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Estudo da viagem de Diogo Gelmires a Braga, para levar para Compostela as relíquias de S. Frutuoso
Tipologia: Notas de aula
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Dinâmicas e Perspectivas Demográficas do Portugal Contemporâneo
Cepese Porto 2010
População e Sociedade 18
fundador. Nessa data 2 , Afonso III das Astúrias confirmou a doação desse mosteiro feita em testamento à Igreja de Santiago pelo presbítero Cristóvão, que tinha procedido à respectiva presúria, assim como a doação da vila de Nogueira (correspondente à actual freguesia de Nogueira, no concelho de vila Nova de Cerveira), feita por Romarico Cerva, que igualmente tinha procedido à sua presúria, e a de várias outras vilas, nas margens do rio Minho. Alguns anos após a reconquista de Coimbra, e, tal como sucedeu com Braga, ainda longe de se restaurar a respectiva diocese^3 , foi o mesmo D. Afonso III que, em 899, doou à Sé Compostelana duas vilas e a terça parte de uma outra, no território conimbricense^4. Ainda nesse ano, tendo como motivo a consagração da igreja de Santiago, Afonso III reiterou diversas doações anteriores, entre as quais se citam a de Nogueira, já referida, e se inclui a vila de S. vítor, junto ao rio este, no território bracarense, com a menção expressa de quatro “vici” ou lugares (efígies, Murgostos, Palatium, na grafia latina^5 ), cuja presúria tinha sido feita por Paio Peres, por ordem do monarca, e com este escambada por outras vilas^6. em 911, Ordonho II doou à mesma igreja alfaias preciosas, vários servos e bens fundiários, entre os quais se mencionava a igreja de S. João em Riba de Ave, que chegou à posse do monarca leonês por escritura do abade Honorico, que a tinha aí obtido, com a respectiva vila e seus anexos e proventos, mas esta doação apenas se consumaria integralmente após a morte do presbítero Gundesindo, a quem o Rei fizera a concessão de metade^7. Poucos anos decorridos (em 915), o mesmo Ordonho II doava à Sé Compostelana a vila Corneliana, em Riba de Lima (actualmente freguesia de Correlhã, no concelho de Ponte de Lima) cum viculis et adiacensiis seu cunctis prestationibus, e nela a igreja de S.Tomé, tudo isso em substituição das quinhentas moedas de ouro que Afonso III, à hora da morte, deixara à igreja do Apóstolo 8. Um documento datado de 1019, cuja autenticidade foi posta em causa por vários autores, regista os resultados de uma “exquisitio magna”, a que procedeu o Bispo vistruário e os vigários régios, na presença do monarca, Afonso v de Leão 9. Incompleta no que respeita ao território português, essa “exquisitio” não deixa, porém, de referir a vila Corneliana. esta veio, com efeito, a destacar-se entre o património que a mitra compostelana possuía nas terras a sul do rio Minho. em 1061, Fernando I concedia a sua protecção à vila de Correlhã e aos seus povoadores, em carta dirigida ao Bispo Crescónio ou a todos os da Igreja de Santiago apóstolo^10. A princesa D. Urraca, filha de Fernando I, em Junho de 1066, fazia testamento ao altar de Santiago, da vila de vilela, da igreja de Santa Maria de Rio de Moinhos, de metade das igrejas de Santa eulália e de S. Salvador de Cabreiros, tudo localizado em valdevez, incluindo na sua doação as vinte e cinco famílias de servos aí instaladas, referindo-os por nome e com o número dos respectivos filhos e de outros familiares 11. Para evitar que os seus funcionários em Portugal inquietassem os moradores das terras pertencentes à Sé Compostelana, Fernando I outorgou, por essa data^12 , uma carta a proteger das ingerências de entidades
