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Este artigo analisa a atuação do estado brasileiro na repressão de manifestações populares, caracterizada pela opressão policial, arbitrariedade e inobservância de direitos fundamentais. O texto discute a promoção da demonização de movimentos populares e a utilização de medidas autoritárias para combater-los, além da relação entre o estado de exceção e o totalitarismo moderno. O autor cita estudos de carl schmitt e walter benjamin.
Tipologia: Notas de estudo
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Anna Flávia Magalhães de Caux Barros^1 Janaina Diniz Ferreira de Andrade^2
RESUMO: O presente artigo analisa a atuação do Estado brasileiro na repressão das manifestações populares, especialmente após os protestos iniciados em julho de 2013, a qual tem sido caracterizada pela opressão policial, pela arbitrariedade e pela inobservância dos direitos e garantias fundamentais, como se vivêssemos em um verdadeiro estado de exceção. O objetivo é, portanto analisar a tentativa do estado de criminalizar os movimentos sociais e constatar como o estado elegeu os manifestantes como o inimigo a ser combatido, por meio de uma revisão bibliográfica e da apreciação de situações concretas. Para tanto, primeiramente, faz-se um estudo sobre a utilização do estado de exceção como paradigma de governo na atualidade, inclusive nos regimes pretensamente democráticos. Sob o pretexto de proteger o povo, o estado de exceção acaba por se tornar regra, ou seja, uma prática estratégica duradoura dos governos contemporâneos, vivendo-se em uma espécie de exceção permanente. Para examinar a expansão da exceção, utiliza-se como base teórica especialmente o pensamento do italiano Giorgio Agamben e do alemão Carl Schimtt, sem deixar de analisar também a obra de outros autores. Sucessivamente, aborda-se o direito penal do inimigo, preconizado pelo alemão Gunther Jakobs para, ao final, se fazer uma reflexão sobre a tentativa estatal de criminalizar os movimentos sociais e o desrespeito completo pelos institutos democráticos, a partir do estudo de casos ocorridos recentemente no Brasil. Comprova-se, assim, a necessidade do estado de eleger um inimigo, representado por determinado grupo social que, de alguma forma, apresente alguma ameaça a ordem e que, na atualidade, tem sido representado pelos manifestantes.
PALAVRAS-CHAVE: Estado de exceção; Direito Penal do Inimigo; Manifestações Populares.
ABSTRACT: This article analyzes the role of the Brazilian state in repression of popular demonstrations, especially after the protests started in July 2013, which has been characterized by police oppression, by arbitrariness and disregard for fundamental rights and guarantees, as if we live in a real state of exception. The aim is therefore to analyze the state's
(^1) Mestranda em Direito Público pelo Programa de Pós Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Público pelo IEC – PUC/MINAS (2014). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2011). Advogada. (^2) Mestranda em Direito Público pelo Programa de Pós Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Gama Filho (2013). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto (2011). Advogada.
attempt to criminalize social movements and see how the state has chosen the protesters as the enemy to be fought by doing a bibliographical research and studying some current cases. First, is studied the use of state of exception as a paradigm of government nowadays, even in supposedly democratic regimes. Under the guise of protecting the people, the state of exception ends up becoming the rule, a lasting strategic practice of contemporary governments, living in a kind of permanent exception. To examine the expansion of the exception, is used as theoretical base the thought of the Italian Giorgio Agamben and the German Carl Schimtt, while also examining the work of other authors. Successively, it approaches “criminal law of the enemy”, advocated by German Gunther Jakobs and, in the end, is made a reflection about the state attempt to criminalize social movements and the complete disregard for democratic institutions, based on the study of specific cases occurred recently in Brazil. Afterwards, is proved the need of the state to elect an enemy, represented by a social group that, somehow, presents any threat to order and who are nowadays in Brazil represented as the demonstrators.
KEYWORDS : State of exception; Criminal Law of the Enemy; Popular Demonstrations.
