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Tipologia: Resumos
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FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Universidade de Lisboa
2016/
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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DOGMÁTICA GERAL DAS OBRIGAÇÕES
As doutrinas pessoalistas, protagonizadas por Savigny, pressupõe que na obrigação há
uma situação de desigualdade: há uma liberdade alargada com o domínio sobre a pessoa e uma
liberdade limitada pela adstrição e pela necessidade à prestação.
O direito subjetivo, entendido como um poder de vontade, recai sobre a natureza não-
livre ou sobre a pessoa estranha – no entanto, note-se que não recai sobre a pessoa em si; mas
sobre um ato que deve ser realizado por essa pessoa, que é a obrigação.
Face a estas suposições de Savigny, surgem críticas:
à Traduziria a escravidão, um poder do credor sobre o devedor e até um direito
real sobre o devedor – ao que Savigny contrapõe que o foco não é a pessoa, mas
um
ato do devedor;
à Não explica o poder de agressão que é reconhecido, ao credor, em relação ao
património do devedor e ignora a vontade do devedor – Savigny, aliás, reconhece
que o ato do devedor é
voluntário;
à A regência discorda do conceito de direito subjetivo aliado apenas a um poder
de vontade, havendo aliás direitos subjetivos sem vontade;
Posteriormente à proposta de Savigny, a obrigação passa a ser entendida – Dernburg e
Savatier – com um teor económico, que se traduz na ação patrimonial (que havia sido rejeitada
por Savigny, segundo críticas). Assim, a obrigação como atuação estaria destinada a satisfazer o
interesse do credor ou um resultado que com este interesse se relacionasse.
Apesar dos pressupostos em que assentavam estas posições, já se entende hoje que
nem todas as obrigações têm um conteúdo patrimonial e que as obrigações valem por si,
independentemente de qualquer satisfação de interesses que nela se inscrevam.
A teoria clássica assenta na noção generalizadamente aceite: vinculo pelo qual uma
pessoa fica adstrita, em relação a outra, à realização de uma prestação (art. 397º). No entanto,
há que reconhecer que esta noção é insuficiente no que respeita ao conteúdo e estrutura da
obrigação.
As doutrinas realistas surgem como resposta ao problema da transmissibilidade das
obrigações – como transferir, afinal, um vínculo pessoal? Afinal, as teorias pessoalistas não
poderiam explicar a transmissibilidade, na medida em que estariam intimamente ligadas à
pessoa do credor e do devedor.
A primeira tentativa é reportada a Albert Koeppen, que explica que, no crédito, não está
em causa um direito à prestação, mas ainda, o valor monetário que essa prestação tenha para
o credor.
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Mais tarde, uma nova ideia de obrigação, vem reduzi-la a uma relação de patrimónios.
De acordo com o prof. Gomes da Silva, poderá ser extrema (quando a obrigação não vincula,
diretamente, do devedor e o credor, mas os patrimónios respetivos) ou moderada (o crédito
represente um direito a bens indeterminados do devedor). Na versão extrema, situa-se Bonelli,
afirmando que o verdadeiro sujeito, nas obrigações, é o património. Já a versão moderada,
indicaria que a obrigação apenas implicaria um direito sobre os bens indeterminados do devedor.
Puacchioni, já próximo das teorias mistas, vem apelar ao crédito como mera expectativa
à prestação, que teria também um direito real de garantia sobre o património do devedor.
As críticas realizadas às teorias realistas foram sintéticas:
à Desconformidade com o Direito positivo: as leis modernas prescreviam um dever
de prestar e os modos de concretização, não sendo, também, claro que as
normas jurídicas se dirigissem ao património do devedor, já que a pessoa que
não tem património mantém-se hábil a contrair obrigações.
à Perspetiva deficiente, em resultado de uma interpretação histórica menos
adequada, afirmando os críticos que não se havia passado de uma visão pessoal
para uma visão patrimonial, mas de uma visão pessoal para uma adstrição ética
(devedor como destinatário de um dever ser).
Nas doutrinas mistas residiria a lógica de haftung e schuld, afirmando estas que a
obrigação consiste num conjunto formado pelo débito e pela respondência – aquele que
incumpre o débito deve responder pelo incumprimento. O schuld corresponderia ao débito (um
dever de prestar) e o haftung corresponderia à garantir, através de pessoa ou coisa, em caso de
incumprimento. Note-se, no entanto, que entre os conceitos não é estabelecido um nexo de
causalidade; para além disso, não admitem um débito sem respondência, já que não teria
estrutura jurídica, nem a respondência sem um débito.
