












Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Este documento discute a compatibilidade entre as figuras qualificadas pelo resultado e o princípio da culpabilidade, enfatizando a grande discrepância no marco penal observada quando se comparam as penas previstas para os delitos qualificados pelo resultado e as penas decorrentes do concurso formal entre o tipo-base e o crime correspondente. O texto explora a necessidade de identificar se o conteúdo de injusto dos crimes qualificados pelo resultado difere substancialmente do que se obtém com a aplicação das regras do concurso de crimes, além de discutir a concepção original dos delitos qualificados pelo resultado.
Tipologia: Notas de aula
1 / 20
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
An analysis of the high penalties considering the unjust content
MATHEUS CANAZART LAGE *
Resumo: Os delitos qualificados pelo resultado se desenvolveram a partir da responsabilização penal objetiva enunciada pela teoria do versari in re illicita. O desenvolvimento das ciências penais em paralelo ao do Estado de Direito conferiu novos contornos à essa espécie delitiva, sobretudo com o desenvolvimento do princípio da culpabilidade, que em uma de suas formatações objetiva excluir do ordenamento jurídico toda e qualquer forma de responsabilidade penal pelo mero resultado. Não obstante, o marco penal excessivamente elevado em comparação ao que se obtém com a soma das penas do crime-base e do delito correspondente ao resultado qualificatório exige que se questione qual a peculiaridade do conteúdo de injusto dos crimes qualificados pelo resultado justifica a punibilidade mais elevada e se há alguma ofensa ao princípio da culpabilidade.
Palavras-chave: Direito penal; Crimes qualificados pelo resultado; Princípio da culpabilidade; Conteúdo de injusto.
Abstract: The qualified crimes by the result have developed from the objective criminal liability enunciated by the theory of versari in re illicita. The evolution of the criminal sciences in parallel with the rule of law has given new contours to this kind of crime, especially with the development of the culpability principle, , which in one of its formations aims to exclude from the legal system any and all forms of criminal liability for the mere result Nevertheless, the excessively high penalies in relation to what is obtained cumulation of the initial offences and the crime corresponding to the qualifying result demands the questioning about the peculiarity of the unjust content of the qualified offences by the result that justifies the highest punishability and if there is any offense of the culpability principle.
Keywords: Criminal law; Qualified crimes by the result; Culpability principle; Unjust content.
Introdução
Os delitos qualificados pelo resultado, historicamente, se fundamentam na teoria do versari in re illicita , segundo a qual o agente responderia, independentemente de culpa, por quaisquer consequências provocadas por uma ação inicial proibida. Em outros termos, o autor do delito seria objetivamente responsável pelo resultado mais grave em decorrência da prática de um ato ilícito. Trata-se, inequivocamente, de uma manifestação da responsabilização penal objetiva e, por conseguinte, contrária ao princípio da culpabilidade, o qual veda, no plano da tipicidade do delito, que a responsabilização penal se dê por um resultado perante ao qual o agente não tenha agido, ao menos, de maneira culposa. Em uma análise inicial, o art. 19 do atual Código Penal brasileiro, introduzido na reforma de 1984, eliminou a possibilidade de responsabilização pela mera causação do resultado qualificatório ao estabelecer que pelo resultado que agrava a pena, o agente responde apenas se tiver agido ao menos culposamente. A princípio, portanto, o referido dispositivo inseriu a vedação a responsabilização penal objetiva, colocando fim à acepção clássica de crimes qualificados pelo resultado. Atualmente, os crimes qualificados pelo resultado são compreendidos como tipos penais, dolosos ou culposos, aos quais se atribui maior grau de reprovabilidade em razão de uma consequência mais gravosa subsequente. Dentre os principais exemplos dessa espécie de delito no ordenamento jurídico brasileiro, é possível citar: o crime de lesões graves (art. 129, § 1º e § 2º), o desastre ferroviário culposo com resultado de lesão ou morte (art. 260, § 2º c/c art. 263), a lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º) e o “latrocínio” (art. 157, § 3º, II). Não obstante o art. 19 do Código Penal brasileiro, que teria corrigido a imperfeição jurídica dessa espécie delitiva, alguns fatores permitem questionar se atualmente os tipos qualificados pelo resultado mais gravoso estão em conformidade plena com o princípio da culpabilidade. Entre as questões que possibilitam o questionamento acerca da compatibilidade das figuras qualificadas pelo resultado com o princípio da culpabilidade, destacamos o fato de que na comparação entre as penas previstas para os delitos qualificados pelo
