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dialogando sobre a lei maria da penha do direito penal brasileiro, Resumos de Direito Penal

Módulo I - A violência contra as mulheres Unidade 2 – Mulheres, violência e a legislação internacional de direitos humanos

Tipologia: Resumos

2020

Compartilhado em 06/01/2022

carlos-coutinho-44
carlos-coutinho-44 🇧🇷

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Curso a distância
Dialogando sobre a Lei
Maria da Penha
http://saberes.senado.leg.br
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Curso a distância

Dialogando sobre a Lei

Maria da Penha

http://saberes.senado.leg.br

Senado Federal Via N-II, Unidade de Apoio V | CEP 70165 - 900 | Brasília DF

  • Curso: Dialogando sobre a Lei Maria da Penha............................................................ Sumário
    • Apresentação do curso
    • Módulo I – A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
      • Apresentação
      • Objetivos
      • Sensibilização:
      • Unidade 1 – Mulheres, violência e a legislação brasileira
      • Unidade 2 - Mulheres, violência e a legislação internacional de direitos humanos...........
      • Unidade 3 - A construção do conceito de violência contra a mulher..............................
      • Para finalizar
      • Conclusão
    • Módulo II – O NOVO PARADIGMA DA LEI MARIA DA PENHA
      • Apresentação
      • Objetivos
      • Sensibilização
      • Unidade 1 – Histórico da Lei
      • Unidade 2 – Mudanças, avanços e desafios da Lei Maria da Penha...............................
      • Unidade 3 - A prevenção e a proteção social às mulheres em situação de violência
      • Para finalizar
      • Conclusão
    • Módulo III - A LEI MARIA DA PENHA NA PRÁTICA
      • Apresentação
      • Objetivos
      • Sensibilização
      • violência................................................................................................................ Unidade I - Conhecendo a Lei Maria da Penha: destinatárias, conceitos, formas de
      • Unidade 2 – As Medidas Protetivas e as práticas do sistema de justiça
      • valores e novos padrões de políticas públicas Unidade 3 – Estudo de caso: O Combate à violência contra a mulher: a luta entre antigos
      • Para finalizar
      • Conclusão
    • Referências Bibliográficas

Senado Federal Via N-II, Unidade de Apoio V | CEP 70165 - 900 | Brasília DF Finalizando, o módulo III será dedicado ao estudo sobre a especificidade da lei às mulheres, os conceitos e as formas de violência, bem como as medidas protetivas e o papel da delegacia, ministério público e juizados especializados de violência doméstica e familiar; após, disponibilizaremos um estudo de caso para a sua reflexão, tendo por base o conteúdo estudado.

Senado Federal Via N-II, Unidade de Apoio V | CEP 70165 - 900 | Brasília DF

Módulo I – A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

Apresentação

Iniciando o nosso diálogo sobre a Lei Maria da Penha, vamos conhecer, nas próximas três unidades deste primeiro módulo, como atos abusivos contra as mulheres, naturalizados no espaço da família como algo sem importância e de interesse privado, passaram a ser considerados de interesse público, integrando o sistema normativo brasileiro e internacional de direitos humanos. Além desse percurso pelo campo normativo, na unidade 3, vamos nos deter especificamente sobre a construção do conceito de violência contra a mulher, no âmbito dos estudos teóricos e empíricos brasileiros.

Objetivos

Ao final do Módulo, você deverá ser capaz de: ✓ identificar a importância e o lugar das mulheres conferidos pelas diversas legislações nacionais, desde a época do Brasil Colônia até os dias atuais; ✓ correlacionar o status das mulheres conferido pela legislação e o combate à violência contra as mulheres; ✓ reconhecer a diferença entre a lei e sua interpretação, em relação à violência contra as mulheres; ✓ contextualizar crime passional e legítima defesa da honra; ✓ identificar os documentos internacionais de direitos humanos que tratam da violência contra as mulheres; ✓ compreender o processo de demandas apresentadas pelos indivíduos perante o sistema de proteção internacional de direitos humanos; ✓ listar os direitos assegurados às mulheres pela Convenção de Belém do Pará e as obrigações do Estado, decorrentes dessa Convenção; ✓ conhecer como o conceito de violência contra a mulher foi construído no Brasil; ✓ identificar as formas de violência que atingem as mulheres; ✓ listar algumas formas de violência contra as mulheres; ✓ compreender as principais nuances do conceito “violência contra a mulher” no sistema de proteção internacional de direitos humanos e na Lei Maria da Penha.

