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Guias e Dicas
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Estudo Filológico Sobre os Nomes do 'Cão' na Antiguidade e Atualmente, Notas de estudo de Linguística

Uma análise filológica dos vocábulos relacionados ao nome do 'cão' em diferentes línguas, incluindo o tupí-guaraní, em particular o guaraní antigo e moderno, e o tupí antigo. O texto discute as mudanças fonéticas e morfológicas que ocorreram na evolução desses vocábulos, bem como as influências portuguesa e espanhola sobre as línguas tupí-guaranís.

O que você vai aprender

  • Quais são as diferenças fonéticas entre os vocábulos relacionados ao nome do 'cão' no Tupí antigo e no Guaraní antigo?
  • Como as mudanças morfológicas afetaram os vocábulos relacionados ao nome do 'cão' em diferentes línguas Tupí-Guaranís?
  • Qual foi a evolução fonética dos vocábulos relacionados ao nome do 'cão' no Guaraní antigo e moderno?
  • Como as influências portuguesa e espanhola afetaram as línguas Tupí-Guaranís em relação aos vocábulos do 'cão'?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Rafael86
Rafael86 🇧🇷

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Diferenças fonéticas entre
o Tupí e o Guaraní
1. A origem comum dos tupís e guaranís
Alguns séculos antes da descoberta das Américas, havia na América do
Sul, entre muitos outros, um tronco tribal e linguístico que se localizava nas
regiões delimitadas pelos rios Paraná e Paraguai, aproximadamente onde está
situada hoje a República do Paraguai
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, cujos descendentes, mais tarde, na
época da descoberta, depois de migrações diversas, constituíam os tupís e os
guaranís encontrados pelos europeus.
Esse tronco, então homogêneo, com o correr do tempo, em obediência a
fatores diversos, foi-se dispersando, por emigrações que se deram em várias
épocas e em várias direções, quase todas ainda em época pré-histórica. A
mais remota que se percebe, através dos resíduos linguísticos, alcançou o alto
Amazonas, instalando-se ultimamente entre o Ucaiale e o Napo (afluentes do
Morañón), sendo os descendentes dos migrantes representados atualmente
pelos omáguas e cocamas e, talvez, também pelos miranhas, habitantes das
margens do Japurá, afluente esquerdo do Alto Amazonas. Deram-se outras
para noroeste, alcançando o atual território boliviano; para o sul, chegando
até à região da atual província argentina da Santa Fé; para leste e nordeste,
pelos atuais estados brasileiros do Paraná e de S. Paulo, alcançando o litoral
atlântico estendendo-se por este até a altura do nordeste brasileiro; já em
tempos históricos, do litoral nordeste dirigiu-se novo movimento migratório
à região do Baixo Amazonas.
De todas essas migrações, a maior foi aquela que se dirigiu para o litoral
atlântico e, daí, para o norte. Novo movimento migratório de oeste para leste
1. Paul Rivet, apud J. Bertolaso Stella. As línguas indígenas da América, S. Paulo, 1928;
Rosário Farani Mansur Guérios, Novos rumos da tupinologia, Curitiba, 1935.
Aryon Dall’Igna Rodrigues
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Diferenças fonéticas entre

o Tupí e o Guaraní

  1. A origem comum dos tupís e guaranís Alguns séculos antes da descoberta das Américas, havia na América do Sul, entre muitos outros, um tronco tribal e linguístico que se localizava nas regiões delimitadas pelos rios Paraná e Paraguai, aproximadamente onde está situada hoje a República do Paraguai 1 , cujos descendentes, mais tarde, na época da descoberta, depois de migrações diversas, constituíam os tupís e os guaranís encontrados pelos europeus. Esse tronco, então homogêneo, com o correr do tempo, em obediência a fatores diversos, foi-se dispersando, por emigrações que se deram em várias épocas e em várias direções, quase todas ainda em época pré-histórica. A mais remota que se percebe, através dos resíduos linguísticos, alcançou o alto Amazonas, instalando-se ultimamente entre o Ucaiale e o Napo (afluentes do Morañón), sendo os descendentes dos migrantes representados atualmente pelos omáguas e cocamas e, talvez, também pelos miranhas, habitantes das margens do Japurá, afluente esquerdo do Alto Amazonas. Deram-se outras para noroeste, alcançando o atual território boliviano; para o sul, chegando até à região da atual província argentina da Santa Fé; para leste e nordeste, pelos atuais estados brasileiros do Paraná e de S. Paulo, alcançando o litoral atlântico estendendo-se por este até a altura do nordeste brasileiro; já em tempos históricos, do litoral nordeste dirigiu-se novo movimento migratório à região do Baixo Amazonas. De todas essas migrações, a maior foi aquela que se dirigiu para o litoral atlântico e, daí, para o norte. Novo movimento migratório de oeste para leste
  2. Paul Rivet, apud J. Bertolaso Stella. As línguas indígenas da América, S. Paulo, 1928; Rosário Farani Mansur Guérios, Novos rumos da tupinologia, Curitiba, 1935.

