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Introdução ao Direito Canónico: Origens, Conceitos e Desenvolvimento, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

Este texto apresenta uma visão geral do direito canónico, a lei da igreja católica, suas origens, conceitos básicos e desenvolvimento histórico. O direito canónico é o conjunto de normas jurídicas estabelecidas ou aprovadas pela autoridade eclesiástica com o objetivo de regular as matérias da competência da igreja. O texto destaca a importância da teologia para o estudo do direito canónico, sua natureza universalista e fundamentalmente religiosa, e a distinção entre o direito canónico e os direitos dos estados. O direito canónico refere-se às regras estabelecidas ou aceitas pela própria igreja e tem sua raiz no poder de jurisdição conferido por cristo à igreja.

O que você vai aprender

  • Como o Direito Canónico influenciou a vida social dos povos?
  • Quais são as fontes do Direito Canónico?
  • Qual é a origem do Direito Canónico?
  • Quais são as principais características do Direito Canónico?
  • Como o Direito Canónico se distingue dos direitos dos Estados?

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2021

Compartilhado em 03/06/2021

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AURORA MADALENO
ADVOGADA
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I PARTE

  1. Noção geral de direito

palavra "lei" pode ser usada em sentido lato para significar direito, norma jurídica, ou seja, regra de conduta que se impõe à generalidade das pessoas, que a devem respeitar sob pena de poderem vir a sofrer uma sanção caso a não cumpram. Por isso dizemos que as normas jurídicas são genéricas e abstractas e se impõem coactivamente. Pretendem ser ordenadoras da vida social contribuindo para o bem comum. A lei é, geralmente, escrita, contrapondo-se ao costume. Este pode ser fonte de direito, desde que pela própria lei seja recebido. O direito consuetudinário é, precisamente, o direito baseado no costume ou o costume aceite como lei. No âmbito do Direito Canónico o costume tem um papel bastante reduzido, atendendo a que não é escrito e a Igreja sempre escreveu as suas normas. O costume pode, no entanto, ter alguma importância a nível local, na medida em que tenha sido consagrado pela jurisprudência dos tribunais eclesiásticos. O certo é que, para ser válido como fonte de direito, o costume teria que existir e ser usado durante mais de trinta anos, ser razoável e

(^1) Aurora Martins Madaleno. Pós-graduação em Direito Matrimonial Canónico (Instituto Superior de Direito Canónico, Universidade Católica Portuguesa, 2008). Licenciatura em Direito (Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, 1980. Investigadora do Instituto Superior de Direito Canónico (Universidade Católica Portuguesa, desde 28 de Abril de 2004). Professora de Direito, Universidade de Lisboa para a Terceira Idade, desde 1989. Advogada (Cédula 5346L), desde 28 de Fevereiro de 1983. Cargos anteriores: Serviços Jurídicos da Santa Casa da Misericórdia de São Brás de Alportel, de 1983 a

  1. Presidente da Direcção da Universidade de Lisboa para a Terceira Idade, de 2000 a 2003. Assessora Jurídica Principal do quadro do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (1994- 1996). Técnica Superior Principal do quadro do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (1988- 1994). Publicações: A CÚRIA ROMANA à luz da história e do direito , São Brás de Alportel: Casa da Cultura António Bentes, 2012; PROCRIAÇÃO - Regime jurídico , São Brás de Alportel: Casa da Cultura António Bentes, 2012; NATAL , São Brás de Alportel: Casa da Cultura António Bentes, 2012; VilAdentro - Quem pergunta quer saber , São Brás de Alportel: Casa da Cultura António Bentes, 2012; No Centenário da República (1910-2010) - Saneamento e Reintegração , São Brás de Alportel: Casa da Cultura António Bentes, 2012. DIREITO DO ENSINO RELIGIOSO - Legislação civil e canónica, pareceres e jurisprudência , Vol. I e Vol. II, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2012. Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Forum Canonicum, vol.III/2 (2008); A Propósito da Clonagem , Árvore do Saber (2003); Liberdade de Educação , Árvore do Saber (2002); Súmulas das Lições de Direito, ULTI (2001 e 2002); Fiscalização da Constitucionalidade das leis na Constituição , OA (1982).

