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Análise de Relacionamentos Emocionais Disfuncionais na Família: Personalidade Borderline, Notas de estudo de Patologia

Um estudo sobre as relações emocionais na família de crianças com organização borderline de personalidade, baseado em investigações realizadas em duas crianças. O texto discute as representações parentais, expectativas, desejos, relações entre pais e a dinâmica familiar. Além disso, o documento inclui o questionário de dimensões e estilos parentais (qdep) para avaliar as percepções dos pais sobre si mesmos e sobre o estilo parental de seu cônjuge.

O que você vai aprender

  • Como os pais se relacionam entre si em relação à criança com Organização Borderline de Personalidade?
  • Como os pais se comportam com a criança com Organização Borderline de Personalidade em diferentes situações?
  • Quais são as dinâmicas familiares subsequentes ao nascimento de uma criança com Organização Borderline de Personalidade?
  • Qual é a natureza das relações emocionais na família de crianças com Organização Borderline de Personalidade?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Amanda_90
Amanda_90 🇧🇷

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Orientador de Dissertação:
Professor Doutor Emílio Salgueiro
Coordenador do Seminário de Dissertação:
Professor Doutor Emílio Salgueiro
Tese submetida como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia Clínica
2012
Na Terra do Nunca, no lugar de n
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nâmica familiar,
representações parentais e parentalidade – estudo exploratório
com crianças com Organização Borderline de Personalidade.
Ana Raquel Silva Veríssimo
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Orientador de Dissertação:

Professor Doutor Emílio Salgueiro

Coordenador do Seminário de Dissertação:

Professor Doutor Emílio Salgueiro

Tese submetida como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia Clínica 2012

Na Terra do Nunca, no lugar de ninguém: dinâmica familiar,

representações parentais e parentalidade – estudo exploratório

com crianças com Organização Borderline de Personalidade.

Ana Raquel Silva Veríssimo

I

Dissertação de Mestrado realizada sob a orientação do Professor Doutor Emílio Salgueiro, apresentada no ISPA – Instituto Universitário para a obtenção de grau de Mestre na especialidade de Psicologia Clínica.

III

Agradecimentos Ao Professor Dr. Emílio Salgueiro, orientador de palavras, momentos e decisões, incentivo constante à autonomia e à superação de cada obstáculo e fomentador de um espírito incansável de vencer sobre a adversidade.

Aos professores, tutores e mestres académicos, do passado próximo e remoto, sendo injusta a omissão de muitos deles, é necessária a referência aos que, de alguma forma, se prestaram como exemplo de ser humano e como gentis ensinadores, contribuindo para o aprofundar das raízes do conhecimento e a curiosidade da aprendizagem constante no ISPA, nomeadamente, o Professor Pedro Aleixo, a Professora Teresa Aleixo, a Professora Antónia Carreiras, e, pela sua disponibilidade inestimável, a Professora Glória Ramalho e o Professor António Pires.

À Professora Dr.ª Maria Filomena Gaspar, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, por gentilmente ter acedido colaborar, ao conceder instrumentos de investigação preciosos ao presente projecto.

À Unidade de Pedopsiquiatria do Hospital Garcia de Orta, primeiro olhar sobre a experiência clínica, para sempre refúgio contentor, um profundo agradecimento, não esquecendo todos os que dela fazem parte, e um carinho muito especial aos que se implicaram particularmente neste projecto, sorrindo com as minhas alegrias e encorajando- me nas minhas dificuldades. Um agradecimento particular à Dr.ª Patrícia Silva e à Dr.ª Rosa Esquina pelo carinho e constante disponibilidade e à Dr.ª Vera Ramos que de várias formas colaborou nesta investigação e com paciência assistiu ao brilho dos meus olhos perante uma tema que nos é tão caro.

À minha orientadora de estágio, Dr.ª Inês Figueiredo, farol que guiou os primeiros passos na clínica e que calorosamente cuidou das minhas incertezas, assistindo e participando com um sorriso nas minhas conquistas, e cujas preciosas dedicação e disponibilidade foram uma constante.

Às crianças e respectivas famílias que amavelmente concederam a sua boa vontade, e com a sua participação acederam em contribuir com aquilo que são para aumentar o conhecimento acerca da saúde mental na infância.

Aos colegas de Seminário de Dissertação, entre os quais verdadeiras amigas encontrei, pela partilha e disponibilidade não só para a Ana-Investigadora, mas principalmente para a Ana-Pessoa, com particular ternura e gratidão, Manuela e Tatiana.