Para Julian Pereda (1956, p. 213) a responsabilização penal objetiva é compreendida como aquela que prescinde do aspecto subjetivo do agente do ato criminoso, trata-se da responsabilidade pelo mero fato. Em quase todas civilizações, o Direito Penal surgiu com essa característica da objetividade, e que, portanto, desconsiderava o aspecto psicológico das condutas. Como uma das formas de manifestação da responsabilização penal objetiva destaca-se a teoria do versanti in re illicita atiam castrs imnutatur , que assume como principal forma a ideia segundo a qual “aquele que quis a causa, quis o efeito” (ZAFFARONI, 1981, p. 425). Dentre as variantes da referida teoria, destaca-se o versari in re illcita , que determina a responsabilização criminal do sujeito por todas consequências derivadas de sua ação inicial proibida, ainda que não fossem queridas, previstas ou previsíveis (CEREZO MIR, 1962, p. 47). Com o avanço e aprimoramento da ciência penal, desenvolveu-se o princípio da culpabilidade, e passou-se a se exigir “o chamado "elemento subjetivo" ou "psicológico" do delito, no sentido de que nenhum fato ou comportamento humano seria valorado como ação se não considerado como fruto de uma decisão (FERRAJOLI, 2002, p. 390). O princípio da culpabilidade, em sua forma primitiva, pode ser resumido à ideia de que não há delito sem subjetividade, diante da máxima nullum crimen, nulla poena, sine culpa , que se desenvolveu como oposição ao versari in re illicita. Contudo, a evolução do referido princípio, em paralelo à própria noção de culpabilidade enquanto elemento do crime, acabou por torná-lo mais complexo, sobretudo porque o dolo e a culpa foram transferidos para o tipo penal e à culpabilidade restou os aspectos valorativos relacionados à reprovabilidade da conduta típica e antijurídica^1. Nesse sentido, considerando a exigência de dolo ou culpa para se evitar uma responsabilização penal objetiva e, ao mesmo tempo, a exigência da culpabilidade
(^1) A culpabilidade, a partir da revolução trazida pelo finalismo, deixou de ser o elemento do delito em que se alocavam o dolo e a culpa. Isso porque na concepção finalista a ação e a finalidade não seriam elementos dissociáveis, toda ação humana seria o exercício da finalidade. Desse modo o dolo e a culpa stricto sensu foram realocados para o tipo, posto que tanto nos crimes dolosos, quanto nos culposos, há uma ação direcionada a um determinado fim (TOLEDO, 1994, p. 228). Assim, a culpabilidade como elemento do delito passou a ser concebida como sinônimo de reprovabilidade pessoal, que tem como pressuposto a imputabilidade e se realiza tendo em vista a possibilidade de conhecimento do injusto (potencial consciência da ilicitude) e a exigibilidade de ação conforme o direito.
enquanto aspecto valorativo de reprovabilidade, Zaffaroni (1981, p. 424) reconhece a aplicabilidade do nullum crimen sine culpa em dois níveis da teoria do delito: na tipicidade e na culpabilidade. Na tipicidade, o princípio enuncia que qualquer conduta típica deve se realizar a título de dolo ou, ao menos, a título de culpa, de forma que o resultado provocado sem que esteja presente uma vontade direcionada a sua produção ou que não obedeça aos requisitos da culpa stricto sensu , não pode ser objeto da sanção criminal. Na culpabilidade, por outro lado, o princípio significa que para a punibilidade é necessário que o injusto penal também seja reprovável a partir de aspectos valorativos. A partir disso, ao princípio da culpabilidade é possível atribuir três funções decorrentes de sua estruturação histórica, quais sejam: fundamentação da pena; limitação da pena e contrariedade à responsabilidade objetiva. A vedação à responsabilidade objetiva , como visto, impede a responsabilização criminal pelo mero fato, sem que haja uma conduta dolosa ou culposa. A culpabilidade como fundamento da pena possibilita a responsabilização de um fato típico e ilícito desde que presentes os elementos que constituem a culpabilidade de acordo com a teoria normativa pura e sem os quais impede- se a responsabilização penal: a imputabilidade, a consciência do injusto e a exigibilidade de conduta conforme o direito. Por fim, a terceira função do princípio da culpabilidade seria a de limitação da pena , ou seja, a culpabilidade forneceria um limite máximo da sanção penal, de modo que esta não poderia ultrapassar a gravidade do injusto (BITENCOURT, 2012, p. 117).