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Muitos têm a noção de que Direito Canónico é direito sagrado, direito divino, direito religioso, direito pontifício, direito comum, ius decretalium , direito eclesiástico. Importa, pois, encontrar a noção mais correcta. Comecemos. A Igreja é uma Família humana identificada como Povo de Deus. Assumiu e foi-se desenvolvendo, desde os primórdios, como uma Sociedade organizada e com estrutura própria. Os preceitos jurídicos que a regem buscam as suas raízes no Antigo Testamento, sobretudo em Moisés, e fortaleceram-se no Evangelho. Depois, porque se desenvolveu no Império Romano, a estrutura da Igreja e os seus preceitos jurídicos receberam a influência da própria estrutura constitucional do Império. O Direito Canónico é a lei da Igreja Católica, o conjunto das normas que regulam a vida na comunidade eclesial, directamente relacionado ao dia-a-dia dos católicos de todo o mundo. Nasceu no interior do Império Romano e vem até aos nossos dias mas baseia-se na herança jurídica e legislativa da Revelação e da Tradição. Na verdade, toda a tradição jurídica e legislativa da Igreja provém do direito contido nos livros do Antigo e do Novo Testamento. Dizemos que a herança da Lei e dos Profetas do Antigo Testamento é formada pela história e pela experiência do Povo de Deus. No Antigo Testamento, as leis eram tidas como vindas de Deus, e o seu cumprimento era sinal de fidelidade à Aliança do Sinai. Tais leis foram educando no povo o sentido de Deus e o respeito pelo próximo. Mais tarde os Profetas contribuíram para o seu aprofundamento, despertando a responsabilidade pessoal. No Novo Testamento, o longo período sem profetas levou os Judeus, e sobretudo os fariseus, no início da era cristã, a uma interpretação formalista de uma legislação extremamente minuciosa, contra a qual Jesus Cristo se insurgiu, contrapondo à lei de Moisés a lei do Evangelho baseada no Mandamento Novo do amor do próximo. A Igreja dos primeiros séculos viveu intensamente o espírito evangélico, como se depreende dos Actos, das Epístolas, dos Padres da Igreja e dos relatos dos martírios. São Paulo ensina que a Igreja é um corpo em que todos os membros têm a sua função. A justificação não se obtém pelas obras da Lei mas pela fé^4 ; porém, não exclui a obrigatoriedade do Decálogo,^5 nem nega a importância da disciplina na Igreja.^6

(^4) Cf. Rom 3, 28; cf. Gal 2, 16. (^5) Cf. Rom 13, 8-10; Gal 5, 13-25; 6, 2. (^6) Cf. 1 Cor cap. 5 e 6.

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Com efeito, a Igreja tem necessidade de normas, não só para que a sua estrutura hierárquica e orgânica se torne visível e o exercício do poder sagrado e da administração dos Sacramentos possa ser devidamente organizado, mas também para que as relações mútuas dos fiéis possam ser reguladas segundo a justiça baseada na caridade. Direito Canónico "é o conjunto de normas jurídicas propostas, estabelecidas ou aprovadas pela autoridade eclesiástica competente com o fim de regular as matérias da competência da Igreja."^7 O Direito Canónico é um direito ecuménico com sentido universalista, comum a todos. Dimana da natureza da Igreja. Não pode englobar-se nos direitos internos, por não ser um direito estatal, nem no direito externo, por não ser um aspecto do direito internacional. É o conjunto de normas obrigatórias de conduta, estabelecidas ou aprovadas pela Igreja para o governo da sociedade eclesiástica e para a vida dos fiéis. Tais normas são analisadas com os métodos e os critérios próprios dos juristas. Tem um carácter erudito e podemos dizer que com ele nasceu uma verdadeira ciência do Direito, pois a doutrina dos canonistas, com o seu estudo sistemático e científico da legislação e com os textos adicionais com que procuravam e procuram soluções de harmonização com os cânones, tem tido uma grande importância na evolução geral do Direito e da Ciência jurídica. O Direito Canónico tem um carácter fundamentalmente religioso mas não se confunde com a Teologia moral ou com a Teologia dogmática que têm métodos próprios. Ponderemos que a Teologia moral obriga particularmente a consciência e os actos humanos e que a Teologia dogmática indica as prescrições do direito divino positivo a que o Direito Canónico se deve ater. Historicamente, o Direito Canónico configura-se como uma parte da Teologia e recebe, durante quase onze séculos, o nome de "Teologia Prática ou Teologia da Prática". Ainda hoje, o canonista, para que possa tomar consciência da profundeza que se encontra na base do Código do Direito Canónico, tem de ter em conta que o seu estudo não se entende nem se justifica sem a Teologia. Trata-se de um direito que tem em conta o Homem mas que encontra o seu sentido na universal mediação de Cristo.

