Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

A Depressão de 30 e a industrialização brasileira, Notas de estudo de Economia

depressao de 30 cccccccccccccccccccccc ccccccccccccccccccccccccccc ccccccccccccccccccccccccccccccccccccc

Tipologia: Notas de estudo

2019

Compartilhado em 14/08/2019

marcos-stockl-3
marcos-stockl-3 🇧🇷

1 documento

1 / 7

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
A Depressão de 30 e a industrialização brasileira
A Grande Depressão que atingiu a economia mundial na década de 1930 é
considerada o marco fundamental no processo de consolidação da produção industrial
brasileira e mesmo latino-americana. Embora o início do processo de industrialização
brasileiro remonte às últimas décadas do século XIX, a indústria só viria a se tornar o fator
determinante da dinâmica econômica na década de 1930. Somente após a crise
econômica mundial, o café deixou de ser o produto determinante dos destinos da
economia brasileira. Por décadas, o país ainda continuou a ter uma produção agrícola
superior à industrial. Somente em 1956, a situação se inverteria. Na pauta de
exportações, a superação se daria apenas no início da década de 1970.
A literatura sobre a industrialização brasileira sintetizou este rico processo histórico
na expressão processo de industrialização por substituição de importações (ou PSI).
Celso Furtado, em Formação econômica do Brasil, apresentou a análise clássica desse
processo, constatando que a indústria brasileira saiu fortalecida do choque adverso que
foi a Grande Depressão. O objetivo deste texto será a apresentação da análise de Celso
Furtado, bem como a qualificação e o enriquecimento desta visão, com as revisões que a
pesquisa histórica produziu posteriormente.
A GRANDE DEPRESSÃO
A primeira metade do século XX foi marcada fortemente por três acontecimentos: a
Primeira Guerra Mundial (1914/1918), a Grande Depressão (1929/1933) e a Segunda
Guerra Mundial (1939/1945). Foram duas guerras imperialistas, que envolveram os países
mais ricos do mundo e provocaram destruição em uma escala ainda não vivenciada pelos
seres humanos até então. Na visão de respeitados historiadores econômicos, como Eric
Hobsbawn, foi o período em que as economias capitalistas atravessaram sua crise mais
profunda e terrível.
A história econômica tem constatado que as economias capitalistas industrializadas
são, periodicamente, atingidas por crises econômicas. Normalmente, essas crises
ocorrem com intervalos de 7 a 10 anos, configurando os chamados ciclos econômicos. As
economias iniciam um período de crescimento apoiado no aumento da produção, do
consumo e do nível de investimentos, em um autêntico "círculo virtuoso" que parece não
ter fim. Repentinamente, porém, o ciclo de crescimento sofre uma inflexão, e inicia-se um
círculo vicioso: caem os investimentos, a produção e as vendas. As explicações para esse
comportamento cíclico são variadas, mas a constatação empírica é irrefutável: as
economias capitalistas são intrinsecamente instáveis.
A instabilidade cíclica atinge, em alguns momentos, dimensões e consequências
significativas, abalando profundamente um grande número de países, configurando crises
econômicas mundiais. Assim, podemos classificar a Primeira Grande Depressão
(1873/1896) como a primeira destas crises globais. A Segunda Grande Depressão
(1929/1933), mas que na verdade só terminou com o início da Segunda Guerra Mundial,
é comumente chamada de Grande Depressão e foi o período histórico de maior redução
do nível de atividade em quase todos os países do mundo, com exceção da União
Soviética. Sinteticamente, a crise pode ser quantificada pelo desemprego: no auge da
Depressão, esse indicador atingiu 22% da força de trabalho na Inglaterra e Bélgica, 24%
na Suécia, 27% nos Estados Unidos e 44% na Alemanha. Ocorreu também uma redução
de 60% no comércio mundial e de 90% nos empréstimos internacionais. São cifras
inimagináveis, considerando-se o movimento de intensa euforia e especulação que
apresentava a Bolsa de Valores de Nova York até a sua quebra, no fatídico 29 de outubro
de 1929, dando início ao período mais instável do capitalismo.
Além das consequências econômicas, políticas e sociais, a Grande Depressão
abalou convicções arraigadas em termos de política econômica. A respeito deste tema, o
historiador Eric Hobsbawn afirmou: "A Grande Depressão destruiu o liberalismo
pf3
pf4
pf5

Pré-visualização parcial do texto

Baixe A Depressão de 30 e a industrialização brasileira e outras Notas de estudo em PDF para Economia, somente na Docsity!

