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Do nexo de causalidade ao nexo de imputação: contributo, Notas de estudo de Direito

determinar a causalidade, mas apenas excluir os pedidos relativamente aos quais não ... dos aspectos reipercusórios e compensatórios determine preocupações ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa
Do nexo de causalidade ao nexo de imputação: contributo
para a compreensão da natureza binária e personalística do
requisito causal ao nível da responsabilidade civil
extracontratual
Dissertação de Doutoramento na área de Jurídico-civilísticas
na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
sob orientação do Senhor Professor Doutor Pinto Monteiro
Coimbra, 2012
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Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa

Do nexo de causalidade ao nexo de imputação: contributo

para a compreensão da natureza binária e personalística do

requisito causal ao nível da responsabilidade civil

extracontratual

Dissertação de Doutoramento na área de Jurídico-civilísticas

na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,

sob orientação do Senhor Professor Doutor Pinto Monteiro

Coimbra, 2012

Índice

1ª PARTE

O nexo de causalidade ao nível da responsabilidade extracontratual: a formulação do problema, o

tratamento doutrinal e jurisprudencial que recebe e os referentes histórico-filosóficos, teleológicos, teleonomológicos, metodológicos e dogmáticos de compreensão do requisito.

Capítulo I: Introdução ................................................................................................................................. 1

  1. O nexo de causalidade no seio da responsabilidade extracontratual: primeira aproximação ao problema. Circunscrição do âmbito de análise ............................................................................. 1
  2. A experiência decisório-judicativa: a ambivalência da jurisprudência nacional ........................ 26
  3. A experiência decisório-judicativa: os dados sistemáticos colhidos além-fronteiras ................. 39
  4. Recorte do âmbito de relevância problemática de situações tipo ............................................... 73 Capítulo II : O tratamento doutrinal da causalidade: visão macroscópica de algumas teorias forjadas para captar a categoria………………………………………………………………………………………….
  5. A doutrina da conditio sine qua non. Formulação e crítica…………………………………….
  6. A doutrina da causalidade adequada. Formulações e crítica…………………………………...
  7. A doutrina do escopo da norma violada. Formulação e crítica………………………………..
  8. Da fisicidade da conditio sine qua non ao sentido imputacional da causalidade. Ordem de sequência………………………………………………………………………………………

Capítulo III: Evolução histórica do papel do nexo de causalidade como pressuposto da imputação delitual: do direito romano ao hodierno pluralismo de perspectivas…………………………………….

  1. A lição do Direito Romano…………………………………………………………………… 9.1. Primeira aproximação à Lex Aquilia…………………………………………………………… 146 9.2. Os problemas resultantes da interpretatio e da applicatio da Lex Aquilia ………………. 9.3. Os elementos da responsabilidade aquiliana. Em especial, a causalidade………………. 9.4. Culpa e causalidade. A dilemática relação entre os dois termos que se intui no direito romano………………………………………………………………………………………... 9.5. Dano como lesão material da res e dano como prejuízo patrimonial. A evolução do pensamento jurídico romano a propósito do tema e as eventuais repercussões em sede de causalidade…………………………………………………………………………………….
  2. A responsabilidade civil na Idade Média……………………………………………………..18 2
  3. A mutação da intencionalidade do jurídico: o jusnaturalismo racionalista e a edificação dos grandes sistemas de responsabilidade civil…………………………………………………...
  4. As duas vias calcorreadas pelo pensamento jurídico a caminho do positivismo: a Escola da Exegése e a Jurisprudência dos Conceitos. O seu eco no modelo napoleónico da faute e no modelo alemão de inspiração iheringuiana……………………………………………..... 12.1. A génese e conformação do positivismo jurídico……………………………………… 12.2. Os dois caminhos trilhados pelo positivismo e a sua projecção em sede delitual……...21 2 12.3. O papel da causalidade em cada um dos modelos delineados………………………… 12.3.1. A função dogmática desempenhada na estrutura mencionada………………...22 5 12.3.2. O condicionamento filosófico-metodológico das soluções cristalizadas……...23 5 12.3.3. O normativismo como filão condutor entre a condicionalidade sine qua non e a causalidade adequada. O duplo olhar sobre a adequação e a indiciação da superação do positivismo…………………………………………………………………………….
  5. A superação do positivismo jurídico…………………………………………………………..
  6. A causalidade comparativa. O contributo da análise económica do direito para a fixação dos contornos do pressuposto…………………………………………………………………….
  1. Apreciação crítica……………………………………………………………………………...
  2. A lição de PIETRO TRIMARCHI acerca da causalidade………………………………………… 712
  3. O domínio do facto e a consideração de noções como a autoria. Os modelos da mittelbaren Verursachung e o modelo da fahrlässing Verursachung (STEPHAN PHILIPP FORST). Critérios de imputação objectiva nas situações ditas de causalidade psicológica: sugestões doutrinais……

Capítulo VII : A contaminação do requisito causal pela ideia de risco………………………………....

