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Desigualdades e assimetrias da ordem global, Notas de estudo de Crescimento

Esta tendência se reverteu depois da Segunda Guerra Mundial mas, de qualquer modo, os países desenvolvidos (incluindo agora o Japão) continuam concentrando ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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DESIGUALDADES E ASSIMETRIAS DA ORDEM GLOBAL CAPÍTULO 3
77
Desigualdades e assimetrias
da ordem global
O processo de globalização deu origem não só a uma crescente
interdependência, mas também a fortes desigualdades internacionais.
Para ilustrá-lo, empregamos um conceito amplamente utilizado em
recentes debates, onde a economia mundial é um campo de jogo
extremamente desnivelado,1 cujas características marcantes são a
concentração do capital e a geração de tecnologia nos países
desenvolvidos, bem como sua forte gravitação no comércio de bens e
serviços. Estas assimetrias, que caracterizam a ordem global,
constituem a base das profundas desigualdades internacionais no que
se refere à distribuição da renda.
Este capítulo concentra sua atenção na análise destas
desigualdades e assimetrias da ordem global. A identificação precisa
destes problemas é necessária, a fim de que se possa atenuá-los e,
eventualmente, superá-los. A primeira seção resume, de maneira
estritamente factual, a evolução das desigualdades na distribuição da
renda mundial durante os últimos séculos. A segunda enfoca sua
atenção sobre as assimetrias entre países desenvolvidos e países em
desenvolvimento e a forma variável como elas foram tratadas no
debate internacional depois, da Segunda Guerra Mundial.
1 En oposição à expressão level playing field que neste contexto significa condições iguais para todos.
Capítulo 3
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DESIGUALDADES E ASSIMETRIAS DA ORDEM GLOBAL CAPÍTULO 3

Desigualdades e assimetrias

da ordem global

O processo de globalização deu origem não só a uma crescente interdependência, mas também a fortes desigualdades internacionais. Para ilustrá-lo, empregamos um conceito amplamente utilizado em recentes debates, onde a economia mundial é um “campo de jogo” extremamente desnivelado,^1 cujas características marcantes são a concentração do capital e a geração de tecnologia nos países desenvolvidos, bem como sua forte gravitação no comércio de bens e serviços. Estas assimetrias, que caracterizam a ordem global, constituem a base das profundas desigualdades internacionais no que se refere à distribuição da renda. Este capítulo concentra sua atenção na análise destas desigualdades e assimetrias da ordem global. A identificação precisa destes problemas é necessária, a fim de que se possa atenuá-los e, eventualmente, superá-los. A primeira seção resume, de maneira estritamente factual, a evolução das desigualdades na distribuição da renda mundial durante os últimos séculos. A segunda enfoca sua atenção sobre as assimetrias entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento e a forma variável como elas foram tratadas no debate internacional depois, da Segunda Guerra Mundial.

(^1) En oposição à expressão “level playing field” que neste contexto significa “condições iguais para todos”.

Capítulo 3

PARTE I: VISÃO GLOBAL

I. Desigualdades na distribuição da renda mundial

1. As disparidades de longo prazo entre regiões e países

O aumento das disparidades de renda entre regiões e países foi uma característica da economia mundial durante os dois últimos séculos. De fato, como mostra o quadro 3.1, o quociente entre o produto por habitante das regiões mais e menos desenvolvidas do mundo, que oscilava em torno de três no começo do século XIX, aumentou de maneira sustentada até quase vinte na atualidade. A única exceção a esta tendência é o período 1950-1973, em que esse diferencial diminuiu ligeiramente (Madisson, 1995 e 2001). 2

Em termos gerais, as grandes disparidades inter-regionais de produto por habitante já estavam determinadas antes da Primeira Guerra Mundial, mas continuaram acentuando-se rapidamente até meados do século XX 3 e continuaram ampliando-se a um ritmo um pouco inferior desde então. Este é, como veremos, um padrão que se repete com outros indicadores de desigualdade na distribuição da renda mundial. O menor ritmo de ampliação das desigualdades depois da Segunda Guerra Mundial coincidiu com a aceleração do crescimento econômico no mundo em desenvolvimento, que foi uma das características distintivas da segunda fase de globalização.

Cabe recordar, por outro lado, que esta aceleração se caracterizou inicialmente por uma política muito protecionista e só mais tarde —a partir da década de 1960, mas especialmente das décadas de 1980 e 1990— por uma maior abertura e participação nas correntes do comércio mundial (ver o capítulo 2).

A América Latina e o Caribe mostram traços particulares dentro desta evolução. Em primeiro lugar, foi uma das primeiras regiões do mundo em desenvolvimento a inserir-se nas correntes de globalização.^4 Desde as primeiras fases deste processo, nossa região contribuiu para formar, juntamente com a Europa Central e Oriental, o grupo dos países de renda média no contexto mundial, ao qual se agregaram alguns países asiáticos nas últimas décadas. Embora não existam dados precisos, a brecha do produto por habitante em relação com a região mais desenvolvida do mundo se ampliou entre 1820 e 1870, mas se estabilizou desde então. De fato, como indica o quadro 3.1B, a disparidade entre o produto per capita^ da América Latina e do Caribe e o da região mais desenvolvida do mundo se manteve estável durante pouco mais de um século na faixa de 27%-29% e só a partir de 1973 se reduziu (a 23% em 1990 e 22% em fins do século XX). Em relação com o produto médio mundial, aumentou entre 1870 e 1950 e se reduziu moderadamente até 1973 e de forma mais acelerada entre 1973 e 1990.

