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Neste texto, radcliffe discute as diferenças entre terror e horror em obras de shakespeare, particularmente na peça 'júlio césar'. Ele aborda a importância de circunstâncias pequenas na criação de sentimentos emocionais e a relação entre eles e o sublime. O texto também explora a influência de edmund burke na teoria de radcliffe.
Tipologia: Notas de aula
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Não perca as partes importantes!
Marcos Balieiro^1
Ann Radcliffe foi uma autora de extrema importância para a literatura britânica da virada do século XVIII para o XIX. Como se sabe, foi a autora mais bem paga da década de 1790. Os Mistérios de Udolpho , seu romance mais conhecido, foi dos mais influentes no que diz respeito à ficção gótica. Isso fica evidente, por exemplo, quando observamos que Jane Austen o coloca em destaque em boa parte da trama de seu Abadia de Northanger , de maneira que se pode dizer que Udolpho representa, ao longo dessa obra, o exemplo mais bem acabado da ficção gótica da época. Walter Scott, por sua vez, como nos lembra Ellen Moers, [...] comparava a leitura de obras da Sra. Radcliffe ao uso de drogas, perigosas quando habitual, “mas dotadas do poder mais abençoado nesses momentos de dor e prostração em que toda a cabeça está ferida, e todo o coração, doente. Se aqueles que zombam indiscriminadamente dessa espécie de composição considerassem a quantidade de prazer real que ela produz, e a proporção ainda maior de mágoa e aflição que ela alivia, sua caridade moderaria seu orgulho crítico e sua intolerância religiosa”. (SCOTT apud MOERS, 1976, p.
(^1) Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Fica evidente, então, não a grande popularidade de que o trabalho de Radcliffe gozava à época, mas, também, a impossibilidade de dissociá-lo da recepção da literatura gótica. É nesse contexto que “On the Supernatural in Poetry”, traduzido a seguir, deve ser compreendido. Não se deve perder de vista que as posições defendidas pela autora têm como pano de fundo, justamente, uma discussão bastante acalorada sobre a maneira como outros escritores haviam procedido ao retratar a violência e, mais especificamente, o tratamento que haviam conferido a personagens femininas. Esse é um debate que ganha corpo, especialmente, após a publicação, em 1796, de O Monge , de Matthew Gregory Lewis. Ainda que boa parte dos críticos reconhecesse o “gênio” do escritor, o livro certamente também foi considerado, em ampla medida, pernicioso, por conta da violência explícita e dos retratos de paixões que, até para os padrões góticos, seriam consideradas excessivamente violentas. Um ano depois, Radcliffe publicaria The Italian , usualmente considerado uma resposta a Lewis. Nesse livro, a autora trata de recorrer mais a insinuações e à ambientação do que a representações da violência tão gráficas quanto as que se vê em O Monge. Esse recurso se deveu não apenas à necessidade de se posicionar em uma questão de gosto, mas, também, a certa influência de Edmund Burke. Como se sabe, em Uma Investigação Filosófica acerca da Origem de Nossas Ideias do Sublime e do Belo , o autor defende que o sublime, que seria a maior paixão que um ser humano poderia sentir, depende de circunstâncias específicas para ser suscitado. Segundo o filósofo irlandês, somos acometidos por ele na presença de objetos grandiosos, dotados de grande poder e capacidade para causar dano. Ainda assim, a apresentação de algo com essas características deve ser potencializada pela obscuridade. Isso porque o sublime depende da imaginação. Caso esta não tenha qualquer espaço para operar, é possível apenas incitar outros sentimentos, como a repulsa, por exemplo. O texto traduzido a seguir foi publicado postumamente, anos depois de The Italian , em 1826, no volume 16 da New Monthly Magazine. Pretendia-se, inicialmente, que o texto fosse parte do prólogo de Glaston de Blondeville , romance que também foi publicado após a morte de Radcliffe. O texto, escrito em forma de diálogo, deixa bastante claras as influências burkeanas da autora. Sob o pretexto de discutir aspectos particulares da obra de Shakespeare, as personagens, W- e o Sr. S-, envolvem-se em uma conversa na qual se estabelece a diferença, hoje bastante conhecida no âmbito da crítica literária, entre terror e horror. O primeiro, relacionado à apresentação obscura dos objetos que o suscitam, de modo que a imaginação teria liberdade para operar, seria
Do Sobrenatural na Poesia
Um de nossos viajantes iniciou uma grave dissertação sobre as ilusões da imaginação:
(^2) Tradução: Marcos Balieiro (UFS). E-mail: marcos.balieiro@gmail.com.