  1. O dado ontológico – a complexidade do devir real…………………………………………….74 5
  2. A caracterização da sociedade como uma sociedade de risco………………………………….74 7
  3. A permeabilidade do jurídico ao real ou a influência da sociologia na juridicidade. As consequências da caracterização da sociedade como uma sociedade de riscos no plano dogmático……………………………………………………………………………………….
  4. A justa distribuição do risco como critério imputacional ao nível do direito civil. A intencionalidade problemática do artigo 570º CC e o argumento que daí se pode extrair……..
  5. A ideia de risco em algumas soluções predispostas pela doutrina……………………………..81 1
  6. Da recusa do finalismo ao resvalar para o funcionalismo?.........................................................
  7. A acção juridicamente relevante. O impacto da consideração da sociedade ao nível da delimitação daquela. Axiologia e ontologia: o reforço da dialéctica anunciada. A importância do risco a este ensejo (como um risco imbricado na noção de esfera de responsabilidade delimitado dialecticamente no cotejo com a pessoalidade)………………………………………………...

Capítulo VIII : A acção juridicamente relevante como base da imputação e a dialéctica entre a axiológica liberdade positiva e a ôntica realidade do risco: a definição dos critérios de imputação objectiva a partir da ideia de esferas de responsabilidade……………………………………………………………………..

  1. A acção humana como alicerce da imputação objectiva……………………………………….
  2. Nova referência ao sistema já constituído: a relevância da omissão no quadro da responsabilidade civil (breve excurso)…………………………………………………………
  3. Pessoalidade, liberdade, responsabilidade e finalidade primária da responsabilidade civil: a definição dos critérios de imputação objectiva a partir da ideia de cotejo de esferas de responsabilidade……………………………………………………………………………….. 47.1. A assunção de uma esfera de risco………………………………………………………. 897 47.2. O cotejo de esferas de risco/responsabilidade……………………………………………

Capítulo XIX: Um novo olhar sobre o modelo delitual: as consequências do entendimento proposto ao nível sistemático e dogmático…………………………………………………………………………..

  1. Razão de ordem……………………………………………………………………………….102 8
  2. O sistema delitual como um sistema de alocação de riscos…………………………………..
  3. Um continuum de responsabilidade………………………………………………………….. 50.1. O modelo proposto por Nils Jansen. Análise e crítica…………………………………. 50.2. Um continuum de responsabilidade personalisticamente perspectivado……………….

Capítulo X : O problema da correspondência entre o dever-ser e o ser; o ónus da prova da causalidade e a questão da condicionalidade…………………………………………………………………………… 1063

  1. Ordem de sequência…………………………………………………………………………..
  2. O problema do ónus da prova da causalidade………………………………………………...10 71
  3. A condicionalidade como juízo prévio ou simultâneo da causalidade?....................................
  4. Causalidade múltipla ou sobredeterminação causal. Formulação do problema e perspectivas de solução segundo o ponto de vista tradicional e segundo o modelo dialogicamente proposto..
  1. Obrigações solidárias. A (re)compreensão do regime da solidariedade obrigacional entre co- responsáveis à luz de uma ideia de imputação. A dialéctica entre diversos níveis argumentativos como expediente de densificação dos critérios tradicionalmente atidos à causalidade……… 55.1. Obrigações solidárias e obrigações conjuntas. Breve excurso…………………………. 55.2.Solidariedade obrigacional e responsabilidade civil…………………………………….