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se processou, segundo Paul Rivet, à obediência a motivos de ordem religiosa, muito mais tarde, nos princípios do século XIX^2. À língua desse tronco primitivo convencionou o prof. Rosário Farani Man- sur Guérios, erudito linguista patrício, em seu precioso opúsculo “Novos Ru- mos da Tupinologia”, denominar Proto-Tupí-Guaraní ou Tupí-Guaraní comum: — “Por essa denominação, entende-se um estado linguístico homogêneo ou mais ou menos tal; é a primeira estratificação, a qual comporta particulari- dades linguísticas entrevistas antes da época histórica, i. é, antes dos fracio- namentos dialetais”^3. Antes de se passar ao estudo do fracionamento do Proto-Tupí-Guaraní, quando dessas migrações, convém que fique assinalado que Joyce^4 , citado por A. Childe^5 , coloca a sede primitiva dos Tupí-Guaranís no centro do Brasil, na região das cabeceiras do Xingú e alto Araguaia, donde teriam descido até a embocadura do Prata e, daí, subido pela costa, até o Amazonas, enquanto que Karl von den Steinen divaga sobre se o seu centro de irradiação não se teria localizado naquela mesma região — nascentes do Xingú^6.

  1. O fracionamento do Proto-Tupí-Guaraní Da partição do tronco primitivo Tupí-Guaraní, adveio o fracionamento linguístico, sendo derruída a primitiva unidade do Proto-Tupí-Guaraní e ca- racterizando-se, lenta, mas progressivamente, os dialetos. Das várias migrações que se realizaram, observar-se-á aqui aquela que se deu no sentido de oeste para leste, em época pré-colombiana: os tupís 7 deixaram o seu primitivo hábitat, dirigindo-se, em grande quantidade, para o oriente, atravessando os territórios dos atuais Estados do Paraná e S. Paulo, alcançando o litoral e distendendo-se por quase toda a costa, poucos séculos antes da descoberta, tendo essa emigração sido a mais considerável das que se processaram, aquela na qual maior número de indivíduos tomou parte. Pelo litoral, com o correr do tempo, foram os tupís dividindo-se em várias
  2. J. Bertolaso Stella, As línguas indígenas da América, S. Paulo, 1928.
  3. Rosário Farani Mansur Guérios, Novos rumos da tupinologia, Curitiba, 1935, p. 3.
  4. Joyce, South American archeology.
  5. A. Childe, Étude philologique sur les noms du “chien” de l’antiquité jusqu’à nos jours, in “Arquivos do Museu Nacional”, vol. XXXIX, Rio, 1940, p. 345.
  6. Karl von den Steinen, O Brasil Central, trad. de C. Baratz Canabrava, S. Paulo-Rio- Recife-P. Alegre, 1942, p. 374.
  7. Designa-se aqui, por tupí, para facilidade de exposição, os ancestrais dos índios que mais tarde vieram a ser chamados assim. Antes da emigração não havia, claro está, diver- sidade entre tupís e guaranís, diversidade essa que mais tarde se caracterizou, mas que é de caráter unicamente linguístico.

Diferenças fonéticas entre o Tupí e o Guaraní

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  1. As principais diferenças fonéticas entre o Proto-Tupí e o Proto-Guaraní Já o Pe. José de Anchieta teve ocasião de registrar, sob o aspecto fonético, a diferença existente, no século XVI, entre os ramos Tupí e Guaraní. Diz o primeiro gramático do Tupí, na sua “Arte”, que os índios do norte, “desde os Pitiguares do Paraíba até os Tamoios do Rio de Janeiro”, pronunciavam “in- teiros” os verbos terminados em consoante, como apâb, acêm, apên, aiûr, e mesmo, às vezes, apábi, etc., mormente quando compostos: apâbine, acêmine, apênine, aiùrine (futuro); enquanto que os índios do sul, “os Tupís de S. Vi- cente, que são além dos Tamoios do Rio de Janeiro”, nunca pronunciavam a última consoante do verbo afirmativo, conservando ainda essa supressão nas formas compostas: apâ, ace(n), ape(n), aiú, apáne, acéne, apéne, aiúne, etc.^11. Essa é, na verdade, uma das duas principais diferenças distintivas dos dois ramos e que aqui serão estudadas; assim têm sido elas enunciadas: “a) em regra, o s do t-. -gr. comum, inicial ou medial, conserva-se no Proto-Tupí, e torna-se h no Proto-Guaraní; b) os vocábulos paroxítonos primitivos tornam- -se neste, em geral, oxítonos pelo ensurdecimento da sílaba final átona; o que não se dá com o primeiro ramo que, em regra, são conservados”^12. São deduções que se tiram, já à primeira vista, da contraposição de vocábulos tais como: Tupí yukü’ra : yukü’, Guaraní, t. yagwára : yagwá gr., t. poránga : porã’ gr. ; t. só : hó gr., t. séra : héra gr., etc. À época da descoberta (séc. XVI), esses dois fatos ainda se estavam de- finindo, indicando que não decorrera muito tempo desde que se iniciou a diferenciação. O que mais se havia caracterizado é o primeiro, a oposição de h a s, mas que ainda estava em período de consumação, como se demonstrará adiante. Determinadas assim as mais importantes diferenças fonéticas existentes entre o Proto-Tupí e o Proto-Guaraní, resta saber-se qual das duas línguas se alterou. Quando os tupís alcançaram o litoral atlântico, traziam consigo, por certo, o mesmo estado linguístico que haviam deixado no seu primitivo hábitat. Logo mais tarde, entretanto, foi-se divergindo o falar dos emigrados do dos que permaneceram no “Ursitz”, mais os que se estenderam do interior até o litoral, pelo sul do trópico de Capricórnio (carijós) 13. Surge aí o problema: alterou-se o falar dos tupís ou o dos guaranís, o dos que permaneceram em
  2. P. Joseph de Anchieta, Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil, ed. da Bibl. Nacional do Rio de Janeiro, Rio, 1933, f. 1, v.
  3. R. Farani Mansur Guérios, ob. cit., p. 4. V. também Gal. Couto de Magalhães, O selvagem, 4a ed., S. Paulo, 1940, p. 320; T. Sampaio, O tupí na geografia nacional, 2a^ ed., S. Paulo, 1914, p. 51.
  4. Talvez essa grande migração dos tupís tenha sido provocada por rivalidades tribais, tendo sido estes obrigados a abandonar o seu hábitat, expelidas pela facção rival, guaraní