Distingue-se, assim, nestas conceções, dois vínculos: o débito, o devedor encontra-se
adstrito a uma prestação; a
responsabilidade , o credor pode-se ressarcir patrimonialmente em
caso de incumprimento. Estão, estes dois vínculos, intimamente interligados.
No entanto, sabe-se que pode ocorrer, no ordenamento jurídico português, dissociação
entre o
débito e a
respondência , podendo essa dissociação assumir várias dimensões:
à Objetiva: diferenças existenciais ou essenciais. Tenha-se como exemplo: débito
sem respondência (402º) e respondência sem débito (483º);
à Subjetiva: cada vínculo é encabeçado por sujeitos distintos. Tenha-se como
exemplo: respondência direta por débitos alheios (627º), respondência por
débitos alheios (667º).
à Teleológica: os vínculos prosseguem fins distintos. Tenha-se como exemplo: um
dever de prestar que serve um interesse do credor e uma execução que poderá
dar uma soma em dinheiro ao credor.
à De regimes: suscitam a aplicação de regimes e regras próprias.
Nas conceções dualistas, o elemento essencial é a respondência – nela reside a
tentativa de explicação (já que o débito é de fácil explicação). Destacam-se três conceções: a
teoria publicística, a teoria do direito real de garantia e a teoria das fases.
à
Teoria publicística: o credor usaria meios próprios para executar a
responsabilidade/garantia ( haftung) ; progressivamente, as sociedades têm
vindo a delegar esta função ao Estado, devendo o credor recorrer ao Estado de
acordo com as normas processuais – o Estado limita-se a executar direitos pré-
existentes.
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As referências que se foram fazendo à obrigação enquanto vínculo complexo, ou seja,
enquanto organismo/estrutura, reportam-se à necessidade de, para o devedor executar
corretamente aquilo a que está adstrito, deverá sempre proceder a atuações diferencias que se
distinguem da prestação principal.
Note-se, assim, que estas atuações podem ter fontes intrínsecas, decorrendo da
natureza das coisas; podem ter fontes dispositivas, ou seja, que se predem com o contrato ou a
fonte em questão; podem ter fontes linguísticas, ou seja, no idioma considerado exige uma
perífrase para ser completamente comunicada.
Assim, a obrigação assume-se como um sistema que unifica, em torno de um ponto de
vista unitário, diversas prestações que o servem – aliás, essas prestações tornam-se essencais
para se definir o regime jurídico adequado, bem como para garantir o correto cumprimento da
prestação a que o devedor está adstrito. Distinguem-se, assim, a prestação principal das
prestações secundárias
Acresce-se, a este sistema, os deveres acessórios, que resultam da concretização dos
valores fundamentais do sistema, nomeadamente da boa fé. Assim, a boa fé deve ser respeitada
nas negociações (227º), na execução dos contratos (762º) e no exercício de posições jurídicas,
sob pena de abuso de direito (334º). Traduzem-se em:
deveres de lealdade, deveres de
segurança e deveres de informação. A função destes deveres é prevenir danos, seja no serviço,
seja nos elementos circundantes.
Note-se que, para além do
devedor , também o
credor tem deveres: poderá,
eventualmente, ter de colaborar para que prestação principal seja possível (aliás, caso não
faculte a execução, entra em mora – 813º e ss.). Está, ainda, adstrito a deveres acessórios, que
têm por base a prevenção do agravamento da posição do devedor e os danos colaterais na sua
pessoa.
Para terminar, não se deixe de notar que também existem obrigações sem dever de
presta, ou seja, seja prestação principal. É o caso dos direitos pessoais de gozo, onde a prestação
principal é substituída pelo direito de gozo da coisa.
A estrutura complexa
obrigação, proposta pela
regência, comporta três partes:
o núcleo, onde se situa a
prestação principal, a que
corresponde a oponibilidade
forte ; o
halo central , onde se
situam os deveres
secundários, a que
corresponde a oponibilidade média; o halo periférico, onde se situam os deveres acessórios
(decorrentes de valores do sistema), a que corresponde a oponibilidade média.
Assim, o direito de crédito é, em termos técnicos, a permissão normativa específica de
aproveitamento de uma prestação e o débito será o dever de efetuar essa prestação.
