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Direito e Igualdade de Genero, Trabalhos de Direitos Humanos

Direito de Familia, onde nele falamos sobre Direito e Igualdade de Gênero, abordando pontos sensíveis sobre o tema.

Tipologia: Trabalhos

2021

Compartilhado em 15/04/2021

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O DIREITO E A IGUALDADE DE GÉNERO1 2
LUÍSA NETO
Preferindo o conceito de “equidade de géneros” ao de “igualdade de géneros”, a autora
elege-o como tema de reflexão e, percorrendo os instrumentos de direito internacional e nacional
vocacionados para a respectiva concretização, centra particularmente a sua atenção no alcance pro-
duzido pelo quadro constitucional procedente da revisão de 1997.
Neste contexto, lança um olhar crítico sobre a chamada política de quotas, acabando por con-
cluir no sentido de que a igualdade do estatuto reconhecido a homens e mulheres é reclamada
pela Constituição e deve ser concretizada pelo legislador ordinário, enquanto que a assunção da
igualdade de género como fundamento de genérica discriminação positiva deve ser combatida, antes
se procurando um melhor aproveitamento do que são as competências de qualquer um, na sua
individualidade e sensibilidade únicas.
1. Centremo-nos na noção de género convocada por Sylviane Agacinski,
“[O] que é, com efeito, universal em sentido lógico, quer dizer, aquilo que diz
respeito à totalidade de um conjunto, não é ser-se homem ou ser-se mulher
(não se pode evidentemente dizer ‘todos os humanos são mulheres’), mas o
próprio facto de se ser sexuado: todos os humanos são ou homens ou
mulheres”.
Nestes termos importará pois dilucidar termos aparentemente sobre-
postos:
a) A diferença de sexo como resultado das características biológicas que
distinguem os homens e as mulheres;
b) A diferença de género ("rapports sociaux de sexe“) como reconhe-
cimento da existência de valores constitutivos da identidade feminina
e da identidade masculina com igual valor que devem estar presen-
JULGAR - N.º 8 - 2009
1Este tema foi tratado pela autora num ciclo de dez sessões de duas horas semanais “Novos
Direitos”, inserido no Ciclo Novo do Ciclo de Estudos Contemporâneos —, que ocorreu entre
16 de Outubro e 18 de Dezembro de 2007, na Casa de Serralves.
2Tem-se em conta uma restrição do objecto da “igualdade de género” à dicotomia “mascu-
lino/feminino”, assim sendo expressa a determinação de não abordar as chamadas “questões
GLBT”, que se entende deverem ser remetidas para a temática da orientação sexual e liber-
dade de expressão sexual aliás, v. g., à semelhança da opção tomada pelo Programa do
XVII Governo Constitucional.
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O DIREITO E A IGUALDADE DE GÉNERO 1 2

LUÍSA NETO

Preferindo o conceito de “equidade de géneros” ao de “igualdade de géneros”, a autora elege-o como tema de reflexão e, percorrendo os instrumentos de direito internacional e nacional vocacionados para a respectiva concretização, centra particularmente a sua atenção no alcance pro- duzido pelo quadro constitucional procedente da revisão de 1997. Neste contexto, lança um olhar crítico sobre a chamada política de quotas, acabando por con- cluir no sentido de que a igualdade do estatuto reconhecido a homens e mulheres é reclamada pela Constituição e deve ser concretizada pelo legislador ordinário, enquanto que a assunção da igualdade de género como fundamento de genérica discriminação positiva deve ser combatida, antes se procurando um melhor aproveitamento do que são as competências de qualquer um, na sua individualidade e sensibilidade únicas.

1. Centremo-nos na noção de género convocada por Sylviane Agacinski, “[O] que é, com efeito, universal em sentido lógico, quer dizer, aquilo que diz respeito à totalidade de um conjunto, não é ser-se homem ou ser-se mulher (não se pode evidentemente dizer ‘todos os humanos são mulheres’), mas o próprio facto de se ser sexuado: todos os humanos são ou homens ou mulheres”. Nestes termos importará pois dilucidar termos aparentemente sobre- postos:

a) A diferença de sexo como resultado das características biológicas que distinguem os homens e as mulheres; b) A diferença de género ("rapports sociaux de sexe“) como reconhe- cimento da existência de valores constitutivos da identidade feminina e da identidade masculina com igual valor que devem estar presen-