O bom desempenho relativo da região, a respeito de outros países em desenvolvimento, durante a primeira fase de globalização (1870-1913) foi sucedido por um êxito similar durante as primeiras etapas do "desenvolvimento para dentro" que tiveram lugar após o colapso do processo de globalização no âmbito mundial. Durante a segunda fase de globalização (1945-1973), a América Latina e o Caribe alcançaram os ritmos de crescimento do PIB por habitante mais altos de sua história, embora a aceleração do crescimento tenha sido um pouco menor que a do mundo. 5

(^2) Ver, também, Bairoch (1981). O autor estima, porém, que os diferenciais de renda por habitante no fim do século XVIII e início do

3 século XIX eram substancialmente inferiores aos calculados por Maddison. Dado seu peso relativo na população mundial, uma das razões básicas das tendências mencionadas foi a relativa estagnação da Ásia (com exceção do Japão e um ou outro país) até meados do século XX e, pelo contrário, a aceleração do crescimento econômico nessa 4 região nas décadas posteriores^ à^ Segunda Guerra Mundial. Bulmer-Thomas (1994), Thorp (1998), Cárdenas, Ocampo e Thorp (2000a, 2000b). Hofman (2000) apresentam uma análise mais

5 detalhada do desempenho da região desde meados do século XX. É interessante ressaltar que, se levarmos em conta os efeitos da transição demográfica, a aceleração do crescimento da região em 1950-1973 se torna mais marcante, desacelerando-se posteriormente. Se calcularmos o PIB em relação à população em idade ativa e não à população total, o crescimento se acelera de 1.4% em 1913-1950, para 2.7% em 1950-1973, diminuindo para 0.4% em 1973-1998.

PARTE I: VISÃO GLOBAL

Conseqüentemente, o atraso relativo da região só ocorreu durante a terceira fase de globalização (desde 1973), como resultado da deficiente inserção na globalização financeira e a conseqüente crise da dívida. A recuperação posterior à “década perdida” dos anos 1980 foi, além disso, frustrante. Como mostrou a CEPAL em diversos estudos, este fato se refletiu em um crescimento relativamente deficiente depois do intenso processo de reformas econômicas que se iniciou nos anos 1970 em alguns países e, de maneira mais generalizada, entre meados da década de 1980 e começo da década de 1990.^7

Tanto as variações no produto por habitante quanto as diferenças na dinâmica demográfica das regiões do mundo contribuíram para gerar alterações importantes na distribuição da produção mundial (quadro 3.1). No século XIX, o elemento mais marcante foi o surgimento da Europa Ocidental e dos "rebentos ocidentais" na América e Oceania (Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), para utilizar a terminologia de Maddison, às custas da Ásia. Este processo envolveu uma maciça concentração da produção manufatureira do mundo nos eixos dinâmicos do capitalismo. Esta tendência se reverteu depois da Segunda Guerra Mundial mas, de qualquer modo, os países desenvolvidos (incluindo agora o Japão) continuam concentrando mais da metade da produção mundial, especialmente nos setores manufatureiros e de serviços mais intensivos, em tecnologia. Dentro destas tendências mundiais, a América Latina e o Caribe ganharam crescente participação na produção mundial até 1973, estagnando-se desde então.

O quadro 3.2 enfoca as diferenças do produto por habitante dos versos países do mundo. Seguindo as tendências já indicadas para as disparidades entre regiões, a característica mais marcante é o forte e contínuo aumento das desigualdades entre países. O processo foi igualmente acelerado até 1950, tendo desacelerado posteriormente, em especial durante a segunda fase da globalização.

A única evidência de convergência nos níveis de produto por habitante é a que experimentaram os países desenvolvidos durante essa segunda fase (sua "idade de ouro"). Este fato é evidente no quadro 3.2, tendo sido objeto de atenção detalhada em vários estudos (ver, por exemplo, Maddison, 1991). Este processo continuou, embora a um ritmo mais lento, até 1990, detendo-se na última década do século XX. Outro período histórico com evidência de convergência ocorre durante a primeira fase de globalização, mais precisamente, durante a segunda metade do século XIX. Para este período, O'Rourke e Williamson (1999) mostraram que evidências de convergência salarial entre os Estados Unidos e a Europa, determinada fundamentalmente pela migração maciça de mão-de-obra européia para o Novo Mundo. Este processo de equivalência salarial também se produziu dentro da Europa Ocidental, entre alguns países então periféricos (especialmente os países escandinavos, Áustria e, em menor grau, Itália e Irlanda) e os mais desenvolvidos (Alemanha, França, Holanda e Reino Unido). Todavia, de acordo com os mesmos autores, o processo não incluiu outros países da própria periferia européia (os mediterrâneos, excluindo-se a Itália, e os da Europa Central e Oriental) e, menos ainda, outras regiões do mundo. Portanto, mesmo no conjunto de países que hoje integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), houve uma leve divergência na evolução do produto por habitante, mais acentuada ainda se considerada em um conjunto mais amplo de países (ver quadro 3.2).

(^7) Ver, em particular, CEPAL (1996a, e 2001b), Stallings e Peres (2000) e Escaith e Morley (2001).

DESIGUALDADES E ASSIMETRIAS DA ORDEM GLOBAL CAPÍTULO 3

Quadro 3. ÍNDICES DE DESIGUALDADE DA RENDA PER CAPITA NO MUNDO 1870 1913 1950 1973 1990 1998 A. Índice de dispersão (^) a/ Países industrializados da OCDE 0.43 0.45 0.50 0.24 0.22 0. 34 países 0.58 0. 48 países 0.70 0. 141 países 0.96 1.07 1.13 1. Países em desenvolvimento 0.85 0.93 0.94 1. América Latina e Caribe 0.51 0.56 0.60 0. B. Desvio logarítmico médio b/ Países industrializados da OCDE 0.08 0.09 0.11 0.03 0.02 0. 34 países 0.16 0. 48 países 0.24 0. 141 países 0.54 0.56 0.58 0. Países em desenvolvimento 0.53 0.50 0.42 0. América Latina e Caribe 0.14 0.14 0.16 0.

Fonte : Cálculos da CEPAL sobre dados de Angus Maddison, The World Economy. A Millennial Perspective , Paris, Centro de Estudos do Desenvolvimento, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 2001

a/ Desvio-padrão do logaritmo do PIB per capita. b/ Média dos logaritmos da razão média do PIB per capita/PIB per capita de cada país.