Capítulo XI : O preenchimento da responsabilidade: breve excurso…………………………………..1 303

  1. Ordem de sequência…………………………………………………………………………..1 303
  2. Revisitação do direito subjectivo…………………………………………………………….. 1304
  3. A emergência de um referencial de subjectivação e a génese do direito subjectivo…………1 307
  4. A concepção germânica e a construção dogmática dos direito subjectivos privados: a teoria da vontade e a teoria do interesse………………………………………………………………..
  5. Do objectivismo moderado de Ihering ao objectivismo radical de Duguit e kelsen…………
  6. Do individualismo ao personalismo ou a sustentação do direito subjectivo por referência à pessoa…………………………………………………………………………………………
  7. Síntese compreensiva e tomada de posição viabilizadora da conexão entre o conceito de direito subjectivo e o problema da causalidade preenchedora da responsabilidade…………………
  8. Uma dúplice visão sobre o fenómeno da subjectivação……………………………………... 63.1. O direito subjectivo na perspectiva do titular que o exerce………………………….… 63.2. O direito subjectivo na óptica do titular que o vê lesado……………………………….
  9. O direito subjectivo e o interesse legalmente protegido……………………………………...
  10. A gestão de negócios e a consideração dos interesses do dominus que lhe anda associada....
  11. O enriquecimento sem causa (nova referência) e a consideração do direito subjectivo como fundamento e radical operatório………………………………………………………………
  12. A determinação do dano a partir do conteúdo do direito subjectivo………………………….140 2
  13. A obrigação de indemnizar à luz do direito positivo português. O debate em torno do artigo 563º CC……………………………………………………………………………………………..

Síntese…………………………………………………………………………………………………..

Bibliografia……………………………………………………………………………………………..

referência. Mas o cumprimento da validade não pode apagar uma vertente de eficácia,

compreendida em moldes não tecnocráticos, que, tendo em conta a realidade telúrica,

olhe para o risco como uma característica inerente às sociedades actuais. Será, pois, na

dialéctica entre a validade e a eficácia que se encontrará o ponto de ancoragem dos

critérios imputacionais que se procuram edificar.

Numa segunda parte do nosso trabalho, testamos, iluminados pelos referentes

enunciados, uma série de soluções propostas pelos autores para resolver o problema

causal. Rejeitadas por não cumprirem a dialéctica anunciada, partimos de um dado

entendimento da acção juridicamente relevante – viabilizado pela pressuposição

axiológica em que assentamos o modelo a propor – , que conjugamos com uma assunção

personalística do risco, para traçarmos critérios imputacionais consentâneos com o que

até aí fomos afirmando. Assim, será com base na assunção de uma esfera de risco e no

cotejo dela com outras esferas de risco (tituladas pelo lesado, por um terceiro ou pela

própria realidade natural e social) que conseguiremos dizer quando deve haver

imputação objectiva do dano-lesão ao comportamento do agente.

Embora tal permita a pertinência com o real, a necessidade de garantir a

transposição entre o dever ser e o ser e a obrigatoriedade de cumprir um ónus de contra-

argumentação levam-nos a, posteriormente, questionar o problema da prova da

causalidade e, conexionado com ele, a questão da condicionalidade. É aí que lidaremos

com questões, tão importantes como dilemáticas, como a causalidade hipotética,

concorrente, cumulativa e alternativa.

No final, tecem-se, ainda, como decorrência do modelo proposto, considerações

acerca da questão da causalidade preenchedora da responsabilidade.

Em tudo isto é a própria modelação do sistema delitual que conhece novos

contornos.

ABSTRACT

A brief journey through the positions assumed by the jurisprudence and doctrine

on causality, as far as civil liability is concerned, reveals us that there is a deep

ambivalence in judicial decisions, which often impedes reaching a materially just

solution with legal grounds for the problems that emerge. The situation becomes even

more serious as one may realise that countless claims for damages do not succeed by

virtue of not meeting the causality requirement and thus justify making a discursive and

argumentative voyage with the purpose of reflecting over this concept.

After briefly assessing the principal doctrines created over the matter, we went

historically back in time in this journey. We concluded in such historical voyage that

took us from Roman law to the multiple current perspectives that the shape of the causal

link depends on the structure of the tort we are dealing with, the type of juridical

rationality adopted, and the purposes conferred to civil liability.

Consequently, an investigation of the teleology of such juridical institute had to

be made. We then understand that corrective justice is the cornerstone of civil liability

and that it may not be reduced to a damage accounting scheme. It claims above all that

the personhood of the suject is proclaimed. Indeed, civil liability itself may not be

conceived without it. To that extent, causality is no longer seen as a category of the

physical world, even if juridified, but commences to be understood in terms of

imputation.