(^1) Este tema foi tratado pela autora num ciclo de dez sessões de duas horas semanais — “Novos Direitos”, inserido no Ciclo Novo do Ciclo de Estudos Contemporâneos —, que ocorreu entre 16 de Outubro e 18 de Dezembro de 2007, na Casa de Serralves. (^2) Tem-se em conta uma restrição do objecto da “igualdade de género” à dicotomia “mascu- lino/feminino”, assim sendo expressa a determinação de não abordar as chamadas “questões GLBT”, que se entende deverem ser remetidas para a temática da orientação sexual e liber- dade de expressão sexual — aliás, v. g., à semelhança da opção tomada pelo Programa do XVII Governo Constitucional.

tes e manifestar-se em igualdade em todas as esferas e dimensões da vida; c) A igualdade de género como conceito operacional, correspon- dendo à ausência de assimetrias entre umas e outros em todos os indicadores relativos à organização social, ao exercício de direitos e de responsabilidades, à autonomia individual e ao bem estar; d) A discriminação em função do sexo ou do género como o prejuízo de qualquer natureza decorrente de normas jurídicas, práticas sociais ou comportamentos individuais que é sofrido por uma pessoa em função do sexo ou em função do género.

Assim enquadrada, a matéria da igualdade de género — muito em voga hodiernamente mas nem sempre abordada da forma mais evidente ou peda- gogicamente admissível — lida fundamentalmente com a análise das assi- metrias nos indicadores sociais entre a situação das mulheres e dos homens tanto na esfera pública como na esfera privada, dando especial atenção ao efeito incorrecto e pernicioso da ligação às temáticas da violência, trá- fico de seres humanos, tortura ou exploração sexual — circunstância que em muitas situações acaba por artificialmente reduzir o espaço de discurso e discussão em torno destes tópicos. A propalada política para a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres pretende neutralizar e/ou ultrapassar as barreiras, visíveis e invisíveis que existem ou poderão surgir no acesso de mulheres e homens, em condições de igualdade, à participação económica, política e social, podendo ainda ser considerada como uma forma institucionalmente esta- tuída e organizada em ordem a garantir que o que se passa na cena polí- tica e na vivência social tem neutralidade de género (significando que não influi de modo diferencial, negativa ou positivamente na igualdade entre homens e mulheres). Está em causa hodiernamente uma abordagem dupla da igualdade de géneros, que por um lado assenta na promoção da igualdade entre homens e mulheres em todas as políticas e actividades ( gender mainstreaming ), mas que por outro lado reclama a adopção de medidas específicas positivas. Entendida em termos correctos, mais do que uma verdadeira igual- dade de géneros, seria porventura conveniente adoptar antes a expres- são “equidade entre géneros”, assim se realçando uma forma de justiça no tratamento entre homens e mulheres. A igualdade — ou, nos termos sugeridos, a equidade — de tratamento entre mulheres e homens é um princípio fundamental dos actuais ordena- mentos jurídicos, sendo por conseguinte uma componente de pleno direito da cidadania e mesmo um real critério da democracia, como proclamou o Con- selho da Europa.

2. A associação da igualdade de género a factores de poupança pública e privada, de inovação e de crescimento económico tem também sido acen-