2. Da conceituação de “delito qualificado pelo resultado”
O tratamento dos delitos qualificados pelo resultado na doutrina nacional e estrangeira não possui uniformidade, diferentes autores utilizam o termo para se referir a diferentes espécies de delitos. Assim, é fundamental que se faça um apanhado dos diferentes sentidos dados ao termo para que seja possível a compreensão do objeto do presente trabalho. A concepção original dos delitos qualificados pelo resultado decorre da teoria do versari in re illicita , uma vez que para a imputação do resultado qualificador admitia-se a causação meramente fortuita, ou seja, a partir do momento em que o agente fosse
determina o art. 19 do Código Penal: “Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente” (BRASIL, 1940) Embora os crimes qualificados pelo resultado sejam tratados como sinônimos dos preterdolosos por alguns autores brasileiros, prevalece a corrente que os distingue. De acordo com Miguel Reale Jr (2006, p. 265-66), autor que entende haver diferença entre as duas figuras delitivas, “no preterdoloso há um crime doloso básico, inicial, a que se segue de forma homogênea o agravamento do mesmo bem jurídico que não se queria causar, mas que se causa culposamente, ultrapassando-se, desse modo a intenção”. Por outro lado, nos qualificados pelo resultado, verifica-se “a existência de um delito-base do qual se gera um evento que o qualifica e aumenta a pena, compreendendo toda forma de crime agravado pelo resultado”. Nesse sentido, deve-se “entre o delito-base, que pode ser doloso ou culposo, produzir-se, por um nexo de causalidade, uma consequência, que agrava o resultado pretendido originalmente, transformando o perigo dano efetivo, ou lesionando de modo mais grave o mesmo bem jurídico, ou ferindo bem jurídico diverso”. Nessa mesma linha, Bitencourt (2012, p. 831) ensina que “no crime qualificado pelo resultado, ao contrário do preterdoloso, o resultado ulterior, mais grave, derivado involuntariamente da conduta criminosa, lesa um bem jurídico que, por sua natureza, não contém o bem jurídico precedentemente lesado”. O autor ainda utiliza exemplos para justificar seu entendimento, vejamos:
Assim, enquanto a lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º) seria preterintencional, o aborto seguido da morte da gestante (arts. 125 e 126 combinados com o 127, in fine) seria crime qualificado pelo resultado. O raciocínio é simples: nunca se conseguirá matar alguém sem ofender sua saúde ou integridade corporal (lesão corporal seguida de morte: crime preterdoloso), enquanto para matar alguém não se terá necessariamente de fazê-lo abortar (aborto com ou sem consentimento da gestante: crime qualificado pelo resultado). (BITTENCOURT, 2012, p. 832)
O espanhol Miguel Ángel Boldova Pasamar^2 estabelece uma distinção entre os delitos qualificados pelo resultado e as denominadas figuras qualificadas ou agravadas por um resultado mais grave. Nesse sentido:
(^2) BOLDOVA PASAMAR, Miguel Ángel. Imputación subjetiva de resultados “más graves” en el Código Penal español. ADPCP , 1994, fasc. II, p. 57 e ss.