As manifestações populares que explodiram no Brasil e tomaram as ruas desde junho de 2013, às vésperas da realização da Copa das Confederações, ganharam forte adesão popular. Desencadeadas pelo aumento da tarifa no transporte público, as passeatas acabaram por levantar também diversos outros temas como a corrupção na política, os excessivos gastos com os megaeventos esportivos – a Copa das Confederações de 2013 e a Copa do Mundo de 2014 – e a reivindicação por melhorias na saúde e na educação. Com uma vasta pauta de reivindicações, as manifestações mostraram o descontentamento da população, ganharam visibilidade na mídia e foram reprimidas com forte opressão policial. Desde então, passeatas que se iniciam de forma pacífica tem, recorrentemente, terminado em quebra-quebra e pancadaria entre manifestantes e polícia e têm sido marcadas pela truculência policial e pela arbitrariedade de inúmeras prisões. A autoritária ação do Estado brasileiro diante das manifestações demonstra uma tentativa clara de criminalizar os movimentos sociais, a partir do recrudescimento da repressão dos manifestantes por meio de detenções, ameaças e imposição da bruta força policial. Além disso, diversos são os casos que retratam ilegalidades na condução de inquéritos policiais bem como a inobservância dos direitos e garantias constitucionalmente assegurados. São inúmeros os episódios de pessoas detidas sem provas e sem direito a defesa, além de outras detenções que possuem fortes indícios de flagrantes forjados. Durante a Copa do Mundo de 2014, diversos ativistas foram
Tal instituto tem sua origem no direito romano, no qual existia uma figura denominada “ iustititum” , utilizada para designar a interrupção ou suspensão do direito. O iustitium em Roma era, na realidade, uma espécie de proclamação da interrupção ou suspensão dos direitos quando verificado o tumultus , ou seja, uma situação de emergência, que poderia ser provocada por guerras externas, insurreições ou emergências. Em tais casos, o iustitium tinha o escopo de resguardar o direito dos cidadãos e de invocar as medidas necessárias para salvar o Estado (AGAMBEN, 2004, p. 67). Este “[...] é o sentido desse paradoxal instituto jurídico, que consiste unicamente na produção de um vazio jurídico, que se deve examinar aqui, tanto do ponto de vista da sistemática do direito público quanto do ponto de vista filosófico-político (AGAMBEN, 2004, p. 68). Nas sociedades contemporâneas, contudo, o estado de exceção encontra-se fortemente associado ao próprio estado de direito, com a constante adoção de práticas que vulneram o ordenamento jurídico e os procedimentos democráticos.
O que ocorreu e ainda está ocorrendo sob nossos olhos é que o espaço “juridicarnente vazio” do estado de exceção (em que a lei vigora na figura – ou seja, etimologicamente, na ficção – da sua dissolução, e no qual podia portanto acontecer tudo aquilo que o soberano julgava de fato necessário) irrompeu de seus confins espaço-temporais e, esparramando-se para fora deles, tende agora por toda parte a coincidir com o ordenamento normal, no qual tudo se torna assim novamente possível (AGAMBEN, 2002, p. 44). Em sua obra “Estado de Exceção”, o filósofo italiano Giorgio Agamben defende que o estado de exceção se tornou “o paradigma de governo dominante na política contemporânea”, seja o regime democrático ou autoritário, e “apresenta-se como o patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo” (AGAMBEN, 2004, p. 13).
O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instauração por meio de estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, parecem não integráveis ao sistema político. Desde então, a criação de um estado de emergência permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos (AGAMBEN, 2004, p. 13).
A tese central presente no pensamento de Agamben é a de que, ao longo do século XX, o estado de exceção, presumidamente tido como provisório e caracterizado pela suspensão da ordem jurídica, se tornou um paradigma e forma permanente de governo. Durante sua ocorrência, a aplicação da lei é suspensa pelo poder político, com o intuito de manutenção da ordem constituída.
O pensamento de Agamben acerca do estado de exceção dialoga com as teorias formuladas por Carl Schmitt e Walter Benjamin, cujos estudos sobre o tema desabrocharam na primeira metade do século XX, isto é, no período em que eclodiu no mundo o totalitarismo a partir de movimentos como o nazismo e o fascismo. Carl Schimtt, alemão católico e estritamente envolvido com o nacional-socialismo, desenvolve suas ideias sobre o estado de exceção a partir da análise do da questão da soberania já que, para o autor, as duas noções encontram-se intimamente relacionadas. Schimtt inicia sua obra “Teologia Política” afirmando “soberano é quem decide sobre o estado de exceção” (SCHIMTT, 2006, p. 07). Logo em seguida, adverte que o conceito definidor de seus estudos foca-se nos casos limítrofes, não fazendo referência a normalidade. Na perspectiva schimittiana, somente na excepcionalidade pode-se vislumbrar quem é de fato o soberano, já que, em última instância, é este que decidirá sobre o estado de exceção.