Senado Federal Via N-II, Unidade de Apoio V | CEP 70165 - 900 | Brasília DF Segundo Del Priore (2013, p. 6), “ não importa a forma como as culturas se organizaram” , a diferença entre masculino e feminino sempre foi hierarquizada. No Brasil Colônia vigorava o patriarcalismo brasileiro que conferia aos homens uma posição hierárquica superior às mulheres, de domínio e poder, sob o qual os “castigos” e até o assassinato de mulheres pelos seus maridos eram autorizados pela legislação. predominantemente às negras e pardas, fossem escravas ou forras. Afinal, a misoginia – ódio das mulheres – racista da sociedade colonial as classificava como fáceis, alvos naturais de investidas sexuais, com quem se podiam ir direto ao assunto sem causar melindres”. A violência contra as mulheres, em razão do gênero, geralmente está correlacionada a outros marcadores de desigualdade como raça e etnia, geração (idade), classe social, orientação sexual, região, entre outros. O Mapa da Violência 2015 mostra maior impacto da violência sobre as mulheres negras. Considerando os dados de 2003 e 2013, houve uma queda de 9,8% no total de homicídios de mulheres brancas e um aumento de 54,2% no número de homicídios de mulheres negras. Em relação ao local da agressão, cerca de 27,1% dos homicídios de mulheres ocorre no domicílio, em contraposição a 10,1% dos homicídios masculinos; os homens são assassinados na grande maioria por arma de fogo (73,2%); e as mulheres, por arma de fogo (48,3%), estrangulamento/sufocação, cortante/penetrante e objeto contundente, “indicando maior presença de crimes de ódio ou por motivos fúteis/banais” (Waiselfisz, 2015, p. 30 - 39).

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Sobre o patriarcalismo brasileiro:

Desde a chegada dos portugueses à costa brasileira, a instalação das plantações de cana de açúcar e a importação de milhões de escravos africanos para trabalhar nos engenhos que se espalharam pelo litoral, a mulher no papel de companheira, mãe ou filha se destacou. No início não se tratava exatamente da mulher branca. Caramuru, na Bahia, unido a Paraguaçu, e João Ramalho, fundador de Santo André da Borda do Campo, casado com Mbici ou Bartira, deram o exemplo. (..) A dispersão dos núcleos de povoação reforçou as funções da família no interior da qual a mulher era mantida enclausurada. Ela era herdeira das leis ibéricas que a tinha na conta de imbecilitas sexus: incapaz, como crianças ou os doentes. Só podia sair de casa para ser batizada, enterrada ou se casar. Sua honra tinha de ser mantida a qualquer custo. O casamento, quando havia bens a se preservar, era organizado para manter a paz entre vizinhos e parentes, estes últimos sendo os escolhidos com mais frequência como maridos. Pobre ou rica, as mulheres possuíam um papel: fazer o trabalho de base para o edifício familiar – educar os filhos segundo os preceitos cristãos, ensinar-lhes as primeiras letras e atividades, cuidar do sustento e da saúde física e espiritual deles, obedecer e ajudar o marido. Ser, enfim, a “santa mãezinha”. Se não o fizesse, seria confundida com um “diabo doméstico”. Afinal, sermões difundiam a ideia de que a mulher podia ser perigosa, mentirosa e falsa como uma serpente. (...) O modelo ideal era Nossa Senhora, modelo de pudor, severidade e castidade. A soma dessa tradição portuguesa com a colonização agrária e escravista resultou no chamado patriarcalismo brasileiro. Era ele que garantia a união entre parentes, a obediência dos escravos e a influência política de um grupo familiar sobre os demais. Tratava-se de uma grande família reunida em torno de um chefe, pai e senhor, forte e destemido, que impunha sua lei e ordem nos domínios que lhe pertenciam. Sob essa lei, a mulher tinha de se curvar. (Del Priore, Mary. Histórias e Conversas de Mulher. 1ª, ed, São Paulo: Planeta, 2013, p.9-10). A legislação portuguesa trazida para o Brasil era constituída pelas Ordenações Filipinas (Código Filipino), composta por leis compiladas em Livros por ordem de D. Felipe I, que permaneceram regendo a sociedade brasileira até a publicação do Código Civil, em 1916. Pelas Ordenações, as mulheres deveriam ser tuteladas nos atos da vida civil devido à fraqueza do entender das mulheres. Se a mulher fosse casada, a incapacidade era suprida pelo marido, seu representante legal.