A Depressão de 30 e a industrialização brasileira

A Grande Depressão que atingiu a economia mundial na década de 1930 é considerada o marco fundamental no processo de consolidação da produção industrial brasileira e mesmo latino-americana. Embora o início do processo de industrialização brasileiro remonte às últimas décadas do século XIX, a indústria só viria a se tornar o fator determinante da dinâmica econômica na década de 1930. Somente após a crise econômica mundial, o café deixou de ser o produto determinante dos destinos da economia brasileira. Por décadas, o país ainda continuou a ter uma produção agrícola superior à industrial. Somente em 1956, a situação se inverteria. Na pauta de exportações, a superação se daria apenas no início da década de 1970. A literatura sobre a industrialização brasileira sintetizou este rico processo histórico na expressão processo de industrialização por substituição de importações (ou PSI). Celso Furtado, em Formação econômica do Brasil , apresentou a análise clássica desse processo, constatando que a indústria brasileira saiu fortalecida do choque adverso que foi a Grande Depressão. O objetivo deste texto será a apresentação da análise de Celso Furtado, bem como a qualificação e o enriquecimento desta visão, com as revisões que a pesquisa histórica produziu posteriormente.

A GRANDE DEPRESSÃO

A primeira metade do século XX foi marcada fortemente por três acontecimentos: a Primeira Guerra Mundial (1914/1918), a Grande Depressão (1929/1933) e a Segunda Guerra Mundial (1939/1945). Foram duas guerras imperialistas, que envolveram os países mais ricos do mundo e provocaram destruição em uma escala ainda não vivenciada pelos seres humanos até então. Na visão de respeitados historiadores econômicos, como Eric Hobsbawn, foi o período em que as economias capitalistas atravessaram sua crise mais profunda e terrível. A história econômica tem constatado que as economias capitalistas industrializadas são, periodicamente, atingidas por crises econômicas. Normalmente, essas crises ocorrem com intervalos de 7 a 10 anos, configurando os chamados ciclos econômicos. As economias iniciam um período de crescimento apoiado no aumento da produção, do consumo e do nível de investimentos, em um autêntico "círculo virtuoso" que parece não ter fim. Repentinamente, porém, o ciclo de crescimento sofre uma inflexão, e inicia-se um círculo vicioso: caem os investimentos, a produção e as vendas. As explicações para esse comportamento cíclico são variadas, mas a constatação empírica é irrefutável: as economias capitalistas são intrinsecamente instáveis. A instabilidade cíclica atinge, em alguns momentos, dimensões e consequências significativas, abalando profundamente um grande número de países, configurando crises econômicas mundiais. Assim, podemos classificar a Primeira Grande Depressão (1873/1896) como a primeira destas crises globais. A Segunda Grande Depressão (1929/1933), mas que na verdade só terminou com o início da Segunda Guerra Mundial, é comumente chamada de Grande Depressão e foi o período histórico de maior redução do nível de atividade em quase todos os países do mundo, com exceção da União Soviética. Sinteticamente, a crise pode ser quantificada pelo desemprego: no auge da Depressão, esse indicador atingiu 22% da força de trabalho na Inglaterra e Bélgica, 24% na Suécia, 27% nos Estados Unidos e 44% na Alemanha. Ocorreu também uma redução de 60% no comércio mundial e de 90% nos empréstimos internacionais. São cifras inimagináveis, considerando-se o movimento de intensa euforia e especulação que apresentava a Bolsa de Valores de Nova York até a sua quebra, no fatídico 29 de outubro de 1929, dando início ao período mais instável do capitalismo. Além das consequências econômicas, políticas e sociais, a Grande Depressão abalou convicções arraigadas em termos de política econômica. A respeito deste tema, o historiador Eric Hobsbawn afirmou: "A Grande Depressão destruiu o liberalismo

econômico por meio século”. O mundo que emergiu da Grande Depressão e da Segunda Guerra foi marcado pelas políticas econômicas intervencionistas de inspiração keynesiana e pela busca da construção do estado de bem-estar social nos países desenvolvidos. No Brasil, a Revolução de 1930 ocasionou a perda da hegemonia política pela burguesia cafeeira em favor da classe industrial ascendente. O avanço do processo de industrialização no país intensificou-se a partir de então.