Todo Direito é “direito situacional”. O soberano cria e garante a situação como um todo na sua completude. Ele tem o monopólio da última decisão. Nisso repousa a natureza da soberania estatal que, corretamente deve ser definida, juridicamente, não como monopólio coercitivo ou imperialista, mas como monopólio decisório, em que a palavra decisão é utilizada no sentido geral ainda a ser desenvolvido. O estado de exceção revela o mais claramente possível a essência da autoridade estatal. Nisso, a decisão distingue-se da norma jurídica e (para formular paradoxalmente), a autoridade comprova que, para criar direito, ela não precisa ter razão/direito (SCHMITT, 2006, p. 14)
Dessa forma, decidindo sobre o estado de exceção, coloca-se como se estivesse acima da própria lei, devendo suas decisões ser cumpridas e não questionadas. O soberano, nesse sentido, coloca-se fora da própria ordem jurídica, apesar de pertencer a ela já que decide sobre a instauração da excepcionalidade, ou seja, é a autoridade competente para decidir se a Constituição pode ou não ser suspensa (SCHIMITT, 2006, p. 8). Discorrendo sobre o tema, Agamben assim diz “estar-fora e, ao mesmo tempo, pertencer: tal é a estrutura topológica do estado de exceção, e apenas porque o soberano que decide sobre a exceção é, na realidade, logicamente definido por ela em seu ser, é que ele pode também ser definido pelo oximoro êxtase-pertencimento” (AGAMBEN, 2004, p. 57). Na perspectiva de Schmitt, portanto a decretação da excepcionalidade pelo soberano é uma decisão desvinculada do mundo jurídico e se traduz exatamente na possibilidade de se excepcionar a própria normalidade.
Schimtt faz a defesa de uma decisão que provém da excepcionalidade, não da normatividade, atacando, assim, um dos corolários do liberalismo, o limite da atuação do Estado dado pela norma jurídica válida. Um das justificativas dadas por
e, em sentido oposto, a definição do estado de exceção como sendo a própria indistinção entre este e a normalidade, o que retrata o espaço indistinguível da violência anômica e que não tem como objetivo a manutenção do direito.
Agamben analisa que exceção não só revela o soberano, mas também que existe em relação à vida humana. A vontade soberana não exerce sua soberania sobre as coisas, as instituições, o território ou a riqueza, senão sobre a vida humana. A soberania só existe como vontade arbitrária que captura a vida humana sob a norma de sua vontade. Sem a captura da vida humana, a soberania se desmancha em seus fundamentos. Eis por que Agamben pode afirmar que a exceção é o dispositivo original graças ao qual o direito se refere à vida. Tal referência é paradoxal, como a própria soberania, já que inclui a vida dentro de si (dentro da exceção) por meio da suspensão do direito. É uma inclusão excludente, ou uma exclusão inclusiva. Exclui do direito para incluir a vida na exceção. A exceção opera como estrutura política paradoxal que captura a vida humana ao mesmo tempo em que a abandona à condição de mero ser vivente. O Estado de direito foi instituído para abolir a arbitrariedade da vontade soberana e em seu lugar instituir a lei de forma isonômica. Porém, o que a tese de Agamben desvela é que o Estado de direito não conseguiu abolir plenamente a vontade soberana, senão que ela persiste oculta como potência do Estado para ser utilizada quando necessária. (RUIZ, 2011).
O estado de exceção surge então como tática de suspensão dos direitos das pessoas, quando se vislumbra a existência de um grupo social que represente algum tipo de perigo. Possibilita-se assim a eliminação dos adversários do sistema, em especial em relação àqueles que representam qualquer tipo de ameaça política. Em sua obra, Agamben cita como exemplo a promulgação em 13 de novembro de 2001, da Military Order pelo Presidente dos Estados Unidos, permitindo a indefinite detention além de admitir o processo perante as military comissions para os não cidadãos suspeitos de possuírem ligação com atividades terroristas. Além disso, o USA Patriot Act promulgado pelo Senado norte-americano em 26 de outubro de 2001, possibilita ao Attorney general a manutenção da prisão do estrangeiro suspeito de exercer atividades que coloquem em risco a segurança nacional norte-americana. Esses exemplos, na perspectiva do filósofo italiano, revelam a possibilidade de se “anular radicalmente todo o estatuto jurídico do indivíduo, produzindo, dessa forma, um ser juridicamente anulável e inclassificável” (AGAMBEN, 2004, p. 14). Ao autorizar esse tipo de conduta em relação aos suspeitos de envolvimento com o terrorismo, o estado legitima a excepcionalidade, e os insere dentro de uma nova lógica, na qual vigora a negação de todos seus direitos e a restrição de suas liberdades, com a justificativa de assegurar a ordem e a paz.