Senado Federal Via N-II, Unidade de Apoio V | CEP 70165 - 900 | Brasília DF Conforme se observa dos comentários às disposições do Código Civil de 1916, na família hierárquica, a tentativa de assassinato e os maus-tratos eram considerados motivos que justificam a separação conjugal. Contudo, o interesse maior era a preservação da instituição do casamento: Tanto a respeito de excessos (tentativa de assassinato) como a respeito das injurias (maus-tratos) cabe ao juízo dos Tribunaes decidir si os factos allegados merecem uma ou outra qualificação. Devem antes de tudo ter em conta o interesse dos conjuges que exige de um lado que não se os separe por questões leves e passageiras e de outro que não se os force a prolongar uma communidade de vida insupportavel, e o interesse da sociedade que exige ao mesmo tempo que se mantenha quanto seja possível tal comunidade entre os conjuges e que se ponha termo às discussões e escandalos domesticos. (PEREIRA, 1918, p. 96) Conforme vimos anteriormente, o Código Criminal de 1830 extinguiu a “autorização” concedida aos maridos para matar suas mulheres, em caso de adultério ou de mera suposição de sua ocorrência. Cabe ressaltar, entretanto, que sob a vigência do Código Penal de 1890 e, posteriormente, do Código Penal de 1940, duas figuras jurídicas foram criadas pela defesa dos uxoricidas, assim chamados os noivos, namorados, maridos e amantes acusados de matar suas companheiras. Trata-se dos “crimes de paixão” ou crimes passionais e da legítima defesa da honra, que ganharam força e foram largamente popularizados pela retórica dos advogados de defesa, a incorporação das teses pelos juízes e promotores e a divulgação dos julgamentos pela mídia da época. O Código Penal de 1890, previu, no campo da responsabilidade criminal, que não serão tidos por criminosos aqueles que estivessem em estado de completa privação de sentido e de inteligência no ato de cometer o crime. Os defensores dos uxoricidas se valeram dessa previsão para defender que os assassinos das mulheres estavam em completa privação de sentido no ato do crime (CORREIA, 1981). No Livro "Crimes da Paixão", Mariza Correia (1981) conta em detalhes o papel desempenhado por dois grandes juristas, Evaristo de Moraes, advogado, e Roberto Lyra, Você já ouviu falar em crime passional? Pode ser motivado por amor? Paixão? Poder sobre o outro? Reflita!

