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Uma análise sobre a evolução do poder punitivo no contexto do estado neoliberal, com ênfase na justificativa sociológica para a imposição da força do estado e na transformação do sistema penal. O texto discute a importância dos processos estaduais de poder e a relação entre o estado e a conduta criminosa.
Tipologia: Resumos
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Clécio José Morandi de Assis Lemos
Política criminal no Brasil neoliberal
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, ao Programa de Pós-Graduação em Direito, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Transformações do Direito Privado, Cidade e Sociedade.
Orientador: Prof. Dr. Nilo Batista
Rio de Janeiro 2011
Clécio José Morandi de Assis Lemos
Política criminal no Brasil neoliberal
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, ao Programa de Pós-Graduação em Direito, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Transformações do Direito Privado, Cidade e Sociedade.
Aprovada em 09 de dezembro de 2011.
Banca examinadora:
Prof. Dr. Nilo Batista (Orientador) Faculdade de Direito da UERJ
Prof. Dr. Carlos Eduardo Adriano Japiassú Faculdade de Direito da UERJ
Prof. Dr. Salo de Carvalho Faculdade de Direito da UFRGS
Rio de Janeiro 2011
Aos meus pais (Clécio, Célio, Carlos Eduardo) e às minhas mães (Scheila, Desiree, Paula). Por todo amor que nunca me foi negado. O carinho mais puro que recebi nesta vida vem das mãos de minhas avós. À Marylda e Nair, toda dedicatória é pouco. Às minhas irmãs (Shaira, Bianca e Luana), irmãos (André e Vinícius), tios e primos. Aos quatro grandes amigos, verdadeiros irmãos, que a vida me permitiu conhecer: Rafael Comério Chaves, Ícaro José Moura Sili, Marcos Simões Martins Filho e Ludgero Liberato. A todos aqueles que sofrem diariamente com os tormentos do sistema punitivo brasileiro.
Meu objetivo será mostrar-lhes como as práticas sociais podem chegar a engendrar domínios do saber que não somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos de conhecimento. O próprio sujeito de conhecimento tem uma história, a relação do sujeito com o objeto, ou, mais claramente, a própria verdade tem uma história. Michel Foucault, A verdade e as formas jurídicas.
E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo. Walter Benjamin, Teses sobre o conceito de história.
LEMOS, Clécio. Política criminal no Brasil neoliberal. 2011. 131f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
Esta dissertação parte da compreensão dos sistemas punitivos em meio às estruturas sociais, demonstrando que o uso da coerção pública é um dos pilares fundamentais dos Estados modernos. Sustenta a necessidade de se desvendar os discursos ideológicos que legitimam o poder de criminalização, a fim de politizar o contexto das punições e alcançar a sua função latente. Concentra-se nas características específicas do Estado brasileiro instalado a partir da década de 1990, seguindo a trilha do Leviatã dos EUA neoliberal instaurado desde a década de 1980. Constata a correlação entre os sistemas punitivos brasileiro e norte- americano, com seus extensos campos de controle e semelhantes pensamentos criminológicos. Por fim, encontra a real funcionalidade das penas no Neoliberalismo, conformando um método de promover e manter as políticas econômicas e sociais típicas de sua conjuntura, manejando a insegurança social decorrente do desemprego estrutural, precarização do trabalho, aprofundamento da miséria e desigualdade.
Palavras-chave: Política criminal. Sistema punitivo. Direito Penal. Prisão. Penas alternativas. Neoliberalismo. EUA. Brasil.
Tabela 1 - Tabela 2 - Tabela 3 - Tabela 4 - Tabela 5 - Tabela 6 - Tabela 7 - Tabela 8 - Tabela 9 - Tabela 10 - Tabela 11 -
Sistema carcerário nos Estados Unidos.............................................................. Sistema carcerário nos Estados Unidos (relativo).............................................. Pessoas cumprindo parole e probation nos EUA................................................ Pessoas cumprindo parole e probation nos EUA (relativo)................................ Pessoas no sistema punitivo norte-americano.................................................... Sistema carcerário no Brasil............................................................................... Sistema carcerário no Brasil (relativo)............................................................... Sistema carcerário no Reino Unido (Inglaterra e País de Gales)........................ Sistema carcerário no Brasil (por crimes)........................................................... Penas e Medidas Alternativas no Brasil............................................................. Total de pessoas submetidas ao sistema punitivo no Brasil...............................