Diferenças fonéticas entre o Tupí e o Guaraní

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seu hábitat primitivo ou o dos que emigraram? O simples fato da mudança de hábitat levaria a crer que foi o último que divergiu do primeiro, vindo a se caracterizar um dialeto da “Ursprache”, a qual teria permanecido relativa- mente intacta no “Ursitz”. A observação dos fenômenos fonéticos nos dialetos registrados nos sécu- los XVI e XVII e, diacronicamente, através dos demais dialetos, até a atualida- de, induzirá, entretanto, a se concluir pelo contrário (quanto àqueles dois fatos diferenciais, restritamente). O Proto-Tupí, quanto àqueles fatos, caracterizou- -se mais conservador, mais arcaico do que o Proto-Guaraní. Senão vejamos, examinando-se cada um à sua vez.

  1. As consoantes finais do Proto-Tupí-Guaraní Ao se assinalarem as diferenças fonéticas existentes entre os ramos Tupí e Guaraní, sempre tem sido frisada a contraposição de vocábulos paroxíto- nos tupís a vocábulos oxítonos guaranís, desprovidos estes da última sílaba átona apresentada por aqueles (V. p. 337). Os dialetos do Proto-Tupí regis- trados naqueles séculos XVI e XVII e, evidentemente, o próprio Proto-Tupí, entretanto, não apresentavam vocábulos verdadeiramente paroxítonos: eram vocábulos oxítonos, cuja sílaba final constituía-se de (consoante) + vogal + consoante, e que se tornavam, na frase, paroxítonos, pela afixação de índices (ou expoentes) vocálicos, monossilábicos e átonos à consoante final, como, p. ex.: potár : potári, poráng : poránga, piním : piníma, küsáb : küsába, úb : úba, ou, fazendo-se uso daqueles exemplos usados por Anchieta: páb : pábi : pába, úr : úri : úra, etc. Examinando-se atentamente os vocabulários “brasílicos” de então, veri- fica-se que todos eles apresentam essas formas, quando não puramente ter- minadas em consoante (-r, -m, -n, -k, -b, -ng) 14 , acrescidas daqueles índices vocálicos (-a, -i): Jean de Léry (1557): auc (= ók), “casa”, -répiac (= repiák),“ver”, -encg (= áng), “alma”, a-aub (= aób), “roupa”, yetic, “batata”, se tam (= setám), “(sua) terra”, etc. 15 ; Pe. Anchieta (1595); ôca, “casa”, acepiác (= asepiák), “vejo”,

(aliás, gwariní, que significa “guerra”; gwarinihára,“guerreiro”), tendo ainda sido perseguidos, no seu êxodo, por estes, que chegaram a alcançar o litoral, vindo a ser conhecidos por carijós.

  1. Seg. Anchieta, ob. cit., f. 8, v., e Figueira, “Arte”, p. 101, às vezes, permutava-se o -r pelo -t; segundo se vê em Anchieta, também o -b pelo -p (V. nota 15). Entre as consoantes finais citadas deve-se incluir também a semiconsoante -y.
  2. As formas dadas por Léry, como é sabido, são muito estropiadas, já pela provável má pronúncia do “trugimão com oito anos de residência no país e muito senhor da língua da terra”, e mau ouvido do autor, já pelo descuido das impressões que se deu grande número de trocas de letras. É interessante observar que Léry raramente registra formas findadas em -r, apresentando sempre -t, do mesmo modo que apresenta -p no lugar de -b.