Quando se alude a vantagem, pretende-se transmitir uma realidade protegida pelo
direito, ampliada à esfera jurídica do credor – que dispõe, assim, de proteção jurídica. A
inobservância, pelo devedor, dá origem a dona (interesse técnico).
Halo Periférico: deveres acessórios.
Núcleo: prestação principal.
Halo Central: deveres secundários.
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A questão da patrimonialidade é uma questão de fundo do direito das obrigações e
reside na dúvida de saber se a obrigação tem ou não sempre valor patrimonial – ou seja, se é
pecuniária.
De acordo com a tese clássica, a obrigação teria necessariamente natureza patrimonial,
em resultado de: as disposições legais assim o determinam; a responsabilidade patrimonial
assim o exige; os danos morais não são passiveis de ressarcimento. No entanto, há que ver que
a responsabilidade patrimonial não determina o caráter da obrigação; para além disso, o
moderno direito das obrigações já admite outros meios de sanção, como é o caso da execução
específica e das sanções compulsórias (829º).
Deste modo, admite-se a rejeição das teses clássicas quando aplicadas ao direito
vigente. Aliás, a própria lei determina que a prestação não tem necessariamente de ter valor
pecuniário (398º). E, em consequência da superação do patrimonialismo, dá-se também o
abandono das conceções realistas e mistas, já que pressupõe uma relação de património e uma
especial relevância do valor patrimonial da obrigação.
Importa, ainda, esclarecer o que entender por não necessita de ter valor pecuniário. Por
situação patrimonial, esclareça-se antes de mais, deve entender um conteúdo económico que
pode ser avaliado em dinheiro. Ainda, estabeleça-se conclusões: a natureza não-patrimonial é
compatível com o ressarcimento de danos morais e deve reger-se pelo Direito patrimonial;
Ora, apesar de as situações não patrimoniais serem aquelas cujas trocas por dinheiro
não sejam admitidas pelo Direito, sabe-se, hoje, também que as mesmas situações podem ser
avaliadas em dinheiro. Concretiza-se esta ideia com a noção de prestações sem valor pecuniário:
aquelas que penetram pela fresta, hoje apertada, das atuações que, não podendo ser trocadas
por dinheiro sejam, todavia, lícitas e compensáveis com dinheiro – resume-se na ideia de que a
dificuldade em fixar um valor patrimonial em algo não implica que esse algo não o tenha.
A necessidade de proteção legal atribuída ao interesse do credor resulta da querela em
torno do caráter patrimonial das obrigações. Por interesse, relembre-se, tem de tido como noção
uma realidade protegida por normas jurídicas, as quais, se violadas, dão origem a dano.
Levanta-se a questão, então, da juridicidade das obrigações, cuja solução consta da
sequência: 397º, definição de obrigação; 398/1, afirma a liberdade de fixação do conteúdo;
398/2, permite que não tenham conteúdo patrimonial; 398º/2 exige que sejam juridicamente
consideráveis. Assim, interesse digno de proteção legal implica a suscetibilidade de proteção
jurídica. No entanto, pergunta-se: se tudo o que não é proibido é permitido, no Direito civil, o que
fica fora da juridicidade?
Antunes Varela propõe: prestações que correspondam a um mero capricho do credor;
prestações consideradas por outros complexos normativos. A regência desconsidera a
precedência da primeira; no entanto, afirma a segunda, já que não faz sentido que uma
prestação que apenas releve para ordens jurídicas tenha proteção legal.
Este problema coloca-se dentro das prestações que correspondam a um mero capricho
do credor.
As relações de obsequiosidade correspondem a adstrições que surgem no trato social,
em resultado da boa educação e da razoabilidade de contacto entre as pessoas. As relações de
puro cavalheirismo decorrem da palavra de honra no sentido de garantir um resultado ou de
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A questão da relatividade coloca-se, em obrigações, em resultado de estas derivarem de
acordos livremente celebrados e que, portanto, em termos abstratos, apenas podem vincular as
pessoas que os tenham concluído, ou seja, as partes. A regra é retirável do artigo 406º do Código
Civil Português, posteriormente ao contraponto entre direitos de crédito e direitos reais, que
permitiam a transposição da regra dos contratos para as obrigações.