Família é pilar, é o porto seguro a que desejamos recorrer em momentos de celebração e de tormenta. À minha família a gratidão e o amor por compreenderem e incentivarem o meu projecto de vida.

A todos (e são muitos os que aqui se incluem) os que de alguma forma, directa e indirectamente, contribuíram para a realização desta investigação, o meu reconhecimento, muito, muito obrigado.

IV

Resumo

A Organização Borderline de Personalidade na infância é uma das patologias com maior severidade clínica, complexidade diagnóstica e desafio terapêutico. Diversas características patognomónicas têm vindo a ser enumeradas, bem como factores etiopatogénicos, encontrando-se entre eles as perturbações familiares e parentais. Fruto das lacunas de investigação na área da infância, particularmente na fase de latência, e dada a ênfase patognomónica nas primeiras relações objectais, foi objectivo desta investigação analisar a etiopatogenia do funcionamento limite da criança e compreender a sua percepção acerca da dinâmica familiar, bem como as representações parentais e os processos de parentalidade. O presente estudo tem uma estrutura qualitativa e um carácter exploratório, partindo do estudo de caso de três crianças e respectivas famílias, recorrendo a metodologias projectivas e instrumentais, numa lógica de complementaridade, procurando alcançar um conhecimento profundo dos casos analisados e, a um nível mais global, do funcionamento interno e familiar das crianças com um funcionamento borderline. Verificaram-se padrões de parentalidade problemáticos, inconsistentes e com falhas ao nível do cuidado, da função reflexiva e do suporte afectivo, sendo a representação que estas crianças constroem acerca da sua família percebida como emocionalmente intensa, instável, confusa, inconsistente e pouco contingente, com fronteiras interpessoais disfuncionais, marcada por sentimentos e representações ambivalentes em relação aos membros da família, nomeadamente face aos imagos parentais (idealizados a rejeitantes). Na dinâmica interna destacam-se importantes fragilidades narcísicas, núcleos depressivos significativos, dificuldades ao nível dos processos de mentalização, angústias de abandono e perda do objecto e relações de objecto de tipo anaclitico.

Palavras-chave: Borderline, latência, representações parentais, dinâmica familiar.