Senado Federal Via N-II, Unidade de Apoio V | CEP 70165 - 900 | Brasília DF Importa considerar nessa apertada síntese sobre os crimes passionais o que alerta Correia (1981): de que a aplicação dessa tese aos julgamentos não tinha absoluta aceitação da sociedade. O relato de Evaristo de Moraes sobre o caso do poeta João Pereira Barreto, que matou a esposa revela a indignação da sociedade nesse caso. Conta o jurista que o ambiente era o mais desfavorável, pois um grupo de senhoras indignadas com o ocorrido foi para o tribunal para fiscalizar o procedimento e pressionar os jurados, resultando em condenação. A apelação deu ao uxoricida a absolvição, mas o carro em que saíra o poeta da prisão foi alvejado por pedras “rebentando em estrondosa vaia” e a imprensa não deu qualquer notoriedade ao caso. promotor de justiça, nos julgamentos de crimes considerados passionais. O primeiro, advogado dos uxoricidas, se apoiava nas teses da Psicologia e na definição de Enrico Ferri, da escola de direito italiana, segundo a qual o crime passional era “provocado por uma paixão eminentemente social”, produzida pela ofensa à honra e à dignidade familiar. Por sua vez, o promotor de justiça Roberto Lyra, mais tarde, na década de 1930, vai rebater esses argumentos e inverter essa ênfase. Com base nos mesmos argumentos de Ferri, ele defendia que os acusados, em verdade, eram profundamente antissociais. Além disso, questionava e ridicularizava o fato de que as tentativas de suicídio dos acusados, característica essencial do passional por Ferri, eram quase sempre frustradas. Tamanho foi o embate travado pelos juristas contra a “porta aberta” no Código Penal de 1890 para os crimes passionais, cujas vítimas eram, majoritariamente, as mulheres, que o Código de 1940 consignou em seu artigo 28 que a emoção ou a paixão não excluem a responsabilidade penal. Isso, entretanto, não impediu que, sob a vigência do Código de 1940, mas à margem dele, pois jamais houvera essa previsão legal, nova tese fosse construída para justificar a absolvição daqueles que matavam suas parceiras íntimas - a figura da “legítima defesa da honra”. Conforme esclarece Correia (1981, p. 61): O período romântico acabara e, lançado o novo argumento, a absolvição tornar-se á um pouco mais complicada, parecendo passar a ser, de fato, privilégio de poucos, já que será preciso “demonstrar” não só a infidelidade da companheira, mas também a honorabilidade de seu assassino. A dupla definição desta honorabilidade, através do trabalho, do valor social do homem e da necessária fidelidade de sua companheira, passa a estar ligada de forma permanente na argumentação da legítima defesa da honra. O argumento da “legítima defesa da honra”, utilizado pela defesa dos acusados, tinha o condão de deixar em segundo plano o crime em si e trazer para o banco dos réus a vítima, dissecando e julgando sua vida pessoal e íntima. O podcast “Praia dos Ossos”, reconstituindo o assassinato de Angela Diniz pelo seu namorado Doca Street, produzido pela Rádio Novelo, no episódio 2 “o julgamento”, ilustra o funcionamento dessa “tese”. Em 1991, foi dado um importante passo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para afastar definitivamente essa figura jurídica largamente utilizada pela defesa dos acusados de matar as mulheres, em geral, esposas, companheiras, namoradas, nas relações afetivas atuais ou passadas. Disse o STJ, no julgamento do Recurso Especial 1.517, de 11/02/1991 que a “honra” é atributo pessoal e, no caso, a honra ferida é a da mulher, quem cometeu a conduta tida por reprovável (traição), e não a do marido ou companheiro que poderia ter recorrido à esfera civil da separação ou divórcio.

Senado Federal Via N-II, Unidade de Apoio V | CEP 70165 - 900 | Brasília DF No campo cível, em especial no Direito de Família, cabe registrar o trabalho pioneiro das advogadasRomy Martins Medeiros da Fonseca e Orminda Ribeiro Bastos do Conselho Nacional de Mulheres do Brasil (CNMB), que elaboraram texto preliminar do Estatuto da Mulher Casada, questionando a hierarquização e o papel de subalternidade da mulher na família, o que foi conseguido em parte,pois a Lei nº 4.121, de 1962, suprimiu a incapacidade relativa da mulher casada e elevou a condiçãoda mulher na família à colaboradora do homem. Pela Lei do Divórcio, Lei no. 6.515, de 1977, galgou-se mais um degrau na busca da igualdade entre homens e mulheres. Essa Lei previu o dever de manutenção dos filhos por ambos os cônjuges, na proporção de seus recursos, e abriu nova possibilidade de separação, o que refletiu positivamente para as mulheres em situação de violência. A Constituição Federal de 1988, após longo período ditatorial, é o grande marco para os direitos das mulheres, contribuindo, para tanto, os movimentos de mulheres, conhecidos no período constituinte como o Lobby do Batom. Dentre diversas demandas dos movimentos de mulheres incorporadas ao texto constitucional, cabe destacar os dispositivos que tratam do princípio da igualdade entre homens e mulheres em todos os campos da vida social (art. 5º, I), inclusive na sociedade conjugal (art. 226, § 5º) e, também, a inclusão do art. 226, § 8º, por meio do qual “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. A inserção desse artigo atribui ao Estado a obrigação de intervir nas relações familiares para coibir a violência intrafamiliar, bem como de prestar assistência às pessoas envolvidas. Contudo, houve reações contrárias a essa iniciativa do movimento de mulheres, sob o argumento de que as mulheres “gostam de apanhar” (PIMENTEL, 2003). O Código Penal de 1940 estabelecia como circunstância agravante o agente ter cometido o crime prevalecendo-se das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, mas ignorava-se aplicação aos casos de violência contra as mulheres. Atualmente, o Código ainda abriga essa circunstância agravante acrescida da norma específica, da Lei Maria da Penha, quando o crime for cometido contra as mulheres nas relações doméstico-familiares e afetivas. Em 1995, foi publicada a Lei nº 9.099, que instituiu os Juizados Especiais Criminais para julgar as infrações de menor potencial ofensivo. No entanto, a aplicação dessa Lei aos casos de violência doméstica contra as mulheres, desde logo, se revelou incompatível com as especificidades da violência cometida contra as mulheres e voltava no tempo em que a prática era tolerada e a impunidade era a tônica nesses casos. Convém explicitar, desde logo, que essa Lei não foi criada para os casos de violência nas relações domésticas e familiares contra a mulher, mas atendeu ao chamado constitucional do art. 98 que estabeleceu a criação de juizados especiais criminais, para o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo.