Política Criminal .............................................................................................. Organização das Ciências Criminais................................................................. Conceito de Política Criminal........................................................................... Poder punitivo................................................................................................... Punição e estrutura social ............................................................................... O confisco do conflito....................................................................................... Sucessão histórica das punições........................................................................ Pensamentos criminológicos ........................................................................... Etiologia legitimante......................................................................................... O mito do crime ontológico............................................................................... Reação social e deslegitimação......................................................................... Teorias da pena.................................................................................................. Direito e sistema jurídico ................................................................................ Sistema legal...................................................................................................... Seletividade estrutural....................................................................................... O LEVIATÃ NEOLIBERAL NORTE-AMERICANO ............................... Política econômica (fundamentalismo de mercado) ..................................... Política Social (mal-estar e bulimia) .............................................................. Poder punitivo .................................................................................................. Números do controle punitivo........................................................................... Novos discursos criminológicos........................................................................ O BRASIL NEOLIBERAL ............................................................................ Política econômica (ordens de Washington) ................................................. Política Social ................................................................................................... Poder punitivo .................................................................................................. Encarceramento................................................................................................... Ferramentas do grande encarceramento.............................................................. Penas e Medidas Alternativas............................................................................. O vento que sopra da América............................................................................
Um número de presos sem precedentes, grossa teia de cumpridores de penas e medidas alternativas, multiplicação incessante de leis para criminalizar, demanda social e midiatizada de ampla adesão ao rigor penal. Todos esses fatores são fenômenos muito típicos da história recente do Brasil, correspondendo a um sistema punitivo de feição singular na historiografia nacional. Tudo indica ser possível captar nas últimas duas décadas (1990 e 2000) uma política criminal brasileira que se destaca de tudo antes visto, justificando uma pesquisa científica particular. Não é necessário muito esforço para saber que tal ocorrência vem no bojo de um novo contexto político, econômico e social, como não poderia deixar de ser. Também é fácil compreender que o quadro local é a ressonância de uma corrente de proporções maiores, correspondência brasileira a um determinado fluxo internacional. As ciências sociais convencionaram denominar como “Neoliberalismo” a nova forma de organização de Estado capitalista surgida na década de 1980, cujos principais líderes foram os EUA e a Inglaterra. No caso brasileiro, como se verá posteriormente, tal corrente incidiria com maior vigor somente na década seguinte. Sendo certo que todo sistema punitivo não passa de uma das facetas do exercício de poder estatal, é natural que a modificação de estruturas políticas neoliberais tenha remetido a um sistema punitivo diferenciado, sendo esta precisamente a base da presente investigação. Se todo estudo possui uma pergunta em seu coração, a do presente certamente seria: quais são as características e as reais funções da política criminal do Brasil neoliberal? O trabalho tem a pretensão de detectar quais os pontos que justificam a indicação de que a partir da década de 1990 o Brasil passou a executar uma política punitiva diferenciada, a ponto de merecer olhares atentos a detectar seus traços mais particulares. Mais do que simplesmente descritiva, a pesquisa visa fornecer subsídios para uma compreensão ampla da questão, a compreender a verdadeira funcionalidade do Estado penal recente. Para responder aos questionamentos fundamentais deste trabalho, surgiu uma série de outras perguntas imprescindíveis. Não se quer aqui cometer o mesmo erro de tantos que a pretexto de um estudo centrado, produziram uma análise míope do enredo das punições. Se há uma certeza inicial, é a de que jamais se pode entender qualquer sistema punitivo sem olhar para o que o cerca. Restou inevitável elaborar o capítulo inicial sobre premissas do saber crítico de