VI

VII

Referências bibliográficas 59

  • Introdução Índice
  • Enquadramento teórico
  • Metodologia
    • Delineamento
    • Participantes
    • Procedimento
    • Instrumentos
      • Children’s Apperception Test – animal version
      • Desenhos
      • Family Relations Test
      • Escala de percepção da criança sobre o estilo educativo dos pais (EMBU-C)
      • Questionário de estilos e dimensões parentais
      • Questionário de práticas parentais
      • Questionário de coparentalidade
      • Escala de preocupações parentais
  • Resultados
    • empiricamente Tabelas de síntese dos dados provenientes da análise dos casos investigados
    • Breve apresentação dos casos
      • Caso Afonso
      • Caso João
      • Caso Tomás
    • Resultados globais
      • Crianças
      • Pais
  • Discussão
  • Conclusão
  • Anexo A - Tabela de estudos empíricos Índice de Anexos
  • Anexo B - Estudo sobre os instrumentos
  • Anexo C - Descrição do Método Utilizado
  • Anexo D - Criteria for Borderline Disorder in Children (Bemporad et al, 1982)
  • DSM-IV-TR (APA, 2002) Anexo E - Critérios Diagnósticos para Perturbação Estado-Limite de Personalidade -
  • Anexo F - Consentimento informado
  • Anexo G – Guião de entrevista – crianças
  • Anexo H – Guião de entrevista – pais
  • Anexo I – Questionário de caracterização sócio-demográfica
  • Anexo J- Questionário de Dimensões e Estilos Parentais (versão mãe)
  • Anexo K - Questionário de Dimensões e Estilos Parentais (versão pai)
  • Anexo L - Questionário de Coparentalidade
  • Anexo M - Escala de Preocupações Parentais
  • Anexo N - Questionário de Práticas Parentais
  • Anexo O - Escala da Percepção da Criança sobre o Estilo Educativo dos Pais – EMBU-C
  • Familiares Anexo P - Descrição das mensagens que compõem a forma B do Teste das Relações
    • Anexo Q - Análise dos Casos
      • História clínica 1. Afonso
      • Genograma
      • Observação geral
      • Entrevista
      • Desenho livre
      • 1º Desenho da figura humana
  • 2º Desenho da figura humana IX
  • Auto-retrato
    • Família imaginária Desenho da família segundo Corman
    • Família real
  • Children’s Apperception Test – protocolo e análise
  • Family Relations Test – resultados e análise
  • Escala de percepção da criança sobre os estilos educativos dos pais (EMBU-C)
  • Análise da entrevista aos pais
  • Transcrição da entrevista aos pais
  • Resultados individuais – Statistical Package for Social Sciences (versão 19)
  • História clínica 2. João
  • Genograma
  • Observação geral
  • Entrevista
  • Desenho livre
  • 1º Desenho da figura humana
  • 2º Desenho da figura humana
    • Família imaginária Desenho da família segundo Corman
    • Família real
  • Children’s Apperception Test – protocolo e análise
  • Family Relations Test – resultados e análise
  • Escala de percepção da criança sobre os estilos educativos dos pais (EMBU-C)
  • Análise da entrevista aos pais
  • Transcrição da entrevista aos pais
    • Resultados individuais – Statistical Package for Social Sciences (versão 19) X
    • História clínica 3. Tomás
    • Genograma
    • Observação geral
    • Entrevista
    • Desenho livre
    • 1º Desenho da figura humana
    • 2º Desenho da figura humana
      • Família real Desenho da família segundo Corman
    • Children’s Apperception Test – protocolo e análise
    • Family Relations Test – resultados e análise
    • Escala de percepção da criança sobre os estilos educativos dos pais (EMBU-C)
    • Análise da entrevista aos pais
    • Transcrição da entrevista pais
    • Resultados individuais – Statistical Package for Social Sciences (versão 19)
  • Anexo R - Resultados globais – Statistical Package for Social Sciences (versão 19)
  • Tabela 1. Análise da dinâmica intrapsíquica dos casos investigados Lista de tabelas:
  • representações parentais na Organização Borderline de Personalidade Tabela 2. Análise dos factores etiopatogénicos (Keinänen, 2012), da dinâmica familiar e das

destas crianças torna-se claro e quase tangível, mas também a nossa compreensão sobre o seu funcionamento aumenta e o modo como conseguimos ajudá-las a crescer e aliviar a sua angústia torna-se mais claro. A presente investigação debruça-se essencialmente sobre os factores de risco psicossociais, ainda que outros factores, como fragilidades neurobiológicas, características temperamentais ou culturais, devam ser considerados aquando da análise da etiopatogenia multifactorial da O.B.P. e da discussão acerca do seu desenvolvimento. Compreender os riscos psicossociais de desenvolver um funcionamento limite revela-se de suma importância, inclusivamente de forma a desenvolver modelos e métodos de intervenção psicoterapêutica adequados ao seu tratamento, numa perspectiva que deve privilegiar a progressiva e eficaz prevenção e promoção da saúde mental infantil. Posto isto, o projecto a desenvolver no contexto da presente investigação, desenvolvida a partir de um estudo exploratório, pretende ser uma reflexão, numa abordagem completa e compreensivista, e à luz dos principais teóricos psicodinâmicos do desenvolvimento, acerca da dinâmica familiar, com enfoque nas representações parentais e nos processos de exercício da parentalidade, de crianças diagnosticadas com O.B.P., no contexto das perturbações da relação familiar precoce, designadamente na fase de desenvolvimento psicoafectivo da latência.