A POLITICA DE DEFESA DO CAFÉ

Devido à extraordinária importância que a produção e a exportação de café haviam assumido na economia brasileira desde 1840, as consequências da crise do café nos anos 1930 foram gravíssimas. No final do século XIX, o Brasil já era o principal produtor de café, responsável por 3/4 das exportações mundiais. No mercado cafeeiro, o país atuava como um produtor semimonopolista, com grandes vantagens comparativas, tais como enormes reservas de terras férteis e de mão-de-obra. A única alternativa para alocar o capital obtido da cafeicultura era o reinvestimento na produção de mais café. Apesar da disseminação do consumo de café em todo o mundo, especialmente no enorme e crescente mercado norte-americano, a demanda pelo produto atingiu seu limite. Pelo lado da oferta, a produção, liderada pelo Brasil, tendeu sempre a aumentar, resultando periodicamente em crises de superprodução. Devido à força econômica e política da burguesia cafeeira, desenvolveram-se vários mecanismos de defesa do café, dos quais o mais frequentemente utilizado era a depreciação da moeda nacional nos momentos de queda dos preços de exportação, procedimento que diminuía as perdas de receitas dos cafeicultores. O mecanismo cambial, no entanto, tinha seus limites e, em 1906, a partir do Convênio de Taubaté, sofisticaram-se os métodos de defesa do café e o governo passou a comprar os excedentes de produção, financiado por empréstimos externos. Esse mecanismo buscava preservar a renda dos cafeicultores por meio da redução da oferta exportável em uma situação de produção crescente. O objetivo era impedir a queda ainda maior dos preços, mas isso significava apenas um adiamento da solução do problema. A política de valorização do café, para ser eficiente, deveria ter desenvolvido mecanismos que impedissem o contínuo aumento da produção. Contudo, a defesa do nível de preços não só incentivou a produção interna ainda mais, como também constituiu um estímulo fabuloso para os concorrentes externos, como mostra Delfim Netto, em O problema do café no Brasil. A Grande Depressão só precipitou uma crise que se arrastava potencialmente havia décadas. Quando ocorreu a crise mundial de 1929, a cafeicultura brasileira encontrava-se em situação extremamente vulnerável: no período 1925/1929, a produção crescera quase 100%, com exportações estáveis de 2/3 de todo o café produzido no Brasil. No entanto, em 1929, segundo Furtado, para uma produção de 28,94 milhões de sacas, foram exportadas 14,28 milhões, ou seja, menos da metade da produção total. O consumo de café nos Estados Unidos era estável: enquanto a renda per capita crescera 35% nos anos 1920, o consumo se havia fixado em 12 libras-peso por ano por habitante, com os preços no varejo estáveis. Tratava-se de uma situação comum de desequilíbrio entre oferta e procura de uma atividade econômica tipicamente colonial: a demanda atingira o seu limite. A política de defesa do café, ao manter os preços elevados, só agravava ainda mais este desequilíbrio. Mesmo com o início da Depressão, a produção continuou a aumentar, atingindo seu ponto máximo em 1933, em função do início efetivo da produção dos cafezais plantados em 1927/1928. A retenção de novos estoques de café invendáveis tornou-se impossível, pois o mercado internacional estava em queda e o governo já não podia sustentar a política de defesa do café em função de uma política cambial equivocada, baseada na conversibilidade entre o mil-réis e o ouro, e na liberdade de movimento de capitais. No período 1927/1929 ocorreram as maiores inversões em estoques, e também grandes entradas de capital privado estrangeiro no país. Furtado afirmou:

O CRESCIMENTO INDUSTRIAL DURANTE A GRANDE DEPRESSÃO

Devido à Grande Depressão, houve uma queda no nível de renda de 25 a 30%, e o índice de preços dos produtos importados subiu 33%. Como consequência, a redução das importações foi da ordem de 60%%, baixando de 14 para 8% do produto interno. Parte da procura, antes satisfeita com importações, passou a ser atendida pela oferta interna. Com isso, a demanda interna passaria a ter importância crescente como elemento dinâmico nessa conjuntura de recessão mundial. A firmeza da procura interna criou uma situação nova, com a preponderância do setor ligado ao mercado interno no processo de formação de capital e no conjunto de investimentos no país. Furtado observou que: (...) o fator dinâmico principal, nos anos que se seguem à crise, passa a ser, sem nenhuma dúvida, o mercado interno. A produção industrial, que se destinava em sua totalidade ao mercado interno, sofre durante a depressão uma queda de menos de 10%, e já em 1933 recupera o nível de 1929.