(^7) Cf. António Pinto Leite, Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura , 4.º, Editorial Verbo, c. 828.

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Do Século I ao Século IV, os membros da Igreja sofreram perseguições e torturas. Cada comunidade cristã era dirigida por um Bispo. O Bispo e os seus colaboradores formavam o Clero, que se reunia em Concílios ecuménicos, universais e regionais. As decisões desses Concílios receberam o nome de Cânones^8 ou Decretos. Com a oficialização da Religião Cristã no Império Romano (a. 380), deu-se a cristianização das instituições jurídicas, por um lado, e a romanização das instituições jurídicas da Igreja, por outro. A Igreja passou a ser uma instituição do Império Romano; daí que as organizações eclesiásticas se tenham adaptado ao sistema de organização do próprio Império. (p. e., diocese era uma circunscrição administrativa do Império Romano e é uma circunscrição eclesiástica administrada por um bispo ou por um arcebispo.) O Direito Divino ( Ius Divinum ) contido nas Sagradas Escrituras já não era suficiente para o governo da Igreja e das relações com os povos que constituíam ou vinham chegando ao Império. A Igreja, espalhada pelo vasto Império, teve que legislar sobre muitas situações concretas, leis que algumas vezes foi alterando e adaptando às diversas regiões do mesmo Império. Apareceram heresias que se tornou necessário combater. A Igreja sempre foi realizando Concílios Ecuménicos, quer para condenar essas heresias, quer para debater e fixar verdades de fé e normas eclesiásticas.^9 Fez-se a distinção entre pecado e delito. Por isso, tratou de maneira diferente o que dizia respeito ao foro interno, envolvendo dispensas e graças, e aquilo que conduzia a julgamento e condenação, ou seja, que dizia respeito ao foro externo. E surgiram os tribunais eclesiásticos para dirimir conflitos e a Penitenciaria para atender às questões do foro interno. Nessa época, a legislação canónica mais importante era constituída pelos Cânones dos Concílios e pelas Cartas Decretais do Bispo de Roma. A partir do século V, a par do Direito Romano clássico, conservado no Código de Teodósio e no Corpus Iuris Civilis (530-565), compilação esta mandada executar pelo Imperador Justiniano composta por quatro livros ( Codex Justiniano ,^10 Digesto ou Pandectas , Institutiones Justiniani e Novellae ou leis novas ), foi-se formando um Direito Canónico já

(^8) Cânone, do grego , significa regra, medida. (^9) Leis eclesiásticas são normas jurídicas da Igreja de origem humana e não divina. Por isso, podem ser alteradas, adaptando-as aos sinais dos tempos. 10 O Codex Justiniano foi glosado por Acúrsio.

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bem delineado, provindo sobretudo dos Concílios e Pontífices Romanos^11 e posteriormente elaborado pelos Canonistas. Lembremos que é a partir do século VIII que ao conjunto das leis eclesiásticas se começa a chamar Direito Canónico. Até Graciano, o Direito Canónico não aparecia separado da Teologia. Desde o Decreto de Graciano (1140) até ao Concílio de Trento, a ciência canónica foi ganhando forma. A partir de Trento até ao Código de 1917 é o período das Institutiones Canonicae. Depois do Código de 1917, começa o período dos grandes Comentários. A própria jurisprudência canónica contribuiu para profunda reflexão pós- conciliar acerca da revisão do Código. Hoje podemos dizer que o Direito Canónico é constituído pelo direito divino, natural positivo contido na Sagrada Escritura e na tradição e que a Igreja propõe ou declara, pelas leis e decretos do Papa e dos concílios ecuménicos, pelas concordatas entre a Santa Sé e as nações, pelas leis civis que a Igreja faz suas, dando-lhes valor no foro canónico, e pelas leis e decretos de certas autoridades como sejam concílios particulares, bispos superiores e capítulos de certos institutos religiosos.