Política Criminal. Há um longo caminho percorrido por dedicados estudiosos que mostra um conjunto de explicações sobre a experiência secular do poder punitivo, ensejando uma visão racional e contextualizada. O primeiro passo, portanto, deve ser um foco geral sobre esta mecânica das punições. Visualizando suas rupturas e permanências, ao fim se abre o mapa sobre a mesa que guiará na estrada para o entendimento do fenômeno contemporâneo. A proposta desta primeira elaboração é frisar os dados estruturais e históricos dos sistemas criminalizantes ocidentais que são referência para o Brasil. A história demonstra que toda organização punitiva pode encontrar sua explicação na demanda por ordem ditada em seu seio social. Longe de com isso se pretender uma legitimação, em verdade o estudo multifocal sobre essa física do poder permite identificar uma resposta mais idônea para o “por que assim está?”, e não para o “por que assim deve ser?”. A concentração na política criminal brasileira dependia, logo, de que se captasse a nova lógica de Estado, cujo grande guia desde sua implantação tem sido inegavelmente os EUA. Bem por isso, está mais que explicado o motivo pelo qual se parte para um segundo capítulo denominado “O leviatã neoliberal norte-americano”. Nele se faz justamente esta tentativa de ressaltar as feições particulares do Estado no contexto sociopolítico recortado, encabeçado pelos Estados Unidos da América. Tal esforço é inevitável diante da meta de uma explicação minimamente lógica do objeto. Há que se perquirir o conflito existente na trama social da nova forma de governar, a compreender os dados que alimentam a voracidade criminalizante que passou a predominar naquele país desde a década de 1980. Tomando tais premissas, surge o terceiro capítulo a mergulhar na percepção particular do Estado neoliberal brasileiro. Nesta altura, é de se demonstrar em quais pontos este se diferencia das políticas anteriores, no que diz respeito às suas práticas e aos seus discursos. Se neste momento cabe uma advertência, curiosamente, seria a de que as descrições do sistema criminalizante no Brasil neoliberal correspondem a uma réplica do que se iniciou nos Estados Unidos da América uma década antes. Nesse sentido, a experiência nacional é praticamente um avatar da nova onda punitiva norte-americana.
seguro critério para a crítica do direito vigente e, do outro lado, o ponto de partida para o desenvolvimento do programa da legislação futura.” 1
Divorciado dos demais campos, o autor afirma restar ao Direito penal uma atividade eminentemente prática e sistemática, em suas palavras:
“Daí resulta que este é o objeto imediato do Direito Penal: tratar com método técnicobaseando-se na legislação, os crimes e as penas como generalizações ideais; desenvolver,-jurídico, elevando-se até aos princípios fundamentais e às ideias últimas, as disposições da lei de modo a formar um sistema completo; expor na parte geral do sistema a ideia do crime e a da penaem geral, e na parte especial os crimes e as penas que contra eles a lei tem cominado.” 2
Quanto à Criminologia, a trilogia anunciada por Liszt guarda abrangência específica, também apartada das demais:
“A utilização consciente da pena como arma da ordem jurídica na luta contra o delinquente não é possível sem a indagação científica do crime na sua manifestação exterior material e nas suas causas internas, que se inferem dos fatos. Para designar essa ‘ciência do crime’ (causal, naturalística), pode-se empregar a expressão criminologia, já introduzida tanto na ciência inglesa como na dos países latinos.” 3
Eis demonstrada a tripartição dos objetos de atuação de cada uma das três ciências, de onde brotaram as inaugurais estruturas do que hoje se chama “Política Criminal”. Neste período, foram valiosas também as considerações do italiano Arturo Rocco (1876-1942) para a formatação do novo campo do saber. Seu enfoque é bem próximo ao de Liszt, descrevendo a Política Criminal como “La ciência o la arte de la legislación, pero que tiene en mira el juicio, la critica y la reforma del derecho penal vigente” 4. Atendendo ao programa inicial, restaria à Política Criminal a argumentação crítica com relação à lei, sua batuta promoveria a atualização da norma posta com novas opções legislativas de combate à criminalidade, de acordo com a realidade desejada. A busca dessa divisão de ciências é bem típica do período histórico em que se inserem os citados autores. Classificar e esquematizar eram obsessões dos positivistas, um requisito obrigatório para se ganhar status científico. Nesse passo, a divisão organizada pretendia expor campos bem específicos de atuação, de forma que um não invadisse a seara do outro. Criaram-se muros bem altos a fim de justificar a independência pretendida. Nessa ótica rígida, os três degraus possuem uma ordem pré-estabelecia. Em primeiro
(^1) LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Campinas: Russell Editores, 2003, p. 153. (^23) Ibid. p. 71. 4 Ibid. p. 146.Apud. CARAVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil. 5. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 88.