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“porta”, óca, “casa”, ména, “marido”, putári, “querer”, ce(n)mo, “sair”, iúre, “vir”, rúba, “pai”, etc.^21. A única conclusão que se pode tirar desses fatos é, sem dúvida, que o Pro- to-Tupí-Guaraní possuía esses vocábulos terminados por consoante, i. é, *mén, *ók, *úb, *sém, *potár, *áng, *kám, *y-úr, etc. Daí, estabelecer-se-ão as seguin- tes leis fonéticas, na evolução do Proto-Tupí-Guaraní para o Proto-Guaraní e Avanheém, e para o Proto-Tupí e Nheengatú: — 1o) as consoantes finais de sílabas tônicas (de vocábulos oxítonos) Proto-Tupí-Guaranís conservaram-se no Proto-Tupí; 2°) as consoantes finais de sílabas tônicas (de vocábulos oxíto- nos) proto-tupís tornaram-se mediais no Nheengatú, pelo desenvolvimento ou acréscimo de uma vogal breve (-a, -e, -i, -o); 3 o^ ) as consoantes finais de sílabas tônicas (de vocábulos oxítonos) Proto-Tupí-Guaranís desapareceram nos dialetos guaranís modernos (Avanheém); esta última lei, no século XVII (quando foi registrado o Guaraní de Montoya), estava em pleno dinamismo, motivo por que se depara na obra do Pe. Montoya o emprego mais ou menos arbitrário das formas com consoante final e sem consoante final. Esta fase evolutiva dos fonemas consoantes finais do Proto-Tupí-Guaraní, no século XVII, pode, mais ou menos exatamente, ser comparada com a que se tem caracterizado no português atual, aqui no Brasil (entre as populações das ci- dades), quando as mesmas pessoas pronunciam, ora fazer, ora fazê; ora andar, ora andá; ora fugir, ora fugí; ora vamos, ora vamo, etc. No português, entretan- to, há um fator que procura reter o desenvolvimento do fenômeno, segundo a tendência inata dos indivíduos falantes: é o ensino da língua literária, que pretende uma fixidade máxima. Este fator, evidentemente, jamais poderia existir na língua indígena, e as exceções à lei fonética que se percebem nos atuais dialetos guaranís são devidas a outra ou outras leis interferentes, ou concorrentes.

  1. Os fonemas S : H Curiosamente, com relação aos fonemas Proto-Tupí s : h Proto-Guaraní, processaram-se fenômenos inteiramente paralelos aos que já foram acima observados, relativamente à consoante final. Bem evidencia isso a observação fonológica dos dialetos do Proto-Tupí e do Proto-Guaraní, antigos e modernos. Nos dialetos antigos do Proto-Tupí ressalta, ao primeiro exame, a inexistência completa do fonema aspirado h, abundando, por outro lado, o fonema fricativo dental surdo e; assim, registra Léry (1557): touroussou (= turusú), “grande”, seta, “muitos", escendou (= esen- dú), “ouve!”, -ressa, “olhos”, essessit, “assa-o!”, couarassi, “sol”, iassi, “lua”, resse,
  2. Gal. Couto de Magalhães, Curso de língua tupí viva ou nheengatu, in O selvagem, do mesmo autor, 4ª ed., 1940, passim.