  1. Desenvolvimento do Direito Canónico

A partir dos séculos VII e VIII, com as invasões dos povos que possuíam um direito consuetudinário,^12 a Igreja sofreu grande impacto e no século XI começou a acentuar-se uma certa tendência para a centralização na pessoa do Papa. Essa centralização contribuiu para que as Cartas Decretais do Bispo de Roma tivessem ainda maior importância. Lembremos, a esse propósito, a importância da chamada Reforma Gregoriana que se deve ao Papa Gregório VII. O poder espiritual e pontifical do Papa atingiu, então, o seu apogeu, suplantando, muitas vezes, o poder dos Reis das Nações da Europa. O Direito da Igreja, em constante construção e produzido em função das necessidades que iam surgindo, passou a ser o Direito Novo que mantinha a ideia de unidade nos povos da Europa Ocidental, já que o Direito Romano, com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, e com a pulverização de Estados, perdera o seu vigor e passou a ser considerado o Direito Antigo.

(^11) É a partir do século V (a. 400) que o Pontífice Romano se torna Papa. (^12) Direito consuetudinário significa direito baseado no costume.

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Assim, no Código de Direito Canónico de 1917 já pudemos encontrar exemplos de canonização de leis civis relativas aos contratos nos cânones 33 § 2 e 1529, à adopção como impedimento matrimonial nos cânones 1059 e 1180, à prescrição no cânone 1508, à transacção no cânone 1926, à dispensa de certas testemunhas comparecerem nos tribunais eclesiásticos no cânone 1770 §2 1.º, ao carácter público de certos actos e sua força probatória nos cânones 1823 § 2 e 1814, à forma dos testamentos e outras disposições de última vontade nos cânones 581 § 2, 1301 e 1513 § 1, à administração de bens eclesiásticos no cânone 1523. No Código de 1983 também encontramos exemplos de canonização de leis civis. O cânone 22 reza que: "As leis civis para que remete o direito da Igreja, observem-se no direito canónico com os mesmos efeitos, desde que não sejam contrários ao direito divino e a não ser que outra coisa se determine no direito canónico."

Outros exemplos se encontram nos cânones 98 § 2 e 1479, relativos à constituição de tutores, no cânone 110, relativo à adopção, no cânone 197, relativo à prescrição, no cânone 1105 § 2, relativo a procurações para matrimónio, no cânone 1290, relativo a contratos, no cânone 1500, relativo a acção possessória, no cânone 1714, relativo a transacção, compromisso e juízo arbitral, e no cânone 1716, relativo a confirmação e impugnação de sentença arbitral. Importa referir que o Direito Canónico regulava as matérias em relação ao direito privado, até há pouco mais de um século. Por exemplo, os registos de nascimento, de casamento e de óbito era a Igreja que os fazia e possuía nos seus arquivos. Em Portugal, até 1911, a única lei que regulamentava a celebração do matrimónio era a da Igreja. Aliás, deste o século XVI, ainda antes mas sobretudo a partir do Concílio de Trento, que a Igreja tem normas precisas sobre a celebração e registo dos matrimónios.^14 A própria divisão administrativa do território em freguesias ou paróquias teve por base a do foro eclesiástico. Freguesia era a parte do território de uma diocese sob a direcção de um pároco e o conjunto dos seus habitantes, os fregueses ou paroquianos. Diremos que a freguesia é uma entidade de origem eclesiástica que durante muitos séculos não teve

(^14) Pelo decreto Tametsi , de 1563, o Concílio de Trento decidiu que o consentimento dos noivos deveria ser perante duas testemunhas e pedido pelo pároco, terminando, assim, os chamados casamentos surpresa.