Nos delitos qualificados pelo resultado a previsão de uma pena superior deve-se a um maior conteúdo de injusto e/ou às exigências de prevenção geral, imputando-se o resultado a título de culpa; por outro lado, nas figuras qualificadas ou agravadas por um resultado mais grave , este último deverá estar abarcado pelo dolo, de maneira que nelas não se verifica um conteúdo de injusto superior ao já inerente à circunstância dolosa na qual se baseia a agravação da pena e tampouco é possível justificar a elevação da pena com lastro em razões de prevenção geral. (CARVALHO, 2006, p. 16)
O jurista espanhol, portanto, considera que os crimes qualificados pelo resultado seriam uma espécie delitiva que admitiria apenas o resultado agravatório provocado culposamente, ao passo que nas figuras qualificadas pelo resultado mais grave haveria, inicialmente^3 , dolo em relação ao resultado qualificatório. Além da divergência do uso do termo, percebe-se, ainda, uma imprecisão quanto ao grau de generalidade de sua utilização. Alfonso Cadernal Murillo (1989, p. 594-595), compreende os delitos qualificados como um gênero do qual seriam espécies todas as formas de delitos com ulterior resultado qualificatório, independentemente da combinação entre o delito-base e o resultado: dolo-dolo, dolo-culpa, culpa-culpa. Nós entendemos ser possível utilizar a expressão “delitos qualificados pelo resultado” tanto em sentido amplo, quanto em sentido estrito. Assim, a terminologia “qualificados pelo resultado lato sensu” representa todas as figuras delitivas em que a lei estabelece um aumento do marco penal em razão de o agente ter produzido, dolosa ou culposamente, uma consequência posterior mais grave que também poderia ser dolosa ou culposa. Ou seja, em sentido amplo o termo abarca todas as combinações possíveis entre o crime-base e o resultado qualificatório: dolo-dolo – lesões corporais graves (art. 129, § 1º e § 2º); dolo-culpa – todos os delitos preterdolosos, como a lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º), culpa-culpa - explosão culposa qualificada pelo resultado morte culposo (arts. 251, § 3º c/c art. 258). Já o termo “qualificados pelo resultado stricto sensu” representa uma subespécie delitiva em que a lei penal estabelece uma cominação especial em razão de, na execução de um delito-base inicial, o autor alcançar um ulterior resultado mais gravoso, sendo irrelevante para a imputação se o fez de forma culposa ou dolosa. Ou seja, admite-se para o mesmo tipo e, consequentemente, sob o mesmo marco penal, as combinações dolo-
(^3) Diz-se “inicialmente”, uma vez que o autor explica que a inserção, no Código Penal espanhol, de um artigo correspondente ao art. 19 do Código Penal brasileiro, teria, por consequência, ampliado as figuras qualificadas pelo resultado mais grave também para a combinação dolo-culpa, o que teria gerado uma confusão entre estas figuras e os delitos qualificados pelo resultado.
Para tornar ainda mais clara a disparidade, imaginemos duas situações hipotéticas: na primeira, o sujeito, para efetivar a subtração de uma coisa, desfere um empurrão na vítima, que se desequilibra choca a cabeça contra uma pedra e morre por traumatismo craniano. Na segunda, o agente do delito efetiva o roubo mediante grave ameaça e, na fuga, empurra uma pessoa idosa, que falece ao estatelar-se. Muito embora, as condutas sejam muito semelhantes, à primeira, por se tratar de um roubo qualificado pela morte, aplica-se um marco penal de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, enquanto à segunda, em que há roubo e homicídio culposo em concurso, incidirá uma pena que variará entre 5 (cinco) e 13 (treze) anos. A princípio, é possível afirmar que há uma violação ao princípio da proporcionalidade na medida em que muito embora as consequências danosas sejam semelhantes, a sanção aplicável a cada uma das situações é bastante diferente. Não obstante, é necessário que verifiquemos se há alguma especificidade no conteúdo de injusto dos delitos qualificados pelo resultado que justifique o marco penal mais elevado em comparação ao conteúdo de injusto do que se obtém com a aplicação das regras do concurso de crimes.
3. Do conteúdo de injusto dos delitos qualificados pelo resultado
Inicialmente, é importante compreender o que se compreende como conteúdo de injusto. Juarez Tavares (2000, p. 175) ensina que conteúdo de injusto diz respeito à estruturação dos elementos do tipo e da antijuridicidade, bem como aos que se compreende dos juízos de valor emanados pelo delito. Nas palavras do autor:
a constituição do conteúdo do injusto decorre, assim, da análise diferenciada que se deve realizar sobre os elementos que compõem o tipo e a antijuridicidade, de modo a tornar possível a perfeita delimitação da conduta proibida ou mandada. Isto se impõe por imperiosa necessidade dogmática, que se destina a emprestar à tarefa da decisão jurídica os instrumentos adequados à solução do caso sobre o fato concreto.