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participação equilibrada de mulheres e de homens na tomada de decisão política e pública (12 Março 2003). Por último, e em termos ainda mais determinantes para a estrutura esta- dual, pela tomada de partido no sentido da assunção da igualdade de género como factor inequívoco de cidadania e democracia^3 , salientem-se a Declara- ção sobre a Igualdade das Mulheres e dos Homens adoptada pelo Comité de Ministros (16 Novembro 1988), a Declaração sobre democracia e igualdade entre as mulheres e os homens como critério fundamental de democracia, adoptada pela 4.ª Conferência Ministerial Europeia sobre igualdade entre mulheres e homens (Istambul, 1997), a Resolução sobre o papel das mulhe- res e dos homens na prevenção dos conflitos, na consolidação da paz e nos processos democráticos pós-conflitos — uma perspectiva de género, adoptada pela 5.ª Conferência Ministerial Europeia sobre a igualdade entre as mulhe- res e os homens (Skopje, 2003), a Declaração e Programa de Acção sobre igualdade de género: uma questão central nas sociedades em mutação, adop- tados pela 5.ª Conferência Ministerial Europeia sobre a igualdade entre as mulheres e os homens (Skopje, 2003), a Resolução «Alcançar a Igualdade de género: um desafio para os Direitos Humanos e um pré-requisito para o desenvolvimento económico», adoptada pela 6.ª Conferência Ministerial Euro- peia sobre a igualdade entre as mulheres e os homens (Estocolmo, 2006), o Plano de Acção «Alcançar a Igualdade de Género em todas as esferas da Sociedade», adoptado pela 6.ª Conferência Ministerial Europeia sobre a igual- dade entre as mulheres e os homens (Estocolmo, 2006), ou a realização com carácter de regularidade sistemática das Conferências de Ministros Europeus responsáveis pela Igualdade (desde 2000). Já ao nível da União Europeia, encontramos os princípios fundamentais sobre esta matéria nos artigos 2.º e 3.º do Tratado que institui a Comuni- dade Europeia, depois no artigo 6.º do Tratado da União Europeia, nos arti- gos 2.º e 3.º do Tratado de Amesterdão e finalmente nos artigos 21.º e 23.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia^4.

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(^3) Esta mesma política tem sido acentuada pela União Europeia ao determinar que os países candidatos à adesão e potenciais candidatos devem integrar a promoção da igualdade entre homens e mulheres na política europeia de vizinhança (PEV), nas políticas externa e de desen- volvimento, devem aderir ao princípio da não discriminação como critério político de adesão (nos termos do Conselho Europeu de Copenhaga de 1993) e são obrigados à transposição das directivas antes da adesão por fazerem parte do «acquis communautaire» — vejam-se aliás os termos do Livro Verde sobre Igualdade e combate à discriminação na União Europeia alargada (Comissão Europeia — 28 de Maio de 2004) (http://europa.eu.int/comm/employ- ment_social/fundamental_rights/policy/aneval/green_en.htm) (^4) Outros exemplos da importância relativa da política da igualdade de género da União Euro- peia são patentes no seguinte elenco: i) Decisões mais recentes Decisão 1672/2006/CE — Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 2006, que estabelece um Programa Comunitário para o Emprego e a Soli- dariedade Social — PROGRESS. Decisão 771/2006/CE — Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Maio

Em sede de regulamentação, citem-se, entre outros, como exemplo da atenção dada à matéria no âmbito da União Europeia o Regulamento (CE) n.º 1922/2006 — Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro de 2006, que cria um Instituto Europeu para a Igualdade de Género, o Regulamento (CE) n.º 806/2004 — Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativo à promoção da igualdade entre homens e mulheres na cooperação para o desenvolvimento — revoga o Regulamento (CE) n.º 2836/98, o Regulamento n.º 1567/2003 — Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Julho de 2003, relativo à ajuda para políticas e acções em matéria de saúde reprodutiva e sexual e direitos conexos nos países em desenvolvimento. Em termos mais recentes, é incontornável referir um conjunto de Direc- tivas que veio instituir um novo sistema articulado: a Directiva n.º 2004/113/CE^5 — Directiva do Conselho, que implementa o princípio da igualdade de trata- mento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu forneci-