Senado Federal Via N-II, Unidade de Apoio V | CEP 70165 - 900 | Brasília DF Você deve estar se perguntando...Então, como essa lei passou a reger os casos de violência contra as mulheres? Essa discussão vai estar presente ao longo do nosso diálogo, mas, de imediato, podemos adiantar que por um critério objetivo, definiu-se que as infrações de menor potencial ofensivo seriam aquelas com pena fixada na lei, até um ano, posteriormente alterada para dois anos, cumulada ou não com multa. Ora, a maioria das “queixas” de violência, relatadas pelas mulheres, referiam-se a delitos que se enquadravam nessa definição legal (lesão corporal, ameaça, injúria, difamação, vias de fato), e, por essa razão, desaguavam nos Juizados Especiais Criminais. Os casos de violência doméstica contra as mulheres eram submetidos aos mesmos procedimentos dos demais, como se fossem iguais a qualquer outro tipo de delito. O resultado da aplicação da Lei nº 9.099/95 a esses casos, culminando em pagamento de cestas básicas ou prestação de serviço comunitário, banalizava a violência e colocava em maior risco a segurança das mulheres em situação de violência. Essa constatação levou o movimento de mulheres a propor a criação de uma lei específica, com foco na proteção às mulheres em situação de violência. No campo da saúde, importante passo foi dado na visibilização da violência contra a mulher, mediante a instituição da notificação compulsória, de caráter sigiloso, pelos serviços de saúde públicos e privados. A Lei nº 10.778, de 2003, definiu violência contra a mulher como qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade étnica, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público quanto no privado. Assim, em conformidade com a Convenção de Belém do Pará, sobre a qual vamos discutir na próxima unidade, essa lei incorporou à legislação brasileira o conceito da violência contra a mulher como violência de gênero. Posteriormente, alterações foram realizadas no crime de lesão corporal pela Lei no. 10.886, de 2004, criando o tipo especial de “Violência Doméstica”, quando a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. No entanto, as alterações anteriores à Lei Maria da Penha, na esfera penal, foram pontuais, em geral, na questão da majoração da pena, e não produziram o efeito esperado tanto na responsabilização dos autores quanto na prevenção e assistência às mulheres em situação de violência. Assim, no que tange à temática da violência contra as mulheres, muitos anos depois da inclusão do artigo que trata da violência nas relações familiares, no texto constitucional de 1988, surgem leis específicas contra a violência que atinge as mulheres pelo fato de serem mulheres: a Lei Maria da Penha (nº 11.340, de 2006) e a Lei do Feminicídio (nº 13.104, de 2015). Somam-se à legislação brasileira os documentos internacionais de direitos humanos, incormporado ao nosso sistema normativo. Na próxima unidade, vamos conhecer como o sistema de proteção internacional de direitos humanos encampou as demandas das mulheres quanto ao direito de viver sem violência e a resposta dos Estados nessa questão.