This fact, confirmed by the methodological references to which we appealed, is

the only one that is consistent with a certain understanding of law grounded on an

axiologic framework that places the individual in the centre of all. It is also in

agreement with the philosophical teachings that, separating causality from the nature of

free causality and driving us away from determinism, claim that the human behavior is

evaluated in terms of imputation. This was reaffirmed in our work from a dogmatic

point of view when we considered certain problematic niches, such as those dealing

with objective civil liability. Then, one realizes that causality may not be erected as a

ground for liability, as well as, in terms of criteria, it is not causality, but objective

imputation that will enables to impose an obligation to compensate damages.

Furthermore, in dogmatic terms, one may see that proclaiming illicitude in the

outcome of liability leads a legal expert to establish the causal link to which one

traditionally refers. However, the terms of the problem are now diverse. Firstly, beyond

the fulfilling of liability, it must be solved the upstream problem of the grounds of

liability themselves. We reduced the scope of our dissertation to such segment of

imputation, which is also limited by the boundaries of violation of rights as manner of

illicitude, as we announced at the beginning of our work. One must stress that the

aforementioned segment may only be defined if one appeals to the individual ethical

dimension to which we previously referred. However, the compliance of validity may

1ª Parte

Cap. I a V

O nexo de causalidade ao nível da responsabilidade extracontratual: a formulação

do problema, o tratamento doutrinal e jurisprudencial que recebe e os referentes

histórico-filosóficos, teleológicos, teleonomológicos, metodológicos e dogmáticos de

compreensão do requisito.

2

directamente na teleologia do instituto, a apontar para a reparação como a sua finalidade

primacial, e implica a entrada em cena da intencionalidade normativa dele, a coenvolver

a chamada à colação da magna ideia de responsabilidade e pessoalidade.

Simplesmente, o que poderia parecer líquido encerra um dos mais dilemáticos

tópicos da dogmática responsabilizatória, não só em atenção à diabólica actividade

probatória que fica a cargo – em regra – do lesado, como em atenção à impossibilidade

de se encontrar a resposta ao problema do ponto de vista científico ou naturalístico.

Na verdade, se a outros níveis o que se indaga é a simples origem da causação

do dano – ainda que animada pela busca do responsável no sentido da identificação do

agente etiologicamente causador da mutação no real – , a intencionalidade normativa do

problema que acompanha o discurso juridicamente cunhado insta-nos a operar divisões

entre categorias que, comunicando entre si, não se confundem na sua pureza e cuja

intelecção obriga a um esforço suplementar – para quem queira ser consequente no seu

arrimo argumentativo – de convocação da dimensão principiológica do ordenamento

que, fazendo-nos aceder à teleo(nomo)logia do instituto, nos abra caminho para a

correcta densificação daquelas e funde respostas materialmente justas e normativamente

adequadas para um concreto problema sub iudice^2.

Perfunctoriamente, dir-se-á que não é a mesma a carga problemática com que se

depara o médico A que, perante a doença de B, tenta saber qual a razão da enfermidade

causalidade ao nível da responsabilidade civil – “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” – , e explique-se, remissivamente, que o apontamento aqui inscrito nos leva à cisão entre dois segmentos de problematicidade causal a que aludiremos adiante. Veja-se, também, PAULO MOTA PINTO, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo , Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 929 e nota 2605 (^2) O pouco que aqui fica dito permite-nos, desde já, tecer algumas considerações. Na verdade, como

veremos, uma das grandes dificuldades que o jurista enfrenta quando lida com o tópico da causalidade passa exactamente pela natureza dual da categoria. Quer isto dizer que com a causalidade se procura, por um lado, garantir a pertinência ao real, numa lógica explicativa que permita a reconstituição do iter que conduziu ao dano, e, por outro lado, resolver uma questão imputacional, a partir da qual já não se indaga o que lhe deu causa, em sentido naturalístico, mas sim quem o deve suportar. Diferentes perspectivas acerca do modo como a juridicidade se realiza em concreto justificam diversas visões sobre o tema, ressaltando, porém, em quase todas elas a dicotomização entre a matéria de facto e a matéria de direito, a convocar critérios também eles distintos para a solução dos segmentos problemáticos, sem que, importa notar, se encontre unanimidade no tocante às nervuras com que a cisão se opera. Embora seja prematuro tecer mais esclarecimentos sobre tais segmentos dialógicos, por serem ininteligíveis por enquanto quer a nossa proposta concreta, quer os quadros conceptuais sedimentados pelos autores, veja-se, inter alia , não pela coincidência com aquela que será a nossa perspectiva, mas pelo sentido impressivo que aí se encontra, FLORENCE G’SELL-MACREZ, Recherches sur la notion de causalité , Université Paris I – Pantheon – Sorbonne, 2005, p. 17 e ss.

