população tem suas crenças influenciadas pelo cristianismo e, para essas pessoas, a morte é o fim da vida terrena, sendo que só haverá outra vida após a vinda de Cristo, quando todos serão julgados e levados ao paraíso ou ao inferno. Assim, um reencontro com o morto só se dará após a morte dos que estão em luto, e por isso estes choram a morte de uma pessoa querida, que estará ausente para sempre da sua vida presente. Este evento, a morte, ainda é muitas vezes interpretado como uma punição de um ser supremo, como se a ciência ainda não explicasse e revelasse as causas das doenças e da morte (Ariès, 2014). Os sintomas relacionados à perda de uma pessoa com quem se teve relacionamento próximo (luto) mais comumente relatados são: os emocionais (tristeza profunda, culpa, ansiedade e solidão), os comportamentais (falta de concentração, choro, sonhos com a pessoa falecida, o apego ainda maior a objetos pertencentes ao falecido), os cognitivos (descrença, preocupações, alucinações e confusão mental) e os físicos (falta de ar, maior sensibilidade aos ruídos, falta de energia e despersonalização) (American Psychiatric Association [APA], 2014; Hensley & Clayton, 2008; Zisook & Shear, 2009). Durante muitos anos, o luto foi associado a doença mental devido à sua semelhança com os sintomas da depressão. Atualmente, ao se diferenciar luto de um episódio depressivo maior (EDM), considera-se que no luto o sentimento é de vazio e perda, enquanto no EDM o sentimento é de humor deprimido persistente e incapacidade de antecipar visões positivas do futuro, incluindo a alegria e a felicidade (APA, 2014), conforme descrito no Quadro 1.
O luto vivenciado por um paciente pode, conforme o DSM-5 (APA, 2014), levar a um grande sofrimento, mas dificilmente provoca um EDM. Porém, quando um paciente apresenta sintomas de luto e de EDM, trata-se de pessoa com predisposição a doenças emocionais. O anseio intenso, a saudade da pessoa falecida, a tristeza, a preocupação com as circunstâncias da morte são respostas esperadas em pacientes enlutados; porém, o medo da separação é um indício de possível dificuldade emocional, como, por exemplo, um transtorno de ansiedade (APA, 2014). Em caso de pacientes enlutados, em que os sintomas do luto são fortemente vivenciados e persistem por mais tempo do que se esperaria considerando sua cultura, sua idade e sua religião, deve-se investigar um possível transtorno de adaptação, que tem um prognóstico pior devido às chances maiores de tentativas e consumação de suicídio. O luto normal é uma resposta saudável à perda do ente querido e implica a capacidade saudável das pessoas enlutadas de expressar essa dor a partir do reconhecimento da perda, do reajustamento e de novos investimentos nas suas relações. Mas quando essas capacidades de lidar com a perda são escassas, conforme Parkes (1998), pode-se perceber o sofrimento pelos sintomas que se manifestam vinculados à negação e à repressão da perda, e esse sofrimento pode levar ao que Malkinson (2010) chama de um processo de luto irracional, ou mal adaptativo. A morte é, sem dúvida, um evento estressor na vida de uma pessoa, gerador de muito sofrimento e de alterações psicológicas, fisiológicas, comportamentais e até sociais onde o enlutado está inserido. As dificuldades advindas do luto podem incapacitar e desorganizar a vida das pessoas enlutadas a ponto de não conseguirem lidar com tamanha tristeza (Basso
Quadro 1. Diferencial entre luto e episódio depressivo maior Luto EDM
Vazio e perda.
Humor deprimido e incapacidade de antecipar visões positivas do futuro, incluindo alegria e felicidade. A disforia pode diminuir ao longo dos dias e semanas, aparecendo em “ondas” associadas a lembranças do falecido.
Humor deprimido persistente e não relacionado a pensamentos ou lembranças específicas.
Dor do luto pode vir acompanhada de humor positivo.
Infelicidade e angústia generalizadas.
Autoestima preservada. Em alguns casos percebe-se a autodepreciação, porém, referente a falhas associadas ao falecido.
Sentimento de desvalia e aversão a si mesmo.
Pensamento de morte para poder se “unir” ao falecido.
Sentimento de morte para acabar com a própria vida, devido ao sentimento de desvalia.