Dessa forma, uma análise do conteúdo de injusto permite observar se há alguma peculiaridade na construção dos crimes qualificados pelo resultado que os tornaria mais graves o que, portanto, justificaria as sanções mais elevadas. Ou se esses crimes nada mais
seriam do que uma categoria a qual Juarez Tavares (2000, p. 194) denomina “unidade legislativa de fatos que se relacionam em concurso formal”, ou seja, nada mais do que uma previsão típica que conteria exatamente o mesmo conteúdo de injusto que o obtido pelas regras do concurso de crimes entre o tipo-base e o delito correspondente ao resultado qualificador. O posicionamento que atualmente prevalece nas ciências penal é de considerar os delitos qualificados pelo resultado enquanto uma categoria autônoma, distinta do concurso de crimes e, portanto, com conteúdo de injusto próprio. Entre os autores que defendem a manutenção dessa espécie delitiva, podemos selecionar alguns dos argumentos utilizados para legitimar a pena mais elevada. Gunther Jakobs (1995, p. 398-400), por exemplo, admite os delitos qualificados pelo resultado como uma categoria própria de tipificação. O autor não rechaça completamente a responsabilização com base no princípio do versari in re illicita e expõe expressamente que, embora a teoria não seja suficiente para justificar completamente os crimes qualificados pelo resultado, também não haveria razão para a supressão da categoria delitiva. O autor fundamenta que a legislação, diante da decisão inicial do agente em mover-se no âmbito da ilicitude e da posterior causação de um resultado mais rigoroso culposo, poderia lhe impor uma sanção mais elevada por se tratar de uma categoria especialmente grave, que justificaria, a partir de uma determinada tipologia criminológica, a não aplicação das regras do concurso de delitos. Contudo, conforme explica Juarez Tavares (2000, p. 196), o argumento de Jakobs é incompatível com um direito penal de garantia, porquanto não se pode legitimar uma agravação simplesmente por força da tomada de decisão do agente, sem que se demonstre que esta decisão se tenha estendido ao resultado mais grave. Isso porque de certa forma, o que se retoma é a ideia segundo a qual o elemento subjetivo relevante estaria presente apenas na ação inicial, retomando a teoria de que “na vontade da causa situa-se a vontade do efeito”. Claus Roxin (1997, p. 330) sustenta que a razão para o legislador estabelecer um marco penal mais elevado seria a de que nos crimes qualificados pelo resultado o injusto seria incrementado em comparação com o concurso de crimes, uma vez que o delito doloso inicial seria carregado com o risco da produção do resultado mais gravoso.
fundamento de maior punibilidade estaria presente apenas nos delitos qualificados pelo resultado estruturados na combinação dolo-culpa, assim como Roxin. Portanto, é possível observar uma certa uniformidade nos argumentos acima. Em todos eles, o fundamento da maior pena é retirado de um suposto conteúdo de injusto adicional em comparação ao que se obtém com o conteúdo de injusto dos delitos dolosos e culposos. Com a exceção da tese levantada Jakobs, a qual já rebatemos, os demais autores justificam que o maior conteúdo de injusto residiria, de forma geral, no fato de se inserir, no delito-base doloso precedente, a potencialidade de perigo de se conduzir a produção do resultado mais grave, ainda que de forma culposa. Diante disso, é necessário verificar se no conteúdo de injusto da espécie qualificada pelo resultado há algum elemento que confere especificidade e que impediria subsumir a situação fática às regras do concurso de crimes. Diez Ripollés (1983, p. 103), a respeito da tese da potencialidade de produção do resultado mais grave, questiona por qual razão o conteúdo de perigo contido no delito base seria valorado apenas quando presente um resultado mais grave, que forçaria a incidência de um tipo qualificado pelo resultado. Ou seja, se o perigo está presente em todas hipóteses de realização do tipo-base, ele deveria ser igualmente valorado sempre. Além disso, se o perigo contido no tipo-base é tão relevante, não há motivo para valorá-lo apenas quando ocorre o resultado que ele visa evitar. Ademais, se considerarmos que o delito-base doloso contém o perigo de produção do resultado mais grave, estaríamos diante de uma dupla valoração do perigo, que deveria se resolver pelas regras do conflito aparente de normas penais, mais especificamente pelo princípio da consunção (DIEZ RIPOLLÉS, 1983, p. 105). Isso porque o tipo-base doloso já conteria o perigo com relação a produção do resultado mais grave e o tipo-base culposo seria nada mais do que a concretização desse perigo em dano. Seria como punir um sujeito por criar um perigo proibido e, ao mesmo tempo, por ter provocado o resultado danoso, sendo que pelo princípio da consunção a criação do perigo é absorvida pelo resultado danoso criado. Portanto, admitir a existência de um perigo de dano e, ao mesmo tempo, a concretização deste dano faria com que uma só ação fosse desvalorada duas vezes, algo inadmissível no Direito Penal. Ou seja, pelo princípio da consunção o crime-fim abarca o crime-meio, uma vez que o fim da proibição deste é justamente evitar a consumação do crime-fim. Assim, uma