A figura do estado de exceção desvela a vontade soberana oculta nas penumbras do Estado de direito, pronta para ser invocada como técnica política de governo da vida humana. Cada vez que a ordem social estiver ameaça por qualquer pessoa ou grupo
social, poderá ser invocada a figura da exceção para suspender total o parcialmente o direito sobre essas pessoas. A exceção retira o direito da vida e torna a vida humana pura vida nua, homo sacer. Nessa condição, a vida humana se torna frágil, vulnerável e facilmente controlável. O estado de exceção visa sempre o controle (bio)político da vida humana. Ele se torna uma técnica biopolítica e policial muito eficiente para controlar e governar os grupos sociais perigosos. Nesta condição os Estados modernos não cessam de utilizar uma e outra vez a exceção jurídica como uma técnica política e policial de governar as populações que eles consideram perigosas. O uso constante da exceção como forma de controle das vidas “perigosas”, torna-a uma técnica política de governo da vida humana amplamente utilizada pelos Estados modernos. Há um claro significado biopolítico na estrutura original do estado de exceção em que o direito inclui em si o vivente por meio da suspensão do próprio direito (RUIZ, 2011).
O que se verifica, pois, nas sociedades contemporâneas é a expansão permanente do estado de exceção como forma de exercício político e administração governamental, que se implementa mediante a abolição gradual de direitos e liberdades individuais. Dessa forma, os estados democráticos têm, sob o argumento de proteger as suas instituições, lançado mão de uma série de medidas excepcionais de fundo totalitário as quais se perpetuam e acabam se tornando a verdadeira regra.
A seleção e a adoção de políticas de combate a inimigos eleitos pelo estado ganha espaço em discursos que tentam legitimar esse modelo de intervenção. O alemão Günther Jakobs, na defesa de sua teoria do “Direito Penal do Inimigo” – que nasceu, justamente, em um contexto de Estado democrático de direito – pretende dar legitimidade a esse modelo de estado, que é nitidamente um estado de exceção. A teoria proposta pelo alemão é sedimentada por pressupostos filosóficos de autores como Rousseau, Hobbes, Kant e Fitche, e tem como ponto de partida a base contratualista da relação existente entre a sociedade e o estado. Segundo Jakobs, para os filósofos que fundamentam a existência do Estado a partir do chamado “contrato social”, o criminoso, ao delinquir, rompe com o pacto estabelecido e, por tal razão, passa a não mais poder usufruir dos benefícios dessa relação; isto é, violando o contrato o delinquente deixa de fazer parte da relação jurídica que travou com os demais. Para Rousseau, por exemplo, o malfeitor que ataca o direito social deixa de ser membro do Estado, posto que se coloca em guerra com este. A este pensamento se alinha a perspectiva defendida por Fichte, para quem o criminoso já seria,
Essa aplicação da dialética do direito penal levaria, portanto a uma distinção do direito penal em dois polos de imposição: o direito penal do cidadão e o direito penal do inimigo, conforme preconizado – ainda que não com a esta terminologia – pelas teorias de Hobbes e Kant.
Portanto, o Direito penal conhece dois polos ou tendências de suas regulações. Por um lado, o trato com o cidadão, esperando-se até que se exteriorize sua conduta para reagir, com o fim de confirmar a estrutura normativa da sociedade, e por outro, o trato com o inimigo, que é interceptado já no seu estágio prévio a quem se combate por sua periculosidade. (JAKOBS, 2009, p. 37) Ao final de seu trabalho, o Gunther Jakobs oferece um resumo de suas teses ao fazer um paralelo entre esses dois polos de imposição da norma penal vejam-se:
No Direito Penal do cidadão, a função da pena é a contradição, enquanto que no direito Penal do inimigo é a eliminação de um perigo. Os correspondentes tipos ideais nunca aparecerão em uma configuração pura. Ambos os tipos podem ser legítimos [...] Quem por princípio, se conduz de modo desviado, não oferece garantia de um comportamento pessoal. Por isso, não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser combatido como inimigo.Esta guerra tem lugar, com um legítimo direito dos cidadãos, em seu direito à segurança, mas diferentemente da pena, não é Direito também a respeito daquele que é apenado; ao contrário, o inimigo é excluído (JAKOBS, 2009, p. 49). Dessa forma, o que se tem nos dias atuais é a expansão desmedida do Estado de Exceção, que tem sido cada vez mais adotado pelos estados, em uma lógica que representa uma ameaça aos princípios democráticos. O estado de Exceção vige dentro de uma ótica de exclusão já que, ao escolher o “inimigo” a ser combatido, os abandona à uma existência meramente biológica, negando-lhes os direitos fundamentais e suspendendo-lhe temporariamente a cidadania. Ou seja, todos aqueles que representam de alguma forma uma ameaça para a segurança e a paz social, são abandonados de suas garantias. Procura-se combater o inimigo, seja ele externo ou interno, a qualquer custo com o fim, com isso, se reestabelecer a “ordem” social e política. Atualmente no Brasil, conforme se passa a demonstrar pela a análise de casos concretos no tópico a seguir, o estado tem lançado mão dessas práticas ao tentar criminalizar os protagonistas dos movimentos sociais. Os manifestantes e as lideranças se tornaram, assim, o inimigo a ser combatido. Assim, são rotulados, a qualquer custo, como delinquentes violentos em uma tentativa clara de convencer a opinião pública de que seu objetivo é apenas o de promover a barbárie e a desordem retirando, por conseguinte, a legitimidade de suas demandas.