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culpa com relação à morte do filho e que era emocionalmente dependente dele, além do fato de que o sofrimento intenso, a alta desesperança identificada e a fraca rede de apoio estavam colaborando para que ela pensasse em suicídio como uma possível saída para sua dor. Após esse primeiro contato, iniciou-se a aplicação do protocolo na sessão seguinte, porém adaptado, pela primeira autora, do modelo de Silva (2009). O protocolo original apresentado por Silva (2009) tem duração de 12 sessões, com espaço de sete dias entre as sessões. Porém foi adaptado na sua aplicação, devido à necessidade de estabilizar o humor da paciente, visto que ela se encontrava em profundo sofrimento e sem pessoas com as quais pudesse compartilhar sua dor. O novo modelo do protocolo, proposto neste artigo para o tratamento de R., teve duração de 12 sessões, com dois encontros semanais até a quarta semana, usando como base teórica a teoria cognitivo-comportamental. Porém foi detectado risco de suicídio, e houve, portanto, um acréscimo de duas sessões para avaliar os fatores relacionados ao risco de suicídio, totalizando 14 sessões. Além da adaptação do número de sessões e periodicidade, foram também incluídos procedimentos como a identificação das distorções cognitivas, psicoeducação sobre o efeito das distorções de pensamento no emocional e o questionamento dos pensamentos disfuncionais da paciente. Foram aplicados o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), o Inventário de Depressão de Beck (BDI) e o Inventário de Desesperança de Beck (BHS). O protocolo adaptado pode ser visto no Quadro 2. Fase 1: Na sessão de avaliação inicial foram aplicadas escalas de autorrelato BAI, BDI e BHS para avaliar a intensidade da depressão, da ansiedade e da desesperança. A aplicação foi repetida semanalmente, sempre na primeira sessão da semana, e os escores podem ser vistos na Tabela 1.
Houve significativa melhora dos escores entre a avaliação inicial e a realizada na 7ª semana de atendimento; porém, observou-se um agravo nos escores na semana 2, que pôde ser associado a dois fatos relevantes: tratava-se da semana do aniversário do filho falecido e próxima das festas de fim de ano, geralmente comemoradas pela paciente em companhia desse filho. Durante a avaliação inicial, o BHS mostrou um resultado significativo: 11, caracterizando uma faixa moderada de desesperança. Esse resultado se tornou mais preocupante quando associado ao escore de depressão, mensurado pelo BDI (33). Pôde-se, portanto, suspeitar de que se tratava de uma paciente com risco moderado de suicídio. Foram então realizadas duas sessões extras ao protocolo a fim de identificar os elementos que poderiam servir de gatilhos para uma tentativa de suicídio, assim como para avaliar esse risco. Conforme Serra (2006), é considerado com risco de suicídio o paciente que apresenta os constructos desesperança e depressão associados, pois a desesperança está associada à tríade cognitiva relacionada ao “futuro”. Outro fator de risco apontado pela autora é o autoconceito, que se refere à dimensão do “eu” da tríade cognitiva, assim como às distorções no processamento das informações, em que o paciente apresenta rigidez de pensamentos. O suicida geralmente apresenta crenças perfeccionistas e irreais a respeito de si, a respeito da expectativa que tem dos outros, e da expectativa que acredita que os outros têm dele (Dattilio & Freeman, 2004). Essa característica perfeccionista não foi identificada na paciente R., porém, além dos altos índices de desesperança e depressão, mensurados pelos instrumentos BHS e BDI, respectivamente, foram identificados alguns fatores de risco como autoavaliação negativa e sentimento de desamor
Quadro 2. Protocolo para atendimento de pacientes enlutados
Fase 1: Sessões de 1 a 4
1.1 Aplicação das escalas de autorrelato Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), Inventário de Depressão de Beck (BDI) e Inventário de Desesperança de Beck (BHS), para avaliar a intensidade da depressão, da ansiedade e da desesperança, semanalmente. 1.2 Avaliação do risco de suicídio. 1.3 Psicoeducação sobre as fases do luto e sobre as alterações cognitivas, fisiológicas e comportamentais, consideradas comuns nesse período. 1.4 Identificação das distorções cognitivas da paciente relacionadas ao luto. 1.5 Ajudar a paciente a reconhecer a perda. 1.6 Utilizar técnicas para ansiedade e depressão em momentos agudos, se necessário.
Fase 2: Sessões de 5 a 8
2.1 Psicoeducação sobre o efeito das distorções cognitivas na emoção e no comportamento. 2.2 Questionamento dos pensamentos disfuncionais da paciente relacionados ao luto. 2.3 Resolução de problemas pendentes entre a paciente e o ser perdido. 2.4 Nomeação de uma pessoa “resgate”. 2.5 Reorganização do sistema familiar e redistribuição de papéis.