2 Tem suscitado algumas dúvidas a autenticidade deste documento, como lembra Manuel Lucas Alvarez, que aliás o sumariou de forma inexacta. 3 A diocese de Braga foi restaurada em 1071 e a de Coimbra em 1080. 4 ACS – Tumbo A, fl. 4, doc. 17(ALvARez, 1988: 70-71). 5 Correspondentes, em grafia actual, aos lugares de Infias, Maragoto e Paços, na periferia de Braga. 6 ACS – Tumbo A, fl. 4 vº - 5 v.º, doc. 18 (ALvARez, 1988: 71-74). 7 ACS – Tumbo A, fl. 5 v.º, doc. 21 (ALvARez, 1988: 77-79). 8 CS – Tumbo A, fl. 7 v.º - 8, doc. 26 e 27 (ALvARez, 1988: 85-87 e 87-88). 9 ACS – Tumbo A, fl. 21 - 22 v.º, doc. 61 (ALvARez, 1988: 146-149). 10 ACS – Tumbo A, fl. 26, doc. 68 (ALvARez, 1988:161). D. Urraca refere que tinha adquirido estas vilas “de mea ganantia et de incartatione quam michi fecit Aurodonna Nuniz”. 11 ACS – Tumbo A, fl. 33 vº (ALvARez, 1988: 186-188). 12 O documento aparece datado de 6 de Março da era Iª Cª Iª, isto é do ano de 1063, mas já vários autores chamaram a atenção para o facto de que haverá um erro de escrita na datação, porque um dos confirmantes, o Bispo Pelágio II de Leão, iniciou o seu pontificado depois de 1 de Abril de 1065. A inclusão de vilela entre as vilas abrangidas pela carta de protecção leva-nos a pensar que o documento deve ser posterior à doação da infanta D. Urraca.
alheias à Igreja de Santiago ou à família iriense (do antigo nome da diocese, Iria) todos os homens que sob a sua égide viviam “in villas Corneliana, Bracara, Montelios, villela, Colina et alias”^13. Depois de assumir o governo da Província Portucalense, o Conde D. Henrique, outorgou também uma carta, datada do dia 9 do mês de Dezembro de 1097, através da qual não só confirmava a doação da vila Corneliana à Igreja Compostelana, como autorizava os seus moradores a colherem lenha e madeira e a apascentarem os gados onde quisessem, ao redor, para além dos limites da referida vila, sem que por isso pudessem ser molestados por qualquer vigário régio, saião ou poderoso^14. Por esta data, Diogo Gelmires já exercia pela segunda vez as funções de administrador, sede vacante, da Diocese de Santiago de Compostela. Diogo Gelmires foi protagonista de uma ascensão rápida e fulgurante na carreira eclesiástica. Filho do poderoso milles Gelmiro, a quem o Bispo de Iria-Compostela confiara a tenência do Castellum Honesti e do território situado entre os rios Ulla e Tambre^15 , formou-se na escola da catedral compostelana e completou essa formação na corte de Afonso vI. Não passaram despercebidas as qualidades deste “jovem perspicaz, ornado de bons costumes e de um grande dinamismo na acção” 16. Regressado à Galiza, entrou na cúria diocesana e tornou-se membro do cabido catedralício. D. Raimundo da Burgonha, casado com a infanta D. Urraca, filha de Afonso vI, encarregado do governo da Galiza, recorreu aos seus serviços como chanceler e secretário, e tinha-o na sua companhia quando foi derrotado pelos muçulmanos nos arredores de Lisboa^17. O prestígio de que Diogo gozava nos meios político e eclesiástico determinaram a sua escolha para administrador apostólico da diocese, nos períodos de sede vacante, de 1093 a 1094 e novamente de 1096 a 1100, apesar de ainda não ter recebido as ordens eclesiásticas. As mesmas qualidades e a experiência de tal modo adquirida contribuíram para a sua definitiva eleição como Bispo de Compostela, após a sua ordenação como subdiácono feita, por ocasião da sua deslocação a Roma, em 1101, pelo próprio Papa Pascoal II. A diocese, cuja sede fora entretanto definitivamente transferida de Iria (nas proximidades do actual Padrón) para Compostela (a primeira aprovação desta transferência foi dada pelo Sumo Pontífice em Dezembro de 1095), tinha agora à sua frente, após alguns anos de perturbação, um prelado jovem, cheio de ambição e de energia, que procuraria engrandecer por todos os modos a Igreja de Santiago.