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de 2006, que institui o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos (2007) — Para uma Sociedade Justa. Decisão 600/2005/CE — Decisão do Conselho, de 12 de Julho de 2005, relativa às orien- tações para as políticas de emprego dos Estados-Membros. ii) Comunicações COM(2006)92 final — Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Euro- peu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, de 1 de Março de 2006, que estabelece o Roteiro para a igualdade entre homens e mulheres (2006-2010). C(2000) 853 — Comunicação da Comissão aos Estados-Membros, de 14 de Abril de 2000, que estabelece as directrizes para a iniciativa comunitária EQUAL relativa à coopera- ção transnacional para a promoção de novas práticas de luta contra as discriminações e desigualdades de qualquer natureza relacionadas com o mercado do trabalho. iii) Resoluções mais recentes Resolução 2004/2220(INI) — Resolução do Parlamento Europeu, de 2 de Fevereiro de 2006, sobre a actual situação e eventuais futuras acções em matéria de combate à vio- lência contra as mulheres. Resolução 2004/2219(INI) — Resolução do Parlamento Europeu, de 19 de Janeiro de 2006, sobre o futuro da Estratégia de Lisboa, na perspectiva de género. Resolução 2004/2159 (INI) — Resolução do Parlamento Europeu, de 2 de Fevereiro de 2006, sobre a igualdade entre mulheres e homens na União Europeia. Resolução 2004/2217 (INI) — Resolução do Parlamento Europeu, de 13 de Outubro de 2005, sobre as mulheres e a pobreza na União Europeia. Resolução 2003/2129 (INI) — Resolução do Parlamento Europeu, de 9 de Março de 2004, sobre a conciliação entre vida profissional, familiar e privada. Resolução 2003/2165 (INI) — Resolução do Parlamento Europeu, de 11 de Fevereiro de 2004, sobre a organização do tempo de trabalho (Revisão da Directiva 93/104/CE) Resolução 2000/2174 (INI) — Resolução do Parlamento Europeu, de 13 de Março de 2002, sobre as mulheres e o fundamentalismo. Resolução 2000/C218/02 — Resolução do Conselho e dos Ministros do Emprego e da Política Social, reunidos no seio do Conselho, de 29 de Junho de 2000, relativa à participa- ção equilibrada das mulheres e dos homens na actividade profissional e na vida familiar (^5) Que veio a ser transposta para o ordenamento jurídico português pela Lei n.º 14/2008, de 12 de Março.

c) Reforço da participação política das mulheres em todas as esferas de decisão, cumprindo o artigo 109.º da Constituição e estendendo o seu entendimento à economia e à inovação; d) Promoção da igual valorização da maternidade e paternidade na família, no mercado de trabalho e face ao Estado.

A atenção hoje dada a estas matérias contrasta, como é óbvio, com o tra- tamento tradicional que durante muito tempo grassou no nosso país. Se o artigo 1104.º do Código de Seabra determinava que “[A] mulher não pode privar o marido, por convenção ante-nupcial, da administração dos bens do casal; mas pode reservar para si o direito de receber, a título de alfinetes, uma parte dos rendimentos de seus bens, e dispor dela livremente, contanto que não exceda a terça dos ditos rendimentos líquidos” e se o artigo 1186.º do mesmo artigo impunha a obrigação de “a mulher acompanhar o seu marido, excepto para país estrangeiro”, o artigo 1204.º estabelecia claramente o duplo padrão ao prever que, ao invés do da mulher, o adultério do marido só pode- ria ser causa legítima de separação de pessoas e bens “com escândalo público, ou completo desamparo da mulher, ou com concubina teúda e man- teúda no domicílio conjugal. A evolução da chamada “condição feminina” em Portugal resulta evi- dente no elenco de datas e factos significativos ao longo dos séculos XIX e XX que seguidamente se apresenta^6 e que culmina nos efeitos radiantes da aprovação do novo quadro constitucional em 1976:

1867 — Primeiro Código Civil, que melhorou a situação das mulhe- res em relação aos direitos dos cônjuges, dos filhos, dos bens e sua administração. 1889 — Primeira mulher licenciada em Medicina — Elisa Augusta da Conceição de Andrade (Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa). 1890 — A 6 de Março de 1890, foi regulamentada a Lei de 9 de Agosto de 1888, que autorizava o Governo a criar escolas femininas do ensino secundário. 1910 — Lei do Divórcio (Decreto de 3 de Novembro de 1910). O divórcio é admitido pela primeira vez em Portugal e é dado ao marido e à mulher o mesmo tratamento, tanto em relação aos motivos de divór- cio como aos direitos sobre os filhos.

— Novas leis do casamento e da filiação baseiam o casamento na igualdade; — A mulher deixa de dever obediência ao marido; — O crime de adultério passa a ter o mesmo tratamento quando cometido por mulheres ou homens.

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(^6) Reproduz-se aqui a versão que se encontra emhttp://www.cig.gov.pt/

1911 — Constituição da República. As mulheres adquirem o direito de trabalhar na Função Pública.

— A médica Carolina Beatriz Ângelo, viúva e mãe, vota nas eleições para a Assembleia Constituinte, invocando a sua qualidade de chefe de família; — A lei é posteriormente alterada, reconhecendo apenas o direito de voto a homens; — Escolaridade obrigatória dos 7 aos 11 anos para rapazes e rapa- rigas.