Enquadramento teórico

A construção dos elos de vinculação entre a mãe e a criança tece-se através das interacções mais precoces na díade, não esquecendo porém a importância preponderante do terceiro elemento, o pai, sendo a primeira influência o desejo dos pais de dar vida a um ser, produto de si mas diferenciado de ambos. A vinculação é, por isso, uma ligação de afecto específico e particular de um indivíduo para com outro, da qual a relação entre a mãe e o bebé é expressão matricial, pelo que compreender a génese dos laços que os unem se revela fundamental na análise etiopatogénica de grande parte das patologias da infância. A parentalidade é porventura a tarefa mais complexa e desafiante da vida adulta (Zigler, 1995), constituindo os pais uma das influências mais cruciais na vida dos seus filhos, apesar das múltiplas fontes que actuam sobre e na criança (Bornstein, 1995). O ambiente familiar é comumente considerado como um dos maiores factores de socialização para grande parte das crianças (Johnson et al, 2006). Neste sentido, o desenvolvimento de uma criança encontra-se dependente do ambiente que a rodeia, das respostas que dele provêm, mas igualmente das interacções que se jogam entre os intervenientes, primeiramente da relação diádica e posteriormente da tríade. O comportamento parental pode, pois, ser definido como o conjunto de acções encetadas pelas figuras parentais junto dos seus filhos no sentido de promover o seu desenvolvimento da forma mais plena possível, utilizando, para esse fim, os recursos que dispuser (interna e externamente), dentro e fora da família (Cruz, 2005), o qual encontra a sua expressão num estilo próprio de exercício e representação e vivência da parentalidade. Esta definição compreende, portanto, os cuidados prestados à criança, em termos de práticas parentais, a partir dos quais se pressupõe a existência de um ambiente adequado e estimulante ao seu desenvolvimento, e que simultaneamente proporcionem à criança um meio relacional, que, atendendo às suas diversas necessidades, consiga um equilíbrio saudável entre satisfação e frustração. Assim, seria inerente ao exercício de uma parentalidade positiva a criação de condições (suficientemente boas no sentido Winnicottiano) para que as crianças possam desenvolver as suas capacidades de forma o mais completa e harmoniosa possível, tanto dentro, como fora do âmbito familiar. Diz-nos Pedro Strecht (Strecht, 2003, pg. 45) que “é através do padrão de relação precoce entre pais e filhos que se estabelece a forma como nos relacionamos connosco e com o que nos rodeia. Por isso, os pais são os principais agentes da saúde emocional dos seus filhos”. Contudo, sempre que surgem factores, percepcionados ou não, como disruptivos no âmbito sistémico da família, tais como situações e contextos que de alguma forma representam

Em meados de 1940, Margaret Mahler identificou um grupo de crianças que apresentavam patologia do ego e das relações objectais bastante mais severa do que as que tinham um funcionamento neurótico, todavia menos intensa do que crianças diagnosticadas com perturbações psicóticas (Meekings & O’Brien, 2004). O estado limite constitui um modo de organização psíquica da criança que se encontra entre as organizações estruturais neuróticas e os funcionamentos psicóticos, não chegando nenhum dos dois a instalar-se na dinâmica funcional infantil (Palacio-Espasa, 2004), na medida em que esta conserva o contacto com a realidade porém apresentando angústias e mecanismos defensivos primitivos, de cariz psicótico, e com emergência do processo primário de pensamento. Efectivamente, as flutuações do funcionamento egóico e as modulações tímicas que a organização borderline apresenta, em vez de gerarem dúvidas no plano diagnóstico, parecem algo específico desta organização. Neste sentido, é precisamente a amplitude destas flutuações que, no âmbito sincrónico, nos dá conta do polimorfismo das suas manifestações clínicas e, no âmbito diacrónico, da sua alternância entre funcionamentos psíquicos. Todavia, as crianças borderline nas quais surgem pontualmente possibilidades de organização neurótica deixam perceber uma conflitualidade depressiva deveras intensa, mais do que a neurotizada, revestida frequentemente por mecanismos de defesa mais arcaicos, designadamente, maníacos e psicóticos (Palacio-Espasa & Dufour, 2003). Em síntese, nesta perspectiva, a infância borderline oscilaria entre uma organização de tipo depressivo (num pólo psíquico superior) e um funcionamento de natureza psicótica (traduzido num pólo psíquico inferior). Assim, a por vezes difícil tarefa de diagnóstico poderia explicar a razão pela qual alguns autores e clínicos considerarem que a designação de O.B.P. não deve ser realizada antes do período de latência (Palacio-Espasa & Dufour, 2003) Do ponto de vista de Steiner (1990, cit. por Heimburger, 1995), o paciente borderline encontra-se num estado limítrofe entre a posição esquizo-paranóide e a posição depressiva, sendo capaz de um grau de integração considerável que lhe permite realizar algum contacto consigo mesmo e com os demais, ainda que ligeiro porque intolerável para o sujeito, o que o leva à retracção sob pena da total destruição do Self e/ou do objecto e da interacção vincular entre os dois. É neste sentido que podemos dizer que se situa no que une e desune as duas linhas – a linha neurótica e psicótica – também, por isso, designada de organização borderland , conceito apreciado por alguns teóricos (Dias, 2004) por pressupor algo muito mais fluido do ponto de vista dos arranjos psicopatológicos do que qualquer uma das outras linhas, um conceito mais íntegro do que a conceptualização de uma linha fronteiriça, imposta na ausência de caracteres e sintomas característicos das duas estruturas denominadas.