Senado Federal Via N-II, Unidade de Apoio V | CEP 70165 - 900 | Brasília DF A CEDAW, embora adotada em 1979 pela Assembleia Geral da ONU, somente entrou em vigor em 1981, quando alcançou o número mínimo de 20 (vinte) ratificações. O Brasil ratificou essa Convenção em 1984, mas com reservas. A declaração de “reserva” significa, em linhas gerais, que a Convenção não será integralmente aplicada. O Brasil fez reservas a essa Convenção, no que tange à obrigação de eliminar a discriminação no casamento e na família, as quais só foram suprimidas em 19 94. Afinal, quando foram apostas reservas, ainda remanesciam vigentes normas discriminatórias contra as mulheres, especialmente no Código Civil de 1916, no capítulo da Família. Na atualidade, mais de 200 países ratificaram essa Convenção. gerando para a cidadã ou cidadão o direito de recorrer às instancias internacionais de direitos humanos contra o Estado brasileiro, por ação ou omissão do próprio Estado ou de particulares. Mas, vamos focar na temática do nosso curso! Em relação à violência contra as mulheres, duas Convenções ganham destaque: A Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW - sigla da Convenção em inglês), adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1979 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – Convenção d e B elém do Pará, adotada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em 1994 e ratificada pelo Brasil em 1995. Para compreender a relevância desses documentos na questão da violência contra as mulheres, é importante trazer a origem dessas Convenções no sistema de proteção internacional de direitos humanos, sob o aspecto da iniciativa e também dos objetivos de transformação social da desigualdade. O primeiro aspecto a se levar em conta é que, sendo essas Convenções específicas na garantia dos direitos de igualdade das mulheres, elas não surgem “naturalmente” no sistema de proteção internacional de direitos humanos. São impulsionadas pelos movimentos de mulheres que levaram para a pauta de discussões dos organismos internacionais a violência contra as mulheres e os mais diversos tipos de violação à sua condição humana. Os primeiros documentos internacionais de direitos humanos adotando o paradigma do sujeito universal “homem”, bem como a família como entidade inviolável (art. 12) não contemplaram a violência contra as mulheres no espaço público, privado e nas relações familiares. Quando a ONU declarou o ano de 1975 como o Ano Internacional da Mulher, os movimentos de mulheres passaram a reivindicar uma Convenção específica com objetivo de obrigar os Estados-Parte a tomar todas as medidas necessárias para a promoção da igualdade entre homens e mulheres na família e em outros campos da vida pública e privada. A Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), adotada em 1979 e amplamente ratificada por vários Países, vem em resposta a essa reivindicação. Logo no art. 1º. define a discriminação contra a mulher como sendo: Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto

Senado Federal Via N-II, Unidade de Apoio V | CEP 70165 - 900 | Brasília DF Leia o documento CEDAW, localizado no Módulo de Apoio em Textos Complementares. ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. (Art. 1º.). A partir dessa Convenção, gera para os Estados que a ratificam, como foi o caso do Brasil, em adotar diversas medidas necessárias à eliminação da discriminação contra a mulher em todas as suas formas, entre as quais, modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na ideia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres (art. 5º. letra a). A Convenção foi um avanço imenso para os direitos das mulheres, mas foi duramente criticada pelo movimento de mulheres internacional pela omissão em seu texto da questão da violência contra a mulher. Conta Télia Negrão (2006) que, mesmo assim, as integrantes do movimento feminista brasileiro passaram a incidir sobre os governos estaduais em busca de mecanismos de combate à violência. Essa omissão somente foi sanada por intermédio da

Recomendação nº 19/92, pela qual foi definida a violência contra a mulher como uma forma de

discriminação, ou seja, a violência dirigida contra a mulher pelo simples fato de ser mulher, e que a afeta de forma desproporcional. É importante ressaltar que, no ano seguinte, em 1993, a Assembleia Geral da ONU, pela Resolução 48/104, de 20/12/1993, adota a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, definindo essa violência como sendo qualquer ato de violência, baseado no gênero, que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual ou psicológico ou em sofrimento para a mulher, inclusive as ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da liberdade, podendo ocorrer na esfera pública ou privada. A partir dessa declaração, a violência contra as mulheres é compreendida como uma violação de direitos humanos (PIOVESAN, 2009). Na questão da violência contra a mulher, a Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, e a Declaração e Plataforma de Ação de Beijing, de 1995, constituem importante reforço na proteção dos direitos humanos das mulheres (PIOVESAN, 2009).