Fase 3: Sessões de 9 a 12
3.1 Propiciar a readaptação do sujeito à vida cotidiana; organização dos horários de atividades semanais. 3.2 Investimento em novos objetivos de vida e novas relações. 3.3 Reforçar os pensamentos alternativos referentes às distorções trabalhadas. 3.4 Prevenção de recaídas.
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Tabela 1. Escores das escalas de autorrelato (BAI, BDI e BHS)
Avaliação inicial Semana 1 Semana 2 Semana 3 Semana 4 Semana 5 Semana 6 Semana 7 BAI 37 28 35* 22 18 12 7 6 BDI 33 28 30* 28 20 15 10 6 BHS 11 7 9* 7 5 2 1 1
por parte de um dos filhos. Mas, ao se conversar com a paciente sobre o suicídio, ela comentou que uma das promessas que havia feito ao filho antes de ele falecer era a de que jamais tiraria sua própria vida. Ela também comentou que, ao morrer, o filho lhe deixara recursos financeiros suficientes para que pudesse participar de um programa de emagrecimento, arrumar todos os dentes e realizar implantes, passar por uma cirurgia bariátrica e fazer diversas cirurgias plásticas para se sentir “mais bonita” (sic). A paciente relatou estar focada nos planos para melhorar a autoimagem, e afirmou que se empenhará nos próximos meses, descartando qualquer possibilidade de que venha a cometer suicídio. Porém, mesmo após essa conversa com a paciente, foi alertado ao seu psiquiatra e a seus dois filhos sobre o risco de tentativa de suicídio, e a terapeuta passou a ficar atenta a possíveis precipitadores de uma crise. Após a avaliação do risco de suicídio e da constatação de que no momento a paciente não apresentava precipitadores suficientes para cometê-lo, foi dada continuidade à aplicação do protocolo adaptado para enlutados, por meio de psicoeducação sobre as fases do luto: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Considerando que essas fases não são um roteiro, elas podem sofrer alterações de acordo com a perspectiva pessoal de cada paciente (Kübler-Ross & Kessler, 2005). Assim, foram trabalhados com a paciente os sintomas emocionais, cognitivos, fisiológicos e comportamentais do luto, como uma resposta às interpretações que ela fazia a respeito da morte. “E se eu não der conta de cuidar do meu dinheiro?” Esse pensamento causava muita ansiedade à paciente e a deixava preocupada e com insônia. “Ele morreu, pois precisou de mim e eu estava dormindo” era um pensamento que gerava muita culpa e tristeza à paciente, fazendo-a sentir-se sem energia, chorar muito, sentir-se desesperançada e com desejo de morrer. Como é possível observar no Quadro 3, existe uma relação entre os processos cognitivos da paciente e os sintomas relatados, pois as cognições são mediadoras entre o evento e suas consequências, e essas emoções disfuncionais sentidas por R. são decorrentes dos pensamentos irracionais a respeito do luto que está vivenciando (Daniel, Lynn, & Ellis, 2010). Durante todas as sessões, a escuta da terapeuta estava pronta para identificar, no histórico do luto, os pensamentos automáticos negativos da paciente e suas crenças disfuncionais a respeito das situações que envolvem o luto. Essas crenças podem ser vistas no Quadro 4. Nessa fase, a paciente demonstrou algumas distorções cognitivas, porém, o papel da terapeuta nessa primeira etapa
Quadro 3. Relação entre cognição e sintomas apresentados Cognição Sintomas
“E se eu não der conta de cuidar do meu dinheiro?”
Ansiedade (emocional) Preocupação (cognitivo) Insônia (comportamental)
“Ele morreu, pois precisou de mim e eu estava dormindo.”
Culpa (emocional) Tristeza (emocional) Desesperança (cognitivo) Choro (comportamental)
Quadro 4. Pensamentos automáticos negativos da paciente relacionados ao luto “E se eu não der conta de cuidar do meu dinheiro?” “Sou culpada pela morte do meu filho.” “E se eu não der conta de viver sozinha?” “Eu deveria ter sido mais presente na vida do F.” “Ele morreu, pois precisou de mim e eu estava dormindo.”