13 ACS – Tumbo A, fl. 26 - 26 v.º, doc. 69 (ALvARez, 1988: 162-163). Documentos do Liber Fidei, entre 1086 e 1089, referem-se à usurpação de que foi vítima um particular, por parte do Bispo D. Diogo Pelais (1071-1088 e 1090-1094), de Iria Flavia, da fracção de uma herdade em Subcolina, na cidade de Braga (ADB, Liber Fidei, docs. 125, 128, 613, 626, respectivamente a fl. 42 v.º-43, 43 v.º-44, 161-161 v.º e 164 v.º-165. Publ.: Costa, 1965: 147-148, 150-151; 1990, 39-40 e 53-54). 14 ACS – Tumbo A, fl. 39 v.º, doc. 97. ALvARez, 1988: 208-209. 15 O Castelum Honesti dos romanos, localizado junto ao mar, em Catoira, foi reconstruído no século X e dele restam, em ruínas, as hoje conhecidas como Torres do Oeste, topónimo que tem a sua origem etimológica na antiga designação (Honesti > Oeste). 16 História Compostelana (HC), II, 2. Passaremos a citar abreviadamente esta colectânea como HC e, para satisfazer por igual os que utilizam as diferentes edições, em vez das páginas, iremos referir sucintamente os livros, com números romanos, e os capítulos, com algarismos. 17 HC: II, 53. 18 HC: I, 15.
Seria natural que os dois já se conhecessem e que até existisse entre ambos uma verdadeira amizade. É bem possível que se tenham encontrado em Roma, no ano de 1100, em que o Papa concedeu o pálio^22 a S. Geraldo, restaurando a categoria metropolitana da Sé de Braga^23 , e ordenou Diogo Gelmires subdiácono, abrindo assim o caminho à sua eleição para Bispo de Compostela. Gelmires irá mais tarde obter do Papa o privilégio de elevar o número dos cónegos de Santiago para setenta e dois e de nomear, entre eles, sete presbíteros cardeais para dar maior esplendor à sua igreja, à semelhança do que sucedia em Roma e em algumas outras dioceses. vamos encontrar Geraldo de Braga incluído entre os cónegos de Santiago^24 , e até na categoria de hebdomadário^25 , sem podermos afirmar, no entanto, que de facto alguma vez tenha pessoalmente participado como tal nas cerimónias realizadas na catedral. Diogo Gelmires chegou a intervir junto do Arcebispo de Braga, embora sem resultado, a favor de uma família local, por ter sido negada a sepultura religiosa a um dos seus membros^26. Os factos que nos dias seguintes à recepção festiva aconteceram em Braga não abonam porém a favor da lisura e mesmo da boa fé do compostelano. Tendo-se, com efeito, despedido do seu anfitrião, que o acompanhara até à igreja de S. vítor, iniciou a visita pastoral, e segundo o cronista, interessado em justificar de antemão as acções do prelado, aquilo que mais o afligia (pio gemebat affectu) era a falta de cuidado com as relíquias ou, mais exactamente, com os corpos dos santos dispersos por estas igrejas, que diz “não estarem a ser objecto do culto devido mas jazerem a descoberto e em desordem à vista do público” (nullo cultu venerata, sed nuda et publico visu patentia passim per eas jacere), propondo como remédio a sua transferência para a Sé de Compostela. Mas logo se contradizia, ao declarar que essa transferência tinha de ser feita em segredo, para não provocar a sublevação dos locais, o que supõe que estes de facto lhes prestavam culto, e, mais ainda, ao verificar que, logo na primeira igreja visitada, a de S. vítor, as piedosas relíquias do Salvador e de vários santos (informa o cronista), em vez de desprotegidas e desleixadamente patentes ao olhar das pessoas, estavam bem seguras do lado direito do altar-mor, onde foi preciso escavar para as retirar, e se encontravam guardadas numa “numa arca de mármore trabalhada admirável e artificiosamente” (arca marmorea mire ac subtiliter fabricata) e dentro de “dois pequenos