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“por”, soo, “animal”, mossaput, “três”, etc.; Anchieta (1595): turuçû, “grande”, cetâ, “muitos”, teçá, “olhos”, -recê, “por”, moçapîr, “três”, açô, “vou”, açauçûb, “eu amo”, çorib, “alegra-se”, etc.; Figueira (1620): turuçú, “coisa grande”, cetá, “muitos”, recé, “por”, moçapyt, “três”, açó, “vou”, açauçub, “eu amo”, acendúb, “ouço”, etc. Em Montoya constata-se a mesma instabilidade já assinalada com referên- cia às consoantes finais; aí têm-se: hetá, “muitos”, ahendú, "ouço”, teçá, “olho”, aheci, “eu asso”, quaraçi, “sol”, yaci, “lua”, rehé, “por”, cóó, “animal”, mbohapi, “três”, ho, “ir”, ahaihú, “eu amo”, horib, “alegre”, etc. Diz o Pe. Montoya, à pág. 146, v., do “Tesoro de la Lengua Guaraní”: “La H. y la C (ante E) se suelen usar una por otra”; no correr do dicionário, apresentam-se vários vocábulos em que foi indicada a duplicidade fonética: “He(n), Salida, 1. Ce(n). Ahe(n), yo salgo, aunque no se usa en muchas partes, sino ace(n)”. “Hi. p. b, Lo mismo que Çi, refregar”. “Açocé, 1. Ahocé, 1. Coçé (sic), 1. Oçe (posposicion, lo mismo que supra), Sobrepujar, y abundancia”. “Ahóí, Cobrir. V. Açoí”, etc. No Avanheém, identicamente ao que se processou referentemente ao fe- nômeno já estudado, generalizou-se mais a pronúncia do fonema aspirado: kuarahü, “sol”, hesüi, “assar”, hetá, “muito”, hendú, “ouvir”, rehé, “por”, hoó (:soó), “carne”, mbohapü, “três”, hó, “ir”, haihú, “amar”, horü, “alegre”, aho-í, “cobrir”, etc. Permaneceram, entretanto, com s: yasü, “lua”, tesá, “olho”, se(n), “sair”, hasü, “dor”, sü, “mãe”, sã, “corda”, etc. No Nheengatú, por outro lado, conserva-se completamente desconhecido o fonema aspirado do guaraní, não tendo, nesse setor, sido alterada a fonética do Proto-Tupí: turuçú, “grande”, cetá, “muitos”, cenõ, “ouvir”, coaraçü^22 , “sol”, iaçü, “lua”, recé, “por”, çoó, “animal, carne”, muçapüra, “três”, çó, “ir”, çaiçú, “amar”, etc. Inferir-se-á dessas observações que o fonema primitivo, o fonema proto- -Tupí-Guaraní, é s , fricativa dental surda, enquanto que h não foi conhecido no Proto-Tupí-Guaraní, tendo surgido nos dialetos do Proto-Guaraní (ou no próprio Proto-Guaraní, provavelmente). Isto posto, evidenciam-se as seguin- tes leis fonéticas: 1°) o fonema fricativo dental surdo s, do Proto-Tupí-Guaraní, manteve-se imutado no Proto-Tupí e em seus dialetos antigos e modernos; 2o) o mesmo fonema evoluiu para o fonema aspirado h, nos dialetos do Proto- -Guaraní, sendo que, na época em que viveu o Pe. Montoya, i. é, no século

  1. Substitui-se aqui por h o jh de Ortiz Mayans (ob. cit.), que representa um fonema se- melhante ao j espanhol, o qual, por influência espanhola, substitui na Argentina o h dos demais dialetos guaranís (Bertoní, ob. cit., p.. 34). Substituem-se por ü as representações da vogal velar, não arredondada, empregadas por Ortiz Mayans e por Couto de Maga- lhães, em vista de não ser possível reproduzir aqui os sinais diacríticos empregados por esses autores afim de distiguí-la da vogal i palatal.

Diferenças fonéticas entre o Tupí e o Guaraní

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sim como medial, dada a fixação do sufixo -a (V. p. 339, nota 18): oga, “casa”, coga (Montoya cog), “roça”. Excepcionalmente o Avanheém apresenta pák, “acordar”. O Nheengatú, por sua vez, conserva o fonema surdo, porém já não mais naquela posição final, mas sempre medial, em virtude da fixação do antigo índice -a (V. p. 340 e nota 20): óca, “casa”, munúca, “cortar”, opáka, “acordou”, reuapü’ ka!, “assente-se!”, etc. Em resumo: o fonema gutural surdo, final, -k, do Proto-Tupí-Guaraní as- sim se conservou no Proto-Tupí e dialetos antigos, tendo-se sonorizado no Proto-Guaraní e seus dialetos antigos; nos modernos dialetos guaranís (Ava- nheém), elidiu-se tal fonema, tendo-se conservado, entretanto, no Nheengatú, havendo-se-lhe aí, porém, sufixado um -a, passando, pois, a ser consoante medial. A palatalização do fonema Proto-Tupí -s-. Quando, nos dialetos tupís, antepõe-se à fricativa dental surda s- a vogal palatal não arredondada i-, ou a semiconsoante palatal y-, aquela fricativa é palatalizada: Anchieta: cì : ixì, “mãe” e “sua mãe”, cìbá : ixibá, “testa” e “sua testa”, çáma : ixáma, "corda" e “sua corda”, etc. 26 ; Figueira: çumarã : ixumarã, “inimigo” e “seu inimigo”, cy : ixy, “mãe” e “sua mãe”, cyyra : ixyyra, “tia materna” e “sua tia”, cybá : ixybá, “testa” e “sua testa”, çáma : ixáma, “corda” e “sua corda”, cóça : ixóca, “pilar” e “pilá-lo”, cyba : ixyba, “alimpar” e “alimpá-lo”, çó : ixó, “ir” e “seu ir” çuí : ixuí, “de” e “dele”, çupé : ixupé, “a” e “a ele”, etc.^27 Este fenômeno fonético, que se caracterizou, sobretudo, no Tupí antigo, não se manifestou no Proto-Guaraní e dialetos antigos e modernos, a não ser em alguns casos isolados. Tem-se, em Montoya: suú : aysuú, “morder” e “eu o mordo”, subã : aysubã, “chupar” e “eu o chupo”, çoó : aiçoó, “convidar” e “eu o convido”, etc. Casos excepcionais: Montoya: ychupé (por i-supé), ci : ychi, “mater” e “ejusmater”; Avanheém: ichupé, “a ele”, ichuguí (= ixugwí), “dele”. A nasalização do fonema Proto-Guaraní y. Nos dialetos guaranís, antigos e modernos, quando à semiconsoante palatal y se chega um fonema nasal, este transmite àquele a nasalidade, resultando daí a naso-palatal ñ (nh). Este fenômeno é característico no Guaraní, pois realiza-se a todos os momentos, ainda mesmo quando o y está separado do fonema nasal por uma sílaba não nasal; aliás, a nasalização é um fenômeno que se dá em grande escala, quase