1913 — Primeira mulher licenciada em Direito — Regina Quinta- nilha.

— Lei n.º 3, de 3 de Julho de 1913, que atribui o direito de voto aos cidadãos do sexo masculino que saibam ler e escrever.

1918 — Pelo Decreto n.º 4876, de 17 de Julho de 1918, foi autori- zado o exercício da advocacia às mulheres. Anteriormente esta profis- são era-lhes proibida. 1920 — As raparigas são autorizadas a frequentar liceus masculinos. 1926 — As mulheres passam a poder leccionar em liceus mas- culinos. 1931 — Expresso reconhecimento do direito de voto às mulheres diplomadas com cursos superiores ou secundários (Decreto com força de lei n.º 19694, de 5 de Maio de 1931) — aos homens continua a exi- gir-se apenas que saibam ler e escrever. 1933 — Nova Constituição Política do Estado Novo que estabelece a igualdade dos cidadãos perante a lei, "salvas, quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família" (artigo 5.º). 1935 — Primeiras deputadas à Assembleia Nacional: Domitila de Car- valho, Maria Guardiola e Maria Cândida Parreira. 1946 — Nova lei eleitoral, mais alargada que a de 1931, conti- nuando, porém, a exigir ainda requisitos diferentes para os homens e para as mulheres eleitores da Assembleia Nacional (Lei n.º 2 015, de 28 de Maio de 1946). 1966 — Aprovada para ratificação a Convenção n.º 100 da OIT, relativa à igualdade de remuneração entre mão-de-obra feminina e mas- culina para trabalho de valor igual (Decreto-Lei n.º 47 032, de 4 de Novem- bro de 1966 — artigo 115.º). 1967 — Entrada em vigor do novo Código Civil. Segundo este, a família é chefiada pelo marido, a quem compete decidir em relação à vida conjugal comum e aos filhos. 1968 — Lei n.º 2 137, de 26 de Dezembro de 1968, que proclama a igualdade de direitos políticos do homem e da mulher, seja qual for o

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— Cada um dos cônjuges pode exercer qualquer profissão ou acti- vidade sem o consentimento do outro.

1979 — Publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de Setembro, que visa garantir às mulheres a igualdade com os homens em oportunidades e tratamento no trabalho e no emprego. 1980 — Portugal ratifica, pela Lei n.º 23/80, de 26 de Julho, a Con- venção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação con- tra as Mulheres, durante a II Conferência das Nações Unidas para a Década da Mulher, que se realizou em Copenhaga, à qual Portugal enviou uma delegação oficial.

4. As traves mestras da política da igualdade de género são hoje anco- radas directamente no texto constitucional. Para além do incontornável artigo 13.º, os principais ditames nesta matéria resultam então hoje na Cons- tituição do artigo 9.º, que estabelece como tarefa fundamental do Estado — na alínea h) — “ promover a igualdade entre homens e mulheres”, tarefa reforçada pela letra da alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º que incumbe o Estado de promover a “igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais” e ainda pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 59.º Por seu turno, o n.º 3 do artigo 36.º apela à igualdade dos direitos e deve- res dos cônjuges quanto à capacidade civil e política e à manutenção e edu- cação dos filhos. Noutro contexto, profissional, pontifica o direito de igualdade na escolha de profissão e acesso à função pública previsto no artigo 47.º, ao passo que quanto à igualdade de participação na vida pública rege o artigo 48.º e quanto ao direito de sufrágio a determinação de igualdade resulta do artigo 49.º Específicos direitos de igualdade com implicações em sede de igual- dade de géneros encontram-se nos artigos 64.º (Saúde), 67.º (Família) ou 68.º (Paternidade e maternidade). 5. Para além do enquadramento constitucional deve no entanto ser especialmente referida a amplitude da eficácia revigorativa da Lei Funda- mental e do esforço de conformação do ordenamento ordinário sectorial. Assim, e no sector da família, o Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novem- bro, que entrou em vigor em 1 de Abril de 1978, introduziu no Código Civil Por- tuguês profundas modificações com o objectivo, entre outros, de reconhecer à mulher casada a plena igualdade legal com o marido, como aplicação do prin- cípio mais geral de não discriminação em função do sexo. Por seu turno, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 7/99, de 9 de Fevereiro, veio apro- var o Plano para uma Política Global de Família, com indirizzos claros em maté- ria de igualdade de género. Pode dizer-se que as áreas mais afectadas foram, evolutivamente, as da direcção da família e estatuto dos cônjuges, do