apresenta como sendo tão temível quanto essa noite, quando se viu à luz dos raios, os mortos, com seus mantos, a flutuar pelas ruas de Roma. Quanto a sublimidade dessas circunstâncias aumenta a ideia que temos do poder de César, da grandeza terrível de seu caráter, e aumenta nosso interesse por seu destino! Toda a alma é despertada e se fixa, com a total energia de sua atenção, no progresso da conspiração contra ele, e, se Shakespeare não o tivesse, sabiamente, removido de nossa vista, não haveria qualquer equilíbrio de nossas paixões^3.
(^3) Radcliffe discute, nesse trecho, não os eventos históricos, mas a peça Júlio César , de Shakespeare.
vivessem, ou seriam mais do que suspeitas de bruxaria, o que sabemos não ser sempre o caso.
(^6) Sarah Siddons (1755-1831), atriz bastante famosa à época, reconhecida, principalmente, por sua interpretação de Lady Macbeth. 7 É difícil identificar a quem Radcliffe se refere, já que Siddons teve três irmãos, dois dos quais certamente atuaram no papel da personagem título de Hamlet.
(^8) A fala é do próprio Hamlet, na Cena IV do Ato I. (^9) Os exemplos relatados nesse parágrafo são todos extraídos da primeira cena do Ato I de Hamlet.
deste mundo enquanto contemplamos “os errantes espíritos”. O espectro se vai, acompanhado por circunstâncias naturais tão tocantes quanto aquelas com que havia se aproximado. É pela estranha luz do vagalume, cujo “fogo inativo empalidece”^10 , é ao primeiro aroma do ar da manhã, o hálito vivo, que a aparição se retira. Entretanto, não é pouco o enfado ao ver o fantasma de Hamlet representado. A imaginação mais refinada é necessária pra dar as cores devidas a tal personagem no palco, e, ainda assim, acredita- se que quase qualquer ator é capaz de representá-lo. Na cena em que Horácio conta seu segredo a Hamlet, Shakespeare, ainda comprometido com o toque das circunstâncias, faz com que isso aconteça à noite, e o marca pelas próprias palavras de Hamlet, “Boa noite”, que Hanmer e Warburton mudaram, sem qualquer razão, para “bom dia”, fazendo, assim, com que Horácio relatasse sua história mais interessante e mais solene à plena luz da parte mais alegre do dia, quando sons ocupados abundam, e o próprio sol parece contradizer cada conto duvidoso e diminuir todos os sentimentos de terror. Esse desacordo deve ser imediatamente compreendido por aqueles que, de boa vontade, dobraram suas almas ao poeta.
(^10) Hamlet , Ato I, Cena V. (^11) Como se sabe, a Investigação Filosófica acerca da Origem de Nossas Ideias do Sublime e do Belo , de Edmund Burke, foi uma influência importante para as teses que Radcliffe desenvolve neste texto. É importante notar, então, que tanto a ideia de grandiosidade quanto uma apresentação do objeto que não o revele completamente são tidas por Burke como características importantes no que toca a engendrar o
terror, e que causa o sublime, é encontrada apenas em Hamlet ou em cenas em que circunstâncias do mesmo tipo prevalecem.
sublime. Este, segundo o filósofo, dependeria, em ampla medida, da imaginação, e seria o maior sentimento que a mente é capaz de produzir. Fica evidente, então, a maneira como Radcliffe se apropria da concepção burkiana do sublime para estabelecer suas posições sobre terror e horror. 12 Parece ter havido, aí, confusão da ordem dos termos por parte de Radcliffe. Pelo modo como o argumento se desenvolve, é o terror, e não o horror, que diz respeito a “incerteza e obscuridade”. Observe-se, ainda, que a vinculação do terror à imaginação, em que a autora continua a insistir após essa passagem, está de acordo com a influência confessa de Burke nas teses defendidas ao longo do texto. 13 A imagem é parte de uma descrição de Satã no Livro IV de Paraíso Perdido. A tradução é nossa. É importante notar que, no texto original, lê-se “On his brow sat horror plumed”, de modo que a citação feita por Radcliffe está ligeiramente incorreta. No texto de Milton, a passagem correta é “on his Crest/Sat horror Plum’d”.
não na mesma proporção de suas outras qualificações, aquela delicadeza de sentimento que chamamos de gosto. Além disso, que seu gênio foi subjugado pelo gosto prevalente na corte e por um intercâmbio com o mundo que, frequentemente, era humilhante demais para sua moral e destrutivo para sua sensibilidade. A moralidade superior de Milton protegeu seu gênio, e sua imaginação não foi rebaixada pelo mundo.