  1. Anchieta, ob. cit., f. 15, v.
  2. Pe. Luís Figueira, ob. cit., págs. 74 e 75, onde abundam esses exemplos.
  3. A nasalização é um capítulo da fonologia Tupí-Guaraní que merece um estudo espe- cial, pois apresenta casos interessantíssimos, inclusive de fonética sintática. Relembre- mos aqui as palavras do grande glotólogo italiano, Alfredo Trobetti: “I fenomeni che io comprendo sotto il nome di nazalizzazione sono importantissimi e lo studio di essi, in

Diferenças fonéticas entre o Tupí e o Guaraní

Volume 3, Número 2, Dezembro de 2011

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exageradamente, dir-se-ia, no Guaraní 28 , e disso são testemunhas as obras de Montoya, onde não foi descurada a indicação das vogais nasaladas. Nos dialetos tupís quase nunca influem os fonemas nasais sobre o y. Confrontações de Anchieta com Montoya: A. yandê : M. ñandé, “nós, in- clus.”, A. ayemboê : M. añemboé, “sou ensinado, aprendo”, A. yanondê : M. ñanõndé, “antes”, etc.; do Nheengatú com o Avanheém : nh. yamí : av. ñamí, “comprimir”, nh. yandú : av. ñandú, “aranha”, nh. yané : av. ñandé, “nós”, nh. yandí, “azeite” : av. ñandü’, “gordura, graxa”, nh. yuséna, “derramar” : av. ñohe(n), "ação de derramar”, nh. yapumí “mergulhar”: av. mo-ñapümí, “ato de mergulhar”, etc. Os índices guaranís ye-, yo-, sempre que precedem uma sílaba nasal ou quando são precedidos por sílaba nasal (o índice mõ-), transformam-se em ñe- e ño-, respectivamente, i. é, nasalizam-se. O pronome i-, “seu, dele”, vogal que, diante de outra vogal, passa a semiconsoante, também é nasalizado: i-pó, “sua mão” : i-aó, “sua roupa” : ñ-áng, “sua alma, sua sombra”; também ñ-akáng, “sua cabeça”, apesar de não preceder imediatamente a sílaba nasal.

  1. Diferenças entre o Avanheém e o Nheengatú Foram já abordados os fatos que constituem as principais diferenças foné- ticas entre o Tupí e o Guaraní, e que se podem considerar como já caracteriza- das em época pré-colombiana, no Proto-Tupí e no Proto-Guaraní. Além desses fatos, outros há que se realizaram bem mais recentemente, evidenciando as diferentes tendências evolutivas dos ramos Tupí e Guaraní. Estes últimos são, pois, desconhecidos dos dialetos antigos, constituindo-se, também, caracteres distintivos do Nheengatú e Avanheém e do Tupí antigo e Guaraní antigo, respectivamente. Passar-se-á aqui a assinalá-los sucintamente. mb : m, nd : n. Os fonemas naso-labial mb e naso-dental nd, conhecidos em todos os dialetos antigos, do Proto-Tupí e do Proto-Guaraní não se alteraram no Avanheém; no Nheengatú, porém, evoluíram para m e n, respectivamente, tanto quando iniciais como quando mediais. Sempre houve nos ramos Tupí e Guaraní a passagem de mb — m e de nd — n^29 , por dissimilação ou, sim- plesmente, quando os fonemas mb e nd precediam uma sílaba nasal (p. ex.,

massima parte novíssimo, rivela uma quantità di fatti sorpreendenti e fecondi di conse- guenze di grande valore”. Elementi di glottologia, Bolonha, 1923, pág. 511. V. também “La nasalizzazione nel Tupi”, ibidem, pág. 543; Bertoni, ob. cit., pg. 32: “Antes del Descobri- miento, el processo de nasalización ya había llegado a su máximum en el Sud. Con todo, siguió aumentando y llega ahora a su más alto grado en el Paraguay y Corrientes, lo que por cierto no favorece a la eufonia, y parece que va a continuar”.

  1. “mb — m” = “mb passa para m”, “mb origina m”.