3

e aqueloutra com que se confronta o jurista quando, colocado defronte de uma situação

danosa, tem de imputar o dano a uma esfera jurídica 3 .

Aí, há que, em primeiro lugar, apelar a um dado fundamento que justifique a

transferência do prejuízo do património que o sofre naturalisticamente para outro. Ou

seja, há que justificar a imputação, para o que se convocam critérios há longo tempo

sedimentados pela doutrina e positivados – mais ou menos directamente – pelo

legislador 4 .

Donde resulta, ainda que superficialmente, não estar em causa a simples

causação do dano. A comutação que se anuncia – e de que a seu tempo cuidaremos –

está eivada de um recorte ético e axiológico que não deixa indiferente o instituto da

responsabilidade civil. É por isso que a compreensão do carácter ilícito e culposo do

acto, para quem se estribe no sistema proposto por IHERING, ou do modo de ser fautif do

mesmo, no quadro do pensamento tributário do código napoleónico, surge na primeira

linha das preocupações do jurista que tenha que lidar com uma pretensão

indemnizatória.

Sem que tal seja bastante. Sabemo-lo na pressuposição de dois dados

fundamentais da caracterização do quadro ressarcitório: a ideia maior – como a própria

designação indicia – do ressarcimento ou, melhor dizendo, da finalidade reparadora do

instituto; e, directamente relacionada com ela, a certeza da imprescindível presença do

resultado enquanto elemento motriz de operacionalidade do sistema.

(^3) No seio do ordenamento jurídico, a procura da causa surge eivada da dimensão imputacional de

identificação do responsável, o que, adiantamo-lo, pode não ser compaginável com a eleição do causador natural do dano. Há, de facto, casos em que a imputação de um resultado é feita em direcção a uma pessoa que materialmente não contribuiu para a sua produção. Cf., novamente e inter alia , FLORENCE G’SELL-MACREZ, Recherches … cit., p. 72 e ss., distinguindo a causalidade histórica da causalidade jurídica. (^4) Veja-se, quanto ao ponto, embora mobilizando um quadro de pensamento não inteiramente coincidente

com aquele que, aqui e agora, se começa a esboçar, ARTHUR RIPSTEIN, Equality, Responsibility and the Law , Cambridge University Press, 1999, p. 25: “imagine a world in which the idea of responsibility has no normative significance. In such a world, there might be various ways of distinguishing which people did which things. We might employ any of the ways in which we could answer a question of the form “who did that?” (…). In order to attach normative significance to the idea of responsibility, however, we need more. In particular, we need some way of attaching persons to outcomes so that how something came about makes a difference to the normative status of parties with respect to it”. Por isso, RIPSTEIN recorre, ilustrativamente, ao estado de natureza descrito por HOBBES para mostrar como, ali, não haveria lugar à responsabilidade, suportando cada um os danos que experimentasse. A estreita ligação entre a responsabilidade e a ideia de justiça é vincada, pois, pelo autor. A solução passaria, então, segundo uma visão liberal do problema, pela edificação de property rights. Como teremos oportunidade de perceber, outras podem ser as vias de resposta para o problema do justo que necessariamente emerge quando lidamos com questões atinentes à responsabilidade. Veja-se, aliás, a análise crítica que RIPSTEIN faz do pensamento de NOZICK e HAYECK (cf. p. 29). É que, como o próprio explicita, algo deve ser pressuposto para sustentar que as liberdades que se tutelam são mais importantes do que aquelas que são negadas.

5

Trata-se, no fundo, do problema do nexo de causalidade, que, ao ser desta forma

introduzido, permite antever algumas das linhas mestras da abordagem que dele se fará.

De facto, do pouco que foi dito resultam algumas ideias, que urge sedimentar.

Há, e este é um aspecto sublinhado pelos autores que anteriormente se

debruçaram sobre a matéria 8 , uma ligação estreita entre uma dada finalidade que se

erige para a responsabilidade civil e o modo como se configura o tema da dita

causalidade 9 10 .