A crise do café afugentava os capitais investidos na cafeicultura. Parte desses capitais foi absorvida pela própria agricultura de exportação, particularmente do algodão, cujo preço se manteve constante durante a Depressão. Enquanto em 1929 a produção de algodão equivalia a 10% da produção cafeeira, em 1934 já correspondia a 50%. Embora o aumento da produção requeira o aumento das importações de máquinas e equipamentos, em um primeiro momento isto não era necessário, pois era possível usar a capacidade ociosa preexistente, como exemplifica o caso da indústria têxtil. Posteriormente, seria possível importar equipamentos usados a preços mais baixos, provenientes de fábricas fechadas no exterior em decorrência da Depressão. Ao mesmo tempo, o crescimento da procura por bens de capital e o forte aumento dos preços de importação desses bens, devido à desvalorização cambial, criaram condições propícias à instalação de uma indústria de bens de capital no país. Normalmente, essa demanda crescia no auge das exportações, mas a "euforia cambial" permitia facilidades para as importações. A crise quebrou este círculo: a procura de bens de capital cresceu em uma etapa em que as possibilidades de importação eram as mais remotas possíveis. Mesmo assim, a produção de cimento, por exemplo, não sofreu muito com a Depressão, voltando a crescer em 1931. Em 1935, as inversões líquidas já ultrapassavam as de 1929, muito embora as importações fossem tão somente 50% do montante desse ano. Resumindo, os principais dados da produção agrícola e industrial do período mostram um dinamismo surpreendente no contexto da crise mundial, com o aumento da renda nacional, induzido, basicamente, a partir do próprio mercado interno. Enquanto a produção agrícola atingiu 7,5 bilhões de cruzeiros em 1929, dos quais 5,5 bilhões dirigidos a exportações, a produção de 1937 atingiu 7,8 bilhões, sendo 4,5 bilhões para exportações. A produção para exportação diminuiu de 70% para 57% da produção agrícola total. Já o valor da produção industrial cresceu 50% no período 1929/1937 e a produção primária para o mercado interno aumentou 40%. Como resultado, a renda nacional aumentou 20% no período, enquanto a renda per capita subiu apenas 7%. Na mesma época, a renda nacional dos Estados Unidos decresceu, enquanto países com níveis de desenvolvimento similares ao do Brasil e que seguiram políticas econômicas ortodoxas ainda estavam em depressão, em 1937.

CELSO FURTADO E O MODELO DE INDUSTRIALIZAÇÃO POR

SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES

O saldo desse processo para a economia brasileira foi a rápida ascensão da indústria, que passou a ser o fator dinâmico principal de criação da renda interna. Como resultado da crise e das fortes desvalorizações cambiais, além de ocorrer diminuição das importações e aumento da produção interna, estabeleceu-se um novo nível de preços

relativos, com base nos, quais, desenvolveram-se indústrias destinadas a substituir importações. A interpretação de Maria da Conceição Tavares, no clássico Da substituição de importações ao capitalismo financeiro, segue basicamente as posições de Furtado, caracterizando a Grande Depressão como o momento de ruptura com o modelo primário- exportador da economia brasileira em favor de um modelo de desenvolvimento voltado para o mercado interno. O conceito de substituição de importações além de significar o início da produção interna de um bem antes importado, denota também uma mudança qualitativa na pauta de importações do país. Conforme aumenta a produção interna de bens de consumo anteriormente importados, aumenta também a importação de bens de capital e de bens intermediários necessários para essa produção. Além disso, dentro do modelo de industrialização por substituição de importações, muitas vezes a produção interna de um produto novo não estava, a rigor, "substituindo importações", na medida em que aquele produto não era importado anteriormente. Tavares, em obras posteriores, assim como João Manuel Cardoso de Mello, em O capitalismo tardio , qualificaram a análise do PSI, apontando seus limites e contradições. Apesar de a dinâmica da economia brasileira ter passado, a partir dos anos 1930, a ser determinada internamente, tratava-se de um processo de industrialização ainda incompleto, uma vez que os setores produtores de bens de capital e de bens intermediários eram muito pouco desenvolvidos no país. Por isso, Mello denominou este período, que se estende até o início da implantação do Plano de Metas do governo JK, industrialização restringida, uma vez que: (...) as bases técnicas e financeiras da acumulação são insuficientes para que se implante, num golpe, o núcleo fundamental da indústria de bens produção, que permitia à capacidade produtiva crescer adiante da demanda, autodeterminando o processo de desenvolvimento industrial. Como lembra Francisco de Oliveira, uma economia cujo setor de bens de produção "localiza-se" no exterior transfere para os países exportadores desses bens os estímulos e interações interdepartamentais, isto é, o mútuo estímulo entre o departamento produtor de bens de consumo e o de bens de produção, que é a condição essencial para que ocorra o processo de acumulação capitalista. Furtado e Tavares qualificam e complementam a análise do modelo de industrialização por substituição de importações, que se consolidou no país após o choque adverso da Grande Depressão. Esse modelo já havia sido delineado pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), organismo da ONU, criado em