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qualquer influência na administração civil. Com efeito, desde a ocupação romana até 1830, a freguesia não era uma autarquia local. De 1830 até 1878 houve grande indecisão e turbulência civil. A partir de 1878, com o Código Administrativo de Rodrigues Sampaio, as freguesias são incorporadas no sistema nacional da Administração Pública consolidando-se como autarquias locais e tendo à frente a Junta de Parochia. Como diz o Professor Freitas do Amaral:

"Gradualmente, na área da freguesia (paróquia religiosa), a comunidade de pessoas que aí viviam foi sentindo a necessidade de encarregar alguém de resolver os problemas comuns para manter a ordem, a paz, a boa convivência entre todos quantos ali habitavam. Começaram então a surgir órgãos eleitos pela população residente, pelos vizinhos. E assim nasceu o fenómeno autárquico."^15

Hoje existe a freguesia como autarquia local, de direito civil, e a paróquia como jurisdição eclesiástica, de direito canónico. Para regular as relações entre os Estados e a Santa Sé, no respeito não só pela liberdade religiosa mas também pelas tradições e cultura dos povos, existe o direito internacional corporizado em Concordatas, Acordos, Tratados ou Concórdias. Entre a Santa Sé (Igreja) e o Estado Português (Portugal), celebraram-se muitas concordatas, pactos, para resolver problemas entre os dois poderes, estabelecer modus vivendi , conceder privilégios, estabelecer a paz, questões de jurisdição eclesiástica e civil e dos bens da Igreja. Os mais antigos pactos bilaterais estipulados entre a Santa Sé e os Monarcas portugueses datam da Primeira Dinastia. A última Concordata entre o Estado Português e a Santa Sé foi assinada na cidade do Vaticano em 18 de Maio de 2004. A Igreja ensina que se deve ter em consideração a sociedade civil com as suas leis. Os próprios Bispos, que gozam, por direito, de plena e perfeita liberdade e de independência relativamente a qualquer poder civil, promovem o progresso social e civil e fomentam a prosperidade, colaborando eficazmente para esse fim com as autoridades públicas e

(^15) Cf. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo , pp. 517-519.

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cânones " porque " se deve evitar, principalmente nos sacerdotes de Deus, a ignorância, mãe de todos os erros " (cân. 25; Mansi , X, col.627). Os primeiros códigos de leis estão datados dos tempos antes da entrada da era cristã. As leis do Antigo Testamento foram sendo codificadas ao longo dos séculos, figurando especialmente no Pentateuco (a Thorah ). O mais importante deste código é o Decálogo ( Ex 20,2-17; Dt 5,6-21; cf. Mt 5,17-48), seguindo-se o "Código da Aliança" ( Ex 20,22-23,19), o "Código Deuteronómico" ( Dt 11,29 a 26,15), o "Código da Santidade" ( Lv 17,1 a 26,46) e o "Código Sacerdotal" ( Lv 1,1 a 16,34). As colecções de normas escritas na Igreja surgiram logo de início com o objectivo de transmitir ciência a todos sobre a existência dessas normas e zelar pela sua uniformidade. Há sinais de codificação destas leis desde o Papa Celestino (século V) e do Concílio de Toledo do ano 633. Ao longo dos séculos foram aparecendo diversas colecções de cânones. Nos dez primeiros séculos, floresceram numerosas colectâneas de leis eclesiásticas, na sua maior parte de alcance particular ou regional, nas quais se continham normas dadas principalmente pelos Concílios e pelos Romanos Pontífices e outras tiradas de fontes menores. Era bastante comum surgirem algumas normas contrárias em diversas colecções de uma região que entravam em conflito com as de outra.

