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Este documento aborda o método completo e correto de interpretação jurídica, discutindo primeiramente o conceito de direito e sua interpretação. O texto explora as diferentes perspectivas históricas e teóricas sobre o direito, incluindo as escolas científicas, a teoria pura do direito e o direito como fato social. Além disso, o documento apresenta os métodos histórico, teleológico e sociológico na interpretação jurídica e os desafios e avanços do século xx na área.
Tipologia: Slides
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Brasília a. 35 n. 137 jan./mar. 1998 179
O método correto e completo de interpreta- ção jurídica decorre de um pressuposto neces- sário: a exata concepção do fenômeno jurídi- co, que se manifesta por meio da lei e de outras formas de expressão (o costume, os princípios gerais de direito, a doutrina, a jurisprudência, o direito comparado e os próprios fatos jurídi- cos). Por isso a nossa exposição compreende duas partes: I - o conceito de Direito; II - a interpretação do Direito.
Existem duas ordens de normas no univer- so: as leis naturais, que regem os fenômenos da natureza ou do ser, de cumprimento neces- sário e uniforme; e as normas éticas, entre as quais se incluem as jurídicas ou de coação es-
Dilvanir José da Costa é Professor de Direito Civil nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG, Doutor em Direito Civil e Advogado.
1. Plano de exposição. 2. O conceito de Direito. 2.1. O Direito como norma. 2.2. O Direito como fato social. 2.3. O Direito como valor. 2.4. A concepção dialética do Direito. 2.5. O Direito concretizado nos fatos. 3. A interpretação do Direito. O método tradicional (a escola da exege- se). O culto ao texto legal. 3.1. As escolas científi- cas. Os métodos histórico, teleológico e sociológi- co. 3.2. A livre interpretação e o direito livre. O nihilismo legal. 3.3. A conciliação dos métodos. A restauração dos valores ideais do Direito. O méto- do histórico-evolutivo ou da jurisprudência progres- siva. 3.4. A interpretação flexível ou dialética. 3.5. A interpretação abrangente ou casuística. 4. Con- clusão.
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tatal, que regem os homens como seres racio- nais e livres no convívio social. O cumprimen- to destas, embora imposto e exigível pela cons- ciência ética e até sancionado pela sociedade e pelo Estado, é passível de desobediência, em razão da liberdade de atuação inerente ao ser livre, inteligente e responsável.
Duas grandes correntes de opinião desta- caram no Direito o aspecto normativo como caráter fundamental: os primeiros codificado- res do Direito, a exemplo do Direito Romano e do Código Civil francês; e a conhecida Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen.
O Imperador Justiniano até proibiu, de for- ma ameaçadora, qualquer comentário interpre- tativo ao Corpus Juris Civilis , enquanto que os franceses condenaram, a princípio, a idéia da existência de direito civil além ou fora do Có- digo Napoleão (1804), que encerraria a pleni- tude do direito civil. Foi a consagração do feti- chismo legal. Já os romanos valorizaram tanto a Lei das XII Tábuas (450 a.C.) que passaram a recitar o seu texto nas escolas como poesia obrigatória – carmen necessarium. Tudo isso em nome da segurança dos direitos dos cida- dãos contra o arbítrio e a prepotência.
Sob outro enfoque, o jurista Hans Kelsen, autor da Teoria Pura do Direito, defendeu o caráter normativo fundamental do Direito. Di- ante da ampliação do conceito de Direito pelas doutrinas sociológicas, filosóficas e teológicas, Kelsen reagiu em defesa do caráter normativo puro e neutro do Direito, que seria um dever- ser abstrato, à semelhança de uma figura geo- métrica, isento de conteúdos fáticos, valorati- vos e ideológicos, e ao mesmo tempo aberto a quaisquer conteúdos admitidos eventualmente em seu esquema obrigatório pela autoridade competente.