No último quarto do século os textos sobre crescimento econômico exploraram amplamente este tema.^8 Em geral, as análises confirmam que não houve um processo de convergência mundial dos níveis de renda por habitante no sentido normalmente utilizado; no presente documento, os autores adotaram a expressão “convergência incondicional”. Todavia, diversos estudos denotam certa evidência estatística de “convergência condicional”, ou seja, quando se consideram outros fatores de incidência sobre o crescimento dos países, tais como o grau de escolaridade de sua população, sua infra-estrutura, sua estabilidade macroeconômica e suas instituições políticas, sociais e econômicas. A explicação básica é que a distribuição destes determinantes do crescimento econômico é tão desigual quanto à do próprio produto por habitante, ou mesmo pior. Isto fez com que alguns autores questionassem a validade do conceito de “convergência condicional”.

O quadro 3.3 ilustra outro fenômeno, inteiramente diferente: a forte e crescente dispersão dos ritmos de crescimento dos países em desenvolvimento durante o último quarto do século XX, ou seja, a crescente freqüência de países “ganhadores” e “perdedores”. Com efeito, esta dispersão aumentou tanto no período 1973-1990 quanto, novamente, na década de 1990. É importante ressaltar que este processo é muito mais geral que a tendência ao aumento das disparidades internacionais no produto por habitante e afeta, de fato, todas as regiões, e tanto os países com níveis de rendas baixos como médios. Uma diferenciação semelhante aconteceu nos países, tanto entre diversos setores sociais, como em diferentes territórios. Todas estas dimensões contribuem, sem dúvida, para a grande incerteza a respeito do futuro que afeta as sociedades contemporâneas. Esta insegurança gera uma nova demanda sobre o sistema internacional e os sistemas de proteção

(^8) Entre outros textos da vasta bibliografia sobre a matéria, ver Barro e Xala-i-Martin (1995), Quah (1995), Barro (1997), Pritchett (1997), Ros (2000), Kenny e Williams (2000) e Easterly (2001a, 2001b).

DESIGUALDADES E ASSIMETRIAS DA ORDEM GLOBAL CAPÍTULO 3

Gráfico 3. DESIGUALDADE INTERNACIONAL PONDERADA, 1950-

Fonte : Branko Milanovic, “World Income Inequality in the Second Half of the 20 th^ Century”, Washington, D.C., Banco Mundial, 2001, inédito. Gráfico 3. DESIGUALDADE GLOBAL DE RENDA INDIVIDUAL, 1820-

Fonte : Branko Milanovic, “World Income Inequality in the Second Half of the 20 th^ Century”, Washington, D.C., Banco Mundial, 2001, inédito.

A. Mundo

B. Excluindo China e Índia

1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995

Mundo

1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995

Mundo sem Índia e China

Mundo sem China

Coeficientes de desigualdade de Theil 1800 1820 1840 1860 1880 1900 1920 1940 1960 1980 2000

Desigualdade global

Desigualdade interna

Desigualdade entre países

PARTE I: VISÃO GLOBAL

A conjunção destas duas tendências é, de fato, uma das características mais marcantes da terceira fase da globalização (ver, por exemplo, UNCTAD, 1997, PNUD, 1999 e Milanovic, 1999). Com efeito, diversos estudos mostraram que a relativa estabilidade da desigualdade nos países, que caracterizou a economia mundial nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial (ver, por exemplo, Deininger e Squire, 1996), foi seguida de uma desigualdade cada vez maior durante o último quarto do século XX (ver, a respeito, os cálculos de Cornia (1999), reproduzidos no quadro 3.4). De acordo com esta análise, 57% da população incluída em uma amostra de 77 nações residia em países com um grau crescente de desigualdade na distribuição de renda no período 1975-

  1. Somente 16% viviam em nações como graus decrescentes de desigualdade. O resto correspondia à população de países com níveis estáveis de desigualdade, ou com tendências não- identificáveis. Estas tendências gerais se verificam, com algumas variações, nas principais regiões do mundo desenvolvido, em transição e em desenvolvimento.

No caso dos países desenvolvidos, esta evolução adversa da distribuição de renda foi mais marcante, pois 72% de sua população estava situada em países com desigualdades crescentes. É importante ressaltar que esta deterioração distributiva relativamente generalizada não se deu no mundo desenvolvido durante as duas fases anteriores do processo de globalização.^10 Segundo diversas análises (Atkinson, 1996 e 1999 e Cornia, 1999), a maior desigualdade deveu-se a um aumento das diferenças salariais, cujas principais causas foram a erosão das instituições de proteção trabalhista e o progresso técnico tendente a uma maior qualificação da mão-de-obra, com possíveis contribuições da liberação do comércio; alguns autores (Wood, 1998) dão um maior peso a este último fator. Aqueles países industrializados que mantiveram instituições centralizadas para a determinação dos salários (Alemanha e Itália), e que atribuíram maior importância às organizações de trabalhadores, junto com a defesa dos salários mínimos (França), conseguiram conter o impacto dos fatores mencionados, os quais contribuíam para uma maior desigualdade. Pelo contrário, Austrália, Estados Unidos, Nova Zelândia e Reino Unido, com negociações salariais descentralizadas e mercados trabalhistas mais flexíveis, experimentaram os maiores incrementos da desigualdade na distribuição da renda.

Quadro 3. TENDÊNCIA MUNDIAL DA DESIGUALDADE DE RENDA, 1975- (Porcentagens de população)

Grupos de países Desigualdadecrescente Desigualdadeestável Desigualdadedecrescente Tendidentificência návelão

Países industrializados 71.8 1.2 27.0 0.

Europa Oriental 98.1 0.0 0.0 1. Ex-União Soviética 100.0 0.0 0.0 0.

América Latina 83.8 0.0 11.4 4. Sul da Ásia e Oriente Médio 1.4 70.2 14.4 14.

Leste da Ásia 79.4 4.4 16.1 0. África 31.6 11.9 7.7 48.

Mundo 56.6 22.1 15.6 5.

Fonte : CEPAL, Crecer con estabilidad: el financiamiento del desarrollo en el nuevo contexto internacional, Bogotá, D.C., Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL)/Alfaomega, 2001; com base nos dados de Giovanni Andrea Cornia. “Liberalization, Globalization and Income Distribution”, Documento de Trabalho, N° 157, Helsinki, Universidade das Nações Unidas (UNU)/Instituto Mundial de Pesquisa Econômica para o Desenvolvimento (WIDER), 1999.