  1. O Decreto de Graciano

Dada a diversidade de normas e colecções, o Clero, que devia conhecer os Cânones dos Concílios e as Cartas Decretais, sentia alguma dificuldade. Havia, na verdade, várias colecções de Cânones e de Cartas Decretais já compiladas. Essas colecções eram necessárias para o ensino dos Cânones nas escolas^20 e nas Universidades^21 que a Igreja ia fazendo desabrochar por toda a Europa.

partir do séc. IV e de modo solene no Concílio Ecuménico de Florença, em 1441, e na 4.ª sessão do Concílio de Trento, em 1546. 20 Em Portugal, a Escola capitular da Sé de Braga, após a restauração da Diocese (1070), e as dos Mosteiros de Santa Cruz de Coimbra, S. Vicente de Fora de Lisboa e Santa Maria de Alcobaça. 21 As mais antigas Universidades são: Bolonha, Paris, Oxford e Salamanca. Em Portugal, no final do século XIII, foi acordado entre o Rei D. Dinis e o Papa Nicolau IV (Bula De Statu Regni Portugaliae, de

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Pessoas interessadas na conservação dessas colecções foram fazendo compilações das mesmas. Porém, para além da sua conservação e estudo, era necessário harmonizá-las, sistematizá-las e codificá-las, dar-lhes uma nova e coerente organização. Ora, no século XII, o monge camaldulense João Graciano, mestre de Teologia que ensinava Direito Canónico em Bolonha, no Mosteiro de S. Félix e Nabor, tomou a iniciativa de compilar de novo o acervo destas colecções e normas existentes. Uniu as diversas compilações de normas, harmonizou-as e deu-lhes uma organização que até aí não tinham, ou seja, para além de compilar os cânones conciliares, as decretais e outros textos patrísticos, introduziu simultaneamente comentários de natureza consuetudinária com que procurava encontrar um sentido de coerência entre os vários cânones. A esses comentários aos cânones estabelecidos chamou " Dictum ". A essa obra deu o título de Concordia Discordantum Canonum , mas é vulgarmente conhecida por Decretum ou Decreta. Bolonha já era célebre pelos estudos de Direito Romano, mas os teólogos ainda não tinham uma codificação como os romanistas. O Decreto de Graciano, colecção privada que alcançou notoriedade no foro e nas escolas, veio marcar o início de uma nova época na história do Direito Canónico. O seu êxito fez esquecer todas as colecções canónicas existentes. Trata-se, na verdade, de um trabalho de grande valor intrínseco e perfeição, uma séria concordância de leis e de colecções. O Decreto de Graciano foi dividido pelos seus comentadores em três partes. A primeira compreende 101 distinções que tratam de uma maneira geral das fontes do Direito Canónico, dos clérigos e da disciplina eclesiástica. A segunda divide-se em 36 causas subdivididas em questões sobre direito patrimonial, procedimento judicial, simonia, direito matrimonial e um tratado sobre a Penitência. A terceira, denominada De consecratione , compreende 5 distinções e trata de matéria sacramental e matéria litúrgica. Graciano não pretendeu fazer um Código, mas os seus sucessores tomaram-no como uma Corporis Iuris Canonici pars prima , um verdadeiro tratado para o ensino do Direito. Os decretistas eram os juristas que comentavam o Decretum. Pouco a pouco, as margens dos manuscritos do Concordia Discordantum Canonum foram-se enchendo de glosas que depois se organizaram numa glosa ordinária tornada de uso comum nas escolas e a que, depois do IV Concílio de Latrão (1215), João Teutónico deu redacção definitiva. Foi refundida, mais

09-08-1290), com o apoio indispensável dos grandes eclesiásticos do Reino, a fundação da Universidade com o nome de Studium Generale.

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em duas colecções sistemáticas pelo editor João Chappuis, em 1500. Contudo, cada volume continuou a manter o título das colecções respectivas até que o Papa Gregório XIII, depois de ter mandado fazer uma revisão, aprovou o texto emendado pelo Breve Quum pro munere pastorali (1.7.1580). Só a partir dessa data se passou a usar a expressão Corpus Iuris Canonici. A 1.ª edição é a de Lião, 1671. De certo modo, ao Corpo de Direito Canónico ( Corpus Iuris Canonici ) da Igreja Latina corresponde a Colecção de Cânones Syntagma Canonum ou "Corpo Oriental de cânones" da Igreja Grega. As leis seguintes, quer as promulgadas no tempo da Reforma católica pelo Concílio de Trento^22 , quer as emanadas posteriormente dos diversos Dicastérios da Cúria Romana, nunca foram compiladas numa colecção, o que provocou uma incerteza jurídica e pôs em perigo a disciplina da Igreja.