É uma questão de fronteira, defende André Green (1988, citado por Heimburger, 1995), de uma terra de ninguém, um campo cujos limites são vagos e indefinidos. Porém, parece-nos que no caso borderline, o limite não é uma linha, é, ele próprio, um território, já que, como preconiza Winnicott, de cada vez que se divide um espaço em dois, atribuindo a cada um deles características e propriedades antagónicas, mutuamente exclusivas, cria-se um terceiro espaço, na junção dos dois, uma área intermédia, local onde se produzem os fenómenos transitivos. É esta a área inóspita do indivíduo borderline. Rey (s/d, citado por Heimburger, 1995) defende que se trata de um dilema claustro- agorofóbico, na medida em que dentro do objecto o individuo se sente comprimido, apavorado pela ameaça perder a sua identidade, e fora está permanentemente aterrorizado, angustiado pelo desamparo da solidão, da não-existência no outro, pelo outro e através do outro, não encontrando um local onde possa existir perpetuamente a salvo, pelo que tem de se situar no limbo, no espaço-fronteira que lhe confere alguma sobrevivência. Paradoxalmente, a criança borderline aparenta uma certa estabilidade ainda que no contexto instável que a caracteriza, permeada por tantas intercorrências de funcionamento em processo primário de pensamento, miscelânea de alguma forma coerente de estados de alma díspares e aparentemente inconciliáveis. Esta estabilidade, não mais do que pretensa, baseia-se, pois, na conservação de um núcleo central do Self, o qual não se encontra na íntegra psicoticamente submerso na confusão com os objectos. Dada a fragilidade do objecto interno, este âmago do Self é sentido e percebido como o único aliado seguro e digno de confiança, e muitas das ansiedades destes indivíduos prendem-se precisamente com a necessidade de conservação deste núcleo, o qual possibilita a sobrevivência do Self, o que conduz a uma preocupação e a uma sobrevalorização do mesmo em detrimento de ambos os objectos (interno e externo), tão característico da patologia narcísica, havendo uma inclinação do Self para identificações omnipotentes com objectos bons e as suas qualidades. Contudo, as partes destrutivas do Self podem, igualmente, ser idealizadas, o que se evidencia quando o individuo se sente ameaçado pelo contacto com o objecto e quando se apercebe que uma parte de si deseja a dependência com esse objecto (Heimburger, 1995). Por outro lado, esta tendência paradoxal para a estabilidade latente ao polimorfismo sintomático pode entender-se dada a correlação entre a polissemia, coexistência da variabilidade de sintomas da organização, e os acontecimentos de vida, bem como a conservação da prova da realidade, conferindo uma aparente coerência e uma pseudo-estabilidade à organização (Dias, 2004).

