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veículo de subversão, Jason M. Harris, na sua análise Folklore and the ... em ruínas, penetrando portas e espelhos, desafiando a compreensão humana.
Tipologia: Slides
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Desmontando Narrativas e Corpos: Uma Reflexão sobre o Corpo no Gótico Feminino na obra Poética de Sylvia Plath e Anne Sexton, e na obra Fotográfica de Francesca Woodman e Cindy Sherman Agradecimentos…………………………………………………………………………iii Resumo………………………………………………………………………………….iv Nota Prévia………………………………………………………………………………v Entrada do diário de Sylvia Plath……………………………………………………….vi Introdução………………………………………………………………………………. Capítulo 1 – Fantasmagorias do corpo feminino …………………………………….. 1.1. Considerações gerais sobre o gótico: génese e evolução de um “vírus literário”…………………………………………………………... 1.2. O gótico feminino………………………………………………………………… 1.2.1. Contextualização das autoras no sub-género do gótico feminino………. 1.3. A insustentável leveza das mulheres fantasma …………………………………… 1.4.Por entre espelhos e campânulas de vidro…………………………………………. 1.4.1. Incursões da heroína do gótico no universo especular………………….. 1.4.2. A campânula de vidro………………………………………………….. 1.5. A morte, a mulher e a criptomimesis…………………………………………….. Capítulo 2 - Figurações do gótico parental ………………………………………...
Chegada ao fim de esta longa jornada, cabe-me deixar uma palavra de agradecimento à minha “peanut-crunching crowd” ( SPCP , 245). Cumpre-me, assim, agradecer ao meu orientador, o Professor Doutor Mário Avelar, pela disponibilidade que sempre demonstrou e pelas sugestões e conselhos inestimáveis. Agradeço igualmente aos meus familiares e amigos que acompanharam de perto esta caminhada e que se mostraram compreensivos, tendo sempre uma palavra de apoio para me animar naqueles dias em que a inspiração tardava em aparecer, naqueles momentos difíceis nos quais se pondera se porventura não nos teremos envolvido num projecto de investigação demasiado ambicioso. A todos queria confessar que valeu a pena todo o esforço e tempo investidos neste trabalho.
Resumo O objectivo desta investigação é o de examinar o modo como Sylvia Plath, Anne Sexton, Francesca Woodman e Cindy Sherman exploraram a representação do corpo da mulher, à luz do gótico, mais especificamente, dentro do enquadramento do gótico feminino. Consequentemente, a obra poética de Sylvia Plath e de Anne Sexton, tal como a obra fotográfica de Francesca Woodman e Cindy Sherman, são exploradas dentro das várias vertentes do gótico: feminino, materno, paterno, doméstico e marital. Elementos tradicionais do gótico, tais como as ruínas, os fantasmas, os monstros, o dopplegänger , o anjo ou a “madwoman” do período vitoriano, conjugam-se com elementos de carácter surrealista (os peixes, as luvas, os espelhos, os cadáveres esquisitos), de forma a ilustrar o modo como o corpo feminino estabelece um diálogo com a geografia do espaço. Neste contexto, é igualmente importante analisar de que forma essas mesmas representações comportam um pendor feminista e determinar como operam enquanto resposta e revisão relativamente ao paradigma patriarcal. No âmbito deste estudo, conceitos operacionais intrinsecamente ligados ao estudo do gótico, tais como o grotesco, o abjecto ou a estranheza, são convocados com o intuito de enriquecer esta análise, no seio da qual o corpo feminino se encontra em permanente flirt com a presença da morte. Palavras-chave: gótico, gótico feminino, corpo, estranheza, espelhos, fantasmas, monstros, horror, morte. Abstract This research aims at examining the way Sylvia Plath, Anne Sexton, Francesca Woodman and Cindy Sherman have carried out female’s body representation, in the light of the gothic, specifically within the female gothic setting. Therefore, both Sylvia Plath’s and Anne Sexton’s poetic oeuvre and Francesca Woodman’s and Cindy Sherman’s photography are explored within the various gothic types: female gothic, maternal gothic, paternal gothic, domestic gothic and marital gothic. In this analysis, traditional elements of the gothic, such as ruins, ghosts, monsters, dopplegängers , the angel and the madwoman of the Victorian epoch, combine with surrealist imagery (fishes, gloves, mirrors, cadavres exquis ) in order to convey the ways in which the female body engages in a dialogue with the geography of space. In this context, it is important likewise to analyse the feminist essence inherent in those representations, and unveil to what extent they constitute an answer and revision regarding patriarchy. In this research, we resort to theoretical concepts intimately linked to the gothic genre, such as the grotesque, the abject and the uncanny, so as to illustrate a female body which appears constantly flirting with death. Key-words: gothic, female gothic, body, uncanny, mirrors, ghosts, monsters, horror, death.