  1. O Código Pio-Beneditino

Durante a preparação do Concílio Vaticano I, que decorreu no ano de 1870, foi pedido aos Bispos que se preparasse uma única colecção de leis, para efectuar de modo mais certo e seguro a cura pastoral do Povo de Deus, mas apenas a Sé Apostólica procedeu a uma nova ordenação das leis sobre os assuntos mais urgentes. O Papa S. Pio X propôs-se coligir e reformar todas as leis eclesiásticas. Para o efeito, através do Arduum Sane Munus , datado de 19 de Março de 1904, nomeou uma comissão especial de 16 cardeais presidida pelo próprio Papa. Fez secretário desse organismo a Padre Gasparri, mais tarde Cardeal Gasparri. Foi também este Papa quem começou a publicação da Acta Apostolicae Sedis que, desde 1909, é a publicação oficial em que se editam os documentos pontifícios. Até 1909 era ASS ( Acta Santae Sedis ).

(^22) O Concílio Ecuménico de Trento decorreu de 1545 a 1563. Foi o 19.º Concílio Ecuménico e ficou conhecido também como Concílio da Contra-Reforma.

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Faleceu em 1914,^23 pelo que esta colecção universal, exclusiva e autêntica veio a ser promulgada pelo seu sucessor Bento XV, no dia 27 de Maio de 1917. É o chamado Código Pio-Beneditino. Segundo o cânone 8, § 1, a lei é instituída quando é promulgada. Entrou em vigor em 19 de Maio de 1918. A partir de então, a tradição secular das compilações e das colecções de leis foi substituída por uma única lei geral, universal e unitariamente sistematizada. Este Código foi um elemento decisivo para a organização eclesiástica, já que contém as normas que regulam a organização da Igreja, bem como a actividade dos seus membros, para que os fins da Igreja sejam atingidos. O direito universal deste Código Pio-Beneditino veio contribuir para se promover eficazmente o múnus pastoral em toda a Igreja, que entretanto recebia novos desenvolvimentos. Contudo não se tratou de criar um novo direito. Embora novo na forma, este Código conservou em princípio a disciplina anterior (cf. proémio do cânone 6):

" O Código mantém quase sempre a disciplina vigente até aqui, embora traga mudanças oportunas ."

Não foram incluídas as leis litúrgicas (cf cânone 2). O Código ordenou de modo novo, em 2414 cânones, o direito vigente até àquele tempo. No que se refere à forma interna e externa da nova colecção foi escolhido o modo hodierno da codificação, sendo os textos das leis redigidos numa forma nova e mais breve. Escrito em Latim, a ninguém era permitido reimprimir nem traduzi-lo na íntegra para outra língua. A matéria do Código está ordenada em cinco livros, à imagem do sistema das instituições de direito romano acerca das pessoas, das coisas e das acções: Livro I - Das Normas Gerais Livro II - Das Pessoas Livro III - Das Coisas Livro IV - Dos Processos

(^23) O Conclave que reuniu após a morte do Papa São Pio X foi o primeiro a realizar-se sem a intervenção de nenhum soberano estrangeiro, cumprindo-se rigorosamente as instruções que havia ditado.