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divórcio — agora novamente em convulsão —, do poder paternal, da adop- ção e do regime da União de Facto que veio a culminar na entrada em vigor da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio. No que tange em especial à maternidade e paternidade a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril (alterada pelas Leis n.º 17/95, de 9 de Junho, n.º 102/97, de 13 de Setembro, n.º 18/98, de 28 de Abril, n.º 118/99, de 11 de Agosto, n.º 142/99, de 31 de Agosto, rectificada e republicada pelo Decreto-Lei n.º 70/2000, de 4 de Maio, bem como o Decreto-Lei n.º 230/2000, de 23 de Setembro, n.º 154/88, de 29 de Abril (alterado pelo Decreto-Lei n.º 333/95, de 23 de Dezembro, n.º 347/98, de 9 de Novembro, n.º 77/2000, de 9 de Maio), e n.º 194/96, de 16 de Outubro, que a regulamentam, constituem o quadro legal da protecção da maternidade e paternidade. No campo do trabalho e emprego, marco histórico relevante é o da vigên- cia do Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de Setembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 426/88, de 18 de Novembro, e pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto), que densificou o direito à igualdade nesta matéria, e que em grande medida bene- ficiou da intervenção sistemática operada pela Lei n.º 105/97, de 13 de Setem- bro (alterada pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto), aplicável a entidades públicas ou privadas. A aplicação deste diploma visa garantir a efectivação do direito dos indivíduos de ambos os sexos à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego, definindo em termos abrangentes a discriminação indirecta como toda a medida, critério ou prática aparentemente neutra que prejudique de modo desproporcionado os indivíduos de um dos sexos, nomeadamente por referência ao estado civil ou familiar, não sendo justificados objectivamente por qualquer razão ou condição necessária não relacionada com o sexo. Por outro lado, o diploma considera como indiciadora de prática discri- minatória, nomeadamente, a desproporção considerável entre a taxa de tra- balhadores de um dos sexos ao serviço do empregador e a taxa de traba- lhadores do mesmo sexo existente no mesmo ramo de actividade e opera ainda a inversão do ónus da prova em acções judiciais tendentes a provar qualquer prática discriminatória, competindo ao empregador a prova de inexistência de qualquer prática, critério ou medida discriminatória em função do sexo, não dei- xando de considerar como contra-ordenação muito grave o impedimento do acesso de uma mulher a qualquer emprego, profissão ou posto de trabalho. Todo este sistema veio também a resultar reforçado pela Lei n.º 9/2001, de 21 de Maio, que veio reforçar os mecanismos de fiscalização e punição das práticas laborais discriminatórias em função do sexo. Uma matéria em especial tem merecido atenção do legislador na área do trabalho e do emprego, precisamente também pelo reiterado historial de vio- lações repetidas, qual seja a da diferenciação salarial^7 : saliente-se por exem-

O direito e a igualdade de género 171

(^7) Veja-se em termos exemplificativos a Comunicação da Comissão Europeia ao Parlamento Euro- peu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões de 18.7. (COM(2007)424) “Tackling the pay gap between women and men”.

tões relativas à interrupção voluntária da gravidez devem ser obtidas na expla- nação dos Acórdãos n.os^ 21/84 e 617/2007 do Tribunal Constitucional.