(^10) As tendências durante a segunda fase da globalização, já foram discutidas. Durante a primeira, de acordo com O'Rourke e Williamson (1999) e Lindert e Williamson (2001), variaram de acordo com o país: deterioração nos países ricos em recursos naturais; melhoria nos países europeus com forte base agrária (basicamente os grandes países da Europa continental); e nenhuma tendência clara nos países mais industrializados da Europa.

PARTE I: VISÃO GLOBAL

Gráfico 3. DESIGUALDADE E RIQUEZA

A. Índices de Gini regionais e logarítmo da renda per capita

Fonte : Palma (2001b-Distribución). Nota : AL : Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. AF : África do Sul, Burkina Faso, Burundi, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Lesoto, Madagascar, Mali, Mauritânia, Moçambique, Níger, Nigéria, Quênia, Ruanda, Senegal, Suazilândia, Tanzânia, Uganda, Zâmbia e Zimbábue. EO1 : Singapura, Coréia e Taiwan. EO2 : Filipinas e Malásia. SA : Bangladesh, Cambódia, China, Índia, Indonésia, Laos, Paquistão, Sri Lanka e Vietnã. OCDE 1 : Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Suécia e Suíça. OCDE 2 : Austrália, Canadá, Estados Unidos, Irlanda, Nova Zelândia e Reino Unido. Ex-c 1 : Bulgária, Croácia, Eslovênia, Hungria, Polônia, Romênia, República Eslovaca e República Tcheca. Ex-c 2 : Belarus, Cazaquistão Estônia, Federação Russa, Letônia, Lituânia, Moldávia, Quirguistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão.

B. Participação do decil 10 na renda e logarítmo do PIB per capita

AF

SA (^) Ex-c 2^ NA

EO

AL

Ex-c 1

EA1 (^) ocde 2

oecd 1 20

30

40

50

60

4.6 5.6 6.6 7 .6 8 .6 9.6 10. Logarítmo da renda per cápita em 1997 (dólares de 1995)

Índices de Gini

AF

SA õx-c 2^ NA

EA

AL

Ex-c 1

EA

ocde 2

ocde 1 20

25

30

35

40

45

4.6 5.6 6.6 7 .6 8 .6 9 .6 10. Participação do decil 10 na renda

Logar

ítmo da renda per capita em 1997

(d

ólares de 1995)

DESIGUALDADES E ASSIMETRIAS DA ORDEM GLOBAL CAPÍTULO 3

Os elevados graus de desigualdade na distribuição de renda são importantes, não só pelos problemas éticos e políticos que desenvolvem, mas também por seus efeitos sobre o próprio crescimento econômico (Solimano, 2001). Embora as relações recíprocas entre crescimento e eqüidade tenham sido objeto de uma longa controvérsia histórica, uma bibliografia crescente ressalta vários efeitos adversos da desigualdade sobre o crescimento econômico, englobados no conceito de "armadilhas de desigualdade" (ver CEPAL, 1992a; Ros, 2000, Cap. 10, Stewart, 2000, e a resenha de trabalhos recentes de Aghion, Caroli e Garcia-Peñalosa, 1999). Neste sentido, as amplas desigualdades distributivas que caracterizam várias regiões do mundo em desenvolvimento, em especial a América Latina, podem contribuir para explicar a divergência nos níveis de desenvolvimento no âmbito internacional ou o bloqueio dos fatores de convergência. A desigualdade como obstáculo ao crescimento foi um tema favorito dos debates econômicos da década de 1960, e retornou com força total nos últimos anos. Ao contrário daquela época, quando os debates procuravam verificar se a concentração da renda obstaculizava o desenvolvimento do mercado interno, ou se, pelo contrário, facilitava a acumulação de capital, a ênfase mais recente recai em suas implicações de economia política. Estes nexos entre desigualdade e economia política abrangem vários temas, entre eles: a relação entre coesão social e riscos de investimentos; as dificuldades para implantar uma política fiscal previsível ante situações de grande desigualdade que podem gerar pressões re-distributivas e tentações populistas; e os efeitos positivos de uma boa distribuição dos ativos produtivos sobre a acumulação de capital humano e o desenvolvimento da pequena e média empresa, facilitados, em um ou outro caso, por um maior acesso e, portanto, um melhor funcionamento do mercado de capitais.

Em seu conjunto, as considerações anteriores mostram as fortes tendências à desigualdade distributiva que prevalecem no mundo inteiro, tanto entre países como em cada um deles. No plano internacional não se verifica tendência alguma à convergência nos níveis de renda. Quando ela se produziu, esteve limitada aos países desenvolvidos e ocorreu somente durante fases específicas da economia mundial. As tendências à divergência nos níveis de desenvolvimento, as "convergências truncadas", e a estagnação em níveis de renda média são processos muito mais gerais. Por sua vez, o agravamento da distribuição de renda nos países foi bastante generalizado nas últimas décadas.

Estas conclusões permitem, por outro lado, que sejamos cautelosos com algumas análises recentes que minimizam os efeitos favoráveis da segunda fase de globalização sobre os países em desenvolvimento, devido à sua articulação defasada e limitada na economia mundial, e destacam, em contraposição, as vantagens obtidas pelos países em desenvolvimento que conseguiram integrar- se à economia mundial nas décadas mais recentes (Banco Mundial, 2002a). Com efeito, o isolamento relativo dos países em desenvolvimento, durante a segunda fase de globalização, foi coerente com uma aceleração geral nos ritmos de crescimento econômico em todo o mundo em desenvolvimento, pela primeira vez na história, assim como com uma redução em alguns dos indicadores da desigualdade internacional (entre regiões e entre países). Como assinalamos no capítulo anterior, esta avaliação positiva não implica desconhecer os problemas que caracterizaram o processo de desenvolvimento durante essa etapa. A fase mais recente da globalização mostra, pelo contrário, uma dupla tendência ao aumento da desigualdade internacional e nacional, ainda menos marcante no primeiro caso que a que caracterizou a economia mundial durante o século XIX e a primeira metade do século XX e, certamente, atenuada pelo êxito econômico da China e da Índia.