é de acolhimento e auxílio no reconhecimento da perda. A paciente foi então instruída a compartilhar sobre a morte do seu filho com pessoas próximas, com membros da família e vizinhos e elaborar rituais de despedida do filho, pois, conforme Wetherell (2012), é terapêutico que o paciente exponha, conte sobre a morte e a reviva por diversas vezes. A paciente, além de escrever uma carta para o filho como tarefa de casa da terapia, fez homenagens em redes sociais falando de seu amor por ele e da saudade que sentia. Durante as sessões, ela pôde verbalizar o que gostaria de dizer a F. se ele ainda estivesse vivo, e relembrou os momentos em que permaneceu cuidando dele nos últimos três anos, identificando a importância da sua presença, dos seus cuidados e “mimos” (sic). A paciente comentou que o aniversário do falecido estava próximo, e que já começara a pensar em formas simbólicas de comemorá-lo. Para isso, entrou em contato com a esposa dele e, juntas, combinaram de, no dia do aniversário, levar flores ao túmulo, encomendar um bolo, cantar parabéns com a família reunida e, em seguida, assistir a um filme chamado Nosso Lar, da doutrina espírita. Na Fase 2 do protocolo, foi trabalhada a psicoeducação sobre o efeito das distorções cognitivas na emoção e no comportamento da paciente, e foram trabalhados os principais pensamentos automáticos negativos identificados nas sessões anteriores a respeito da situação do luto. Foram questionados também os pensamentos mais atuantes, demonstrados no
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falar sobre a dor da perda com alguém, ou caso viesse a necessitar de ajuda emergencial, ou apenas de um “ombro amigo”. A paciente escolheu uma prima próxima e perguntou se ela poderia exercer esse papel. Após a confirmação da prima, a psicóloga responsável pelo atendimento, com consentimento da paciente, ligou para a pessoa “resgate” e lhe passou orientações a respeito de seu papel e dos riscos de suicídio. Também foram passados os telefones de contato da terapeuta para caso a paciente entrasse em crise e precisasse de intervenção emergencial. Sobre a reorganização familiar, meta estipulada na Fase 2, foi feito um atendimento aos filhos de R., em que se expôs a eles o papel que o irmão falecido exercera durante anos na vida da mãe (confidente, filho, cuidador, amigo, “pai” [sic]); foi mostrado a eles a necessidade de a paciente ter apoio e cuidados, principalmente com a saúde (diabetes, obesidade, dentes); e foi estipulada uma rotina de apoio a R. em que os filhos se revezarão para levá-la a médico, supermercado, banco, dentista. Assim, ficou estabelecido o papel de cada um dos filhos, e a mais nova se comprometeu a estar mais presente na rotina da mãe e a fazer companhia a ela todas as noites nos próximos meses. Os filhos também se organizaram para ocupar o tempo ocioso da mãe e ensiná-la a conquistar seu próprio dinheiro. Abriram, então, espaço para ela trabalhar na fábrica da família e assim ocupar o tempo antes dedicado integralmente ao falecido. Na 8ª sessão (ainda na Fase 2), a paciente estava com sua agenda preenchida e precisava espaçar as sessões para uma vez na semana. Essa decisão foi tomada por se considerar que ela estava trabalhando em prol de sua organização, sua independência, suas atividades laborais e ocupacionais, assim como por não terem sido observados precipitadores de uma crise com risco de suicídio, mas sim avanços na estabilização de seu humor e comportamentos mais funcionais. Na Fase 3, última fase do protocolo, foi trabalhada com a paciente a readaptação de sua rotina sem a presença do filho; foi construído um calendário com a paciente para a organização de sua rotina de trabalho e dos dias em que teria apoio logístico dos filhos para ir ao supermercado. A paciente também foi auxiliada na identificação do transporte público adequado para ir e voltar do trabalho de forma independente e, além disso, escolheu uma forma de lazer (hidroginástica) para que, durante dois dias na semana, pudesse cuidar de seu bem-estar e se exercitar. Foram identificados com a paciente novos objetivos de curto, médio e longo prazos a serem alcançados para o seu bem-estar, entre eles: ir a uma nutricionista e entrar em um programa de emagrecimento, cuidar dos seus dentes e implantes, tratar o diabetes, fazer a cirurgia bariátrica e as cirurgias plásticas no abdome e face. Também foi identificada na paciente a necessidade de doar seu carinho para pacientes que sofrem de patologias semelhantes à de seu filho. Portanto, após conseguir atingir algumas de suas metas pessoais, ela
iniciará um trabalho voluntário com pacientes portadores de câncer, pois acredita que, dessa forma, poderá ajudar as pessoas ainda em vida.