cofres de prata” (duas capsulas argenteas)”. e do mesmo modo procedeu, na mesma igreja, em relação às relíquias dos mártires S. Cucufate e S. Silvestre, que mandou extrair do respectivo mausoléu, e depois na igreja da virgem e mártir Santa Susana, cujo venerável corpo fez retirar com a ajuda dos seus mais próximos colaboradores, mas a ocultas dos restantes (per idoneos ministros atque fideles, ceteris ignorantibus), com pranto e lágrimas (cum fletu et lacrimis)! Passaram-se mais dois dias a congeminar a retirada do corpo de S. Frutuoso, que deixou para último lugar, de modo a se poder afastar de imediato, logo que dele tomasse posse. Com efeito, como anota o autor da narrativa, Diogo Gelmires tinha plena consciência do que estava a fazer, porque S. Frutuoso era venerado como padroeiro e defensor da região. Após a celebração da missa, aproximou-se do respectivo sepulcro e com a maior dissimulação e cheio de medo (cum majore timore et silentio), furtou-o em “piedoso latrocínio” (eum pio latrocinio sustulit) – repare-se na força da expressão, não obstante saída da pena de D. Hugo, o mais próximo colaborador e dedicado amigo de D. Diogo Gelmires – e, uma vez roubado, confiou-o à custódia dos seus guardas. embora o acto fosse desconhecido de todos, para além dos que faziam parte do círculo mais próximo de Diogo Gelmires, a verdade é que naquela noite o Bispo de Compostela não conseguiu fechar os olhos. De manhã, satisfeito com a notícia
22 O pálio aqui referido é um ornamento litúrgico que consiste numa faixa de lã branca adornada com cruzes negras, usada em torno do pescoço pelos arcebispos, em cerimónias pontificais. 23 FeRReIRA, 1928: 213-215. 24 HC: I, 20. 25 LOPez FeRReIRO, 251-252. 26 Arquivo Distrital de Braga (ADB), Liber Fidei, fl. 95 v.º e 173, doc. 322 e 651. COSTA, 1990: 83-84. Passaremos a citar esta colectânea simplesmente como Liber Fidei.
de que o que tinha feito não se tinha propalado, e concluindo desse modo (nada) edificante a sua piedosa visita pastoral aos territórios sob a sua jurisdição a sul do rio Minho (só concretizada em relação aos da cidade de Braga!), pôs-se rapidamente a caminho da vila de Correlhã, como alguém que se retira em fuga apressada (tanquam iniens fugam accelerando)! Aí chegando, foi informado de que já tinha chegado aos ouvidos dos habitantes da vila Corneliana o rumor do que sucedera em Braga, ou seja, de que o Bispo de Santiago tinha cometido uma acção indigna, porque roubara e procurava levar para a sua cidade os santos, isto é, os patronos e defensores da terra portucalense. Congeminou então um ardiloso estratagema, encarregando um dos seus Arcediagos – o próprio D. Hugo, futuro Bispo do Porto – de levar as relíquias pela calada, até atravessar o rio Minho. O cronista – o mesmo D. Hugo, que classificou o acto como “pio latrocínio” – força a intervenção do sobrenatural, para justificar o que se estava a passar: o rio que durante três dias correra tumultuoso, devido às intempéries do inverno, tornou-se repentinamente sereno para dar passagem ao sagrado espólio. Chegado a Tui, o Arcediago deixou-o no cenóbio de S. Bartolomeu, entregue à guarda de um diácono, que o conduziria, por sua ordem, até à igreja de S. Pedro de Cela^27 , fundação frutuosiana, onde, durante dez dias, enquanto não chegava o Bispo, ficaria exposto à veneração dos fiéis, e regressou à Correlhã, a dar notícia a Diogo Gelmires do êxito da sua missão. Partiu o Bispo, cheio de júbilo, para acompanhar as relíquias de terra em terra até chegar a Santiago. Atempadamente, dos arredores de Pontevedra 28 , enviou mensageiros a anunciar ao clero e ao povo