DESIGUALDADES E ASSIMETRIAS DA ORDEM GLOBAL CAPÍTULO 3

inovação (ver, a respeito, o capítulo 2). A transferência para a “periferia” dos impulsos dinâmicos que emanam do progresso técnico originado nos países do “centro” acontece através de quatro canais fundamentais: a demanda derivada de matérias-primas; a transferência para os países em desenvolvimento, dos setores produtivos que se consideram “maduros” nos países desenvolvidos; a transferência de tecnologia como tal, incluída aquela incorporada em equipamentos produtivos; e a eventual participação dos países em desenvolvimento nos setores produtivos mais dinâmicos.

Os problemas fundamentais estão associados ao fato de que, na clássica formulação de Prebisch (1951, p. 1): “A propagação universal do progresso técnico dos países originários ao resto do mundo foi relativamente lenta e irregular” (Prebisch, 1951, p. 1). A razão para isto é que cada um dos mecanismos acima mencionados está sujeito a restrições ou custos. Em seu conjunto, a demanda de matérias-primas é inelástica em relação à renda e, devido aos baixos custos de entrada nas atividades correspondentes, costuma enfrentar pressões à deterioração de seus preços, especialmente durante períodos de escasso dinamismo mundial (ver boxe 2.1 do capítulo anterior). Os setores industriais “maduros” se caracterizam por suas reduzidas margens e baixos custos de entrada; estes últimos podem gerar uma deterioração adicional de sua rentabilidade e preço, não muito diferente do que tendem a experimentar as matérias-primas durante os períodos de lento crescimento. Nestes dois grupos de setores se concentram, ademais, as pressões protecionistas no mundo desenvolvido.

As economias de escala e externas, sobre as quais concentraram sua atenção os textos clássicos sobre desenvolvimento urbano e regional e os mais recentes sobre comércio internacional, podem gerar economias de aglomeração que tendem a induzir à polarização em vez de convergência dos níveis de desenvolvimento. 11 Por certo, este foi um argumento destacado pelas teorias clássicas do desenvolvimento econômico em suas diferentes versões. 12

Por sua vez, a transferência de tecnologia está sujeita ao pagamento das rendas de inovação, cada vez mais protegidas pela universalização das normas estritas de proteção da propriedade intelectual. O caráter “tácito” da tecnologia, ou seja, a incapacidade de especificá-la plenamente por sua associação íntima com o capital humano coletivo acumulado pelas empresas inovadoras, implica que não é facilmente transferível, ou que a transferência somente se torna atraente quando se realiza através da rede de subsidiárias das empresas transnacionais. A criação de conhecimento é, por excelência, uma atividade sujeita a fortes economias de aglomeração, como se reflete em sua altíssima concentração no âmbito mundial. Por isso, a oportunidade de participar em áreas mais dinâmicas está altamente restringida para os países em desenvolvimento, ou se concentra naquelas tarefas que exigem menores níveis de qualificação (a montagem eletrônica, por exemplo). As próprias economias externas associadas à educação e ao conhecimento podem, por si só, bloquear qualquer tendência à convergência nos níveis de produtividade, como foi destacado pelos textos sobre crescimento endógeno.^13 O desenvolvimento tecnológico demanda, além do mais, vultuosos subsídios governamentais, fato que premia a maior capacidade fiscal, talvez, as menores urgências de outras demandas sobre o uso dos recursos públicos dos países desenvolvidos.

O efeito combinado desses fatores explica que tendam a prevalecer a estagnação em níveis de renda média, as convergências truncadas ou, pura e simplesmente, as divergências nos níveis de renda, em vez da convergência postulada pelas teorias convencionais de crescimento econômico. De fato, a divergência nos níveis de desenvolvimento tem continuado, apesar do impressionante processo de industrialização que os países em desenvolvimento experimentaram durante o último meio século (e a América Latina desde antes). Este processo se traduziu, portanto, em uma maior

(^11) Ver, entre uma vasta bibliografia, Krugman (1990a); Fujita, Krugman e Venabis (1999) e Rodrick, (2001a) em PNUD. (^12) Ver, entre outros, Rosenstein-Rodan (1943), Nurkse (1953), Myrdal (1957), Hirschman (1958) e, para uma visão contemporânea,

13 Ros (2000). Ver, além de uma vasta bibliografia, os ensaios já clássicos de Lucas (1988) e Romer (1990), assim como a ampliação desta análise ao comércio internacional de Grossman e Helpman (1991).

PARTE I: VISÃO GLOBAL

diversificação da estrutura produtiva do mundo em desenvolvimento, exceto nas regiões mais atrasadas. Não obstante, têm subsistido importantes assimetrias na estrutura produtiva no âmbito mundial: a alta e contínua concentração do progresso técnico nos países do centro, seu constante predomínio nas áreas mais dinâmicas do comércio internacional, e seu papel dominante na formação das grandes empresas transnacionais (quadro 3.5).

A implicação mais importante das assimetrias da economia mundial é que as oportunidades econômicas dos países em desenvolvimento continuam sendo determinadas, em grande parte, por sua posição dentro da hierarquia internacional. Existe, certamente, “propagação de progresso técnico” desde o centro, através dos canais já mencionados. Entretanto, utilizando os termos de Prebisch, essa propagação continua sendo "relativamente lenta e irregular", e seus frutos têm sido distribuídos desigualmente nos próprios países em desenvolvimento. Dentro do "objetivo móvel" que representa a fronteira tecnológica mundial, poucos países e poucos setores e empresas conseguem mover-se de maneira suficientemente rápida para reduzir seu atraso tecnológico. Muitos outros só conseguem avançar no ritmo da fronteira, e muitos permanecem atrasados (Katz, 2000).

Quadro 3. ASSIMETRIAS INTERNACIONAIS: PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NA ECONOMIA MUNDIAL (Porcentagens do total mundial) 1990 1999

População 84.0 85.

Produto interno bruto (dólares correntes) 22.3 23.