O tema da
relatividade em obrigações, como resultado de uma relação jurídica entre
duas pessoas determinadas, era já referenciado por Savigny. De um modo geral, significa que o
devedor está sujeito à prestação, perante o credor. Em oposição, os Direitos Reais podem valer-
se contra todos, logo são absolutos.
(1) Relatividade em termos estruturais: pressupõe a existência ou inexistência de uma
relação jurídica entre duas pessoas determinadas. Nos direitos de crédito, há uma relação entre
o credor e o devedor – tendencialmente, são relativos. Nos direitos reais, a relação reside no
aproveitamento da coisa – tendencialmente, são absolutos.
(2) Relatividade em termos de oponibilidade: pressupõe a possibilidade de pretensões
contra a outra parte da relação ( interpartes ) ou contra qualquer sujeito ( ergaomnes ). Nos direitos
de crédito, o Direito permite que o credor exija o cumprimento ao devedor e apenas ao devedor.
Nos
direitos reais, o titular pode exigir a restituição da coisa a qualquer terceiro (1311º/1), assim
como os terceiros podem pedir o respeito pela sua posição.
(3) Relatividade em termos de eficácia externa: pressupõe a possibilidade ou não de
incorrer em responsabilidade civil ou obrigacional aquele que incorreu em ilicitude. Nos direitos
de crédito, apenas o devedor pode faltar ao cumprimento, incorrendo em responsabilidade
obrigacional (798º e ss.). Nos direitos reais, qualquer pessoa pode atingir a coisa, incorrendo em
responsabilidade aquiliana (483º e ss.).
Relatividade Estrutural (1) Oponibilidade (2) Eficácia Externa (3)
Direitos Reais
Permissão normativa
específica de
aproveitamento de
uma coisa corpórea.
Tendencialmente,
são absolutos
Forte, média e fraca
ergaomnes (contra
todos)
Responsabilidade
delitual, civil ou
aquiliana (artigo.
483º, CC)
Direitos de Crédito
Permissão normativa
específica de
aproveitamento de
uma prestação.
Tendencialmente,
são relativos
Forte, média e fraca
interpartes (apenas
contra o devedor)
Responsabilidade
obrigacional (artigo
798º, CC)
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Quando se contrapõem direitos reais e direitos de crédito, é indubitável que a distinção
que salta à vista resida na relatividade: os direitos de crédito são tendencialmente relativos e os
direitos são tendencialmente absolutos.
Note-se, no entanto, que no conceito de obrigação – amplamente aceite pela doutrina,
nos dias de hoje – não se reconduz apenas a direitos relativos, mas também a direitos absolutos,
como é o caso dos direitos potestativos – o titular atua isoladamente. Assim, é possível afirmar
que a relatividade não é uma característica permanente das obrigações.
Os direitos potestativos diferem, deste modo, dos direitos de crédito, o que resulta em
regimes muito diferentes. Numa situação de sujeição, a pessoa sujeita nada pode fazer, daí que
seja uma posição distinta da do devedor – que se sujeita às normas respeitantes ao dever de
prestar, às suas vicissitudes e à execução.
Outro caso a considerar, para além dos direitos potestativos, é o caso dos direitos
pessoais de gozo
. O núcleo destes direitos é estruturalmente
absoluto , gozando o titular da coisa
em resultado da tua atividade e não de qualquer prestação – no entanto, num plano secundário
são compostos por deveres acessórios.
Entende-se, assim, que a relatividade não é um vetor obrigatório no direito das
obrigações.
No que respeita à relatividade em termos de oponibilidade ou de produção de efeitos, a
regência distingue a graduação dessa mesma oponibilidade, através de três denominações:
oponibilidade forte, oponibilidade média e oponibilidade fraca. Note-se, ainda, que a
oponibilidade pode assumir-se como
interpartes – entre as partes da relação jurídica, típica dos
direitos de crédito – ou como ergaomnes – contra todos, em resultado de um direito isolado
(absoluto), típica dos direitos reais.
à Oponibilidade forte: possibilidade de o titular exigir o quid valioso que o Direito
lhe atribui, podendo ser interpartes ou ergaomnes.
à Oponibilidade média: possibilidade de o titular exigir o acatamento de obrigações
secundárias ou deveres acessórios, podendo ser interpartes ou ergaomnes.
à Oponibilidade fraca: possibilidade de exigir um dever geral de respeito, podendo
ser interpartes ou ergaomnes.