Suddenly, I no longer care – let the wasteland run how it may – I am already in another world – or between two worlds, one dead, the other dying to be born. We are treated as ghosts. ( SPJ , 376)
Introdução Quando se alude ao gótico literário, imediatamente uma paisagem nocturna e soturna se nos imprime na mente. Este é um género literário pleno de paisagens sinistras, onde se avista um cemitério, onde se perfilam casas assombradas, onde se alojam segredos; um género que é, no fundo, permeado por uma escuridão tumular. Todavia, ao mesmo tempo que promete essa mesma escuridão, o gótico também se propõe devassá-la, e trazer para a luz os esqueletos que ganham pó nesses interiores recônditos. Quer a jovem Francesca Woodman (1958-1981) que se passeia por entre as campas e vagueia no interior de casas decrépitas, quer Cindy Sherman (1954-) que destrói e reconstrói manequins reconfigurando as suas anatomias, quer Anne Sexton (1928-1974) que adormece os gritos contidos nos subúrbios, quer Sylvia Plath (1932-
Na verdade, o facto de nos referirmos às protagonistas dos enredos poéticos e visuais saídos do imaginário das autoras em epígrafe, como genuínas heroínas do gótico, contribui para tornar mais coerente o corpo textual da tese em questão que, por sua vez, orbita em torno desse género literário e artístico. Esta manobra de conveniência que tem implícita uma natureza estética serve, por conseguinte, para ilustrar com maior dose de realismo o drama e as angústias que afligem os sujeitos femininos que deambulam pelas paisagens poéticas e visuais das autoras em análise. Em suma, é precisamente pelo facto de lhes reconhecermos qualidades que as colocam no plano de gótico feminino que essa designação se torna legítima. No segundo capítulo, a nossa atenção irá recair sobre dois aspectos que se afiguram pertinentes no contorno da paisagem textual e visual do gótico: a expressão do gótico materno e do gótico paterno. É importante verificar de que forma é que a relação com a figura materna e com a figura paterna condicionam as abordagens poéticas e visuais evidenciadas pelas autoras. Como salienta Anne Williams, na obra Art of Darkness: The Poetics of Gothic : “(…) family stories, especially those involving exclusion and repression, are somehow intimately connected to the Gothic.” (Williams, 1995:11) Quer na composição poética de Anne Sexton e de Sylvia Plath, quer na expressão artística de Francesca Woodman e de Cindy Sherman, a heroína do gótico, à semelhança do que acontece com a sua congénere tradicional, empreende um trajecto muitas vezes subterrâneo, em busca da sua identidade. Implícita nesta demanda, normalmente, está a auto-determinação da heroína do gótico, cuja construção do “Eu” surge assombrada pelo espectro materno e paterno. No que concerne a figura materna, este processo envolve um gesto especular, no âmbito do qual a heroína do gótico pondera os pontos de identificação ou os pontos nos quais a sua identidade se afasta da referência materna. Normalmente, este é um percurso envolto numa certa aura especular, na medida em que a heroína do gótico partilha o mesmo género que a sua mãe. Como realça a