RESULTADOS
Após a 8ª sessão, a paciente já apresentava humor menos deprimido (BDI = 18) e menor ansiedade (BAI = 20), maior esperança sobre seu futuro (BHS = 5) e comportamento mais funcional, de maior aceitação com relação à morte do filho. Ao final das sessões, a paciente obteve uma redução significativa nos escores dos inventários de Beck, passando de 37 para 6 no BDI, 33 para 6 no BAI, e 11 para 0 no BHS. Após o questionamento dos pensamentos e crenças distorcidos, a identificação de evidências a favor e contra os pensamentos distorcidos e a identificação de pensamentos mais adaptativos, o que é chamado por Beck (1997) de reestruturação cognitiva, R. conseguiu reduzir seu sentimento de culpa com relação à morte do filho, além do medo de estar sozinha e desamparada diante das dificuldades rotineiras. Os papéis que o falecido filho exercia foram redistribuídos entre os outros filhos e ela própria. Portanto, ela passou a se responsabilizar por seu autocuidado, de acordo com as metas estabelecidas em terapia (busca por uma nutricionista, endocrinologista, dentista, cirurgião plástico), e os filhos se responsabilizaram pelos cuidados logísticos. A paciente passou a cometer menos distorções cognitivas e se readaptou à sua vida cotidiana. Buscou novos objetivos de vida, que, além de a motivarem, a distraíam e geravam nela o sentimento de esperança. A paciente relata ter tido recaídas e ter estado triste em alguns dias, mas diz que apenas com o “tocar do telefone” (sic) já se distrai e facilmente consegue retomar suas atividades diárias, não se sentindo prejudicada pela tristeza referente às lembranças que tem e a saudade que sente do filho ausente.
CONCLUSÃO
Existe uma quantidade limitada de protocolos terapêuticos com eficácia comprovada para tratamento do luto utilizando como suporte teórico a terapia cognitivo- comportamental, por isso considera-se que este artigo poderá contribuir com outros clínicos que desejem tratar pacientes enlutados, pois se utilizou de instrumentos relevantes, válidos e fidedignos. A partir da aplicação deste protocolo, houve significativa melhora na interpretação da paciente a respeito da morte do filho: ela demonstrou maior capacidade de reavaliação das interpretações, que passaram a ser mais funcionais, refletindo em emoções mais positivas. Pode-se concluir que ela teve uma adaptação funcional referente à perda do seu filho, passou pelo luto de forma racional e adaptativa, o que, conforme Malkinson (2010), se trata de uma forma saudável de lidar com a perda. A paciente também demonstrou maior
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capacidade para desenvolver estratégias de enfrentamento da saudade que sentia do filho e para lidar com seus problemas diários, abandonando o comportamento dependente e tendo uma reinserção social positiva.
REFERÊNCIAS
American Psychiatric Association. (APA). (2014). Manual diagnóstico e esta- tístico de transtornos mentais: DSM-5 (5. ed.). Porto Alegre: Artmed.
Ariès, P. (2014). O homem diante da morte. São Paulo: UNESP.
Basso, L. A., & Wainer, R. (2011). Luto e perdas repentinas: Contribuições da terapia cognitivo-comportamental. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 7 (1), 35-43.
Beck, J. (1997). Terapia cognitiva: Teoria e prática. Porto Alegre: Artmed.
Daniel, D., Lynn, S. J., & Ellis, A. (2010). Rational and irrational beliefs. New York: Oxford University Press.
Dattilio, F. M., Freeman, A. (Eds.). (2004). Estratégias cognitivo comporta- mentais de intervenção em situações de crise. Porto Alegre: Artmed.
Hensley, P. L., Clayton, P. J. (2008). Bereavement: Signs, symptoms, and course. Psychiatric Annals, 38 (10), 649-654. Kübler-Ross, E., & Kessler, D. (2005). On grief and grieving: Finding the mean- ing of grief through the five stages of loss. London: Simon & Schuster. Malkinson, R. (2010). Cognitive-behavioral grief therapy: The ABC model of rational-emotion behavior therapy. Psychological Topics, 19 (2), 289-305. Parkes, C. M. (1998). Luto : Estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus. Serra, A. M. (2006). Estudo da terapia cognitiva: Um novo conceito de psicoterapia. Psicologia Brasil, 4 (31), 19-26. Silva, A. C. O. (2009). Atendimento clínico para luto no enfoque da te- rapia cognitivo-comportamental. In R. C. Wielenska (Org.), Sobre comportamento e cognição: Desafios, soluções e questionamentos. Santo André: ESETec. Wetherell, J. L. (2012). Complicated grief therapy as a new treatment approach. Dialogues in Clinical Neuroscience, 14 (2), 159-166. Zisook, S., & Shear, K. (2009). Grief and bereavement: What psychiatrists need to know. World Psychiatry, 8 (2), 67-74.