compostelano a sua chegada com os venerandos despojos, para que lhe preparassem uma recepção festiva condigna. Acorreu o povo e o clero a acolher o Bispo e a sua comitiva, no Milladoiro (Humiliatorium, na forma latina do texto da Historia Compostellana, que para muitos autores corresponderia à etimologia da actual designação) e daí, pés descalços, com o prelado à frente, seguiram todos em cortejo processional, entoando hinos e cânticos, até à catedral de Santiago. O corpo de S. Frutuoso foi colocado no altar de S. Salvador, na cripta maior da igreja, onde permaneceria quatro anos, até ser transferido para capela e altar próprios, erigidos na nave esquerda da igreja, na cripta situada entre a porta do claustro e o altar de Santiago; o do mártir S. Cucufate, foi deposto no altar do apóstolo e evangelista S. João; o do mártir S. Silvestre, no altar dos apóstolos S. Pedro e S. Paulo. O de S. Susana virgem e mártir foi levado para a igreja construída em honra do Santo Sepulcro e de Todos os Santos, no lugar que em tempos anteriores se chamava Outeiro de Potros (Puldrorum) e depois viria a ter o nome da santa. estava-se então no décimo quarto dia antes das calendas de Janeiro, isto é, no dia 18 de Dezembro de 1102, como regista cuidadosamente o cronista do evento, o Arcediago D. Hugo, futuro Bispo do Porto, depois de anotar a sua participação nesta façanha:
Hugo eiusdem Compostellanae Sedis Canonicus et Archidiaconus, qui praedicti secreti conscius fui, qui etiam in tanti tamque pretiosi thesauri inventione et inventi administratione fidelissimus consultor et diligens cooperator corpore praesens et animo devotus extiti; praefati eventus prosperitatem, ne oblivionis caligine sopiretur, diligenter scripsi et posteris memoriam fideliter tradidi (eu, Hugo Cónego e Arcediago da mesma Sé Compostelana, conhecedor do mencionado segredo, que também fui consultor fidelíssimo e diligente colaborador e estive presente no encontro de tantos e tão preciosos tesouros, descrevi diligentemente o êxito do mencionado evento e o transmiti fielmente à memória dos vindouros, para que não se apague na bruma do esquecimento).
27 Actualmente uma paróquia do município de Porriño, nas proximidades de Tui. 28 De Gogilde ou Guxilde, vila agrária, a que corresponde um lugar da actual paróquia de Santa Maria de Alba, nos arredores de Pontevedra, que Diogo Gelmires recuperou para a sua diocese, quando se encontrava em mãos leigas, quase ao abandono, e depois restaurou e passou a utilizar para seu repouso quando circulava por estas paragens, o que aconteceu designadamente na data em que, na igreja de Lérez, sagrou o Bispo do Porto, D. Hugo (H.C.: I, 22 e 82).
sobre a questão e não cedeu às pretensões de Gelmires, mas, pelo contrário, convocado para comparecer em Tui perante os três juízes que tinham sido nomeados para resolver a contenda – os Bispos de Lugo, Tui e Ourense – nem sequer se dignou atravessar o rio Minho!^35. Depois de ter sido espoliada por Diogo Gelmires das relíquias que a haviam tornado num local de atracção para os fieis – e é conhecido o papel que tiveram as relíquias na piedade medieval – é muito provável que a Igreja de S. vítor tenha sofrido as consequências de algum abandono, traduzido na ruína do edifício, e, por esse motivo, e como modo de patentear a sua jurisdição, logo no início do seu episcopado, D. Paio Mendes terá promovido obras de reconstrução ou, pelo menos, de beneficiação do templo. Pelo menos é essa a única explicação plausível para justificar o facto de que, em 22 de Fevereiro de 1120, D. Paio Mendes tenha procedido à respectiva sagração, dotando-a, por essa