Senado Federal Via N-II, Unidade de Apoio V | CEP 70165 - 900 | Brasília DF A OEA adotou, em 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher - Convenção de Belém do Pará. O Brasil ratificou essa Convenção em

  1. A iniciativa de elaboração dessa norma partiu das integrantes da Comissão Interamericana de Mulheres (CIM), órgão técnico especializado de assessoramento nas questões referentes aos direitos das mulheres na OEA, que incorporou em sua pauta a preocupação advinda dos movimentos contemporâneos feministas nas Américas que denunciavam a existência desse problema social grave, que atingia as mulheres e a omissão do Estado nessa questão. Segundo a Comissão Interamericana de Mulheres, a adoção da Convenção de Belém do Pará, assim conhecida pelo local onde foi adotada, refletiu um poderoso consenso entre atores, estatais e não estatais. Para as integrantes da CIM, a violência compreende a agressão física, sexual e também a psicológica contra as mulheres. Não se resume apenas ao espaço privado, da família, mas em todos os setores da sociedade. Pela primeira vez, passa a constar de uma Convenção, com natureza obrigatória para os países que a assinam e a ratificam, que a violência contra as mulheres é uma violação de direitos humanos. Além disso, converte-se essa Convenção em “uma verdadeira redefinição do direito interamericano sobre direitos humanos para aplicá - lo com uma orientação concreta de gênero”. A Convenção de Belém do Pará define a violência contra a mulher da seguinte forma: Artigo 1 Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. Artigo 2 Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica : a. ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual; b. ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e c. perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

Senado Federal Via N-II, Unidade de Apoio V | CEP 70165 - 900 | Brasília DF A CIM é constituída pelas representantes dos países que compõem a OEA. A formação da CIM é antiga e remonta à época da constituição da OEA. Naquela ocasião, um grupo de mulheres reuniu-se com o propósito de reivindicar o direito de voto e a modificação da condição jurídica da mulher nos países pan-americanos, convencidas de que, no âmbito internacional, obteriam um aliado, frente às resistências de seus governos: “As mulheres, que já estavam se organizando em nível nacional, compreenderam que a desigualdade baseada no gênero não somente existia em seus países, mas também em todo o hemisfério. Confiavam que ao tratar esses temas no âmbito internacional tenderiam a obter maior influência junto aos seus próprios governos” (tradução livre) Adesão voluntária Ratificação da convenção ou outro Ato Internacional Vinculação à Comitê de monitoramento e fiscalização Realização de visitas Busca de informações juntos a ONGs e outras entidades Solicitação de Informes aos Estados Recebimento de denúncias Avaliação da implementação das normativas Acesse aqui o texto da Convenção de Belém do Pará. A adesão ao sistema internacional e regional de direitos humanos é voluntária, mas uma vez ratificada a Convenção ou outro ato internacional, o país se vincula à comunidade internacional, gerando a obrigação de cumprimento das normas acordadas. Cada ato internacional de direitos humanos vincula-se a um Comitê de monitoramento e fiscalização que trabalha a partir de solicitação de Informes aos Estados acerca da situação de direitos humanos no País. Buscam informações junto às Organizações Não Governamentais ou outras entidades da sociedade civil, realizam visitas, recebem denúncias, entre outras ações, para, ao final, avaliarem se as normativas de direitos humanos estão, realmente, sendo cumpridas. Mas como fazer chegar nossas demandas a esses organismos? O caso Maria da Penha Fernandes contra o Estado Brasileiro, levado à Comissão Interamericana da Organização dos Estados Americanos (OEA), com base na Convenção de Belém do Pará, é bem ilustrativo sobre como esse processo ocorre. Vejamos o vídeo: Maria da Penha: um caso de litígio internacional. https://www.youtube.com/watch?v=NB-hglQil-w