(^16) Thomas Gray (1716-1771), poeta inglês. Considerava The Bard , mencionado posteriormente no texto, um de seus melhores poemas. 17 William Collins (1721-1759), poeta inglês. Quase tão influente quanto Gray, é considerado como um autor de transição, que já apresentaria algumas características do romantismo. 18 Não fica claro a quem, exatamente, Radcliffe se refere. A alusão pode ser a James Beattie (1735-1803), poeta e moralista escocês, hoje conhecido principalmente por suas críticas a Hume, ou a George Beattie (1776-1823), outro poeta escocês. 19 A referência é, possivelmente, a James Thomson (1700-1748), poeta escocês, autor de The Tragedy of Sophonisba. É possível, também, que a autora tenha tido em mente William Thomson (1712-1766), autor de Sickness e de Hymns to May.
em um altar de cristal”^20. Um amor pela beleza moral é parte tão essencial da mente de um poeta quanto um amor pela beleza pitoresca. Há tanta diferença entre o tom dos sentimentos morais de Dryden e os de Milton quanto entre suas percepções do grandioso e do belo na natureza. Ainda assim, quando me recordo de Alexander’s Feast , espanto-me com os poderes de Dryden e com minhas próprias opiniões ousadas acerca deles, e estaria pronto a desdizer muito do que disse, caso não considerasse esse exemplo do poder da música sobre a mente de Dryden tão maravilhoso quanto qualquer exemplo do efeito dessa arte encantadora que ele tenha exibido em sua sublime ode. Não posso, entretanto, conceder que ela seja a mais bela ode na língua inglesa enquanto eu me lembrar do Bard , de Gray, ou da Ode on the Passions , de Collins. Mas, voltando a Shakespeare, às vezes pensei, enquanto andava pelas sombras profundas do Terraço Norte do Castelo de Windsor, quando a lua iluminava tudo que havia além, que a cena deve ter se apresentado à mente de Shakespeare quando ele projetou as cenas noturnas de Hamlet. Quando eu estava na plataforma que se projeta sobre o precipício, e ouvi apenas o passo regular de uma sentinela ou o tilintar da armadura em seus braços, e vi sua sombra passando à luz da lua, aos pés da elevada torre leste, quase esperei ver a assombração real vestida em armadura, da cabeça aos pés, parada sobre a plataforma solitária diante de mim. A própria estrela, “aquela estrela que está a oeste do polo”^21 , parecia observar as torres a oeste do terraço, cujas linhas escuras se destacavam contra o céu. Tudo estava tão imóvel e sombrio, tão grandioso e solene, que a cena não parecia adequada a nenhuma “mortal cantiga, nem são terrenos esses sons”^22. Já observaste o refinado efeito da torre leste quando estás próximo ao estremo oeste do terraço norte, e o perfil elevado dela se projeta no céu, praticamente da base até o topo ameiado, o que se deve à baixa altura do parapeito? Ele é mais impressionante à noite, quando as estrelas aparecem, em diferentes alturas, sobre seu contorno sombrio e quanto a sentinela de guarda se move como uma figura sombria a seus pés.
(^20) No original, “be shrined in crystal”. A expressão não aparece em Shakespeare. Após observar que, em seu The Romance of the Forest , Radcliffe afirma citar a passagem “That might be shrin’d in crystal/and have all its movements scann’d” (Que poderia estar em um altar de cristal/E ter todos os seus movimentos examinados), Groom (201 7 ) examina algumas possibilidades de textos shakespearianos a que Radcliffe poderia estar aludindo, tais como os sonetos 5 e 46 ou 21 Dois Cavalheiros de Verona. 22 Hamlet , Ato I, Cena I. Trata-se de passagem de A Tempestade.