este respeito Claire Kahane em “The Gothic Mirror”: “What I see repeatedly locked into the forbidden center of the Gothic which draws me inward is the spectral presence of a dead–undead mother, archaic and all encompassing, a ghost signifying the problematic of femininity which the heroine must confront.” (Kahane, 1985: 336) Quanto à figura paterna, analisar-se-á a forma como esta funciona, ou não, como um signo que assinala a imposição da ordem patriarcal. Como tal, observar-se-á a eventual resistência da heroína do gótico face a esta figura, na medida em que a entrada
na ordem simbólica lhe confere um papel secundário. Esta figura paterna será assim analisada como ícone dos patriarcas, dos guardiães do mundo artístico, no qual as ambiciosas heroínas do gótico pretendem entrar. Por fim, no terceiro e último capítulo, iremos tratar as questões que se prendem com a representação da heroína do gótico no contexto do gótico doméstico. Nesta última parte da investigação, pretende-se observar até que ponto as autoras jogam com as noções de domesticidade feminina, replicando e desconstruindo modelos históricos (nomeadamente o modelo feminino patente na domesticidade Vitoriana) e contemporâneos. Como elemento complementar à faceta doméstica do gótico, é indispensável contemplar, na nossa análise, o gótico marital, nomeadamente os aspectos que se prendem com a presença do demon-lover , na medida em que este interveniente é susceptível de causar um impacto na forma como o espaço doméstico é inicialmente configurado. Quando se dá início aos trabalhos exploratórios que culminarão na redacção do corpo textual da tese surgem uma série de interrogações que se impõem e que por vezes se ocultam por detrás de véus. É precisamente o erguer desses véus que integra a derradeira missão do investigador, muito similar, em certa medida, à própria tarefa de que é incumbido (a) o(a) protagonista do romance gótico. É à personagem principal que cabe o papel de detective ou de explorador indómito, no sentido em que procura desvendar segredos e contextualizar factos, acabando, no fim, por se deparar com um puzzle resolvido, legível e coerente. Esta tese propõe, assim, uma viagem no seio da qual a palavra e a imagem se encontram numa teia gótica de diálogo permanente, numa cumplicidade adivinhada que se desdobra em terrenos tortuosos nos quais somos susceptíveis de nos cruzarmos com criaturas improváveis e oriundas do sobrenatural: fantasmas, vampiros, monstros. No fundo, trata-se de uma descida em direcção a universos paralelos, casas assombradas, cavernas, caves, sótãos, hospitais psiquiátricos, espaços que constituem lugares comuns no submundo do gótico. A caminhada por entre estes “marrowy tunnels” ( SPCP , 132)^3 do gótico nunca foi uma caminhada fácil, já que corpos femininos que habitam este verdadeiro heart of darkness traduzem corpos em sofrimento, uns de natureza espectral, outros feridos, outros pulverizados, desmontados ou desfigurados. (^3) Expressão utilizada por Plath em “Dark House” (“Poem for a Birthday”) que evoca um espaço sinuoso e subterrâneo, num registo que remete para uma espacialidade de natureza gótica.