Produto interno bruto (paridade do poder de compra) 43.6 46.

Formação bruta de capital fixo (dólares de 1995) 23.9 24.

Valor agregado na indústria, 1998 (dólares de 1995) 27. Direitos outorgados a residentes 1995 1999

Patentes 6.1 8.

Desenhos 15.3 11.

Marcas 33.9 21.

Modelos de utilidade 15.3 44.

Variedades de plantas 7.0 17.

500 maiores empresas 1999

Número de empresas 5.

Vendas 4.

Ativos 3.

Valor bursátil 5.

Empregados 12.

Cotas de mercado por categorias de intensidade tecnológica 1985 2000

Produtos primários 62.0 59.

Manufaturas baseadas em recursos naturais 31.3 31.

Manufaturas de baixa tecnologia 33.6 50.

Manufaturas de alta tecnologia 10.8 21.

Manufaturas de tecnologia média 16.8 36. Outras transações (^) 28.8 41.

Fonte : Cálculos da CEPAL, com base em Banco Mundial, Indicadores del Desarrollo Mundial, Washington D.C., versão em CD-ROM, 2001; base de dados da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), Comunidade Andina e Fortune, 2001.

PARTE I: VISÃO GLOBAL

exceções, os países em desenvolvimento são mercados de alto risco, sujeitos a fortes ciclos financeiros em que as fases de maior “apetite de risco” se alternam com “secas” associadas a “fugas em direção a ativos de qualidade” (ler, a respeito, o capítulo 2).

O resultado conjunto destes fatores é uma forte assimetria macroeconômica: enquanto os países industrializados têm maiores margens para adotar políticas anticíclicas,^14 induzindo uma resposta estabilizadora dos mercados financeiros, as economias dos países em desenvolvimento carecem, em grande medida, dessas margens, já que os mercados financeiros tendem a aguçar o ciclo, e os atores do mercado esperam que as autoridades também se comportem de forma procíclica.

Numa perspectiva histórica, os países industrializados conseguiram se libertar, quase que totalmente, das “regras do jogo” do padrão-ouro, embora tais regras continuarão determinando o comportamento macroeconômico dos países em desenvolvimento. Os países desenvolvidos se libertaram das restrições que impunham as regras do jogo do padrão-ouro, desde seu colapso definitivo na década de 1930, e vêm mantendo um importante grau de autonomia no contexto macroeconômico internacional que caracteriza a segunda e a terceira fases da globalização. Os países em desenvolvimento continuaram sujeitos a uma forte restrição macroeconômica externa durante a segunda fase de globalização e se tornaram cada vez mais vulneráveis à volatilidade financeira na terceira. Desta maneira, agravaram-se as assimetrias macroeconômicas entre centro e periferia, que já eram evidentes no final do século XIX, durante o auge do padrão-ouro (Triffin, 1968; Aceña e Reis, 2000).

Este fato foi particularmente evidente durante as freqüentes crises que os países em desenvolvimento enfrentaram nas últimas décadas, quando os mercados pressionaram os países em direção a uma "(macro)economia de depressão", para usar a expressão de Krugman (1999). Mais precisamente, a característica central das economias dos países em desenvolvimento ante a instabilidade financeira global, é a tendência a alternar fases de uma “macroeconomia de abundância” com outras de uma “macroeconomia de depressão” (CEPAL, 2000a, vol. III, cap. 1 e 2001b). Depois da Segunda Guerra Mundial, os arranjos macroeconômicos e financeiros multilaterais, certamente trouxeram alívio conjuntural nas crises, embora suas ações sejam relativamente modestas em relação aos choques financeiros que os países em desenvolvimento enfrentam e sejam aplicadas sempre com a adoção de pacotes de austeridade. Estes arranjos têm sido, além disso, ineficazes para induzir medidas preventivas durante os períodos de auge. Sobre este tema tem-se concentrado cada vez mais a atenção nos debates internacionais que se desencadearam após a crise asiática.

Às considerações anteriores deve-se acrescentar que existe uma terceira assimetria, associada ao contraste entre a elevada mobilidade dos capitais e a restrição aos deslocamentos internacionais da mão-de-obra, especialmente daquela com menores graus de qualificação. Esta assimetria marcou a terceira fase de globalização, já que não esteve presente durante a primeira (quando houve grande mobilidade da mão-de-obra), nem durante a segunda (quando ambos os fatores mostraram escassa mobilidade). Como assinalou Rodrik (1997), as assimetrias na mobilidade internacional dos diversos fatores da produção geram tendências na distribuição da renda contra os fatores menos móveis. Além disso, afetam os países em desenvolvimento, devido à abundância relativa de mão- de-obra com baixos níveis de qualificação que caracteriza estes países. Além disso, a baixa mobilidade internacional da mão-de-obra contribui para a sobre-oferta nos mercados internacionais dos bens em que se especializavam os países em desenvolvimento —aqueles caracterizados por baixos “custos de entrada”.

(^14) Esta margem é certamente maior nos Estados Unidos do que em outras economias industrializadas, já que os Estados Unidos possuem a principal moeda internacional.

DESIGUALDADES E ASSIMETRIAS DA ORDEM GLOBAL CAPÍTULO 3

O "nivelamento do campo de jogo" normativo não corrige as assimetrias mencionadas, podendo até aguçá-las, tanto pela desigual capacidade institucional para assimilar e tornar efetivas tais normas, como pelos efeitos diferenciados que elas produzem sobre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. O considerável custo do desenvolvimento das instituições nacionais necessárias para implantar o Acordo de Marrakesh, que deu origem à Organização Mundial do Comércio (OMC), foi considerado como uma de suas grandes deficiências.