vez praticado o delito-fim, este consome o delito menos grave. Portanto, se é verdade que nos tipos qualificados pelo resultado o tipo-base contém o risco de produção do resultado qualificatório, uma vez alcançado o resultado, o crime-base deveria ser consumido pelo correspondente ao resultado qualificatório. O problema se repete com relação ao tipo subjetivo, na medida em que na conduta inicial dolosa há um dolo a respeito do resultado material e um dolo de perigo acerca do resultado mais grave. O dolo de perigo se manifesta, no mínimo, como uma assunção de risco a respeito do resultado mais grave, ou seja, o agente conhece e admite a possibilidade de que o risco se concretize como dano. Na culpa consciente de lesão, não obstante o autor conheça o risco, ele confia que a lesão não se concretizará, enquanto na culpa consciente de perigo, o autor conhece o risco de produção do perigo, mas confia que não se manifeste, pelo que se pode dizer que o injusto de culpa consciente de perigo está contido na culpa consciente de lesão. Do mesmo modo, é possível compreender que a culpa de lesão e o dolo de perigo estão contidos um no outro, porque um delito culposo de dano tem como elemento subjetivo o dolo de perigo. Dessa forma, se um tipo penal valora, ao mesmo tempo e acerca de uma mesma conduta, o dolo quanto ao perigo e a culpa quanto à concretização do resultado, nada mais há do que um duplo juízo acerca de uma mesma ação. Tanto do ponto de vista do tipo objetivo, quanto do ponto de vista do tipo subjetivo, se colocarmos que estamos diante de um tipo doloso de perigo quanto ao resultado mais grave e um tipo culposo de dano com relação a esse mesmo resultado, nada mais se trata do que uma típica hipótese que se resolve pelas regras do concurso aparente de normais penais, mais especificamente por meio do princípio da consunção. Desse modo, a tentativa de justificar o maior conteúdo de injusto dos delitos qualificados pelo resultado com base em um suposto maior conteúdo de injusto se mostra viciada, na medida em que parte de um duplo juízo de desvalor da ação de uma única conduta. Em outras palavras, para os partidários da existência de um conteúdo adicional de injusto sustentado na potencialidade do perigo de causação das consequências mais gravosas, em todos os delitos culposos, a ação possui uma carga de risco de produção do resultado, sendo que a única peculiaridade das figuras qualificadas pelo resultado é de que
trânsito decorrentes da embriaguez ao volante em concurso formal com homicídio culposo. Embora a segunda situação seja, indiscutivelmente, mais grave do que a segunda, verifica-se que a maior gravidade do injusto não deriva da real situação de perigo, apenas de um princípio de imputação objetiva, insuficiente para agravar o fato. Ademais, o risco e o aumento da probabilidade de produção de um resultado mais grave, contida em um delito inicial doloso, também pode se manifestar com a conjugação de um crime doloso e um crime culposo em concurso formal. Desse modo, os delitos qualificados pelo resultado apenas se sustentam se elaborados com o mesmo conteúdo de injusto resultante da aplicação das regras do concurso formal, haja vista a inexistência de uma maior gravidade na lesão causada ou no perigo de lesão ao bem jurídico representado pelo resultado qualificador. Portanto, a exigência de “ao menos culpa” quanto ao resultado qualificatório, conforme feito no art. 19 do Código Penal brasileiro, tem como objetivo garantir o princípio da culpabilidade e a completa exclusão da responsabilidade penal objetiva do ordenamento jurídico. Não obstante, a inexistência de qualquer elemento justificador da elevada pena, faz dos crimes qualificados pelo resultado uma forma de manifestação do versari in re illicita , porquanto a conduta típica descrita é perfeitamente abarcada pelo concurso de crimes e o marco penal mais elevado não encontra fundamento em um suposto maior conteúdo de injusto, mas simplesmente no fato de o sujeito ter agido inicialmente em campo ilícito. Trata-se de situação completamente incompatível com o princípio da culpabilidade e do ordenamento jurídico principiológico por considerar a decisão do agente como conteúdo de injusto do fato, porque nessa hipótese o conteúdo de injusto está sendo alicerçado em um fatos simbólico, na medida em que não é possível determinar a conexão entre a conduta do sujeito e o resultado mais grave, sendo apenas presumida (TAVARES, 2000, p. 197). O conteúdo de injusto deve ser determinado pela efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. Toda a argumentação contrária à manutenção da modalidade dolo-culpa e culpa- culpa de delito qualificado pelo resultado também se aplica à modalidade dolo-dolo. Isso porque as hipóteses em que há dolo no tipo-base e dolo no resultado qualificatório não se distinguem de qualquer maneira, no que diz respeito aos elementos subjetivos e objetivos