De facto, padrões familiares disfuncionais, nos quais persiste o abuso emocional da criança, no âmbito das diversas formas de agressão e violência na infância, são avaliados como um dos mais prevalentes e consistentes factores patognomónicos da personalidade limítrofe (Carr & Francis, 2009), verificando-se designadamente significativas associações a acontecimentos de vida negativos e traumáticos (Liotti & Pasquini, 2000). A literatura defende, efectivamente, que crianças que crescem em ambientes de abuso, mau trato ou negligência não são capazes de desenvolver um pleno sentido de constância de objecto, dado que não conseguem confiar, primeiramente na figura cuidadora, dada a sua inconstância, da mesma forma que não acedem à percepção de que este cuidador, mesmo não estando próximo, irá recordar-se dele e permanecer em si – prevalecendo a incapacidade de estar só (Sá, 2007). Parece igualmente que este/a cuidador/a não é congruente e consistente na relação com a criança e face às suas necessidades emocionais. Lineham (1993, citado por Danielson, 2009) descreveu o ambiente no qual estas crianças cresceram como “invalidante”, não ensinando a criança a organizar e categorizar as experiências internas, incluindo emoções, a representar e a simbolizar o vivido emocional. De facto, a O.B.P. foi, por muitos autores, concebida como a condição resultante de uma vinculação insegura, com extremas oscilações entre aproximação e afastamento, alterando entre o desejo e o anseio por laços afectivos seguros e um temor e um evitamento dessa mesma proximidade (Sable, 1997). Fonagy e colaboradores (1995, cit. por Agrawal et al, 2004) postulam que a criança é mais capaz de desenvolver uma vinculação segura se os seus cuidadores têm bem desenvolvida a capacidade de reflectir acerca dos próprios pensamentos e sentimentos, sobre os conteúdos da sua mente e da de outros. Efectivamente, esta vinculação segura promove, por sua vez, a capacidade empática da criança, que a torna sensível ao que se passa com os que a rodeiam, aos seus conteúdos emocionais e cognitivos. Contrariamente, a criança borderline revela uma parca capacidade de formar estas representações acerca dos seus objectos primordiais, designadamente pais ou cuidadores. Assim, a criança protege-se defensivamente de ter de reconhecer a hostilidade direccionada a si, no sentido de a maltratar ou negligenciar, eventualmente proveniente destes referentes (Agrawal et al, 2004). Considerando o critério do DSM-IV-TR (APA, 1996/2002) de Perturbação Borderline de Personalidade (P.B.P.) que postula “intenso esforço para evitar o abandono real ou imaginário” verificamos que este parece ser bastante discriminativo em relação à descrição desta perturbação, confirmando a teoria de Masterson (1975), a qual afirma que o medo do abandono é um factor central no desenvolvimento da O.B.P.. O medo e a intolerância de estar sozinho provocam, por conseguinte, comportamentos como a procura de proximidade e apego, os quais são

concomitantes com o comportamento manifesto no tipo de vinculação inseguro ansioso- ambivalente descrito por Ainsworth (Gunderson, 1996). Na conceptualização de Fonagy e associados (1995) esta capacidade diminuta para realizar e possuir representações internas dos sentimentos e pensamentos, quer do Self quer dos objectos, está na epigénese de grande parte da constelação sintomática da organização limite, incluindo a instável percepção do Self (difusão identitária), a dificuldade de mentalização e simbolização do vivido emocional e experiencial, a impulsividade e a tendência de passagem ao acto – auto e hetero-agressiva – e os sentimentos crónicos de vazio e abandono. Helen Deutsch (1942) fala- nos da imaturidade, da superficialidade, da maleabilidade e da labilidade destes sujeitos, postulando aquilo que designou por as if personality , chamando a atenção para a difusão identitária comummente encontrada, bem como para a deterioração das identificações, acompanhada da não integração das partes do Self e do objecto, o qual sofre de uma total falta de empatia por parte do sujeito (Dias, 2004). Relativamente ao objecto primário, comummente a mãe, verificam-se lacunas na criação de um espaço dual de rêverie , contentor e organizador da experiência psíquica, representativo da função alfa de transformação e amenização das angústias emergentes, coexistindo conflituosamente o libidinal e o agressivo e, concomitantemente, os princípios do prazer e da realidade (Sá, 2007). Pode, igualmente, existir uma falta de ligação ou uma excessiva simbiotização (Heimburger, 1995) com esta figura primária de relação. Uma investigação de Aaronson e colaboradores (2006), procurando comparar os estilos de vinculação de indivíduos com P.B.P. e com Perturbação de Personalidade Obsessivo-Compulsiva, verificou que o grupo de indivíduos com P.B.P. apresentou resultados mais elevados nas dimensões de procura compulsiva de cuidado e atenção e sentimentos de retirada com agressividade/raiva. A investigação confirma também descobertas anteriores de que os indivíduos com P.B.P. possuem padrões perturbados de vinculação, mas igualmente que o seu padrão inseguro os diferencia não só de outros indivíduos sem perturbação de personalidade como também de outros com outras perturbações de personalidade, constituindo-se como um importante factor discriminativo. Também West e colaboradores (1993) sugerem que indivíduos com P.B.P. oscilam entre uma intensa necessidade de cuidado e afecto e um estado de raiva. Melges e Swartz (1989) verificaram, igualmente, que o elevado nível de insegurança na vinculação de indivíduos com P.B.P. leva a uma grande dependência da figura de vinculação, sendo que, quando algo interfere com essa dependência, verifica-se um padrão de resposta marcado por raiva e retirada. Estas formulações são consistentes com a perspectiva de Kernberg de que os indivíduos com P.B.P. não conseguiram realizar a constância objectal, isto é, a capacidade consistente de sentir-se ligado ou