Conforme introduzido acima, o ano de 2013 foi marcado por um fenômeno que há muito não se via no país: uma eclosão simultânea e contagiosa de movimentos sociais de protestos com pautas e reivindicações das mais variadas, mas uníssona nos objetivos de mudança e na “consciência de solidariedade mútua”. De uma forma ampla, pode-se dizer que referidas manifestações assemelharam-se muito com a onda de mobilizações e protestos sociais que ocorreram de forma intensa ao longo do mundo dois anos antes e que passou a ser conhecida por “ occupy ”. O principal ponto coincidente é que tanto as manifestações populares do Brasil em 2013 como as manifestações globais de 2011 – que “começaram no norte da África, derrubando ditaduras na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen; estenderam-se à Europa, com ocupações e greves na Espanha e Grécia, além das revoltas nos subúrbios de Londres, eclodiram no Chile e, por fim, ocuparam “Wall Street”, nos EUA” – caracterizaram-se por ser
similares em sua falta de foco, em sua natureza incipiente e, acima de tudo, em sua recusa a participar das instituições democráticas existentes. Em Nova York, os manifestantes cantaram “essa é a cara da democracia”, mas na verdade essa não é a cara da democracia. É a cara da liberdade de expressão. Democracia soa um pouco mais chato. Democracia soa um pouco mais chato. Democracia requer instituições, eleições, partidos políticos, regras, leis, poder judiciário e muitas atividades nada glamourosas e que consomem o tempo (APPLEBAUM apud ZIZEK, 2012, 20-21)
Ainda tratando do movimento internacional Occupy, a autora aponta elementos tão semelhantes aos dos protestos brasileiros, que poderíamos facilmente utilizá-los como componente comparativo das referidas manifestações sociais:
Até agora, em certo sentido, o fracasso do movimento em produzir propostas legislativas consistentes é compreensível: tanto as fontes da crise econômica como sua solução residem, por definição, fora da competência de políticos locais e nacionais. (...) A emergência de um movimento internacional de protesto sem um programa coerente não é, portanto, um acidente: reflete uma crise mais profunda, sem soluções óbvias. A democracia é baseada na regra da lei; funciona somente dentro de fronteiras nítidas e entre pessoas que se sentem patê de uma mesma nação (APPLEBAUM apud ZIZEK, 2012, 20-21) Referidas características, identificadas nas manifestações, apenas escancaram o que já havia denunciado Ricardo Sanin Restrepo e Slavoj Zizek: a principal crise enfrentada pela
forma generalizada como “vândalos” e “criminosos”, viriam a se tornar o inimigo a ser condenado. Diante disso, as manifestações e seus membros passaram a ser criminalizados por condutas inicialmente lícitas, sem qualquer escopo juridicamente plausível, instaurando assim um “estado de exceção” tal como teorizado por Schmitt, no qual a suspensão do direito seria justificada por uma suposta proteção do Estado, conforme se confirma pelos exemplos concretos elencados no tópico abaixo.