altura, dos recursos necessários para nela se manter o culto religioso^36. Segundo refere a Historia Compostelana, o Sumo Pontífice, tendo conhecimento das dissensões entre os dois prelados 37 , enviou uma carta a chamar a atenção do Bracarense para a necessidade de reentregar ao Compostelano a honra que Maurício Burdino tivera em prestimónio e que ele violentamente retinha^38. Dirigindo-se a Compostela, em 1121, D. Paio Mendes fez um pacto de amizade com D. Diogo Gelmires, que o tornou Cónego da Igreja de Santiago, e lhe concedeu em prestimónio metade da igreja de S. vítor “quae dicitur Bracara”, metade de S. Frutuoso, com a vila de Montélios e metade da vila Corneliana, e todos os seus anexos, com tal condição que estes bens reverteriam para a Sé Compostelana logo que D. Paio falecesse^39. Não devemos ignorar que entre os motivos de simpatia da Cúria Romana para com o prelado compostelano se contam o seu prestígio, mas também as suas amizades e conhecimentos pessoais e ainda a sua capacidade de apoiar a Santa Sé com generosas prestações pecuniárias, como recorda, entre outras, a bula Licet gravioribus, de 16 de Junho de 1118, em que o Papa, então Gelásio II, o exorta a que “Romanae ecclesiae multis aggravatae multisque distractionibus fatigatae, memoriam habeat, et tam eius (ecclesiae Romanae) quam suis opportunitatibus subveniat” e lhe recomenda o Cardial P. e o tesoureiro Pedro^40. em 2 de Agosto de 1130, o novo Papa Inocêncio II, através da bula Pro subjectione, agradecer-lhe-ia os presentes recebidos (xeniis nobis a munificentia tua transmissis, dilectioni tua gratiarum persolvimus actiones), garantindo-lhe que iria despachar favoravelmente todos os seus pedidos 41. De facto, a esta seguiram-se outras cinco bulas, todas elas relativas aos interesses materiais da Igreja Compostelana, duas delas dirigidas ao Arcebispo de Braga, D. Paio Mendes. Numa dessas bulas, o Papa repreendia o Bracarense por não ter correspondido a uma convocatória para comparecer em Roma e marcava-lhe nova entrevista, para dali a cinco meses, na festa da Purificação da virgem Maria^42 ; na outra, a bula Carisimus frater, Inocêncio II ordenava ao Arcebispo que restituísse ao Bispo de Compostela as vilas e outras possessões que em tempos dele tinha recebido
35 HC: I, 117; II, 6. 36 ADB, Colecção Cronológica, cx. 1, doc. 6: 1120, 4 de Março – carta de sagração da igreja de S. vítor em Braga por D. Paio Mendes. Pergaminho em mau estado de conservação, cujo teor se encontra reproduzido, no mesmo Arquivo, em Rerum Memorabium, vol. 2, fl. 208 v.º (Academia Portuguesa da História, 1980: 106, doc. 125; COSTA, 2000: 430). 37 A dissensão entre os dois prelados era em grande parte motivada pela ambição de Diogo Gelmires, que pretendia exercer hegemonia como metropolita sobre as dioceses portuguesas da antiga Lusitânia, o que em grande parte conseguiu, mas também sobre a própria arquidiocese de Braga, através da nomeação como legado pontifício com poderes sobre as dioceses do ocidente peninsular (HC: II, 18, 43 e 63), e, mais ainda, com a transferência da categoria de metrópole de Braga para Santiago de Compostela, que o Papa Calixto II, apesar das estreitas relações de amizade pessoal com o prelado compostelano, recusou liminarmente, por ocasião do concílio de Tolosa, reunido em 1119, embora, em compensação, tenha anuído a que se transferisse para Santiago a categoria metropolitana de Mérida, ainda sob domínio muçulmano (HC: II, 11, 15 e 16). 38 HC: II, 46. 39 Declaração assinada por D. Paio Mendes em HC: II, 46. 40 HC: II, 3. 41 HC: III, 22. 42 Bula Praedecessor noster, em HC: III, 21.