E se a teleologia a que se apela joga, aqui, um papel fundamental, não nos

podemos esquecer que, se nos ativermos exclusivamente a ela, corremos o risco de

incompreender a intencionalidade normativa das normas que mobilizamos. Pois que,

não se quedando o direito numa mera forma ordenadora de condutas, a remissão

daquelas para os princípios torna-se imprescindível. Portanto, a teleologia há-de ser

hipóteses em que a previsão legal não faz apelo a uma ideia causal, como por exemplo da lei que introduz a noção de “implicação do veículo no acidente de circulação”. Veja-se, ainda, Y. LAMBERT-FAIVRE, “L’éthique de la responsabilité”, Revue Trimestrielle de Droit Civil , 1998, p. 5 e ss. e CHABAS, “TGI Montpellier, 21 déc. 1970”, Recueil Dalloz , 1971, p. 637. (^7) Veja-se, novamente, CHRISTOPHE QUÉZEL-AMBRUNAZ, Essai sur la causalité… op. cit., loc. cit .,

evidenciando os dois segmentos a indagação causal tradicionalmente vem dar resposta. A este propósito, sublinhe-se que o autor considera que a causalidade não é apenas uma condição da responsabilidade civil, mas determina o fundamento da obrigação de reparação. A causalidade é entendida aqui como um movimento de valor em detrimento da vítima, que vê o seu património diminuido. Ligam-se estas considerações a um entendimento da responsabilidade civil ancorada num ideal ressarcitório. São suas as palavras “a responsabilidade civil, instituto de equilíbrio, faz nascer, em benefício da vítima, uma obrigação de reparação. A causa dessa obrigação é o movimento de valor que atenta contra o património da vítima” – cf. p. 405. (^8) Cf., inter alia, TRIMARCHI, Causalità e danno, Giuffrè Editore, Milano, 1967; PEREIRA COELHO, O

problema da causa virtual na responsabilidade civil , Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1998; CHRISTOPHE QUÉZEL-AMBRUNAZ, Essai sur la causalité… cit., p. 12 e ss. (^9) Cf., a este propósito, RICHARD W. WRIGHT, “Actual causation vs. probabilistic linkage: the bane of

economic causaton”, Journal of Legal Studies , 14, 1985, p. 435 e ss., considerando que os problemas atinentes ao nexo de causalidade se colocam precipuamente no tocante aos juristas que defendem a contaminação do instituto da responsabilidade civil com as notas predicativas da justiça correctiva. O autor vai mesmo mais longe e anuncia que a desconsideração da importância do requisito na obra de alguns juristas se deve ao tipo de racionalidade por eles mobilizada e à teleologia pela qual se deixam guiar. Assim, chama à colação os social welfare theorists, os economic analysts , e os realistas jurídicos para ilustrar a sua asserção prévia. Quanto aos últimos, veja-se LEON GREEN, Rationale of Proximate Cause , Vernon Law Book Company, Kansas City, 1927 e WEX MALONE, “Ruminations on cause-in-fact”, Standford Law Review , 9, 1956/1957, p. 60 e ss., citados por WRIGHT, e cujas obras teremos oportunidade de acompanhar, apresentando referências específicas ao seu conteúdo infra. Apontamento, ainda, para o que WRIGHT cunha por normative theorists , a conexionarem a actual causation com noções atinentes à responsabilidade moral e legal. (^10) Esta ligação é tanto mais evidente quanto se pense que a exigência da causalidade é determinada pela

natureza essencialmente reparatória do instituto. Do mesmo modo se vê que a íntima união entre o requisito e a intencionalidade normativa da responsabilidade civil torna imperiosa a identificação do autor do dano. Simplesmente, como haveremos de perceber, não temos de ficar condenados a uma visão causalista do problema, antes devendo relevar o sentido imputacional da categoria com que temos de lidar. Aliás, em bom rigor, compreendido que seja o reflexo da pressuposição axiológica na conformação do critério, não poderemos continuar a olhar para a causalidade do ponto de vista tradicional, antes a devendo convolar numa ideia de imputação.

6

complementada pela atenção dispensada à teleonomologia, isto é, pela leitura dos

quadros sistémicos do ressarcimento à luz do sentido do direito e do fundamento ético-

axiológico que os alicerçam.