No dia 13 de junho de 2013, durante o 4º protesto popular contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo, aproximadamente 40 cidadãos – dentre eles um jornalista da revista Carta Capital - foram detidos e presos em São Paulo. A acusação: portar garrafas de vinagre. Conforme relatos^5 do referido jornalista, Piero Locatelli, a decisão de levar consigo uma garrafa de vinagre para se proteger durante a cobertura jornalística das manifestações se deu após descobrir, no dia anterior, que o ácido acético ajudaria a aliviar os efeitos das bombas de gás lacrimogênio costumeiramente jogadas pela polícia para dispersar as manifestações. Não imaginara, porém, que portar e utilizar o referido produto seria conduta criminalizada pelas autoridades policiais repressivas. Juntamente com os outros aproximadamente 40 cidadãos, o referido jornalista foi abordado, detido e encaminhado em camburão até a delegacia. Piero foi liberado algumas horas depois, acompanhado dos advogados contratados pela revista. Sorte que não tiveram os outros manifestantes, conforme denuncia. (LOCATELLI, 2013). Caso semelhante aconteceu dias depois, em 20 de junho de 2013, durantes as manifestações ocorridas na Copa das Confederações no Rio de Janeiro, quando o morador de rua Rafael Braga Vieira foi preso carregando um frasco de desinfetante “Pinho Sol” e outro de água sanitária. Rafael foi denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como incurso nas sanções do art. 16, III do Estatuto do Desarmamento^6 que proíbe carregar ou usar “artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.” Apesar do laudo do esquadrão antibomba da Polícia Civil ter atestado
(^5) Piero publicou na página eletrônica da revista “Carta Capital” não somente o relato dos fatos, como vídeos e gravações do momento da detenção pelos policiais. 6 Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003.
expressamente a “ínfima possibilidade das substâncias portadas por Rafael poderem funcionar como coquetel molotov ”, o juiz Guilherme Shilling Pollo Duarte recebeu a denúncia e acabou condenando Rafael a cinco anos de prisão, pena que foi acentuada em virtude de condenações anteriores. Apesar de negar qualquer envolvimento com os protestos, Rafael segue preso e é o único participante de manifestação já julgado e condenado pela justiça brasileira (SENRA, 2014). Um ano depois, em 12 de julho de 2014, durante a realização da Copa do Mundo, ativistas foram presos preventivamente no Rio de Janeiro, acusados de associação para a prática de crimes em protestos. A decisão do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio ordenou a prisão de vinte e seis pessoas e tinha como fundamento uma manifestação violenta que supostamente estaria planejada e ocorreria no dia seguinte. A soltura de vinte e três desses ativistas só ocorreu no dia 23 de julho, por meio de decisão liminar em sede de habeas corpus proferida pelo Desembargador Siro Darlan. Durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão dos ativistas no Rio, a polícia carioca não se limitou a buscar documentos, computadores, agendas ou pen drives. O que se observou, conforme reportagem divulgada pelo jornal Folha de São Paulo foi a apreensão de objetos totalmente incomuns a qualquer procedimento investigatório em uma tentativa escancarada de comprovar a ligação dos ativistas com atos de violência. Bandanas e camisetas de bandas de rock, além de CD´s e uma lista de presença na Marcha da Maconha foram, dentre outros, os objetos apreendidos pela polícia (MARTINS, 2014). Outros dois casos polêmicos e que têm gerado grande repercussão na mídia, e entre os mais variados setores ocorreram poucos dias antes, em São Paulo: em 23 de junho de 2014, Fábio Hideki Harano - que trabalha no Centro de Saúde da Escola do Butantã da Universidade de São Paulo, onde também cursa a graduação em Jornalismo - foi preso durante uma manifestação que acontecia contra os gastos públicos ocorridos com a Copa do Mundo de 2014, sob a acusação de “porte de explosivos” e “associação criminosa”. Segundo relato de testemunhas, quando foi preso, Fábio encontrava-se sozinho em uma escadaria do metrô de São Paulo e, no ato de sua prisão, nenhum artefato explosivo foi encontrado na mochila em que carregava. Um vídeo que foi gravado na ocasião da prisão e, posteriormente, publicado na internet confirma esses relatos^7. Apesar disso, e mesmo com todas as evidências negando as acusações, Fábio foi preso em “flagrante delito”. Dias depois e, tendo seu pedido de habeas corpus negado pelo Tribunal de Justiça conforme reportagem da Folha de São
(^7) http://www.youtube.com/watch?v=Br6-LNicAjA