1.Fantasmagorias do corpo feminino 1.1.Considerações gerais sobre o gótico: génese e evolução de um “vírus literário” In Gothic novels readers discovered, or were reacquainted with, the night side of life. (Edmundson, 1999:8) Quando se pensa a nível do gótico, a imaginação começa a vaguear em direcção a um espaço literário onde predominam ruínas, personagens misteriosas, monstros, fantasmas e assassinos em série. É precisamente esta paisagem das trevas, de que é feita a anatomia orgânica do corpo do gótico, que motivou David Reynolds a afirmar que, quando o leitor opta por este género, está prestes a embarcar numa “Dark Adventure” (Reynolds, 1989:190). Por seu turno, Dani Cavallaro destaca a existência de toda uma atmosfera de escuridão que envolve o discurso do gótico e que alastra da paisagem para a psiqué das personagens intervenientes no enredo: Beside the hardware of places and times of darkness one has to take into account the software of dark psyches: Gothic mentalities tinged with neurotic, psychotic and paranoid proclivities. In this mental realm, the night is always dark regardless of the amount of moonlight shed upon it since the moon is itself cold, stabbing, unable to supply any sense of comfort? As landscape and architecture, climate and seasons, thoughts and emotions collude to evoke a tenebrous universe, paradoxically light ultimately proves as impenetrable as darkness itself. (Cavallaro, 2002:21) Teorizadores do gótico, como Fred Botting, David Punter, Robert Miles, entre outros, são peremptórios em afirmar que, apesar de as suas origens se revestirem de contornos algo imprecisos,^4 o notável pioneiro que se propôs explorar o lado mais negro da alma humana foi Horace Walpole, em 1764, com a obra The Castle of Otranto.^5 Walpole inaugurou assim uma tradição que veio a ser posteriormente explorada por escritores como Mathew Lewis, autor de The Monk (1796), Anne Radcliffe, autora de The Mysteries of Udolpho (1794), William Beckford, autor de Vathek (1786), ou Charles (^4) David Punter observa, precisamente, em relação às origens do gótico: “It is not possible to put a precisedate on this change, but it was one of huge dimensions which affected whole areas of architectural, artistic and literary culture in Britain and also in some parts of mainland Europe.” (Punter and Byron, 2004:8) (^5) Markman Ellis, na obra The History of Gothic Fiction , argumenta a este respeito: “Judgements about the propriety and value of the gothic lay behind Horace Walpole’s decision to rename the second edition of his novel, The Castle of Otranto : when it first appeared on 24 December 1764, the anonymous novel was subtitled ‘A Story’; the second edition, published in April 1765, prompted by the rapid sale of the first 500 copies, was subtilted ‘A Gothic Story’.” (Ellis, 2000:17) Mais tarde, escritores tais como Clara Reeve viriam a adoptar sub-títulos semelhantes para os seus romances. Reeve intitulou a sua obra The Old English Baron: A Gothic Story (1777).
Maturin, com o seu romance do Judeu errante, Melmoth the Wanderer (1820).^6 O gótico surgia, deste modo, como um movimento literário, podemos até chamar-lhe saudosista e melancólico, que procurava enaltecer o passado, e tudo o que se prendia com a Idade Média, ou as “Dark Ages”.^7 Desta forma, a luz e a racionalidade, valores que o Iluminismo tanto prezava, eram contrapostos pelas trevas e pelo irracional, típicos desse período histórico culturalmente considerado como sinónimo de algo mais rudimentar. Como assinala David Punter, o gótico começou, a partir de certa altura, a albergar no seu espectro tudo o que se relacionava com a Idade Média, em oposição ao Classicismo: (…) if ‘Gothic’ meant to do with what was perceived as barbaric and to do with the medieval world, it could be seen to follow that it was a term which could be used in structural opposition to ‘classical’. Where the classical was well ordered, the Gothic was chaotic; where the classical was simple and pure, Gothic was ornate and convoluted; where the classics offered a world of clear rules and limits, Gothic represented excess and exaggeration, the product of the wild and the uncivilized, a world that constantly tended to overflow cultural boundaries. (Punter e Byron, 2004:7) Rotulado de subgénero ou género secundário, por muitos dos aclamados críticos da época, e muitas vezes considerado como um mero apêndice do