A distribuição desigual dos benefícios e custos do nivelamento normativo também são evidentes, particularmente porque as políticas e padrões que se vêm propagando no âmbito mundial são os dos países industrializados. A proteção da propriedade intelectual é o caso mais notório. Independentemente de suas virtudes em termos da geração de incentivos para o desenvolvimento tecnológico mundial, seus benefícios recaem, fundamentalmente, sobre os países desenvolvidos, porque nestes se concentra a maior parte da geração de tecnologia (ler, a respeito, o quadro 3.5 e o capítulo 7 deste relatório). O próprio código de subsídios da OMC premia a maior capacidade fiscal dos países desenvolvidos de destinar recursos aos propósitos autorizados, mediante o uso de instrumentos alternativos que não gerem custos fiscais (proteção tarifária, requisitos de desempenho dos investidores ou exportadores e zonas francas) e que, portanto, foram utilizados no passado de maneira generalizada pelos países em desenvolvimento. As normas sobre agricultura facilitam as formas tradicionais de proteção dos países desenvolvidos (tarifas e cotas) e também os premiam por serem os únicos com a capacidade fiscal para destinar montantes consideráveis de recursos em subsídios à agricultura. A proibição de aplicar requisitos de integração nacional aos investidores estrangeiros nos países em desenvolvimento se contradiz com a aceitação generalizada das normas de origem, que constituem outra forma de requisito de integração nacional: o uso forçado de insumos de certa origem para beneficiar-se de uma preferência tarifária.

Esta situação tem paralelo no campo financeiro. Como se reflete nos debates recentes em torno do Acordo da Basiléia sobre regulamentação bancária, o estabelecimento de padrões mais rigorosos, ou a extensão dos padrões internos dos bancos à qualificação dos credores, pode gerar uma menor oferta de fundos para os mercados qualificados como de alto risco, entre eles os países em desenvolvimento e as pequenas e médias empresas em todos os países (Reisen, 2001b; Griffith- Jones e Spraat, 2001). Além disso, o estabelecimento de mecanismos forçosos para a renegociação da dívida, sem uma disponibilidade adequada de crédito de emergência de caráter oficial, pode elevar o custo do financiamento para tais países.

Cabe destacar que este nivelamento normativo distingue a atual fase da globalização, já que nenhuma das anteriores pretendeu acompanhar um processo deste tipo. De fato, os próprios países desenvolvidos empregaram ativamente instrumentos de fomento produtivo, que hoje não são permitidos aos países em desenvolvimento (ver, por exemplo, Chang, 2001 y 2002b).

2. O surgimento e a fragilização do conceito de cooperação

internacional para o desenvolvimento

A criação de instituições internacionais para administrar as interdependências entre Estados constituiu uma evolução inédita do direito internacional no século XX. De fato, até o princípio do século XX, as regras do direito internacional tinham como propósito garantir a proteção da soberania das nações. Os Estados defendiam sua plena autonomia para conduzir os assuntos relacionados aos seus interesses nacionais, e se opunham fortemente a qualquer limitação a este princípio. Na verdade, estes princípios de autonomia somente se aplicavam aos poderes imperiais ou às nações independentes com suficiente poder militar, já que em muitos casos os acordos bilaterais entre nações com poder desigual resultavam na limitação da autonomia da nação de menor poder. Os acordos do século XIX, que abriram a China e Japão ao comércio internacional e que impuseram os princípios do livre comércio ao Império Otomano, são bons exemplos deste

DESIGUALDADES E ASSIMETRIAS DA ORDEM GLOBAL CAPÍTULO 3

fundamentais para os países em desenvolvimento seriam o eventual desmonte do protecionismo dos países desenvolvidos nos setores "sensíveis", e a garantia de um desenvolvimento exportador dentro de um padrão comercial internacional com regras claras e estáveis. A correção das assimetrias internacionais só se mantinha, nesta visão, no reconhecimento da responsabilidade internacional para os países de menor desenvolvimento relativo, reproduzindo, no âmbito internacional, a visão da política social como estratégia de focalização das ações do Estado nos setores mais pobres. Nesta etapa, os resultados para os países em desenvolvimento foram igualmente modestos.

A evolução dos acordos comerciais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento ilustra claramente essa transformação dos critérios de cooperação internacional para o desenvolvimento. Neste sentido, cabe recordar que, nos primeiros anos do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), entre 1948 e 1955, os países em desenvolvimento participaram dos trabalhos com os mesmos direitos e obrigações que o resto das partes. No entanto, como já foi dito no capítulo anterior, as primeiras seis rodadas de negociações do GATT favoreceram a especialização intra-industrial entre as economias desenvolvidas, enquanto os temas que exigiam ajustes internos, pela concorrência potencial dos países em desenvolvimento, como a liberalização dos produtos agrícolas ou dos produtos têxteis e de vestuário, foram removidos da agenda e das regras multilaterais do comércio. Segundo Tussie (1987/1988, p. 170): "Graças à especialização intra- industrial, foram superados alguns dos aspectos mais dolorosos do ajuste à mudança nos padrões do comércio internacional. Em vez da produção se contrair e as indústrias emigrarem para outros países, a mudança podia ser manejada dentro das empresas, ou pelo menos dentro de cada indústria. Nenhum dos países participantes na especialização intra-industrial teve que renunciar à produção ou deixar que o controle da mesma lhe escapasse das mãos."

Deste modo, após uma década de funcionamento do GATT, o Relatório Haberler concluiu, em 1958, que as barreiras impostas pelos países desenvolvidos às importações dos países em desenvolvimento eram os principais responsáveis pelos problemas comerciais destes.^15 Com base neste relatório, se criou o Comitê III no GATT, para identificar as medidas comercias que restringiam as exportações dos países menos desenvolvidos, e iniciar um programa de redução dessas barreiras. Em 1963, após cinco anos de operação do Comitê, sem progressos aparentes, os países em desenvolvimento conseguiram obter uma resolução no GATT, exigindo um Programa de Ação, que consistia no congelamento de todas as novas tarifas e barreiras alfandegárias, na eliminação das tarifas para produtos primários tropicais, e na adoção de um calendário de redução e eliminação de tarifas para os produtos semiprocessados e processados.^16 Na realidade, os países em desenvolvimento não exigiam outra coisa, à exceção da aplicação dos princípios do Acordo Geral e uma maior coerência entre as políticas dos grandes países e seu discurso em prol da liberalização do comércio (Dam, 1970). Todavia, no início da Rodada Uruguai, três décadas mais tarde, a maior parte das barreiras identificadas pelo Comitê III continuava sendo utilizada pelos países desenvolvidos.