Como bem se entende, os direitos de crédito são dotados de oponibilidade forte
interpartes , o que significa que o credor pode exigir o cumprimento da prestação ao devedor e
só este está obrigado a cumprir. Note-se, no entanto, que no que respeita às
obrigações pode
haver intromissão de terceiros, desde que seja dirigida à satisfação do credor (artigo 767º/1).
Em oposição, os direitos reais são dotados de oponibilidade forte ergaomnes , o que
significa que o proprietário pode exigir a coisa a qualquer pessoa que a possua ou a detenha.
Perante as regras gerais anunciadas, há que anunciar algumas exceções: há direitos
reais que perdem a sua oponibilidade ergaomnes (1) ; há direitos de crédito que adquirem
oponibilidade ergaomnes (2); há direitos de crédito que podem ser atuados contra terceiros (3).
(1) Pode ocorrer por via das regras do registo predial.
(2) São exemplos a promessa com eficácia real (artigo 413º/1) e a preferência com
eficácia real (artigo 421º/1). São figuras obrigacionais “realificadas”, ou seja, que se podem fazer
valer contra todos: na primeira pela reivindicação; na segunda pela ação de preferência.
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violação), podendo exigir deveres de atuação que devem ser respeitados. Cabem, a estes
deveres, o controlo do perigo ou do dano (um dever de atuação).
Já no que respeita à tutela absoluta dos direitos relativos, a questão reside na tutela dos
direitos de crédito perante terceiros. O problema surge em resultado de a obrigação poder ser
atingida por terceiros, nomeadamente por poder exigir suportes materiais, condições ambientais
ou, até mesmo, agentes humanos. Assim, quando se prove que o terceiro agiu com intenção de
atingir a obrigação, prejudicando o credor, não há como evitar uma responsabilidade civil – é o
espírito do sistema, em especial, os ditames da boa fé, que exigem uma solução do problema.
Este problema da responsabilização de terceiros surge no âmbito da oponibilidade média
e de oponibilidade fraca. No que respeita à oponibilidade média, fala-se na técnica do terceiro
cúmplice, que comina em responsabilidade delitual (sistema anglo-saxónico e francês); ou no
contrato com eficácia e proteção para terceiros, que comina em responsabilidade obrigacional
(sistema alemão). No que respeita à oponibilidade fraca, a questão reside em saber se se dever
falar de um dever geral de respeito dos direitos de crédito (positiva a resposta do sistema anglo-
saxónico; negativa a resposta do sistema alemão).
Em Portugal, a doutrina tem convergido em soluções diversas: umas apontam para a
negação da responsabilidade civil de terceiros (A); outras, intermédias, apontam para a
possibilidade de responsabilidade civil de terceiros, mediante determinadas condições (B);
outras, apologistas, admitem sempre a responsabilidade civil de terceiros (C).
(A) defendida pelos professores Cunha Gonçalves, Manuel de Andrade e Vaz Serra.
Argumentos sociopolíticos: a eficácia externa das obrigações poria em causa a liberdade
dos sujeitos e criaria uma vasta variedade de situações de responsabilidade.
Argumento interpretativo da lei e sistemático: o artigo 483º/1 foi historicamente pensado
para os direitos absolutos, sendo por isso regra geral. No que respeita a matéria
obrigacional, é aplicável o artigo 798º, que é regra especial.
Argumento legal: o artigo 406º, relativo à relatividade dos contratos, prevê que estes só
devem ser cumpridos pelas partes, o que significa que as próprias obrigações só devem
ser cumpridas pelo devedor. Para além disso, responsabilizar terceiros seria contra a
própria liberdade contratual, prevista no artigo 405º.
(B) defendida pelos professores Pessoa Jorge, Menezes Cordeiro, Ferrer Correia.
Argumentos sociopolíticos: a vasta variedade passaria pelos pressupostos da
responsabilidade civil (pelo que seria legítima), passando nomeadamente pelo crivo da
ilicitude da conduta e pela culpa.
Argumento interpretativo da lei e sistemático: o artigo 483º/1 não permite, na letra ou
espírito, uma limitação aos direitos absolutos. Para além disso, uma vez que o artigo
798º, como regra especial, só se aplica ao devedor, e não responsabiliza terceiros que
devem ser responsabilizados, deve recorrer à regra geral, artigo 483º.