Romantismo,^8 o gótico foi, pouco a pouco, sedimentando a sua tradição através do surgimento de obras literárias que sustentavam certas convenções que lhes eram comuns. No seio desta tradição literária foram sendo gradualmente reconhecidos aspectos estéticos particulares e específicos, os quais Andrew Smith denomina “Gothic motifs”, que contribuíram para o definir, ao longo da História, como um género autónomo dentro do universo global da produção literária: Despite the national, formal and generic mutations of the Gothic, it is possible to identify certain persistent features which constitute a distinctive aesthetic. Representations of ruins, castles, (^6) Outras obras que também se inscrevem nesta tradição da narrativa gótica são: The Recess or The Tale of Other Times (1783), Vathek (1786) de William Beckford, Zolfoya (1806) de Charlotte Dacre ou Private Memoirs and Confessions of a Justified Sinner (1824), de James Hoggs. (^7) Markman Ellis, na sua obra sobre a génese do gótico, refere: “(…) the Goths were the barbarians who destroyed classical Roman civilization and plunged the civilized world into centuries of ignorance and darkness. The Goths were a German tribe who lived on the northern and eastern borders of the Roman Empire, who, after long-running border disputes, launched a widespread invasion of the empire in 376 AD. (…) By the eighteenth century, ‘Goth’ was a blanket term for any of the German tribes, as if distinctions between individual tribes were not significant. (…).The term ‘gothic’ came to stand for medieval culture, and thus for the culture dominant in England in the ‘Dark Ages’ (in the period from the seventh to the thirteenth centuries). (Ellis, 2000:22) (^8) Helen Meyers, na sua obra Femicidal Fears: Narratives of the Female Gothic Experience , afirma, alias, a este respeito: “As a literary genre, the Gothic has long been considered a bastard cousin of both Romanticism and psychological realism.” (Meyers, 2001:17)
Susan Yi Sencindiver, no seu ensaio intitulado “Fear and Gothic Spatiality”, estabelece uma ligação entre essa mesma transgressão operada pelo gótico enquanto género literário, e a estrutura arquitectónica que lhe é inerente: As a result of their consanguinity, Gothic architectural space and fiction mirror mutual essential features; the former permeates all the layers of the latter. The irregular design and mammoth dimensions of the former display aspiring towers endeavoring to pierce heaven, the profusion of ornament, and lack of proportion. This, in turn, reflects the transgressive literary practice of the latter; a genre that is aesthetically extravagant, places a centrality on the supernatural challenging the bounds of rational understanding, and is designed to encourage an inordinate emotional impact on its readers. (Sencindiver, 2010:4) Com efeito, o gótico parece alimentar-se substancialmente da complexidade inerente à sua espacialidade; os tais “gloomy and mysterious”ambientes, a que Fred Botting faz referência, constituem um retrato metafórico da escuridão que assola a alma e, como tal, um reflexo de um estado psicológico. É precisamente nessa acepção que Dani Cavallaro imagina o decorrer de uma narrativa gótica como uma espécie de descida que pode ser considerada uma “dream-like journey” (Cavallaro, 2002:39). À medida que descemos no espaço arquitectónico, em direcção às profundezas, estamos simultaneamente a fazer uma viagem aos medos e ansiedades que assombram o inconsciente humano. Peter Garret, na sua obra de referência, Gothic Reflections: Narrative Force in Nineteeth-century Fiction , advoga que existe, de facto, no enquadramento geral que envolve as narrativas góticas, um desejo de desestabilizar e de provocar um efeito perturbador no leitor (ou no espectador, caso se trate de uma fonte audiovisual) que se traduz numa força esmagadora que acaba, por fim, por funcionar como motor da própria narrativa: What Gothic most often reflects on is the sense of narrative force , the force of the desire to disturb and to be disturbed that joins tellers and their audiences and the counterforces that seek to control disturbance, the force of destiny that overwhelms characters, the force of repetition that generates multiplying versions. (Garret, 2003:10) De facto, em virtude dos terrores e horrores descritos no seio dos enredos góticos, os escritores, adeptos deste género literário como forma de expressão criativa, eram acusados pelos críticos da época de estarem envolvidos numa prática literária denominada de “Terrorist novel writing”^9 (Botting, 1996: 15). Consequentemente, e (^9) Rictor Norton, na sua obra de referência Gothic Readings: The First Wave, 1764-1840 , esclarece a origem de este conceito, explicando: “(…) the attack on Gothic novels in the contemporary press was informed by a conservative political ideology. As the Revolution in France degenerated unto the