Em 1964 foi realizada a primeira Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento e, em novembro do mesmo ano se aprovou a Parte IV do GATT, sobre Comércio e Desenvolvimento, que constituía o quadro normativo para o trabalho do Comitê de Comércio e Desenvolvimento. Estas atividades se mantiveram, porém, no âmbito meramente simbólico. Mais tarde, em 1968, os países em desenvolvimento conseguiram estabelecer o Sistema Geral de Preferências (SGP), sob os auspícios da UNCTAD. Posteriormente, durante as negociações da Rodada de Tóquio, já na década de 1970, as ações de um grupo coordenado de países em desenvolvimento, com destaque para os diplomatas latino-americanos, conseguiram a inclusão da chamada “cláusula de habilitação”, que ofereceu uma base jurídica mais sólida ao tratamento

(^15) O grupo de especialistas que elaborou este relatório foi integrado por Gottfried Haberler, James Meade, Jan Tinbergen e Roberto

16 Campos. Segundo Srinivasan (1996), comenta que alguns elementos deste programa de ação ainda compunham a agenda negociadora dos países em desenvolvimento vinte anos mais tarde, na reunião ministerial do GATT de 1982.

PARTE I: VISÃO GLOBAL

diferencial e mais favorável por parte dos países desenvolvidos. 17 Não obstante, o SGP foi definido como de aceitação voluntária para os países desenvolvidos, e as preferências não foram consolidadas no GATT (Michalopoulos, 2000), motivo pelo qual as concessões podiam ser retiradas unilateralmente, sem direito a ações de represália comercial.

Em retrospectiva, ao longo da história do GATT os governos dos países desenvolvidos não ofereceram resistência para acomodar as demandas dos países em desenvolvimento para um tratamento preferencial, enquanto isto não lhes exigia mais do que uma certa permissividade para os regimes comerciais mais fechados nos países em desenvolvimento, em especial quando a restrição se restringia aos bens e não aos capitais e empresas transnacionais. Todavia, os países desenvolvidos nunca aceitaram as exigências para um acesso mais seguro e estável em seus próprios mercados. Em conseqüência, gradualmente diminuía a importância real do tratamento especial e diferenciado, já que o acesso preferencial para os países em desenvolvimento nunca se converteu em obrigações contratuais.

Paralelamente ao reconhecimento progressivo das especificidades do desenvolvimento por parte da comunidade internacional, novos fatores foram ganhando força e impulsionaram o sistema multilateral em outra direção. Por um lado, a redução tarifária deu maior visibilidade aos impactos das políticas comerciais e industriais, enquanto a necessidade de incidir sobre as medidas não-tarifárias foi eliminando gradualmente a tolerância à diversidade de políticas nacionais, que foi o elemento central no consenso internacional para criar e manter o sistema multilateral de comércio. Por outro lado, devido à desaceleração do crescimento e à transformação dos países desenvolvidos, estes diminuíram seu apoio às ações definidas em favor dos países em desenvolvimento, no contexto da cooperação internacional para o desenvolvimento.

O contexto das negociações da Rodada Uruguai foi particularmente adverso para os países em desenvolvimento. A preparação desta Rodada marcou um ponto de inflexão significativo em sua capacidade negociadora, porque a reunião ministerial do GATT de 1982, quando alguns países desenvolvidos indicaram sua intenção de aprofundar o processo de liberalização iniciado na Rodada Tóquio, foi precedida pelo anúncio da insolvência financeira do México. Grandes devedores, como o Brasil e a Argentina, não ignoravam a fragilidade de sua posição negociadora, que se manteve ao longo da década de 1980.^18 Os problemas institucionais que os governos enfrentavam impediram um maior envolvimento da sociedade no debate diplomático comercial; além disso, a insuficiente capacidade técnica e de negociação contribuiu para que estes países mantivessem a agenda tradicional de acesso aos mercados e uma posição defensiva em relação aos novos temas.

Impulsionados por fatores internos, mas também pressionados pelos programas de reformas estruturais promovidos pelas entidades financeiras multilaterais, muitos países em desenvolvimento iniciaram o processo de liberalização unilateral de suas economias.^19 No final da Rodada, consolidaram quase a totalidade de suas estruturas tarifárias e renunciaram, em sua maioria, às reivindicações por uma maior autonomia para elaborar e executar políticas de investimento e diversificação produtiva, incluindo o uso de restrições comerciais para fazer frente a crises da balança de pagamentos.^20 As disposições de tratamento especial e diferenciado nos acordos da

(^17) A “Cláusula de Habilitação”, denominada “Decisão sobre o Tratamento Diferencial e Mais Favorável e Participação mais Ampla dos Países em Desenvolvimento”, constituiu a base legal para o Sistema Geral de Preferências (SGP) e para o Sistema Global de

18 Preferências Comerciais (SGPC). 19 Ver Abreu (1993), Jara (1993) e Tussie (1993) sobre a capacidade negociadora e as posições negociadoras dos países devedores. Ver Saéz 1999 para uma análise das negociações e Krueger e Rajapatirana (1999) para uma revisão da política do Banco Mundial

20 para promover reformas comerciais. Vários países (Bolívia, Costa Rica, El Salvador, México e Venezuela, entre outros) consolidaram suas tarifas alfandegárias antes do final da Rodada Uruguai, como parte dos compromissos exigidos para sua adesão ao GATT (Jara, 1993, p. 17). As obrigações do “Entendimento relativo às disposições do Acordo Geral de Tarifas e Comércio de 1994 em relação ao balanço de pagamentos” tornam muito mais restritivo o uso de medidas quantitativas, devido a problemas de balanço de pagamentos (GATT, 1994). Em 1995, o Comitê de Restrições do Balanço de Pagamentos da OMC não aceitou os argumentos do Brasil para impor restrições tarifárias para controlar problemas de curto prazo do balanço de pagamentos (ver documento WT/BOP/R/7, de 24 de novembro de 1995, na página da web da Organização Mundial do Comércio (OMC).