confirmam que os supostos artefatos portados pelos ativistas acusados não tinham qualquer teor explosivo, conforme reportagem publicada pelo portal da EBC – Empresa Brasil de Comunicação, o que demonstra de forma ainda mais clara a antijuridicidade da prisão e da decisão judicial. E, afinal, o que todos os relatos acima apontados possuem em comum? Nota-se, sem muito esforço, que todos eles apontam para a identificação de um estado caracterizado pela suspensão do direito, que ignora o próprio ordenamento jurídico sob a justificativa de “autoproteção” contra um suposto “inimigo”: as manifestações e os ativistas políticos supostamente “baderneiros”. Ou seja, é possível identificar no Brasil, nesse contexto de repressão às manifestações populares, o próprio “estado de exceção” na mais pura essência definida pela doutrina supramencionada. Não há no ordenamento jurídico qualquer comando que criminalize “porte de vinagre”, ou de desinfetante, ou de camisas e CDs de bandas de rock; não é crime manifestar- se, protestar, reunir de forma pacífica – nem na forma consumada, e tampouco na “tentada”. Em sentido muito contrário, a Constituição da República Federativa no Brasil garante expressamente direitos fundamentais aos seus cidadãos, dentre os quais se destacam os direitos de reunião (art. 5º, XVI), direito às liberdades de expressão e manifestação (art. 5º, IV e IX) e os direitos de responder em liberdade e não ser considerado culpado sem sentença penal condenatória transitada em julgado (art. 5º, LVII e LIV). Não obstante, quando se fala de repressão e contenção das manifestações sociais que insurgiram no cenário político do Brasil desde 2013, referidos direitos e garantias fundamentais – cláusulas pétreas na nossa Carta Maior – têm sido subjugados e absolutamente ignorados, sob um suposto pretexto de “garantia da ordem e proteção do Estado”. Nesse contexto, juristas em todo Brasil já vêm se posicionando. Para o professor livre docente da USP, Jorge Luiz Souto Maior, a prisão de Fábio Harano é totalmente arbitrária e abre as portas para o estado de exceção, destacando, ainda, que o mesmo rigor não foi dispensado, por exemplo, em relação a Raymond Whelan, chefe de uma quadrilha que vendia ingressos ilegalmente para os jogos da Copa do Mundo de 2014. Segundo o jurista, “O fato concreto é que Fábio ainda está preso por uma opção política de sufocar o direito de manifestação, tendo como pretexto a viabilização da realização sem transtornos da Copa do Mundo da Fifa 2014.” (SOUTO MAIOR, 2014). De igual maneira, a tentativa estatal de criminalizar as lutas sociais foi também objeto de manifesto subscrito por um grupo de juristas liderados por Fabio Konder Comparato. O
referido documento também citou o caso das prisões de Fábio e Rafael Lusvarghi como exemplo e apontou as diversas ilegalidades verificadas no curso do inquérito policial instaurado por ocasião de suas prisões. O referido manifesto assinado ganhou adesão dos professores Nilo Batista, Juarez Cirino dos Santos, Ari Marcelo Solon, Jorge Luiz Souto Maior, Luiz Carlos Valois dentre diversos outros advogados, docentes, magistrados e defensores públicos. Em seu texto, o grupo de juristas qualificou a prisão dos jovens como forjadas, defendeu a sua imediata libertação bem como condenou a inobservância dos direitos e garantias fundamentais por parte do estado, em uma clara tentativa de criminalização dos movimentos sociais por meio da utilização de métodos ditatoriais e ameaça ao texto constitucional.
Basta a mínima observância dos postulados do Estado Democrático de Direito para se posicionar pelo repúdio ao referido inquérito e a todas as arbitrariedades, ameaças e violências que vêm sendo praticadas contra a liberdade de manifestação. Os direitos e garantias fundamentais inscritos na Constituição de 88 foram conquistados após muita luta e resistência contra a Ditadura que arrasou o país entre 1964 e 1985. Não é possível tolerar a naturalização de práticas ilegais de repressão e criminalização de ativistas, em claro vilipêndio ao direito constitucional de se reunir e de se manifestar. Por essas razões, posicionamo-nos pela cessação da escalada de criminalização das manifestações, com a imediata liberdade de Fábio e Rafael , o acatamento ao direito ao silêncio e, portanto, o afastamento de medidas coercitivas , e o arquivamento do inquérito policial 1 de 2013 , tudo em estrita observância dos fundamentos da República e dos direitos e garantias fundamentais inscritos nos artigos 1º e 5º da Constituição (COMPARATO, 2014).
Em relação à prisão dos ativistas no Rio por suposto “planejamento de manifestação”, os juristas também teceram duras críticas. O professor da UNISINOS Lênio Streck, em entrevista concedida ao Consultor Jurídico, disse que a decisão permitiu, de forma absurda, a prisão de pessoas antes mesmo da ocorrência do crime. Com pensamento alinhado ao de Streck, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), Marcelo Chalréo, defendeu que as prisões se basearam em “futurologia”, com investigações abertas sem objetivos concretos, como é típico das sociedades fascistas.