Argumento de Direito Comparado: várias ordens jurídicas mostram-se sensíveis ao tema;
nomeadamente os sistemas anglo-saxónico e o francês, que acolhem uma solução pela
responsabilidade aquiliana; e o sistema alemão, que acolhe uma solução pela
responsabilidade obrigacional.
Argumento de necessidade: entende-se que há necessidade de tutelar o problema, uma
vez que até as posições relativistas reconhecem que os terceiros podem atingir um
direito de crédito.
(C) defendida pelos professores Inocêncio Galvão Telles e Gomes da Silva.
Argumentação jurídica: os direitos de crédito são tidos como direitos subjetivos, pelo que
merecem a tutela do direito e são passíveis de ser judicialmente exigidos; para além
disso, o artigo 483º não faz qualquer referência a direitos absolutos.
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Argumentação: a todos assiste um dever geral de respeito, aplicável aos direitos de
crédito, que, por isso, postula a responsabilidade delitual por lesão de direitos alheios
(483º). Assim, qualquer violação de direito de crédito alheia é ilícita, desde que o terceiro
tenha conhecimento prévio do contrato (presumindo-se, assim, a culpa).
A regência entende que o sistema jurídico português comporta duas soluções diferentes
para o problema da responsabilidade de terceiros que impeçam o cumprimento de uma
obrigação. Para além disso, há que notar que a eficácia externa, a ter em conta, corresponde à
stricto sensu, que respeita à tutela aquiliana dos direitos de crédito.
espírito do sistema assim o exija (alemã).
responsabilidade aquiliana, por forma a prosseguir os valores básicos do
sistema. (inglesa)
A
regência entende que não há quaisquer impedimentos à aplicação do artigo 483º, do
CC, aos direitos de crédito; como tal, sempre que haja uma violação da titularidade de um direito
de crédito por parte de um terceiro, deve este terceiro incorrer em responsabilidade delitual. Não
se entende que seja um problema de abuso de direito, mas antes um problema de titularidade
que exige tutela aquiliana.
A questão transfigura-se quando se tem em consideração saber se o artigo 483º é
aplicável ao terceiro que, com o devedor, contrata de modos incompatíveis com o crédito
preexistente, forçando ou incentivando ao incumprimento. Esta é uma questão que tem animado
a doutrina e a jurisprudência e que tem conduzido a uma resposta negativa.
No que respeita à questão da concorrência, o legislador define – numa lex speciallis
contrario , as restantes condutas são lícitas, não fazendo sentido proibi-las com
recurso ao artigo 483º. Afinal, a possibilidade de contratar com terceiros é uma das
portas abertas pela concorrência, prevalecendo as regras desta.
Neste ponto, assim, intervém a questão do abuso do direito – quando respeite a matéria
concorrencial. O terceiro pode sempre contratar com o devedor, exercendo a sua liberdade
contratual (405º). No entanto, se ao contratar com o devedor, o terceiro agir ilicitamente,
incorrerá em abuso do direito (uso da posição jurídica contra o espírito do sistema). Ou seja, o
abuso de direito retira a licitude do exercício da liberdade contratual, permitindo-se a aplicação
do artigo 483º - da responsabilidade civil/aquiliana.
A ilicitude enquanto requisito fundamental para justificar o abuso de
direito, surge como requisito, igualmente, da responsabilidade civil.
Aliás, relembre-se os 5 requisitos da responsabilidade civil, que relevam
para a importância da ilicitude como chave para a aplicação do abuso
de direito: conduta, dano, culpa, nexo de causalidade entre o dano e a
culpa e ilicitude.
Deste modo, é possível afirmar que o abuso de direito é objetivo: não exige culpa, para
se concretizar, mas antes faz cessar uma permissão de agir, em nome do sistema. Tenha, como
exemplo, a situação em que C penetra no círculo de A e B, aí obtendo informações privilegiadas,
induzindo A a não cumprir o contrato; incorre, assim, em abuso de direito, por violar deveres
fundamentais de confiança e da tutela da materialidade subjacente (boa fé).
Em suma, distinga-se duas soluções possíveis:
A. Abuso de direito: quando haja uma contratação que seja incompatível com a
obrigação preexistente; considera-se ilícita a conduta do terceiro, que impede que se
aplique a liberdade contratual; dá lugar a responsabilidade delitual do terceiro.
B. Violação do princípio da boa fé: quando ocorra violação da titularidade, que
também dá lugar a responsabilidade delitual do terceiro.