do tipo, aos delitos dolosos comuns e não há que se falar em maior conteúdo de injusto em comparação ao concurso de delitos pelas mesmas razões já trabalhadas. É verdade, porém, que alguns autores, até mesmo favoráveis a manutenção dos delitos qualificados pelo resultado, chegam a rejeitar a combinação dolo-dolo por entenderem que só se pode falar de resultado qualificatório se este é uma consequência secundária (produzida de forma culposa) de uma ação que, inicialmente, teria outros fins. Ou seja, defendem que não seria possível falar em resultado qualificatório quando tal resultado é produzido com consciência e vontade. Em momento mais oportuno ao longo deste trabalho retomaremos a modalidade dolo-dolo para tratarmos de suas especificidades e dos questionamentos com maior vagar. Para concluir, concordamos que a manutenção dos delitos qualificados pelo resultado no Código Penal brasileiro impede a plena concretização do princípio da culpabilidade, na medida em que se atribui ao agente do delito-base uma pena bastante superior ao que se obtém com o concurso de crimes, mesmo que sua ação ilícita não se diferencie, de qualquer forma, das hipóteses do concurso de delitos. A conduta punida pelo crime qualificado pelo resultado não se distingue, essencialmente a ponto de justificar o marco penal tão mais elevado, da conduta punida pelo concurso de crimes no que diz respeito ao desvalor do resultado (o bem jurídico é lesado com a mesma gravidade) e quanto ao desvalor da ação (o modo pelo qual a lesão é produzida).
Conclusão
Os delitos qualificados, portanto, compreendem uma categoria histórica de imputação relacionada ao princípio do versari in re illicita , uma teoria segundo a qual o agente do delito seria responsável por todas consequências posteriores em razão de sua conduta inicial ilícita. Trata-se de uma forma de responsabilização penal objetiva, uma vez que ignora os aspectos subjetivos da conduta com relação ao resultado mais gravoso. Com o desenvolvimento do princípio da culpabilidade e a vedação à responsabilização penal objetiva, os delitos qualificados pelo resultado passaram por uma mudança de sentido, uma vez que os ordenamentos jurídicos penais inseriram o princípio segundo o qual o agente responderia pelo resultado agravador da pena apenas se tivesse
verificam diversas especificidades estranhas ao restante do ordenamento jurídico penal. Para além da questão relativa ao conteúdo de injusto e o maior marco penal, pode-se citar como outra especificidade a indiferença, quanto ao marco penal, na imputação dolosa e culposa do resultado qualificatório dos delitos qualificados pelo resultado em sentido estrito, do qual é exemplo o crime de latrocínio.
Referências bibliográficas
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, parte geral, vol. 1. 17. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2012.
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 09 maio 2019
CARDENAL MURILLO, Alfonso. Naturaleza y límites de los delitos cualificados por el resultado. Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales , Madri, p. 593-620, set-dez. 1989.
CARVALHO, Erika. O tratamento penal da violência doméstica no Brasil: uma abordagem crítica. Ciências Penais. São Paulo: RT, v. 4, 2006.
CEREZO MIR, José. El versari in re illicita en el Código Penal Español. Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales , Madri, p. 47-60, jan-abr. 1962.
DIEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los delitos calificados por el resultado y el artículo 3° del proyecto de Código penal español de 1980 (II). Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales , Madrid, p. 101- 126, 1983.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
JAKOBS, Günter. Derecho Penal: Parte general, fundamentos y teoría de la imputación. Madrid: Marcial Pons, 1997.
MURILLO, Alfonso Cardenal. Naturaleza y límites de los delitos cualificados por el resultado_. Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales_ , Madri, p. 594-619, 1989.
PEREDA, Julian. Vestigios actuales de la responsabilidad objetiva. Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales , Madri, p. 213-227, maio-ago. 1956.
REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense,
ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General. Tomo I. Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delito. Madrid: Civitas, 1997.
TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Tratado de derecho penal: parte general. Buenos Aires: Ediar, 1999, v. IV.
ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.