face à designação algo depreciativa, muitos críticos literários relegavam a ficção de índole gótica para segundo plano no que dizia respeito à sua qualidade literária, o que em parte também acontecia em virtude das suas incursões no fantástico e nos excessos daí decorrentes. Na verdade, o apelo generalizado da ficção gótica, segundo a opinião dos críticos da época, não parecia exercer uma influência benevolente sobre o leitor comum. Dentro deste enquadramento, Maggie Kilgour coloca ênfase nestes receios que vigoravam a nível social que tinham por sua vez a ver com a potencial influência que os temas abordados, e naturalmente as temáticas “perniciosas” do gótico pudessem exercer sobre os indivíduos: With its cast of extreme characters, unnatural settings and perverse plots, the gothic played a significant part in late eighteenth century debates over the moral dangers of reading (…) there was a mistrust of the reader’s ability to handle the heavy responsibility, and a wariness of the potentially pernicious influence of literature on a broad naive market, The spread of literacy, the growth of a largely female and middle-class readership and of the power of the press, increased fears that literature could be a socially subversive influence. (Kilgour, 1995:6) Com efeito, Fred Botting considera: “Existing in relation to other forms of writing, Gothic texts have generally been marginalised, excluded from the sphere of acceptable literature.” (Botting, 1996:15) Ainda assim, e apesar de ser considerado como um género inferior,^10 ou subgénero literário, o gótico apresentava uma vertente pedagógica, de cariz positivo, no sentido em que, nas suas narrativas, aquelas personagens cujo comportamento violava o décorum vigente, eram submetidas a um castigo no final da história: Gothic novels frequently adopt this cautionary strategy, warning of dangers of social and moral transgression by presenting them in their darkest and threatening form. The tortuous tales of vice, corruption and depravity are sensational examples of what happens when the rules of social behavior are neglected. (Botting, 1996:7) wholesale slaughter of the Terror, which seemed to bury the ideas of liberty, equality and fraternity, much of the reactionary ruling class in England condemned such democratic ideals as leading to the complete collapse of society. Gothic novels were politically censured as ‘the terrorist system of writing’, and their authors denounced as Jacobins set on destroying England. (Norton, 2006:xi) (^10) Susan Becker assinala que a marginalização do gótico passa pelo facto de este funcionar quase como um anti-género. Assim, esta secundarização do género em epígrafe defendida por alguns críticos é susceptível de ocorrer “ (…) because the gothic is the genre of negativities, of the un -real, the anti - rational, the im moral. (Becker, 1999:22)
of the wind, the echo of distant footsteps, lurking shadows, gliding forms, inexplicable groans, mysterious music (…). (Birkhead, 2008:56-57) De facto, esta impressão de insegurança causada por algo (uma situação, um local, um rosto, uma sombra) que à primeira vista parece ser familiar, e depois não o é, configura precisamente a essência do que Sigmund Freud designa uncanny (unheimlich ).^11 É precisamente este impacto provocado por um certo estranhamento que abala os alicerces que sustêm a segurança quer das personagens, quer do leitor, que acaba por ser inconscientemente contagiado por esta ambiguidade. Segundo Freud, a experiência inerente ao uncanny tem na sua origem “something familiar that has been repressed.” [Freud, 2003 (1919):154] Peter Garret salienta que a tensão que advém do confronto entre as forças conscientes e inconscientes, que se debatem na mente do sujeito, e que são responsáveis pela origem da chamada duplicidade, se encontram intimamente ligadas com o fenómeno deste estranhamento que assola muitas narrativas góticas: Gothic