referidos protestos utilizando máscaras, sob o argumento de que a Constituição Federal garante o direito à livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato^12. Não obstante, o que referidas legislações desconsideraram que o simples uso de máscara não implica necessariamente em anonimato. Afinal, por força da própria Lei de Contravenções Penais (Decreto nº 3.688/41), os cidadãos já são obrigados a fornecer dados de identificação aos policiais quando solicitado – e justificado^13. Portanto, o uso de máscaras não impede que, caso necessário, os policiais solicitem identificação de manifestantes que eventualmente estejam causando algum dano ou cometendo alguma infração. Além disso, conforme esclarece o Professor de Direito Constitucional da UERJ, Dr. Daniel Sarmento, o que está sendo garantido durante os protestos, não seria o direito à livre manifestação do pensamento, mas sim o direito de reunião previsto pelo “direito de reunião”, previsto pelo inciso XVI do mesmo art. 5º da CR/88 (TEIXEIRA, 2013). Assim, não haveria que se falar que o uso de máscaras implicaria em ofensa ao direito de manifestação de pensamento, mas mais que isso, o uso de máscaras pode ser em si uma das formas de manifestação do pensamento. Em outra situação, em fevereiro de 2014, após a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Andrade^14 durante uma manifestação pelo aumento da tarifa de ônibus no Rio de Janeiro, o Congresso Nacional voltou a debater a tipificação do chamado “crime de terrorismo”. Mesmo no contexto de um país como o Brasil, em que não se identificam ações de cunho terrorista que justificassem a inclusão da pauta como prioridade do Congresso Nacional, alguns membros do Senado defenderam a aprovação, em regime de urgência, do chamado Projeto de Lei 499/2013, a chamada “Lei Antiterrorismo”. O que se pretendia, à época, era justamente a aprovação a toque de caixa de uma lei que previsse para a hipótese um tipo penal amplo e que pudesse enquadrar dentro dele diversas formas de manifestação popular. As vésperas da Copa do Mundo e, diante do cenário de manifestações que se alastraram pelo Brasil desde junho de 2013, tentou-se criminalizar qualquer forma de movimento popular, a partir do recrudescimento da lei penal em reposta a morte do cinegrafista.
(^12) Art. 5º (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (^13) Art. 68. Recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência: Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis. 14 O cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, da TV Bandeirantes, registrava o confronto entre manifestantes e policiais durante protesto contra o aumento da passagem de ônibus, no Centro do Rio, em 06/02/2014, quando foi atingido na cabeça por um rojão, e veio a ter morte cerebral quatro dias depois.
A aprovação do projeto foi alvo de intensa crítica por parte de alguns juristas que defenderam que os atos de violência porventura praticados por manifestantes poderiam ser perfeitamente enquadrados em outros dispositivos já existentes na lei penal, como é o caso do crime de dano, homicídio ou sequestro. A lei, portanto colocaria em risco o estado de direito, abrindo espaço para a criminalização política (PELEGRINO e FRANCA, 2014). Assim, o que se pretende com exemplos acima é demonstrar uma séria preocupação de que as condutas manifestamente antijurídicas adotadas atualmente para reprimir as manifestações políticas e sociais, venham a ser positivadas no ordenamento jurídico, trazendo para o direito a normatização e institucionalização do “estágio de exceção” em que vivemos hoje, tal como questiona Giorgio Agamben em relação ao “Patriot Act” instaurado nos Estados Unidos.
No presente trabalho buscou-se fazer uma análise das Manifestações Populares que eclodiram no Brasil em junho de 2013 e imediatamente ganharam grande força e adesão popular e, nesse contexto, estabelecer uma abordagem contextual das condutas adotadas pelo Estado Brasileiro diante das referidas manifestações. Verificou-se que, inseguro com a multiplicidade de pautas, com a visibilidade, adesão e facilidade de organização das referidas manifestações populares, o Estado brasileiro deixou de ser apático às manifestações e passou a ser proativo em estabelecer condutas fortemente repressivas e opressoras. Para tanto, valeu-se de teorias tais como a de Carl Schmitt, segundo o qual a figura do “inimigo” é o elemento fundamental para a criação e manutenção de um chamado estado de exceção, cuja “suspensão do direito” e da juridicidade seria compreendida como uma forma de proteção do próprio Estado, ainda que em detrimento do direito. Assim as manifestações políticas e sociais passaram a ser combatidas como um próprio inimigo do Estado e, sob o pretexto de garantir a “ordem” e o “interesse público”, as instituições políticas e administrativas brasileiras passaram a criminalizar condutas não criminalizáveis até então, criando um verdadeiro estágio de “exceção” no qual o ordenamento jurídico não vige em sua plenitude e os direitos e garantias fundamentais são esquecidos em último plano. Nesse contexto, inúmeras pessoas foram reprimidas e tolhidas de garantias