em benefício, e que não fizesse oposição a que os votos devidos a Santiago pelos fiéis da diocese de Braga continuassem a ser arrecadados^43. O problema arrastou-se e ainda não estava definitivamente resolvido, muito tempo após a morte de Diogo Gelmires. O Papa Alexandre III, em 9 de Janeiro, presumivelmente do ano de 1181, assinava a bula Venerabilis frater noster dirigida aos Bispos de Ávila, Porto e Tarazona, encarregando-os de fazer com que o Arcebispo de Compostela D. Pedro Soares restituísse metade de Braga com as igrejas de S. Frutuoso e de S. vítor e suas pertenças, ou, se por ventura contestasse a restituição, de conhecerem as razões e as alegações apresentadas 44. Lúcio III, que sucedeu ao Papa anteriormente referido, em 9 de Setembro de 1181, dirigiu a bula Presente venerabili, aos Bispos do Porto, Salamanca e Tarazona, a encarregá-los de resolver a pendência acerca de S. vítor, S. Frutuoso e metade da Sé de Braga 45 , e dela resultou uma sentença, proferida em Tui, a 27 de Outubro de 1182, mas assinada apenas pelos Bispos de Salamanca e Tarazona, que julgaram a favor de Compostela, por falta de comparência do Arcebispo de Braga, apesar de citado^46. este recorreu da sentença para Roma e, em consequência, cinco anos depois, Urbano III remetia ao Subdiácono João, “vicedominus” de Brescia, e ao Mestre J. de Bramo a bula Quanto de prudentia, de 13 de Abril de 1186, a cometer-lhes o reexame da sentença dada no pleito entre os Arcebispos de Braga e de Compostela sobre as igrejas de S. vítor, S. Frutuoso, metade da cidade de Braga e outros bens^47. No tempo do Arcebispo de Braga D. Martinho Pires (1189-1209) e do Arcebispo de Compostela Pedro Suárez de Deza (1173-1206), foram definitivamente resolvidas pelo Papa Inocêncio III (1198-1215) as pendências entre Braga e Compostela. Por acordo amigável entre os dois Arcebispos, homologado pela bula Licet Unum, de 16 de Julho de 1199, em que se repartia pelas duas Sés metropolitanas a supremacia sobre as dioceses de Coimbra e viseu, que ficavam a depender de Braga, e de Lamego e Guarda, que ficavam subordinadas a Compostela, o Arcebispo de Santiago renunciava ao senhorio de metade de Braga e das paróquias de S. Frutuoso e S. vítor com outras pertenças^48. estava assim debelada uma querela que se tinha prolongado durante todo o episcopado de Diogo Gelmires e, mais ainda, durante todo o século XII. Das outras possessões da Igreja Compostelana, a sul do rio Lima, que então balizava pelo norte a Arquidiocese de Braga, multiplicam-se as notícias em relação à Correlhã. em 1174 estava na posse do Cabido santiaguês, que nessa data a concedeu a três indivíduos, de nome Gonçalo, Cornélio e Joanino, em tenência durante cinco anos, por duzentos e setenta maravedis ao ano 49. Aliás, em 1185, na sequência da repartição dos bens da Igreja de Santiago de Compostela entre o Arcebispo e os capitulares, a Correlhã, assim como as outras propriedades santiaguesas em Portugal, passaram a constituir receita exclusiva do Cabido e a depender da sua
43 Bula Carissimus frater, em HC: III, 21. O Bracarense também não compareceu nesta segunda convocatória e foi novamente censurado pelo Papa, através da bula Pro excessu, de 18 de Fevereiro, e novamente convocado para comparecer na festa de S. Lucas, isto é, em 18 de Outubro. Diogo Gelmires foi também convocado para comparecer no concílio a celebrar em Roma na mesma data (bula Pro unitate, de 19 de Maio de 1131, na HC: III, 27). Os votos de Santiago têm sido objecto de vários estudos e não é esta a ocasião apropriada para nos debruçarmos sobre o assunto. Refira-se apenas uma carta dirigida pelo Bracarense ao Compostelano, quando este encarregou o cónego P. Fernandes de recolher os votos na terra portucalense, a perguntar se desejava também reaver os votos da terra de Fernando Mendes (leste de Trás-os-Montes), que lhe tinha sido doada noutros tempos em benefício “quippe vota illa de terra Ferdinandi Menendici nunquam abbuit Portugalensis episcopus” (HC: III, 29). 44 ADB, Gav. dos Arcebispos, doc. 3. 45 ADB, Gav. dos Arcebispos, doc. 3. 46 ADB, Gav. dos Arcebispos, doc. 6. 47 ADB, Gav. dos Arcebispos, doc. 10, cópia séc. XII (eRDMANN: 297-299). A bula encarregava-os também de esclarecerem se os bispados de Coimbra, Lamego, viseu e Guarda eram sufragâneos de Braga ou de Compostela, assim como os de Lisboa e Évora. Aliás, desde 1120, a questão da dependência das dioceses portuguesas restauradas a sul do rio Douro dos metropolitas de Braga ou de Compostela é a que mais vezes se levantará ao longo do século XII. 48 ADB, Gav. dos Arcebispos, doc. 6. 49 Doc. de 19 de Março de em A.C.S, Tumbo C-2, 173- 132 v.º (FeRNANDez De vIANA y vIeyTeS, 1992: 363).