Para as escolas científicas, as normas ou fontes formais do Direito não passam de sim- ples canais, condutos ou instrumentos de ma- nifestação técnica das fontes substanciais ou autênticas das regras, que assim brotam real- mente dos fatos sociais, econômicos, políticos, culturais etc., sob a inspiração e direçãos dos valores sedimentados pela experiência jurídica. A primeira escola a ampliar e revolucionar o conceito do Direito foi a histórica, liderada pelo jurista alemão Friedrich Karl von Savig- ny. Para ele, o Direito vai muito além dos tex- tos legais esquemáticos e resumidos. Não é pro-
duto racional e arbitrário do legislador. É fe- nômeno histórico e espontâneo, gerado na cons- ciência popular, tal como a linguagem. Sendo produto dos fatos históricos em contínua mu- dança e expansão, o Direito não deve ser imo- bilizado num Código. Outro grande jurista alemão, Rudolf von Ihering, fundou a escola teleológica. Concei- tuou o Direito como fenômeno necessário e não espontâneo, ou seja, como técnica imprescin- dível de convivência. A utilidade e a felicidade social (e não a vontade ou o arbítrio do legisla- dor) devem ser o fim ou a teleologia do Direi- to. Este é semelhante ao pensamento, que tan- tas vezes não se expressa bem nas palavras. Assim também um Código pode não refletir fielmente o Direito, que é mais amplo e abran- gente e por isso não pode ser aprisionado nos textos legais. Para a escola sociológica, os fatos sociais confinam e convivem com os fatos jurídicos, que os envolvem e regulam, com influências recíprocas. Ela defendeu a suavização e a fle- xibilização da lei para se amoldar à realidade social. Em sua expressão máxima, foi também fruto do gênio germânico. Na torrente sociológica, destacou-se a Es- cola do Direito Livre, que defendeu o nihilis- mo legislativo, em oposição ao culto ao texto legal e à tese de que o Código contém a pleni- tude do Direito, proclamados pela Escola da Exegese. Para os partidários do Direito Livre, o Direito provém dos próprios fatos: ipsis re- bus dictantibus. Sociólogos notáveis, do renome de Emile Durkheim e Henry Lévy Bruhl, chegaram a ne- gar qualquer origem racional, ideal ou psicoló- gica do Direito, que seria fruto de um longo pro- cesso de decantação dos fenômenos sociais.
Desde Sócrates se reconhece a existência dos valores do bem, do belo e do justo. Nas Institutas do Imperador Justiniano, os roma- nos definiram o Direito Natural como o que a natureza ensinou a todos os animais, donde a união do macho com a fêmea, a procriação e educação dos filhos. Na Idade Média, prevaleceu a concepção teológica do Direito Natural, procedente do sobrenatural, sob a influência do cristianismo. Nos séculos XVII e XVIII, sob a influência da Escola do Direito Natural e das Gentes e da
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do de direito civil brasileiro.” Rio: Frei- tas Bastos, 1939, v. III, p. 289) Essa preocupação com a interpretação da lei já fora manifestada pelo Imperador Justini- ano, relativamente ao primeiro grande código civil da humanidade – o Corpus Juris Civilis (Século VI). Com efeito,
“No terceiro prefácio ao Digesto, o Imperador Justiniano determinou que quem ousasse tecer comentários interpre- tativos à sua compilação incorreria em crime de falso e as suas obras seriam se- qüestradas e destruídas: Justiniano, De confirmatione digestorum, in Corpus Juris Civilis, $ 21, in fine: Itaque quis- quis ausus fuerit ad hanc nostram legum compositionem commentarium aliquot adjicere ... is sciat, quod et ipsi falsi reo legibus futuro, et quod composuerit, eri- picitur, et modis omnibus corrumpetur.” (R. Limongi França_. Hermenêutica Ju- rídica._ SP: Saraiva, 3a ed. 1994, p. 22). Esse método falhou por ter se baseado numa visão parcial do Direito: como norma abstrata apenas. Mas teve dois grandes méritos: o de consagrar e garantir os direitos dos cidadãos por meio de preceitos escritos, e o de sistema- tizar e racionalizar o Direito. Um código con- tém a síntese e o sistema de uma ciência jurídi- ca, além de regular relações e disciplinar di- reitos e obrigações.