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“mão”, t ant., g. ant. tobá, av. tová : nh. tuá (por *tuwá), “rosto”, etc. Este fenômeno é de realização recentíssima, pois que ainda não se havia caracterizado na metade do século XIX, quando o Gal. Couto de Magalhães anotou seu material linguístico. Além de todos esses fatos fonéticos relatados, há mais outras particu- laridades, não generalizadas ainda, leis fonéticas dinâmicas, cuja realização completa não se pode determinar. Vários dialetos Nheengatú, por exem- plo, demonstram uma tendência à desnasalização das vogais finais tônicas: manú(n) — manú^33 , “morrer”, maã’ — maá, “ver”, mirí(n) — mirí, “pequeno”, me’é(n) — me’é, “dar”, cunhã — cunhá, “mulher”, curumí(n) — curumí, “me- nino”, etc. Em alguns dialetos guaranís modernos percebe-se uma tendência à deslocação da nasalidade, da última sílaba para a penúltima: porã’ — põrá, “bonito”, hacã’ — hãcá, “galho”, ha’ã — hã’á, “experimentar”, hetã’ — he(n)tá, “terra (land)”, pohã’ — põhá, “remédio”, kirirí(n) — kiri(n)rí, “silêncio”, hetú(n) — he(n)tú, “odor”, heé(n) — he(n) é, “sim”, etc. Também em dialetos guara- nís modernos, percebe-se o ü substituindo o u primitivo: ürüvú por urubú, (ü)rügwasú por urugwasú, “galinha”; segundo Moisés Bertoni, é nos diale- tos correntino e “asunceño” que mais se tem caracterizado este fenômeno^34. Ainda no Avanheém percebe-se a queda do -v- intervocálico: kova — kóa, “este”, hendivé — hendié “com ele”, ñuvá — ñuá, “ação de abraçar”, túva — túa, “pai”, mbovü’pa-mboü’pa, “quantos?“, etc. Percebe-se, ainda, a evolução da semiconsoante palatal y para o fonema denti-palatal dj, que se pode obser- var facilmente nos “Apontamentos para a Gramática Avá-ñeé”, de Tenório d’Albuquerque: yuká — djuká, “matar”, yuré — djurú, “boca”, yetü’ — djetü’, “batata”, yasü’ — djasü, “lua”, yogwá — djogwá, “comprar”, yagwá — djagwá, “cão”, yapó — diapó, “fazer”, tayasá — tadjasú, “porco”, etc. Diversos fatos ainda poderiam ser abordados, fatos estes que vão contri- buindo mais e mais para a diferenciação dos ramos Tupí e Guaraní, muitos decorrentes das influências portuguesa e espanhola, atuando esta sobre o Guaraní e aquela sobre o Tupí. São, entretanto, fatos que caracterizam áreas bem mais restritas, regionalismos que não podem ser aqui esmiuçados e que cabem mais aos estudos particulares de cada ramo.

Outras diferenças há entre os ramos Tupí e Guaraní, além das diferenças fonéticas que aqui foram estudadas. Na lexicologia, na morfologia e na sinta- xe, patenteia-se também essa diferença. Aliás, é assunto que muito tem sido

  1. V. observações sobre a grafia, à pág. 36.
  2. M. Bertoni, ob. cit., p. 33.

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debatido; grande número de tupinólogos, ou guaraniólogos, insistem valen- temente em protestar contra os maus conhecedores de linguística americana, que se referem a línguas inteiramente distintas. “Observa o general Couto de Magalhães” — diz Teodoro Sampaio — “que a diferença entre elas é a mes- ma que se nota entre paulistas e mineiros falando o português. Parece-nos, entretanto, que a diferença é um pouco mais acentuada como já fizera sentir o mesmo autor citado, no seu Estudo Antropológico, publicado na Revista do Instituto Histórico, onde, tratando do Tupí e do Guaraní, compara-os, no grau de semelhança ao português e ao castelhano”^35. Já o Dr. Moisés Bertoni, emérito guaraniólogo paraguaio, assim se ex- prime: “En realidad, los dialectos del guaraní 36 poco difieren entre ellos...” “Mucho menos tienen rango de idiomas, o lenguas. Como se llegó a decir, La unidad del guaraní — desde las Antillas hasta las embocaduras del Plata — es un hecho que no puede ponerse en duda. El dualismo entre el achacado “tupí” (que es el ñeêngatú, o sea “lengua buena”), y el guaraní del Sud (avá’ñeé o karí’ñeé), ese supuesto dualismo, no existió, y sólo tuvo apariencias de existir, debido a la imperfección de los estudios. En realidad, eses dos grandes dialec- tos, o grupos dialectales, poco difieren, y además, se tienen todos los grados intermedios” 37. Para nós, há não só a “unidade”, senão ainda o “dualismo”. É preciso que se considere o assunto por seus diversos aspectos. Sob o ponto de vista glotológico, não resta a mínima dúvida quanto à unidade: os ramos Tupí e Guaraní são muito estreitamente ligados entre si. Se, entretanto, encararmos estes dois ramos pelo lado prático, somos levados a reconhecer que, quem falasse o Tupí antigo, conseguia, mais ou menos, entender o Guaraní antigo, com dificuldade quase idêntica à que se oferece ao indivíduo de fala portugue- sa para entender o espanhol. Mas quem fala o Nheengatú, podemos afiançar, não poderá compreender do Avanheém senão palavras soltas, podendo-se aqui comparar o grau de dificuldade, mais ou menos aproximadamente, com o que se depara ao português que ouve falar o francês. Explica-se, pois, que haja simultaneamente uma “unidade” e uma “dualidade”, do mesmo modo que há, com relação às línguas românicas, uma “multiplicidade” e uma “unidade”: unidade de origem, multiplicidade de variantes evolutivas; unidade glotoló- gica, multiplicidade prática. Seguimos aqui, por isso mesmo, os ensinamentos do prof. R. F. Mansur Guérios, admitindo o fracionamento da língua em estado unitário, homogê- neo, ainda em época pré-colombiana, nas duas línguas também pré-históricas