plano, caberia à Criminologia o estudo do criminoso e do crime, ou como tradicionalmente se diz: o estudo das “causas do crime”. Como se verá em capítulo próprio, a Criminologia da época é marcantemente etiológica. Seguindo este direcionamento, a base de dados coletados “tecnicamente” pela Criminologia serviria para formar o âmbito de atuação da segunda ciência: a Política Criminal. A esta caberia toda a elaboração pré-legislativa dos programas a serem executados em vista da redução de crimes, bem como as críticas à norma vigente. 5 Percebe-se, desta maneira, que a Política Criminal seria o ramo do saber responsável por pensar a elaboração das leis penais, uma ciência tipicamente estratégica, voltada para uma tática legislativa a fim de conter a criminalidade. Por fim, é o momento da Dogmática Penal. Uma vez fixados os programas de combate ao crime, traduzidos em uma legislação apropriada, abre-se a largada para a atuação do Direito. O Direito Penal, na visão de Liszt, inicia seu percurso onde termina o trilho da Política Criminal. Nessa arquitetura, a lei é tida como divisor de águas, nos dizeres do autor: “Direito Penal é a barreira intransponível da Política Criminal”. 6 Entendia o autor que, uma vez estabelecida a norma penal, ela deveria figurar como um freio às pretensões diversas de política criminal. A lei, assim, serviria para tornar rígida e estável a prática penal, mantendo-a distante de outros caminhos que não os já albergados pelo processo legislativo levado a cabo. Segundo se pensava, caberia ao Direito partir de um dado inquestionável, qual seja, a norma instituída. Este é o dogma inicial, o ponto de partida limitador da atuação científica, restando apenas a elaboração de técnicas próprias de se lidar com a interpretação e sistematização dos textos já fornecidos pelo legislador. Está demonstrado o que se pode chamar de “isolamento tríplice”. De alguma forma, o enfoque estanque destas ciências acabou por criar lógicas bem particulares de produção acadêmica, tudo a pretexto de uma pureza “técnica”. Destarte, dados da realidade social só podiam inspirar a Criminologia e a Política Criminal, no labor de compreender o comportamento criminoso e seus caprichos, a soar sobre propostas de organização do poder público para combater o desviante. Do lado contrário, a técnica jurídico-penal encontrava-se ilhada no método próprio de silogismo e exegese, mesmo porque era justamente esse distanciamento que legitimava seu
(^56) DIAS, José de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral. Tomo 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 23. Apud. ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 1.
Destaque também merece, mesmo sem demonstrar muita divergência com a visão tradicional, o mestre espanhol Santiago Mir Puig, em suas palavras:
“A la política criminal correspondería una doble función:derecho penal, b) en base a la contemplación de las a) fijar las premisas axiológicas del conclusiones obtenidas por la criminología acerca de la realidad del delito y de la pena.” 9
O catedrático de Coimbra, Figueiredo Dias, divergindo do modelo lisztiano, defende maior amplitude na atuação da Política Criminal. Prega ele a superação do Estado de Direito Formal, para a determinação de uma Política Criminal “transdogmática”:
“A sua função última consiste em servir de padrão crítico tanto do direito constituído, como do direito constituendo, dos seus limites e da sua legitimação. Neste sentido se deverá compreender a afirmação de que a política criminal oferece o critério decisivo de determinação dos limites da punibilidade e constitui, deste modo, a pedra angular de todo odiscurso legal-social da criminalização/descriminalização. E todavia, apesar da predominância que assim se atribui à política criminal no contexto da ciência conjunta do direito penal, elahaverá em todo o caso de se condicionar estritamente pelos fundamentos jurídico-políticos da concepção do Estado.”^10
Mas é na grande obra de Eugênio Raúl Zaffaroni e Nilo Batista que, finalmente, se indica com clareza um conceito de Política Criminal vinculado ao poder punitivo, e não mais à lei ou ao Direito:
“Apesar de existirem discursos políticomeras afirmações apriorísticas (iguais às que qualquer teoria positiva da pena contém), tudo-criminais legitimantes, que aceitam como verdades se modifica quando, ao basear-se em dados da realidade, ela é construída como uma valoraçãogeral do modo de encarar a conflitividade criminalizada a partir do poder e, portanto, de exercer o poder punitivo.” 11
O quadro que se apresenta é de nítida expansão do objeto da Política Criminal, passando a ser uma abordagem que não apenas se presta à produção de legislação penal, mas como um campo do saber preocupado em compreender o poder punitivo em sua real complexidade. O leque de atuação da política se abre. Logo, um novo conceito de Política Criminal há de ser mais dilatado e com objetivos diversos do inicialmente idealizado, considerando as estruturas de poder que envolvem o fenômeno do sistema punitivo. Ensina:
(^9) MIR PUIG, Santiago. Introducción a las bases del derecho penal. 2. Ed. Buenos Aires: B de F editorial, 2003, p. 281. (^1011) DIAS, José de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral. Tomo 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 35.