Note-se, desde já, que o que poderia parecer um discurso nefelibata se

caracteriza, pelo contrário, por uma apurada percepção da essência informadora da

juridicidade. Donde decorre que aquela que elegeremos, na esteira dos ensinamentos de

CASTANHEIRA NEVES 11 , como a ideia do direito enquanto direito – a ineliminável

dignidade do ser humano como pessoa, com tudo o que isso implica – estará presente a

colorir todos os dados do sistema e, designadamente, todas as categorias normativas

tidas como pressupostos da responsabilidade civil. Assim, não é só ao nível da

conformação da ilicitude ou da culpa que ela derrama a sua intencionalidade, mas ainda

e sempre a propósito da própria causalidade, anunciando-se, neste nosso breve excurso,

que as ideias a apresentar – projectadas num determinado quadro doutrinal – não só

estarão em consonância com a primária teleologia referida, como serão tributárias desse

pensamento axiologicamente cunhado.

Percebe-se, assim, embora não axiomaticamente, que se há-de questionar o

próprio sentido da causação no imprescindível cotejo com a ideia de imputação^12 e na

(^11) Elegemos o autor por ser um marco incontornável do pensamento jurídico pátrio. Sem que tal, no

entanto, implique a negação dos contributos de tantos onde o próprio bebeu influência. Não será, por isso, de estranhar que, ao longo da nossa dissertação, a ideia personalista seja apresentada pela voz de diferentes juristas, quer nacionais, quer estrangeiros. (^12) A diferença entre a imputação e a causalidade foi tematizada por LARENZ – cf. Hegels

Zurechnungslehre und der Begriff der objektiven Zurechnung. Ein Beitrag zur Rechtsphilosophie des kritischen Idealismus und zur Lehre der „juristischen Kausalität“ , reimp., Scientia, Aalen, 1970 (1927) [cf., em especial, p. 60, 71 e 86]. Do autor, veja-se, ainda, Lehrbuch des Schuldrecht , Allgemeiner Teil , I,

  1. Aufl. I, p. 112 e ss. e p. 435 e ss. Quanto ao ponto, cf., também, E. A. KRAMER, “Das Prinzip der objektiven Zurechnung im Delikts- und Vertragsrecht”, Archiv für die civilistische Praxis , 171, 1971, p. 422 e ss.; PEREIRA COELHO, O problema da causa virtual … cit., p. 171-173; HEINRICH LANGE, “Herrschaft und Verfall der Lehre vom adäquaten Kausalzusammenhang“, Archiv für die civilistische Praxis , 156, 1957, p. 115 (note-se que o último autor citado nos vem mostrar que a doutrina da causalidade adequada é mais uma doutrina de imputação e fundamentação de responsabilidade, do que propriamente uma teoria causal estrita – “(…) die Theorie vom adäquaten Kausalzusammenhang keine besondere Kausalitäts-, sondern eine Haftungsbegrenzungstheorie ist, um so mehr hat man sie auf ihre Eignung geprüft, den Umfang der Haftung für verursachte Schäden auf ein billiges Ma einzuschränken”. Refira-se que a ideia não é exclusiva do autor, remetendo-se para o corpo da nossa dissertação a referência a outros pensadores que dela comungam, donde a inserção desta nota só se justifica a título exemplificativo.); F. BYDLINSKI, System und Prinzipien des Privatrechts, Springer Rechtswissenschaft, Wien, New York, 1996, p. 186 e ss. e Probleme der Schadensverursachung nach deutschem und österreichischem Recht , F. Enke, Estugarda, 1964, p. 4 e ss. e p. 59 e ss.; ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Causalidade e imputação na responsabilidade civil ambiental , Almedina, Coimbra, 2007, p. 24; CARNEIRO DA FRADA, Teoria da Confiança e responsabilidade civil , Almedina, Lisboa-Porto, 2003, p. 626; GERT BRÜGGEMEIER, Haftungsrecht: Struktur, Prinzipien, Schutzbereich. Ein Beitrag zur Europäisierung des Privatrechts, Springer, Berlin, Heidelberg, New York, 2006, p. 27; MARTÍN GARCÍA-RIPOLL MONTIJANO, Imputación objetiva, causa próxima y alcance de los daños indemnizables , Editorial Comares, Granada, 2008; LUZÓN PEÑA, “Causalidad e imputación objetiva como categorías distintas dentro del injusto”, Actualidad