6. Por fim, e no que tange ao poder e tomada de decisão, não se olvida o princípio plasmado no n.º 1 do artigo 48.º da Constituição, segundo o qual resulta claro o direito de todos os cidadãos a “tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país”. Mas se é verdade que o quadro constitucional ditado pela Lei Fundamental de 1976 providencia as principais linhas de actuação do que viria a ser a actuação do Estado e a organização da sociedade nesta matéria, não pode ainda deixar de se salientar a relevância específica da Revisão Constitucional de 1997. De facto, o artigo 109.º da Constituição, na sua versão então revista, passa a prever que a “participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em fun- ção do sexo no acesso a cargos políticos. ” Esta redacção, in fine, levou ine- vitavelmente ao equacionar das chamadas políticas de quotas. Repare-se que o incentivo agora expressamente afirmado pela Constituição implica mesmo um eventual juízo de inconstitucionalidade por omissão no caso de não serem adoptadas providências com o desiderato de igualdade, ao invés da situação anterior, em que eventual intervenção legislativa nesse sentido pode- ria aliás ser entendida como discriminação inadmissível face a um juízo de inconstitucionalidade por acção. Assim, se até 1997, a ratio do preceito se reconduzia à positivação de um princípio geral de organização política democratizante que reforçasse portanto a importância da participação dos cidadãos — de todos os cida- dãos —, e normativizasse assim a “ideia de democracia participativa e de democratização da democracia ”^9 , a alteração então produzida conduz neces- sariamente a uma diferente leitura do preceito. Assim, como ideia maior, avulta agora a igualdade de género, revelando a preocupação do legislador constituinte em, no específico domínio do exercício do poder político, promo- ver essa igualdade. Entendeu-se então que só a consideração expressa da igualdade de género enquanto pedra basilar do princípio de participação polí- tica cidadã, a par da imposição de uma postura activa do Estado na efectivação dessa igualdade neste domínio, poderiam cabalmente satisfazer as exigências de uma plena democracia^10. Portanto, sob uma mesma epígrafe, e com um esqueleto comum, estamos actualmente perante um artigo de telos e função diversas.

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(^9) J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada , Coimbra, 1993. Negrito e itálico no original. (^10) A expressão é de NATALINA MOURA, deputada do grupo parlamentar do Partido Socialista, aquando da discussão da revisão da Constituição, em 22 de Julho de 1997, Diário da Assem- bleia da República , VII legislatura, 2.ª sessão legislativa, 1.ª série, n.º 99, pág. 3649.

Trouxe pois a revisão de 1997 uma perspectiva nova, na medida em que fala claramente da participação de “homens e mulheres”, reconhecendo a dualidade da humanidade, quando anteriormente (ex artigo 112.º) falava apenas de cidadãos De salientar que as referidas alterações são contemporâneas da introdução da alínea h) do artigo 9.º, que determina como tarefa fundamental do Estado a promoção da igualdade entre homens e mulheres. Como apontou Maria Eduarda Azevedo^11 “… é ao nível da esfera pública que mais se faz sentir a exclusão das mulheres (…). Isto independentemente da proclamação da igualdade formal. Existe um fosso efectivo entre a igualdade e a prática vivida”. Ora, importa aqui problematizar se a introdução das referidas alterações, em 1997, constituíam, ou não, uma exigência do princípio da igualdade, agora considerado no referido sentido de princípio que reivindica a consideração da desigualdade material para a adopção de medidas proactivas que, for- malmente, visem a igualdade de facto, a igualdade real. Parece então que a actual redacção do artigo 109.º não acrescenta nada ao que o artigo 13.º previa já. De facto, se considerarmos que a igualdade perante a lei contém em si a imposição da igualdade de facto^12 (e, portanto, a necessidade de o Estado adoptar uma postura positiva), e que o género está, desde o primeiro momento, incluído na cláusula exemplificativa constante do n.º 2 do mesmo artigo, as alterações que a revisão de 1997 consagrou não eram exigências de uma concepção hodierna — social — do princípio da igualdade.^13 Não obstante este possível entendimento, recorde-se que na sequência da nova disposição constitucional acima referida, um grupo de especialistas de alto nível foi encarregado de estudar as implicações do artigo 109.º e pro- por medidas para uma participação mais efectiva das mulheres na vida polí- tica, a integrar na Lei Eleitoral então em preparação Das conclusões deste estudo resultaram propostas inovadoras: criação de percentagens mínimas de ambos os sexos nas listas eleitorais com reflexo obri- gatório nos respectivos resultados (25%); metas progressivas nestas percen- tagens mínimas; rejeição das listas que não cumpram este requisito; penali- zação dos partidos que não cumpram as percentagens mínimas; prémio de incitamento para os que vão além de 33%; organização dos trabalhos parla- mentares para conciliação das responsabilidades profissionais e familiares. Na expressão de Vitalino Canas, a política, a par da iniciativa empresa- rial e das direcções sindicais, é “uma das últimas no women’s land da socie- dade portuguesa”. Ora, se até há oito ou nove décadas, a reivindicação fun-