  1. Segundo a CEPAL, o relacionamento comercial dos países exportadores de matérias-primas com os países desenvolvidos era caracterizado pela deterioração das relações de trocas, conforme constatação do economista argentino Raúl Prebisch, grande impulsionador da CEPAL que havia ganhado notoriedade como dirigente do Banco Central argentino na década de 1930. Em outras palavras, os preços dos produtos primários normalmente se depreciavam com relação aos dos produtos industrializados, obrigando os países latino-americanos a exportar um volume cada vez maior de bens para fazer frente às suas importações. Assim, quando fatores externos como as Guerras Mundiais e a Grande Depressão prejudicavam esse relacionamento comercial, ocorria o desenvolvimento "voltado para dentro", com o avanço da industrialização. Na verdade, a questão do relacionamento comercial externo é muito mais complexa que esta generalização do enfoque cepalino, em razão da própria dependência dos países latino-americanos com relação à importação de bens de produção. A generalização do conceito de choque adverso como impulsionador dos desenvolvimentos latino-americano e brasileiro revela-se, portanto, simplista e equivocado. Assim, as análises de Furtado e Tavares são procedentes, na medida em que associam um choque adverso específico – a Grande Depressão – à consolidação do desenvolvimento urbano- industrial como determinante do processo de acumulação capitalista no país.

Logo após o fim da Guerra, o país redemocratizou-se e o governo Dutra foi eleito, iniciando seu governo dentro dos princípios liberais de Bretton Woods e da política seguida pelo governo Truman. Os Estados Unidos eram, incontestavelmente, a potência capitalista dominante. A posição liberal inicial do governo Dutra, bem como sua contraposição ao intervencionismo de Vargas, apoiava-se no que Abreu chama de ilusão de divisas, pois: as reservas internacionais do país pareciam bastante confortáveis. Julgava-se ainda que o Brasil era credor político dos Estados Unidos em função da sua colaboração com os aliados na Segunda Guerra. Por fim, acreditava-se que uma política liberal de câmbio seria capaz de atrair investimentos diretos estrangeiros, equilibrando estruturalmente o balanço de pagamentos brasileiro. Em função disso, o câmbio foi mantido praticamente à paridade de 1939 (Cr$ 18,5/US$) e o mercado livre foi instituído, com a abolição das restrições e do controle dos fluxos de divisas por parte do governo central, existentes desde os anos 1930. O resultado dessa política foi o que se previa: uma literal queima das divisas, só em parte gasta com importações de máquinas e matérias-primas essenciais. Além disso, a política econômica de Dutra seria, até 1949, marcadamente ortodoxa, preocupada com a ascensão inflacionária, que já atingira 20% em 1944 e 15% em 1945. Em julho de 1947, diante da impossibilidade de sustentar a política anterior, voltam os controles cambiais, enquanto o país enfrenta uma escassez de moedas fortes, sobretudo de dólares. O sistema de licenciamento de importações reduziu o déficit comercial de US$ 313 milhões, em 1947, para US$ 108 milhões, em 1948, resultando em um superávit de US$ 18 milhões, em 1949. Com a recuperação dos preços do café, a partir de 1949, a balança comercial passou a apresentar superávits expressivos. 12 Abreu (1990). A conjugação de uma taxa de câmbio sobrevalorizada com controle cambial, a partir de 1947, produziu um triplo efeito em benefício da industrialização substitutiva de importações: um subsídio às importações de bens de capital e bens intermediários; protecionismo contra a importação de bens competitivos; e aumento da rentabilidade da produção para o mercado interno. Apesar da pouca preocupação do governo Dutra com o crescimento industrial, a política do Banco do Brasil de crédito à indústria foi bastante importante. "O crédito real à indústria cresceu 38%, 19%, 28% e 5% nos anos de 1947, 1948, 1949 e 1950, respectivamente". Enquanto no mundo capitalista desenvolvido, especialmente nos países europeus envolvidos na reconstrução do pós-guerra, o planejamento estatal estava sendo intensamente utilizado, a única tentativa de intervenção planejada do Estado no governo Dutra foi o Plano Salte que procurava coordenar os gastos públicos nas áreas de saúde, alimentação, transporte e energia, estabelecendo investimentos para o período 1949/1953. Como não foram asseguradas as fontes de financiamento para estes investimentos, na prática o Plano Salte mal saiu do papel. Por outro lado, levaram-se adiante os trabalhos de organização da Cia. Hidrelétrica do São Francisco e criaram-se a Comissão do Vale do São Francisco e a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, só constituída efetivamente em 1953.