  1. T. Sampaio, O tupí na geografia nacional, 2a^ ed., São Paulo. 1914. págs. 50-51.
  2. O Dr. Bertoni dá a guaraní a mesma acepção que aqui damos a tupí-guaraní.
  3. Bertoni, ob. cit., pág. 24.

Diferenças fonéticas entre o Tupí e o Guaraní

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Esta divisão é fundamentada na de Mansur Guérios, apresentada nos “No- vos Rumos da Tupinologia” (§ IV, Classificação).

Observações finais Os fatos comuns aos dialetos dum ramo, logicamente são admitidos como pertencentes já à língua mãe comum desses dialetos, à língua do “proto” res- pectiva; igualmente, os fatos comuns aos dois ramos estudados hão de se atri- buir, também, ao Proto-Tupí-Guaraní. Assim, pois, se é observado que “peixe” é pirá, em todos os dialetos tupís, quer antigos, quer modernos, postular-se-á o vocábulo *pirá = “peixe”, para o Proto-Tupí. Estendendo-se a investigação, descobre-se que em todos os dialetos guaranís, antigos e modernos, “peixe” é, também, pirá: admitir-se-á, para o Proto-Guaraní, a forma pirá = “peixe”. Am- pliando-se, ainda, o campo das observações, constata-se que outras línguas Tupí-Guaranís (Apiacá, Maué, Tembé, Guajajara, etc.) apresentam também a forma pirá = “peixe”. Diante desse fato, inferir-se-á que o Proto-Tupí-Guaraní possuía, indubitavelmente, o vocábulo pirá = “peixe”. Assim foi que se procedeu aqui, ao se deduzirem algumas leis de evolução fonética do Proto-Tupí-Guaraní para os dialetos tupís e guaranís.

Observações a respeito da grafia Tencionava-se uniformizar a grafia de todos os vocábulos Tupí-Guaranís citados neste estudo, adotando-se os caracteres gráficos mundialmente utili- zados pelos linguistas. Dada, porém, a impossibilidade de serem reproduzidos pelo estabelecimento gráfico os sinais diacríticos de que se lançaria mão, pre- feriu-se conservar as grafias originais dos vários autores que foram alteradas apenas onde apresentavam sinais que aqui não puderam ser transcritos. Estas alterações, aliás, vão sempre indicadas nas notas ao pé das páginas. Sempre o x e o ch têm o mesmo valor — fricativa palatal surda; o ç é igual ao c (antes de -e, -i) e ao s fricativa dental surda; o y de Figueira e ì, às vezes î, de Anchieta são o nosso ü, com que está representada a vogal velar (gutural), não arredondada; o u- (antes de vogal) de C. de Magalhães é igual ao w- de Tastevin; gu- (antes de vogal) é igual a gw-; quanto ao h, v. nota 23. Também em virtude de deficiência tipográfica, empregou-se aqui o tra- vessão (—) em lugar da flecha ou antilambda, para indicar que uma forma originou ou origina-se de outra. Assim, sempre que se tiverem duas formas separadas por um travessão, entender-se-á que a forma da esquerda provém da forma da direita. Ex.: porã’ — porá quer dizer que a forma porá provém ou originou-se da forma porã’; mb — m quer dizer que o fonema m provém do fonema mb, ou que o fonema mb evoluiu para m.

Diferenças fonéticas entre o Tupí e o Guaraní

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O til ( ~ ) sobre e, i, u foi substituído por um n, entre parênteses, após essas vogais: e(n), i(n), u(n).

A parte deste estudo intitulada — “As Consoantes Finais do Proto-Tupí- -Guaraní” — já foi publicada, sob a epigrafe — “Um Pouco de Tupinologia: Um aspecto da evolução fonética na família Tupí-Guaraní”, na Revista Filológica, Ano V, vol. VII, n.° 29 (novembro de 1944), págs. 74-77. Aqui aparecem peque- nas alterações, que se prendem somente à forma, não alterando em nenhum ponto o estudo.

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