reflections work differently, in part because the uncanny events and effects of Gothic already estrange us from the familiar; their reflexivity is always linked with the problematic relations of subjectivity and the social, their self-consciousness always in tension with the forces of the unconscious. (Garret, 2003:9) No século XIX o gótico passa a ser palco para narrativas que se debruçam particularmente sobre os “murky recesses of human subjectivity” (Botting, 1996:11) traduzindo, por sua vez, o que Eugenia Delamotte denomina “the most private demons of the psyche” (Delamotte, 1990: vi). Na verdade, é nesta altura que os duplos e os alter-egos começam a emergir na literatura gótica, pondo em evidência a relação do ser humano com o “Outro”, cada vez mais impelindo-o no sentido de questionar a sua identidade e integridade sócio-psicológica.^12 Na sua análise The Gothic Other: Racial and Social Constructions in the Literary Imagination , Ruth Anolik ressalta a ligação histórica que o género em epígrafe sempre manteve com a alteridade, e as consequências daí provenientes: The Gothic is marked by an anxious encounter with otherness, with the dark and mysterious unknown. From its early manifestations in the turbulent eighteenth-century, this seemingly (^11) O termo uncanny , ou no seu original unheimlich , foi discutido num ensaio redigido por Sigmund Freud, em 1919. Este ensaio surge como uma revisão da obra de Ernst Jentsch, On the Psychology of the Uncanny (1906). (^12) Julian Wolfreys salienta a este respeito: “(…) in double there is both that which is familiar enough to be disturbing and strange enough to remind us of the otherness that inhabits the self-same” (Wolfreys, 2002:15).
escapist mode has provided a useful ground upon which to safely confront very real fears and horrors. (Anolik, 2004:1) De facto, este encontro torna-se, por vezes, num confronto já que a alteridade é um espaço onde a ambiguidade prepondera, originando consequentemente uma atmosfera onde imperam a instabilidade e a ansiedade. O espaço da narrativa gótica torna-se assim o locus privilegiado, no seio do qual ocorre uma exploração da dupla natureza humana, sendo objecto de especial enfoque o seu lado mais negro e ameaçador. Segundo Anolik, este encontro, desencontro ou confronto com a duplicidade do “Eu” dá-se através da criação de um ambiente de segurança a qual nos é oferecida pelas páginas da literatura gótica. Consequentemente, este torna-se no tal “safe ground” onde o leitor se sente seguro porque lhe é dada a faculdade de contemplar, com o distanciamento necessário, qual voyeur , este desdobramento psíquico sofrido pela personagem. Como alega Coral Ann Howells, autora de Love, Mystery and Mysoginy: Feeling in Gothic Fiction : (…) as readers we are constantly placed in the position of literary voyeurs, always gazing at emotional excess without understanding the why of it (…).The springs of these emotions elude us, so that we can only look on with appalled fascination as floods of feeling rush through the characters, distorting their physical features with alarming rapidity. (Howels, 1978: 15-16) A este fenómeno emocional, que consiste em contemplar algo que nos horroriza ou nos repugna, de um ponto de vista seguro e distanciado, como constitui exemplo vivo, a leitura de um livro (ou o visionamento de um filme), Terry Heller dá o nome de “safe thrills” (Heller, 1987:72).^13 Esta noção de segurança é conferida ao leitor ou ao espectador através de aplicação de convenções e estratégias próprias do gótico, que lhe outorgam um sentimento de poder sobre os acontecimentos narrados. Como, aliás, salienta Patrick Bridgwater: “Readers of all age enjoy being frightened within safe limits.” (Bridgwater, 1994:82) Consequentemente, e face a este ambiente aparentemente seguro e controlado, o duplo começou a ser a personagem através da qual as contradições inerentes à personalidade da personagem principal poderiam ser reveladas. Como admite Mark Edmunsdson: “One of the major resources of this Gothic mode is the double. The idea (^13) Terry Heller esclarece o significado deste conceito, ao observar: “[The gothic narrative] presents the implied reader with ideas and images of terror screened by various conventional and special techniques so that the real reader can experience power over these images and ideas. This is what we mean by safe thrills.” (Heller, 1987:72)