FALqUe Rey, emma, 1988 – Historia Compostellana, Corpus Christianorum, Continuatio Medievalis, 70, Turnhout, Brepols (da responsabilidade da mesma autora, tradução em língua castelhana: Historia Compostelana, Madrid, Akal, 1994). Baseamo-nos na edição crítica de 1988 para a transcrição de texto e respectiva tradução, que se seguem.
HIStoRIA CoMPoSteLLAnA
CAP. XV QUAnDo ADIIt PoRtUGALIAM
T ranslatio Sancti Fructosi, Silvestri, Cucufati, Susane virginis et martyris in Compostellam
et quedam pretiossorum corpora sanctorum, quibus nullus hic exhibetur cultus, ad Compostellanam sedem transferre studebimus. Occulte tamen hoc fieri oportebit, ne forte gens huius terre indisciplinata tantoque thesauro ex poliata in nos subitam seditionem commoveat sicque, quod temptare audemus, frustra nos temptasse doleamus”. Hoc autem consilium cum eius clerici approbassent, utpote consilium divina inspiratione ortum, nec esse postponendum assererent, venerabilis episcopus maxima mentis iocunditate repletus respondit et ait: “Dominus Jesus Christus de cuius misericordia confidimus, ipse sua pietate, quod desideramus, adimpleat et propositi nostri devotionem ad bonum finem perducere dignetur”. Deinde ecclesiam sancti victoris ingrediens ibique missam celebrans ad dexteram partem maioris altaris fodi precepit. Ibi archa marmorea mire ac subtiliter fabricata mox sub terra reperta est. quam cum presente domino episcopo aperuissent, duas capsulas argenteas intus invenerunt. eas itaque predictus episcopus cum magno timore accipiens, glorificato nomine Domini cum psalmis et orationibus, reseravit, in una quarum Domini nostri Sancti Saluatoris reliquias, in alia vero plurimorum sanctorum esse demonstravit. Clausas igitur et firmiter sigillatas suis fidelibus clericis custodiendas tradidit. Alia autem die ad ecclesiam beate Susanne virginis et martyris, que non longe ab ecclesia sancti victoris remota est, perrexit et in ea summa cum devotione missam celebravit. Celebrata autem missa, ut sacris vestibus erat ornatus, ad mausolea sancti Cucufati et Silvestri martyrum in eadem ecclesia requiescentium trepidante animo accessit et eorum gloriosa corpora munda sindone involuta de inconvenientibus sarcophagis latenter assumpsit et cum magna reverentia per idoneos ministros atque fideles, ceteris ignorantibus, ad cameram suam deferri fecit et fideliter custodiri. Ad sepulcrum quoque sancte Susanne virginis cum pervenisset, eius venerabile corpus cum gemitu et lacrimis suspirando accepit et occulte cum aliis custodiendum tradidit.
trasladação dos Santos Frutuoso, Silvestre, Cucufate e Susana, virgem e mártir, para Compostela
uma toalha limpa os gloriosos corpos e com grande reverência fê-los transportar e guardar fielmente no seu quarto, por ministros idóneos e fieis, sem conhecimento dos restantes.
ReIS, António Matos, 2003 – “entre Braga e Santiago de Compostela − a “villa Corneliana” (freguesia de Correlhã, concelho de Ponte de Lima) na primeira metade do século XIII” in Os Reinos Ibéricos na Idade Média: Livro de Homenagem ao Professor Doutor Humberto Carlos Baquero Moreno. Porto, vol I. SOUSA, D. António Caetano de, 1744 – Provas da História Genealógica da Casa Real Portuguesa. Lisboa, tomo III. SUARez, M.; CAMPeLO, J., 1950 – Historia Compostellana o sea Hechos de D. Diego Gelmirez, primer arzobispo de Santiago. Santiago de Compostela.