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III PARTE

  1. O Código de Direito Canónico de 1983

O Direito Canónico é a organização jurídica produzida pelo conjunto de normas que a autoridade competente da Igreja Católica determina ou faz valer. Tem vários ramos tais como o Direito Administrativo Canónico, o Direito Patrimonial Canónico e o Direito Penal Canónico, de entre outros. Está praticamente todo condensado no Código de Direito Canónico, quer sejam normas materiais, quer sejam normas processuais. Se é certo que o Código não substitui a fé, a graça, os carismas e a caridade na vida da Igreja ou dos fiéis, também é certo que torna mais fácil o seu desenvolvimento ordenado na vida, quer da sociedade eclesial, quer de cada um dos homens que dela fazem parte. O Código é "o instrumento indispensável para assegurar a ordem na vida individual e social e na própria actividade da Igreja"^26. Hoje, o Código de Direito Canónico de 1983 ( Codex Iuris Canonici ) é o principal documento legislativo da Igreja. Contém os elementos fundamentais da estrutura hierárquica e orgânica da Igreja, as principais normas referentes ao exercício do tríplice múnus confiado à própria Igreja e define as regras e as normas de comportamento. "Não obstante disposições, constituições, privilégios, mesmo dignos de especial e singular menção, e costumes em contrário", o actual Código de Direito Canónico, promulgado pelo Papa João Paulo II, em 25 de Janeiro de 1983, tem força de lei para toda a Igreja latina, devendo ser observado por todos aos quais diz respeito.^27

" Cân. 1 – Os Cânones deste Código dizem respeito unicamente à Igreja latina. "

    1. O Código de Direito Canónico é um Corpus principal de leis eclesiásticas. Contém normas precisas apoiadas num sólido fundamento jurídico, canónico e teleológico. Nele se encontram normas de direito material e de direito processual.

(^26) Cf. Constituição Apostólica Sacrae Disciplinae Leges , de 25 de Janeiro de 1983, de João Paulo II. (^27) Cf. Constituição Apostólica Sacrae Disciplinae Leges , de 25 de Janeiro de 1983, com que o Papa João Paulo II promulga o Código, determinando a sua publicação.

E S ES TT UUDD OO

D A DASS LL EE II SS CCAA NN ÓÓNNII CCAA SS

AURORA MADALENO

ADVOGADA

Peritos^28 , Pastores e fiéis entendem e aplicam com alguma facilidade este novo Código, por virtude da simplicidade, clareza, beleza e ciência do verdadeiro direito que contém. Com efeito, dá-nos normas seguras, para que a comunidade eclesiástica seja vigorosa, cresça e floresça. Mas os verdadeiros conhecedores das leis canónicas, da sua interpretação e aplicação mais esclarecida e fundamentada, são os denominados Canonistas. Eles conhecem os princípios e a história do Direito Canónico e sugerem, por vezes, a alteração de alguns preceitos, a fim de os adequar às realidades do tempo e das diversas regiões do mundo católico. O Papa Bento XVI, pela Carta Apostólica em forma de Motu Proprio Omnium in Mentem , do dia 26 do mês de Outubro do ano de 2009, após pareceres tanto dos Padres da Congregação para a Doutrina da Fé e do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, como também das Conferências Episcopais, modificou algumas normas do direito canónico, designadamente, os cânones 1008, 1009, 1086, 1117 e 1124 do Código de Direito Canónico sobre a aprovação e definição dos requisitos para a validade dos sacramentos da ordem e do matrimónio e sobre o acto formal da separação da Igreja. Se as mudanças da sociedade humana requererem nova revisão do Código, a Igreja pode tomar o caminho da renovação, tal como ao longo dos séculos a disciplina da Igreja se adaptou adequadamente às novas circunstâncias. Como reconhecia o Papa João XXIII, " o mundo tem os seus problemas e a Igreja sempre tomou a peito esses problemas. A doutrina da Igreja abarca o homem todo, no seu corpo e na sua alma, e pede-nos que sejamos, na terra, peregrinos a caminho da pátria celeste ".

    1. O Concílio voltara toda a sua atenção para a Igreja como Povo de Deus e a sua constituição hierárquica aparece fundada no Colégio dos Bispos unidos com a sua Cabeça. Por analogia com o Concílio, o novo Código é fruto de uma colaboração colegial, quer no que se refere à redacção material, quer à substância das leis. Com efeito, para além de peritos, especialistas em doutrina teológica, em história e, sobretudo, em direito canónico, recrutados de todas as partes do mundo, foram convidados a colaborar na preparação do novo Código os Bispos e os Episcopados, os Dicastérios da Cúria Romana, as Universidades e as Faculdades Eclesiásticas e a União dos Superiores Gerais. Durante os trabalhos

(^28) Antigamente, os peritos em direito canónico chamavam-se glosadores. Havia também os comentadores.