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(^11) Idem, Diário da Assembleia da República , VII legislatura, 2.ª sessão legislativa, 1.ª série, n.º 99, pág. 3648. (^12) JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional , tomo IV, Coimbra Editora, 2000, pág. 225. (^13) CRP anotada pelos estudantes da FDUP (artigo anotado por Irene Terrasêca, Joana Marques e Susana Monteiro), 2007.

expressa no Relatório anual sobre a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres a cuja elaboração obriga a Lei n.º 10/2001, de 21 de Maio. Por outro lado, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2007, de 22 de Junho aprovou o III Plano Nacional para a Igualdade — Cidadania e Género (2007-2010), determinando como áreas estratégicas de intervenção:

I) Perspectiva de género nos diversos domínios de política enquanto requisito de boa governação; II) Perspectiva de género nos domínios prioritários de política; III) Cidadania e género; IV) Violência de género; V) Perspectiva de género na União Europeia, no Plano Internacio- nal e na Cooperação para o Desenvolvimento.

Como objectivos exemplificativos das referidas opções estratégicas encon- tramos a promoção da igualdade de tratamento e de oportunidades entre homens e mulheres no trabalho, a promoção da conciliação entre a actividade profissional, vida familiar e pessoal, a promoção da maternidade e paternidade responsáveis, a diminuição da feminização da pobreza, a promoção da Igual- dade de Género e da Cidadania de Mulheres e Homens migrantes e de mino- rias étnica, a promoção da Igualdade de atitudes, entre mulheres e homens junto do Sistema Nacional de Saúde, a garantia a mulheres e homens o exer- cício dos seus direitos sexuais e reprodutivos, a promoção de uma visibilidade equitativa de mulheres e homens na fruição e no acesso à cultura, a promo-

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— Helsinki Group on Women and Science (1999); — European Network to Promote Women's Entrepreneurship (WES) (2000); — High Level Group on gender mainstreaming (2001); — Expert Group on Trafficking in Human Beings (2003); — High Level Group on gender mainstreaming in the Structural Funds (2004); — Network of focal points on equal opportunities (2004); — Group of Commissioners on Fundamental Rights, Non-Discrimination and Equal Opportunities (2005); — Instituto Europeu para a Igualdade de Género (2006). Por outro lado, em sede de estruturas nacionais específicas de garantia, exemplos actuais ou históricos; refiram-se também os seguintes: Áustria: Ministério da Saúde e das Mulheres; Bulgária: Conselho Nacional para Igualdade de Tratamento para Homens e Mulheres no Conselho de Ministros; Finlândia: Provedor para a Equidade, Unidade para a Igualdade de Género e Conse- lho para a Igualdade; Hungria: Ministro da Juventude, Família, Assuntos Sociais e Igualdade de Oportuni- dades; Itália: Ministério da Paridade de Oportunidades; República Checa: Conselho Nacional para igualdade de tratamento de Homens e Mulheres; Roménia: Agência Nacional para a Igualdade de Oportunidades entre Homens e Mulheres.

ção da representação equilibrada de mulheres e homens na tomada de deci- são, a promoção da cidadania participativa, o combate e prevenção da violência que tenha origem em discriminações de género — na senda do que foi apro- vada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 83/2007, de 22 de Junho que aprova o Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2007-2010).

8. Não existem dúvidas de que igualdade do estatuto — mormente jurí- dico, mas também social — reconhecido a homens e mulheres é reclamada pela Constituição e deve ser concretizada pelo legislador ordinário. Ao invés, a assunção da igualdade de género como fundamento de genérica discriminação positiva deve ser combatida, antes se procurando um melhor aproveitamento do que são as competências de qualquer um, na sua individualidade e sensibilidade únicas. É aliás essa a forma de precisamente de potenciar a complementari- dade ideal num mundo moderno e de garantir o reconhecimento da digni- dade do tratamento devido a mulheres — que não resulta, nem pode resul- tar da proclamação anual de dias 8 de Março ou da previsão legal de sistemas de quotas^15.

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(^15) Texto ultimado em Março 2009.