Por meio dos métodos histórico, teleológi- co e sociológico, principalmente, as escolas ci- entíficas promoveram uma revolução no con- ceito de direito e, portanto, na sua interpreta- ção. As leis não contêm todo o Direito. A sua plenitude extrapola os códigos, mediante um sistema orgânico. O Direito envolve os fatos sociais, econômicos, morais, religiosos, políti- cos, culturais etc., com influências recíprocas. A visão sociológica alertou para os riscos de um desequilíbrio nas estruturas da vida em so- ciedade. O poder político ou militar, a ruína econômica e o fanatismo religioso podem com- prometer a estrutura jurídica e esta pode não corresponder aos anseios sociais.
E assim as escolas científicas dilargaram os horizontes do Direito e da interpretação, transformando esta em ciência, técnica e arte ou hermenêutica jurídica. Foi a grande contri- buição que trouxeram.
Mas o método sociológico levado ao extre- mo conduziu a dois exageros: a) na conceitua- ção do Direito, transformou os valores jurídi- cos em criação espontânea e artificial da cons- ciência coletiva; b) na interpretação e aplica- ção da lei, defendeu a plena liberdade de o in- térprete recolher o direito dos próprios fatos, em primeira mão – ipsis rebus dictantibus , ain- da que ab-rogando ou contrariando a lei escrita.
O século XIX assistiu ao apogeu e à deca- dência do método exegético da lei escrita como expressão da plenitude do Direito, bem como ao triunfo do método sociológico ou do predo- mínio dos fatos sociais na composição do fenô- meno jurídico. O século XX foi a vez do renascimento ou restauração dos valores humanos ideais, racio- nais e subjetivos, como componente ético do Direito, tão presente na consciência dos homens como o céu estrelado sobre as suas cabeças, na imagem famosa do grande filósofo de Konigs- berg. Em conseqüência, sobreveio o método histórico-evolutivo de interpretação, concilian- do todas as tendências. Ficou célebre a síntese de Raimond Saleilles no prefácio da obra de François Geny ( Méthode d’ interprétation... , 1899), para definir o conteúdo do novo méto- do: o intérprete deve ir além da lei, mas atra- vés da lei – “au-dellà de la loi, mais par la loi.” Além dos suportes sociológicos, deve o in- térprete agregar os valores fins da lei: a Justi- ça, o bem comum, a utilidade social. Mas sem- pre por meio da lei, baliza de segurança, bus- cando a sua intenção atualizada.
A visão dialética, polêmica ou dinâmica do Direito nos faz perceber o seu mobilismo ou vir a ser, pendendo para o relativismo presente em todas as coisas, a exemplo da idade das pessoas. Nada é absoluto na realidade social. Não há dois fatos rigorosamente idênticos. Daí a fle- xibilidade e a maleabilidade da interpretação.
A lei abstrata é uma regra extraída da rea- lidade por raciocínio indutivo. Provém da ob-
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servação dos fatos pelo legislador.
Por um lado, a lei é mais extensa ou ampla do que cada fato específico que regula. Mas, por outra parte, é menos compreensiva do que a infinita variedade dos fatos reguláveis. Isso é que faz a grandeza e a fraqueza da lei, segundo Karl Engisch.
Para os partidários do direito concreto, a regra autêntica de direito é a que se realiza no fato concreto, como obra final do aplicador. Pelo que cabe a esta grande margem de arbítrio para ampliar e adaptar a lei aos fatos específicos, regulados de forma ampla ou genérica pelo le- gislador.
Sendo o Direito norma, fato e valor; sendo fenômeno concreto e norma abstrata; sendo em parte absoluto e relativo, é dotado de flexibili- dade para se adaptar às circunstâncias de tem- po e lugar, mas contém uma estrutura de com- pressão calcada na natureza uniforme do ser humano, sensível à dor e ao amor e carente de cooperação e solidariedade. Eis aí os parâme- tros da hermenêutica.
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