primeiro volume. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 274.ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro.^ Direito Penal Brasileiro :
“O campo da política criminal tem hoje uma amplitude enorme. Não cabe mais reduzi-la ao papel de ‘conselheira da sanção penal’, que se limitaria a indicar ao legislador onde e quando criminalizar condutas. Nem se pode aceitar a primitiva fórmula lisztiana de sua relação com a política social: esta se ocuparia de suprimir ou limitar as condições sociais do crime, enquanto a política criminal só teria por objeto o delinquente individualmente considerado.” 12
Indo um pouco além, Nilo Batista toma o novo conceito de Política Criminal a assumir expressamente todas as atuações punitivas de responsabilidade do Estado, inclusive as ações não oficiais:
“Para evitar distorções idealistas, no presente es referirá apenas, como no conceito de ZIPF, à ‘obtenção e realização de critérios diretivos notudo a expressão política criminal não se âmbito da justiça criminal’, nela se incluindo o desempenho concreto das agências públicas, policiais ou judiciárias, que se encarregam da implementação cotidiana não só dos critériosdiretivos enunciados ao nível normativo, mas também daqueles outros critérios, silenciados ou negados pelo discurso jurídico, porém legitimados socialmente pela recorrência e acatamento de sua aplicação. Assim, por exemplo, quando a polícia mensalmente executa(valendo-se de expedientes encobridores os mais diversos, da simulação de confronto ao chamamento à autoria de gangues rivais) um número constante de pessoas, verificando-se ademais que essas pessoas têm a mesma extração social, faixa etária e etnia, não se podedeixar de reconhecer que a política criminal formulada para e por essa polícia contempla o extermínio como tática de aterrorização e controle do grupo social vitimizadoConstituição proclame coisa diferente. Por outro lado, como pioneiramente – mesmo que a entre nós observava HELENO FRAGOSO, ‘a política criminal é parte da política social’, e essa conexãopara o esclarecimento de seus programas e objetivos. Retomando o exemplo anterior, a – melhor diríamos continuidade -, pode ser um importante expediente metodológico complacência, indiferença ou mesmo o aplauso para com rotinas policiais de aterrorização e extermínio sinaliza para a incorporação desses instrumentos por parte da política socialdesenvolvida – por mais que indignações oportunistas ou o sacrifício periódico de bodes expiatórios procurem sugerir coisa diversa.” 13
Nada mais natural concluir que as ditas práticas “subterrâneas”, quando reincidentes, encontram campo aberto de reprodução incentivada por um “silêncio eloquente” das agências estatais de punição. Consequentemente, está no objeto de estudo. Tudo isto vem inaugurar o entendimento de que o conceito buscado deve atentar para a coação lícita e a ilícita, o discurso oficial e a atuação mimetizada, ou seja, deve albergar um objeto amplo, pois só assim se pode compreender o fenômeno real. A proposição de Zaffaroni:
“Em síntese, e levandoconfigurador ou positivo do sistema penal (o que cumpre a função de disciplinarismo-se em conta a programação legal, deve-se concluir que o poder verticalizante) é exercido à margem da legalidade, de forma arbitrariamente seletiva, porque aprópria lei assim o planifica e porque o órgão legislativo deixa fora do discurso jurídico-penal amplíssimos âmbitos de controle social punitivo.” 14
Nesse compasso, o objeto da Política Criminal deixa de ser meramente a elaboração e
(^12) BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 5. Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 35. (^13) BATISTA, Nilo. Política criminal com derramamento de sangue. In: Discursos Sediciosos : Crime, Direito e Sociedade, 1° e 2° semestres de 1998, ano 3, n. 5-6, p. 77-78. (^14) ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 25.